V.22,
nº
49
-
2024
(setembro-dezembro)
ISSN:
1808-799
X
JUVENTUDE
E
MOVIMENTOS
SOCIAIS:
O
LEVANTE
ESTUDANTIL
DE
2016
NO
COLÉGIO
ESTADUAL
LUIZ
CARLOS
DA
VILA
1
Lucilia
Maria
Barbosa
de
Aguiar
2
Resumo
O
texto
é
uma
reflexão
e
também
uma
homenagem
aos
estudantes
que
realizaram
a
ocupação
de
2016
no
Colégio
Estadual
Compositor
Luiz
Carlos
da
Vila,
situado
na
favela
de
Manguinhos,
no
Rio
de
Janeiro.
A
ocupação
foi
uma
resposta
ao
contexto
sociopolítico
marcado
por
medidas
de
austeridade
e
pela
deterioração
da
infraestrutura
da
educação
pública.
Os
estudantes
protestaram
contra
as
condições
precárias
da
escola,
incluindo
promessas
não
cumpridas
de
espaços
comunitários
abertos
e
a
falta
de
diálogo
entre
a
direção
do
colégio
e
o
corpo
discente.
Este
trabalho
traz
a
fala
dos
sujeitos
que
protagonizaram
a
ocupação
e
também
a
memória
coletiva
sobre
como
esses
movimentos
forjaram
identidades
e
militantes,
destacando
as
lutas
contínuas
por
uma
educação
de
qualidade
e
por
uma
participação
política
ativa
dos
jovens
nas
periferias
do
Rio
de
Janeiro.
Palavras-Chave
:
Estudantes;
Escola
Pública;
Periferia;
Ocupação;
Resistência.
MOVIMIENTOS
JUVENILES
Y
SOCIALES:
LA
MOVILIZACIÓN
ESTUDIANTIL
DE
2016
EN
EL
COLÉGIO
ESTADUAL
LUIZ
CARLOS
DA
VILA
Resumen
El
texto
es
una
reflexión
y
también
un
homenaje
a
los
estudiantes
que
realizaron
la
ocupación
de
2016
en
el
Colégio
Estadual
Compositor
Luiz
Carlos
da
Vila,
ubicado
en
la
favela
Manguinhos,
en
Río
de
Janeiro.
La
ocupación
fue
una
respuesta
al
contexto
sociopolítico
marcado
por
las
medidas
de
austeridad
y
el
deterioro
de
la
infraestructura
de
la
educación
pública.
Los
estudiantes
protestaron
por
las
malas
condiciones
de
la
escuela,
incluidas
las
promesas
incumplidas
de
espacios
comunitarios
abiertos
y
la
falta
de
diálogo
entre
la
administración
de
la
escuela
y
el
alumnado.
Este
trabajo
trae
el
discurso
de
los
sujetos
que
lideraron
la
ocupación
y
también
la
memoria
colectiva
sobre
cómo
estos
movimientos
forjaron
identidades
y
activistas,
destacando
las
continuas
luchas
por
una
educación
de
calidad
y
la
participación
política
activa
de
los
jóvenes.
en
las
afueras
de
Río
de
Janeiro.
Palabras
clave:
Estudiantes;
Escuela
Pública;
Periferia;
Ocupación;
Resistencia.
YOUTH
AND
SOCIAL
MOVEMENTS:
THE
2016
STUDENT
UPRISING
AT
COLÉGIO
ESTADUAL
LUIZ
CARLOS
DA
VILA
Abstract
The
text
is
a
reflection
and
also
a
tribute
to
the
students
who
carried
out
the
2016
occupation
at
Colégio
Estadual
Compositor
Luiz
Carlos
da
Vila,
located
in
the
Manguinhos
favela,
in
Rio
de
Janeiro.
The
occupation
was
a
response
to
the
sociopolitical
context
marked
by
austerity
measures
and
the
deterioration
of
public
education
infrastructure.
