V.22,
nº
49
-
2024
(setembro-dezembro)
ISSN:
1808-799
X
JUVENTUDE
TRABALHADORA
E
SINDICATOS:
FORMAS
E
DINÂMICAS
DA
AÇÃO
COLETIVA
NO
RIO
DE
JANEIRO
[Marco
Aurélio
Santana
e
Alexandre
Barbosa
Fraga
(orgs.)]
1
José
Luiz
Soares
2
O
livro
Juventude
trabalhadora
e
sindicatos:
formas
e
dinâmicas
da
ação
coletiva
no
Rio
de
Janeiro
é
fruto
de
um
conjunto
de
pesquisas
do
Núcleo
de
Estudos
Trabalho
e
Sociedade
(NETS-UFRJ),
coordenado
por
Marco
Aurélio
2
Pós-doutorando
em
Direito
pela
Universidade
Federal
do
Rio
de
Janeiro
(UFRJ)
-
Brasil,
com
bolsa
Capes.
Doutor
em
Sociologia
pela
Universidade
Federal
do
Rio
de
Janeiro
(UFRJ).
E-mail:
zeluizdos@yahoo.com.br
.
Currículo
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4866019186532683
.
ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-2161-1946
.
1
Resenha
recebida
em
09/08/2024.
Aprovado
pelos
editores
em
31/09/2024.
Publicado
em
05/12/2024.
DOI:
https://doi.org/10.22409/tn.v22i49.64046
1
Santana
e
Alexandre
Barbosa
Fraga.
A
obra
é
composta
por
oito
artigos
que
apresentam
resultados
de
estudos
empíricos
sobre
ações
coletivas
(greves,
paralisações,
passeatas,
ocupações
etc.)
realizadas
por
trabalhadores/as
fluminenses
nos
últimos
dez
anos.
Os/as
protagonistas
desse
ativismo
provêm
de
grupos
profissionais
diversos
–
entregadores/as
de
aplicativo,
trabalhadores
de
teleatendimento,
garis,
trabalhadores/as
de
supermercados,
metalúrgicos,
rodoviários
e
trabalhadores/as
da
cultura
–
e
conduzem
seu
ativismo
tanto
em
vertentes
institucionalizadas
(sindicatos)
quanto
movimentistas
(movimentos
sociais),
num
cenário
fortemente
marcado
por
transformações
no
mundo
do
trabalho,
mudanças
tecnológicas,
sociabilidades
que
se
contrapunham
à
participação
coletiva
e
múltiplas
crises
(econômica,
da
democracia,
pandêmica
etc.).
As
ações
coletivas
dos
trabalhadores
fluminenses
são
abordadas
por
meio
do
aporte
teórico
do
confronto
político
,
desenvolvido
por
Charles
Tilly,
Sidney
Tarrow
e
Doug
McAdam
(embora
o
ferramental
de
outras
linhagens
teóricas
desponte
de
maneira
marcante
aqui
e
acolá).
Fazendo
uso
de
conceitos
como
confronto
político
,
oportunidades
e
constrangimentos
políticos
,
repertório
de
ação
coletiva
,
performance
,
ciclo
de
protestos
,
inovação
tática
e
eficácia
instrumental
,
os/as
autores/as
dos
artigos
brindam
os
leitores
com
um
rico
compilado
de
elementos
para
a
compreensão
das
mobilizações
dos
trabalhadores
tais
como
elas
de
fato
ocorrem
(isto
é,
mais
nos
domínios
do
ser
do
que
no
do
dever
ser
),
no
Rio
de
Janeiro
e
alhures.
Primeiramente,
o
livro
contribui
para
a
fuga
de
interpretações
mais
pessimistas,
as
quais,
a
partir
das
transformações
no
mundo
do
trabalho
verificadas
nas
últimas
décadas,
deduziram
o
fim
de
quaisquer
formas
significativas
de
agenciamento
coletivo
por
parte
dos/as
trabalhadores/as
e
que
estes/as
teriam
sua
subjetividade
totalmente
“capturada”
por
um
discurso
empresarial
individualista,
que
os/as
faria
aderir
aos
valores
da
empresa
e
desprezar
as
iniciativas
sindicais
ou
de
outros
coletivos.
Em
contrapartida,
os
estudos
empíricos
em
questão
demonstram
que
os/as
trabalhadores/as
muitas
vezes
não
se
conformam,
que
são
capazes
de
se
organizar
e
mobilizar
em
favor
de
seus
próprios
interesses
e
que
há
notórios
sinais
de
revitalização
de
movimentos
organizativos
em
torno
do
trabalho.