Students
protested
poor
conditions
at
the
school,
including
unfulfilled
promises
of
open
community
spaces
and
a
lack
of
dialogue
between
the
school
administration
and
the
students.
This
work
brings
the
speech
of
the
subjects
who
led
the
occupation
and
also
the
collective
memory
about
how
these
movements
forged
identities
and
activists,
highlighting
the
continuous
struggles
for
quality
education
and
active
political
participation
of
young
people
in
the
outskirts
of
Rio
de
Janeiro.
Keywords
:
Students;
Public
school;
Periphery;
Occupation;
Resistance.
2
Mestre
em
Educação
pelo
Programa
de
Pós-graduação
em
Educação
da
Universidade
Federal
Fluminense,
Niterói
(PPGED(FE/UFF).
Professora
da
Rede
Pública
Estadual
de
Educação
do
Rio
de
Janeiro,
atuando
no
Colégio
Estadual
Compositor
Luiz
Carlos
da
Vila
e
no
CEJA
SENAI
(Centro
de
Educação
de
Jovens
e
Adultos)
–
Rio
de
Janeiro.
Assessora
de
Formação
Sindical
do
Sindicato
de
Telecomunicações
do
Rio
de
Janeiro-
Sinttel
/Rio
de
Janeiro.
E-mail:
lucilia.aguiar3@gmail.com
.
Orcid:
https://orcid.org/0009-0003-8324-9329
.
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9100385765525497
.
1
Artigo
recebido
em
30/09/2024.
Primeira
Avaliação
em
04/10/2024.
Segunda
Avaliação
em
16/10/2024.
Aprovado
em
06/11/2024.
Publicado
em
05/12/2024.
DOI:
https://doi.org/10.22409/tn.v22i4
9.64885
.
1
Introdução
O
texto
ora
apresentado
é
um
esforço
de
memória
individual
e
coletiva
acerca
de
um
processo
de
formação,
organização
e
luta
que
se
desenhou
por
um
período
longo
no
interior
de
uma
escola
pública
–
Colégio
Estadual
Luíz
Carlos
da
Vila
–
e
que
resultou
numa
ocupação
das/dos
estudantes
em
2016,
acompanhando
a
onda
de
levante
estudantil,
não
só
no
Rio
de
Janeiro,
mas
em
todo
o
Brasil.
O
colégio
está
localizado
no
Complexo
de
Manguinhos
3
e
atende
jovens,
adolescentes
–
Ensino
Médio
regular
nos
turnos
da
manhã
e
da
tarde
-
e
adultos
a
partir
de
dezoito
anos
à
noite,
na
modalidade
de
Educação
de
Jovens
e
Adultos
(EJA)
–
Ensino
Médio.
Não
há,
neste
trabalho,
a
pretensão
de
apresentar
uma
escrita
estritamente
acadêmica.
Reconhecemos
a
necessidade
e
a
importância
da
relação
estreita
entre
universidade
e
sociedade
para
o
avanço
da
democracia
e
da
construção
de
uma
sociedade
plural,
no
entanto,
o
desafio,
aqui,
é
de
resgatar,
no
limite
da
memória
e
do
acesso
a
registros
diversos
(vídeos,
trocas
de
mensagens,
materiais
escritos
e
longas
conversas)
4
,
a
travessia
realizada
por
estudantes,
educadores,
moradores
e
trabalhadores
de
Manguinhos
para
garantir
o
direito
à
educação,
a
participação
política
e
social
de
jovens
estudantes
e
a
relação
transparente
entre
escola
e
comunidade,
como
previsto
na
Constituição
Cidadã
de
1988
e
a
Lei
de
Diretrizes
e
Base
da
Educação
no
Brasil
5
.
Hoje,
após
oito
anos
das
ocupações,
a
educação
no
Rio
de
Janeiro
segue
enfrentando
um
processo
de
sucateamento
que
passa
pela
falta
de
estrutura
física
nas
escolas
da
rede
estadual,
por
condições
precárias
de
trabalho
para
5
A
Constituição
Federal
Cidadã,
de
1988,
realizou
a
inclusão,
no
Art.
205,
de
dispositivos
específicos
sobre
a
gestão
democrática.
Trata-se
de
um
marco
legal
importante,
pois
representa
a
inclusão
do
tema
no
nível
mais
elevado
do
ordenamento
jurídico
nacional,
devendo
então
pautar
a
educação
brasileira
e
implementar
a
“gestão
democrática
do
ensino
público,
na
forma
da
lei”
(BRASIL,
1988).
No
que
se
refere
ao
âmbito
específico
da
educação,
a
Lei
de
Diretrizes
e
Bases
da
Educação
Nacional
(BRASIL,
1996)
é
outro
marco
importante.
Nela
o
princípio
da
gestão
democrática,
previsto
na
constituição,
é
mantido.
4
Diversas
contribuições
estão
materializadas
no
presente
texto,
mas
cabe
destacar
que
a
responsabilidade
sobre
as
informações
e
reflexões
apresentadas
sobre
o
OcupaCompositor
é
de
responsabilidade
desta
que
organizou
o
texto.
3
“O
termo
‘complexo’
–
e
a
demarcação
espacial
correspondente
a
ele
–
foi
adotado
pelo
PAC,
apesar
de
não
ser
aceito
pelos
moradores.
Segundo
relatos
de
uma
moradora,
que
tem
trajetória
de
liderança,
essa
denominação
‘Complexo
de
Manguinhos’
foi
adotada
pelo
Estado,
em
especial
pela
polícia,
à
ocasião
da
ampliação
e
do
fortalecimento
das
facções
criminosas
nas
favelas,
a
fim
de
melhor
identificá-las
–
e
vigiá-las
em
seus
pontos
de
venda
e
suas
áreas
de
atuação.”
Ver:
LO
BIANCO,
Mila
Henriques.
O
PAC-Manguinhos:
política
urbana,
usos
e
representações
da
cidade.
https://repositorio.fgv.br/server/api/core/bitstreams/db515663-80ca-4027-922b-5e579b9e2bdb/content
2
trabalhadores
e
trabalhadoras
da
educação,
por
uma
(de)forma
do
ensino
médio
6
que
privatiza
por
dentro
a
escola
pública
-
tão
necessária
a
formação
da
classe
trabalhadora.
No
entanto,
a
experiência
vivida,
num
curto
período
de
tempo,
por
jovens
estudantes
das
escolas
públicas
deixou
marcas.
Muitos
compreenderam,
durante
a
ocupação,
que
a
história
–
individual
e
coletiva
–
é
movimento,
compreenderam
que
a
trajetória
traçada
pela
lógica
dominante
é
mutável,
pode
ser
subvertida.
Aqueles
e
aquelas
que
viveram
o
processo
das
ocupações
sentem
e
sabem
como
essa
dinâmica
foi/é
revolucionária.
Favela
é
cidade
7
Meu
nome
é
favela
É
do
povo
do
gueto
a
minha
raiz,
becos
e
vielas
Eu
encanto
e
canto
uma
história
feliz
De
humildade
verdadeira
Gente
simples
de
primeira
(Arlindo
Cruz
–
Meu
nome
é
favela)
Manguinhos
foi
ocupado
ao
longo
do
século
XX
e
atualmente
é
composto
pelas
seguintes
comunidades:
Parque
João
Goulart,
Vila
Turismo,
CHP-2,
Parque
Manoel
Chagas,
Vila
União,
Vila
São
Pedro,
Comunidade
Agrícola
de
Higienópolis,
Parque
Oswaldo
Cruz,
Parque
Herédia
de
Sá,
Parque
Horácio
Cardoso
Franco,
Vila
Arará,
Vitória
de
Manguinhos
e
Mandela
de
Pedra,
Conjunto
ex-Combatentes
e
Suburbana,
Conjunto
Nelson
Mandela
e
Conjunto
Samora
Machel.