Demonstram
também
que
o
sindicato
continua
sendo
um
importante
dispositivo
institucional
de
canalização
das
reivindicações
–
afinal,
é
ele
quem
detém
legitimidade
para
2
representar
os/as
trabalhadores/as
em
ações
judiciais
e
em
negociações
coletivas
com
empregadores
–
e
um
ator
político
fundamental
nos
conflitos
trabalhistas
contemporâneos,
ainda
que
as
ações
coletivas
por
vezes
se
deem
à
revelia
do
mesmo
e
que
algumas
formas
de
fazer
sindicalismo
tenham
se
enfraquecido
ou
ficado
para
trás.
Então...
Ufa!
There
is
alternative
!
Sindicatos
e
movimentos
sociais
ainda
possuem,
a
despeito
de
todas
as
limitações,
alguma
capacidade
de
reagir
aos
desafios
colocados
no
mundo
do
trabalho
contemporâneo.
Os
artigos
também
convergem
para
a
concepção
de
que
as
interações
entre
trabalhadores/as
nos
confrontos
políticos
podem
seguir
diferentes
padrões:
ora
com
a
ação
coletiva
sendo
organizada
pelo
sindicato
com
o
apoio
da
base/juventude
trabalhadora;
ora
com
a
própria
base/juventude
trabalhadora
promovendo
as
ações
e
contando
com
o
apoio
do
sindicato;
ora,
ainda,
com
as
ações
sendo
construídas
pela
base/juventude
trabalhadora
à
revelia
do
sindicato
ou,
logicamente,
pelo
sindicato
com
relativa
independência
em
relação
a
suas
bases.
Os
sindicatos
e
as
bases/juventude
trabalhadora
se
revezam
na
busca
por
protagonismo
político;
frequentemente
divergem
e
tensionam
a
respeito
de
formas
de
organização,
de
reivindicações
e
de
táticas/estratégias
a
serem
adotadas;
mas
também
é
comum
que
se
reconheçam
como
potenciais
aliados
e,
atuando
juntos,
fortaleçam-se
mutuamente
em
situações
de
confronto
contra
um
antagonista
comum.
Como
o
confronto
político
se
trata
de
uma
situação
em
que
um
grupo
faz
reivindicações
a
outro,
cujos
interesses
são
contrapostos,
contar
com
aliados
é
algo
fundamental.
Dentre
outros
fatores,
os
aliados
podem
proporcionar
oportunidades
políticas
e
recursos
para
promover
a
ação
coletiva,
além
de
ganhos
de
visibilidade
e
legitimidade.
As
alianças
se
dão
não
apenas
entre
sindicatos
e
movimentos
de
base,
mas
também
com
representantes
das
estruturas
estatais,
com
outros
tipos
de
movimentos
sociais,
com
instituições
religiosas
etc.;
e
podem
remeter
a
diferentes
níveis
de
articulação:
local,
regional,
nacional
e/ou
transnacional.
Outro
elemento
importante
para
a
compreensão
das
ações
coletivas
deriva
do
encontro
entre
trabalhadores/as
de
diferentes
gerações.
O
livro
demonstra
o
quanto
esse
contato
favorece
a
transmissão
de
tradições
políticas
de
uma
geração
a
outra,
a
difusão
de
repertórios
,
o
aprendizado
mútuo,
a
criatividade
e
a
inovação.
Sindicalistas
mais
experientes
podem
identificar
nos/as
jovens
trabalhadores/as
um
fator
potencial
de
renovação,
capilaridade,
radicalidade
e
fortalecimento
de
suas
3
pautas
e
formas
de
ação.
De
outra
parte,
os/as
jovens
trabalhadores/as
podem
fazer
um
uso
instrumental
dos
sindicatos
em
suas
lutas
pela
ampliação
de
direitos.
Contudo,
como
mencionado
acima,
a
interação
entre
os
dois
entes
não
é
livre
de
tensões.
Há
sempre
a
possibilidade
de
divergência
entre,
de
um
lado,
a
lógica
pragmática
da
negociação
e
do
confronto
que
orienta
a
direção
dos
sindicatos
e,
de
outro,
o
desejo
intenso
e
mais
urgente
das
bases
em
resolver
ou
atenuar
os
sofrimentos
e
condições
precárias
que
experimentam
nas
relações
de
trabalho.
Decorre
daí
que
o
encontro
entre
trabalhadores/as
de
diferentes
gerações
traz
consigo,
como
risco
ou
como
conveniência
(dependendo
do
ponto
de
vista),
a
possível
desestabilização
de
estruturas
e
práticas
há
muito
estabelecidas
no
sindicalismo.