É
uma
favela
que
convive
com
uma
alta
vulnerabilidade,
com
graves
questões
de
violações
de
direitos
e
violência
do
estado.
(...)
é
cenário
de
constantes
embates
violentos,
seja
com
a
polícia,
seja
com
grupos
rivais
que...
buscam
tomar
e
controlar
[o
tráfico
de
drogas].
Tal
estado
de
beligerância
lhe
conferiu
a
alcunha
de
“faixa
de
Gaza”,
denominação
que,
além
de
problemática
...
é
rejeitada
por
seus
moradores
8
.
8
Fonte:
https://wikifavelas.com.br/index.php/Favela_de_Manguinhos
7
Frase
constantemente
proferida
por
Hebert
José
de
Souza,
o
Betinho,
no
âmbito
de
seus
trabalhos
realizados
no
Instituto
Brasileiro
de
Análises
Sociais
e
Econômicas
(IBASE).
6
Constituição
Federal
Cidadã,
de
1988,
realizou
a
inclusão,
no
Art.
205,
de
dispositivos
específicos
sobre
a
gestão
democrática.
Trata-se
de
um
marco
legal
importante,
pois
representa
a
inclusão
do
tema
no
nível
mais
elevado
do
ordenamento
jurídico
nacional,
devendo
então
pautar
a
educação
brasileira
e
implementar
a
“gestão
democrática
do
ensino
público,
na
forma
da
lei”
(BRASIL,
1988).
No
que
se
refere
ao
âmbito
específico
da
educação,
a
Lei
de
Diretrizes
e
Bases
da
Educação
Nacional
(BRASIL,
1996)
é
outro
marco
importante.
Nela
o
princípio
da
gestão
democrática,
previsto
na
constituição,
é
mantido.
3
A
violência
de
Estado,
a
falta
de
infraestrutura
básica
e
a
violação
de
direitos
são
marcas
da
Favela
de
Manguinhos,
como
em
todos
os
territórios
periféricos
do
Rio
de
Janeiro,
no
entanto,
é
também
um
lugar
de
organização
de
mulheres,
de
jovens,
entre
outros.
O
Conselho
Gestor
Intersetorial
(CGI)
conta
com
a
participação
ativa
dos
moradores
e
trabalhadores
como
também
de
lideranças
locais.
Há
vida,
há
movimento
cotidiano
no
sentido
de
afirmar
que
Manguinhos
não
é
apenas
um
lugar
de
pobreza,
de
violência,
mas
também
espaço
de
produção
de
vida,
de
arte
e
de
conhecimento.
O
Jornal
O
Maguinho,
um
jornal
comunitário
que
constrói
sua
pauta
a
partir
das
demandas
locais,
apresentou
as
questões
a
seguir
para
os
moradores:
Qual
é
a
melhor
forma
de
falar
de
Manguinhos?
É
uma
favela?
Uma
comunidade?
Um
território?
Um
bairro?
Um
complexo?
Duas
moradoras
responderam
as
questões
refletindo
sobre
o
que
há
de
riqueza
naquele
espaço
e
que
vai
muito
além
dos
estereótipos
e
preconceitos
construídos
pela
ideologia
dominante
numa
visão
da
classe
trabalhadora
como
perigosa
e
violenta.
‘Por
que
comunidade
não
vem
de
pessoas
comuns?
A
favela
é
lugar
de
diversidade
e
de
complexidade
...
Eu
acho
que
a
criminalização
e
o
preconceito
que
fazem
com
a
favela
é
por
achar
que
todo
mundo
...
igual.
(...)
Aqui
tem
gente
que
pensa,
que
luta,
que
trabalha,
que
tem
objetivo
de
vida.
Na
favela
tem
gente
que
gosta
de
samba,
de
funk,
mas
tem
muita
gente
que
curte
MPB.
Eu
prefiro
chamar
de
favela.
Quando
a
polícia
entra
aqui
pensa
que
todo
mundo
é
bandido
(...)
uma
favela
de
pessoas...
que
lutam
pela
sobrevivência,
de
pessoas
guerreiras
e
batalhadoras.’
9
Há
na
favela
de
Manguinhos
a
prática
de
valorização
das
artes,
de
organização
e
participação
social
e
de
respeito
à
diversidade.
É
constante
o
incentivo
às
atividades,
debates
e
movimentações
dos
moradores
e
moradoras
no
sentido
de
valorizar
e
confrontar
a
concepção
que
desumaniza
aqueles
que
vivem
e
constroem
suas
vidas
naquele
lugar.
A
fala
da
moradora
e
ex-agente
comunitária
de
Saúde,
também
no
Jornal
O
Maguinho
(nº
9,
dez/2021),
reafirma
a
designação
de
Favela
como
uma
marca
da
identidade
coletiva:
Durante
algum
tempo
fizeram
que
nós
acreditássemos
que
chamar
o
nosso
lugar
de
favela
estaríamos
depreciando
o
lugar,
mas
eu
acho
que
é
o
contrário,
eu
valorizo
o
lugar
quando
eu
chamo
de
favela,
9
D.
Darcília
Alves,
moradora,
liderança
da
favela
e
trabalhadora
do
CAPS
de
Manguinhos.
Jornal
O
Manguinhos
nº
19,
dez./2021.
ENSP/
CANAL
SAÚDE/FIOCRUZ.
4
porque
é
uma
construção
nossa.
Fala
mais
da
nossa
identificação
com
o
lugar.
(Gleide
Guimarães
Alentejo)
A
partir
de
2008,
com
o
Programa
de
Aceleração
do
Crescimento
(PAC),
iniciativa
do
Governo
Federal,
Manguinhos
é
uma
das
favelas
do
Rio
de
Janeiro
a
receber
as
obras
de
infraestrutura
do
programa.
As
obras
do
PAC
reconfiguram
o
espaço
de
Manguinhos,
e
esse
processo
é
vivido
pelos
moradores
e
pelos
movimentos
sociais
de
Manguinhos
de
forma
contraditória
e
muitas
vezes
com
uma
série
de
conflitos
entre
o
que
era
o
projeto
formal
do
Estado
e
quais
eram
as
reais
demandas
e
necessidades
dos
moradores
e
moradoras
do
território.
‘(...)
movimentos
sociais
de
Manguinhos
apresentaram
(2008)
a
Proposta
de
Regimento
Interno
do
Comitê
de
Acompanhamento
do
PAC-Manguinhos.
[Propõem]
que
o
Comitê
fosse
composto
por
representantes
das
secretarias
estaduais,
municipais
e
federais;
das
Associações
de
Moradores,
dos
poderes
legislativos
municipal
e
estadual,
de
órgãos
técnicos
especializados
(CREA;
Fundação
Oswaldo
Cruz
e
das
Universidades
Estadual
e
Federal
do
Rio
de
Janeiro
–
UERJ
e
UFRJ)
e
do
Ministério
Público
e
da
Defensoria
Pública
do
Estado
do
Rio
de
Janeiro.
Outro
projeto
que
surgiu
em
abril,
com
intuito
de
criar
mais
um
canal
de
participação
da
população
local
no
processo
de
urbanização,
foi
o
PAC
das
favelas:
documentação
fotográfica
e
memória
territorial.
Em
parceria
com
profissionais
do
projeto
Imagens
do
Povo
na
Maré,
organizado
pelo
Observatório
das
Favelas,
o
projeto
visava
construir
uma
memória
social
do
PAC’.
10
O
Colégio
Estadual
Compositor
Luiz
Carlos
da
Vila:
resultado
da
luta
organizada
dos
moradores
de
Manguinhos
A
proposta
inicial
do
PAC-Manguinhos
não
previa
a
construção
de
uma
escola.