No
mais,
o
próprio
repertório
de
ações
coletivas
desses
distintos
atores
sociais
envolve
a
integração
entre
o
“tradicional”
e
o
“novo”,
entre
performances
herdadas
do
passado
e
inovações
práticas.
Ao
serem
executadas
pelos
atores
sociais
que
vivem
os
dilemas,
oportunidades
e
constrangimentos
de
um
determinado
confronto
político
,
as
performances
são
sempre
reavaliadas,
ressignificadas,
reiteradas,
criticadas
e,
por
vezes,
atualizadas.
Em
outras
palavras,
ao
realizarem
as
ações
coletivas,
os
atores
sociais
sempre
buscam
adaptá-las
às
circunstâncias
imediatas
e
às
reações
de
antagonistas,
aliados,
autoridades
e
outros
que
de
alguma
maneira
se
envolvem
no
confronto.
“Novas”
e
“velhas”
práticas
se
articulam,
de
modo
que
uma
age
sobre
a
outra.
Nesse
ínterim,
como
alertam
os
teóricos
do
confronto
político
,
convém
“pegar
os
adversários
desprevenidos”.
As
performances
reivindicativas
,
uma
vez
postas
em
prática,
sempre
correm
o
risco
de
perder
eficácia.
Performances
empregadas
repetidamente
permitem
aos
adversários
o
aprendizado
e
a
preparação
para
enfrentá-las.
Em
contrapartida,
variações
nas
performances
e
o
fator
surpresa
da
inovação
podem
aumentar
a
eficácia
instrumental
das
práticas
reivindicatórias.
Ainda
no
campo
das
inovações,
salta
aos
olhos
a
importância
do
uso
de
novas
tecnologias
(aplicativos
de
mensagens,
redes
sociais
etc.)
em
todos
os
grupos
profissionais
estudados,
seja
para
fins
de
organização,
de
construção
da
mobilização
ou
mesmo
como
ações
táticas
em
si
(vide
o
caso
do
E-mail
de
Denúncia
criado
pelo
Sindicato
dos
Trabalhadores
em
Telecomunicações).
4
Por
fim,
cumpre
mencionar
que
o
contexto
desponta
de
muitas
maneiras
como
um
elemento
a
ser
considerado
para
uma
melhor
compreensão
das
ações
coletivas.
Assim,
por
exemplo,
o
momento
escolhido
para
a
execução
da
ação
coletiva
pode
favorecer
o
movimento
a
ganhar
visibilidade,
conquistar
aliados
e
obter
oportunidades
políticas
(vide
o
caso
da
greve
dos
garis
da
capital
fluminense
durante
o
carnaval
de
2014).
Outro
exemplo
diz
respeito
a
como,
dentro
de
certas
circunstâncias,
as
condições
precárias
de
vida
e
trabalho
podem
impelir
os/as
trabalhadores/as
para
a
organização
e
luta
por
melhores
salários
e
condições
de
trabalho.
Nesse
caso,
uma
espécie
de
situação-gatilho,
que
impele
os
indivíduos
a
realizarem
ações
de
resistência,
pode
ter
vez
a
partir
da
perda
repentina
de
direitos
em
um
contexto
de
crise
política
e
econômica
(como
foi
o
caso
da
greve
dos/as
comerciários/as
dos
supermercados
Mundial
em
2017,
realizada
após
mudanças
normativas
em
nível
federal
resultarem
em
perda
de
recebíveis
a
título
de
horas
extras
e
de
adicionais);
ou
a
partir
da
degradação
das
condições
de
trabalho
em
um
contexto
de
crise
pandêmica
(como
foi
o
caso
dos
“breques”
realizados
por
entregadores/as
de
aplicativos
durante
a
pandemia
da
COVID-19).
A
título
de
conclusão,
pode-se
dizer
que
o
livro
cumpre
bem
o
papel
de
lançar
luz
sobre
como
são,
de
fato,
as
ações
coletivas
dos/as
trabalhadores/as,
bem
como
sobre
a
relação
entre
setores
jovens
do
mercado
de
trabalho
e
dirigentes
sindicais
mais
experientes,
sempre
permitindo
observar
continuidades
e
rupturas
entre
esses
atores
e
suas
práticas
e
escapando
de
visões
mais
simplistas
e
polarizantes.
Referências
SANTANA,
M.
A;
FRAGA,
A.
B.
(orgs.).
Juventude
trabalhadora
e
sindicatos:
formas
e
dinâmicas
da
ação
coletiva
no
Rio
de
Janeiro.
1.
ed.
Rio
de
Janeiro:
7
Letras,
2023.
5