Foi
nos
debates
e
embates
no
interior
do
Comitê
de
Acompanhamento
do
PAC-Manguinhos
que
os/as
representantes
dos
movimentos
organizados
de
manguinhos
trazem
a
pauta
da
escola,
uma
antiga
reivindicação
local.
A
conquista
da
escola
para
a
favela
de
Manguinhos
é,
até
hoje,
relatada
com
muito
orgulho
e
como
exemplo
de
organização
para
a
luta
por
direitos.
O
prédio
onde
hoje
funciona
o
Colégio
era,
anteriormente,
ocupado
pelo
Departamento
de
Suprimentos
e
Licitações
(DESUP)
do
Exército,
e
há
muito
tempo
estava
desativado.
A
Praça
do
PAC,
como
é
chamada
desde
o
fim
das
obras,
recebeu
também
a
Biblioteca
Parque
de
Manguinhos,
uma
Unidade
de
Pronto
10
Fonte:
https://repositorio.fgv.br/server/api/core/bitstreams/db515663-80ca-4027-922b
5e579b9e2bdb/content
.
Acesso
em
20
de
setembro
de
.
5
Atendimento
(UPA),
a
Clínica
da
Família
Victor
Valla
(uma
justa
homenagem
ao
Professor
emérito
da
Escola
Nacional
de
Saúde
Pública
da
Fundação
Oswaldo
Cruz
que
dedicou-se
ao
estudo
e
às
experiências
em
educação
popular
e
saúde
pública),
a
Casa
da
Mulher,
a
Casa
do
Trabalhador,
e
o
Centro
de
Referência
da
Juventude.
Assim,
o
antigo
DESUP,
atual
Praça
do
PAC,
reúne
uma
série
de
equipamentos
públicos
para
a
região,
tornando-se
a
referência
da
intervenção
do
Estado
para
o
conjunto
de
comunidades
no
entorno.
O
Colégio
Estadual
Compositor
Luiz
Carlos
da
Vila
foi
inaugurado
em
maio
de
2009
11
e
contou
com
a
presença
do
Presidente
Luiz
Inácio
Lula
da
Silva,
de
Dilma
Rousseff,
à
época
ministra
Chefe
da
Casa
Civil,
do
Prefeito
Eduardo
Paes,
do
governador
Sérgio
Cabral
e
do
vice-governador
Pezão.
O
Compositor,
como
é
chamado,
foi
a
promessa
de
mudança
e
de
acesso
a
direitos
para
jovens
e
adultos
trabalhadores
da
região.
A
escola
continha
um
complexo
esportivo
que
contava
com
uma
quadra
poliesportiva,
uma
piscina
olímpica
e
uma
piscina
infantil.
A
proposta
apontava
que
os
espaços
esportivos
seriam
ocupados
com
projetos
e
atividades
para
os
moradores.
Entretanto,
como
registrou
Kritski
(2016,
p.11)
em
seu
TCC
-
Trabalho
de
Conclusão
de
Curso
–
sobre
o
parque
aquático
inserido
no
complexo
esportivo
da
escola,
“Em
fevereiro
de
2008,
um
repórter
do
jornal
Extra
fotografou
o
menino
Christiano
Tavarez,
10
anos,
nadando
em
um
vazamento
de
esgoto
em
Manguinhos.
Sua
foto
viralizou,
chegando
às
mãos
do
presidente
Lula,
que,
quando
da
inauguração
das
obras
do
PAC
Manguinhos,
três
meses
depois,
prometeu
uma
piscina
para
Christiano
–
a
quem
fez
questão
de
conhecer
durante
o
evento
–
e
as
crianças
do
bairro.
Dito
e
feito.
Porém,
a
integração
da
comunidade
com
o
complexo
esportivo
nunca
ocorreu
de
maneira
continuada.
A
alegação,
à
época,
era
a
ausência
de
salva-vidas”.
12
De
uma
escola
modelo,
de
uma
promessa
de
mudança,
o
Compositor
se
transforma
em
uma
decepção
coletiva,
e
o
exemplo
do
fechamento
do
parque
aquático,
e
o
seu
posterior
sucateamento,
é
elucidativo
do
processo
de
descaso
do
poder
público
com
o
povo
e
seus
direitos.
A
existência
da
escola
não
correspondeu
a
uma
alternativa
real
de
acesso
à
educação
a
partir
do
poder
público.
O
12
KRITSKI,
Rafael
Polari
Alvarenga.
Qual
é
a
escola
que
a
gente
quer?”:
A
ocupação
estudantil
no
Colégio
Estadual
Luiz
Carlos
da
Vila.
Artigo
Monográfico.
Universidade
Federal
Fluminense,
2016.
11
Fonte:
https://extra.globo.com/noticias/rio/lula-inaugura-obra-do-pac-em-manguinhos-assina-convenio-para-
melhorias-no-dona-marta-230933.html?ixzz4GIvNc9Nq
.
Acesso
em
18
de
setembro
de
2024.
6
Compositor
é
a
expressão
das
“contradições,
impasses
e
a
crise
profunda
na
qual
está
mergulhada
a
educação
pública
no
Rio
de
Janeiro”
(Campos,
2016,
p.
15).
Foto
1
–
O
menino
Cristiano,
o
“Lulinha”
nadando
no
esgoto.
(FEV,
2008)
A
ocupação
da
escola
“Ninguém
tira
o
trono
do
estudar
Ninguém
é
o
dono
do
que
a
vida
dá
E
nem
me
colocando
numa
jaula
Porque
sala
de
aula
essa
jaula
vai
virar”
(Dani
Black
–
Trono
de
estudar)
É
necessário
fazer
referência
à
crise
profunda
em
que
o
estado
do
Rio
de
Janeiro
estava
mergulhado
(e
dela
ainda
não
saiu).
A
greve
dos
professores
da
rede
estadual
do
Rio
de
Janeiro
começou
no
dia
2
de
março
de
2016
e
durou mais
de
três
meses.
A
conjuntura
do
estado
do
Rio
de
Janeiro,
especialmente
em
relação
à
greve
dos
professores
estaduais,
envolve
uma
série
de
fatores
econômicos,
sociais
e
políticos
que
impactam
diretamente
a
educação
e
a
qualidade
de
vida
dos
cidadãos.
A
crise
combinou
diversos
fatores,
tais
como:
a
queda
na
arrecadação
de
impostos,
a
corrupção
e
a
má
gestão
dos
recursos
públicos.
Essa
crise
resultou
em
cortes
orçamentários
que
afetaram
diretamente
a
educação,
levando
a
atrasos
nos
pagamentos
de
salários
e
ao
sucateamento
físico
das
unidades
escolares
e
à
precarização
do
trabalho
dos
profissionais
da
Educação.
Não
havia,
por
exemplo,
profissional
para
limpeza,
não
havia
porteiros,
os
trabalhadores
terceirizados
eram
afastados
do
trabalho
porque
a
Secretaria
Estadual
de
Educação
(SEEDUC)
não
pagava
as
empresas
prestadoras
de
serviço.
7
O
cenário
de
descontentamento
foi
também
alimentado
por
promessas
não
cumpridas
por
parte
do
governo
e
pela
precarização
das
condições
de
ensino,
que
impactam
tanto
os
profissionais
da
educação
quanto
os
estudantes.
A
greve
dos
professores
e
as
ocupações
das
escolas
em
2016
são
ações
complementares
em
um
contexto
de
mobilização
social
e
luta
por
direitos
na
educação
no
Brasil.
As
ocupações
de
escolas,
por
sua
vez,
surgiram
como
uma
forma
de
protesto
dos
estudantes.
Eles
se
opunham
às
reformas
educacionais
e
aos
cortes
de
verbas,
além
de
demandarem
melhorias
nas
estruturas
escolares.
Essas
ocupações
eram
uma
forma
de
resistência
e
de
luta
por
uma
educação
de
qualidade.
Ambos
os
movimentos,
a
greve
dos
professores
e
as
ocupações,
refletiam
uma
insatisfação
coletiva
com
o
governo
do
estado
e
com
as
políticas
educacionais.
A
pauta
comum
era
a
defesa
da
educação
pública
e
de
uma
gestão
democrática
nas
escolas.
O
Compositor
apresentava
um
conjunto
de
problemas
e
desafios
que
tornava
a
escola
com
um
perfil
de
“ocupável”:
a
decadência
da
estrutura
física
da
escola,
a
promessa
não
cumprida
de
uma
escola
aberta
à
comunidade
de
Manguinhos,
entre
outros
problemas.
No
entanto,
podemos
afirmar
que
a
falta
de
democracia
no
interior
da
escola,
as
decisões
monocráticas
do
então
diretor
e
suas
atitudes
racistas,
machistas,
misóginas
e
LGBTfóbicas
foram
a
centelha
que
faltava
para
os
estudantes
organizarem
o
OcupaCompositor.
#
OcupaCompositor
:
Qual
a
escola
que
a
gente
quer?
Em
8
de
abril
de
2016,
um
grupo
de
estudantes
do
Colégio
Estadual
Compositor
Luiz
Carlos
da
Vila,
durante
a
realização
da
segunda
assembleia
organizada
pelos
estudantes,
decidiram
pela
ocupação
da
escola.
A
primeira
assembleia
realizada
pelos
estudantes
foi
no
auditório
da
escola
e
com
um
viés
de
censura
tácita,
o
diretor
geral
estava
lá
e
utilizou
o
espaço
para
exaltar
a
necessidade
de
tirar
as
“laranjas
podres”
do
“cesto”
para
salvar
aqueles
e
aquelas
que
não
haviam
se
contaminado.
Para
a
segunda
assembleia
o
diretor
proibiu
pessoalmente
a
entrada
dos
estudantes
e
dos
professores
grevistas
na
escola.
A
Assembleia
foi
realizada
na
praça
do
PAC
com
a
participação
de
movimentos
sociais
(de
Manguinhos
e
de
fora),
de
lideranças
históricas
da
favela,
entre
outros
apoiadores.
Abaixo
a
fala
de
Y,
ex-aluno
do
colégio
que
hoje
cursa
História
na
UERJ
8
e
participou
ativamente
da
ocupação.
‘Acredito
que
as
mobilizações
tenham
começado
antes
da
ocupação.
A
principal
motivação
foi
o
abandono
da
escola
por
parte
do
Estado;
o
prédio
vinha
sendo
constantemente
saqueado,
passou
por
um
incêndio
na
área
do
parque
esportivo.
A
gestão
da
direção
também
não
dialogava
com
os
estudantes,
havia
pouco
interesse
em
ouvir,
em
buscar
reaparelhar
a
unidade
com
aquilo
que
já
era
oferecido
na
época
da
inauguração
da
escola,
em
2009,
e
passou
por
um
processo
de
destruição’.
(Entrevista
realizada
em
18/09/24).
Foto
2
-
Imagem
da
segunda
assembleia,
08/04/2016
Foto
3
-
Noite
de
08/04/2016
(Mulheres
e
negras,
a
síntese
do
protagonismo
no
#OcupaCompositor)
13
.
13
Na
foto
estão
duas
estudantes
da
escola,
uma
liderança
que
vive
no
território
há
mais
de
50
anos
e
uma
jovem
militante
do
Levante
Popular
da
Juventude.
9
Para
as/os
jovens
participantes
do
#OcupaCompositor
a
experiência
vivida
por
dois
meses
na
gestão
e
organização
escolar
deixou
marcas
e,
em
certa
medida,
apresentou
uma
outra
dinâmica
para
a
vida
deles,
tanto
individual
como
coletivamente.
Podemos
afirmar
que
foi
um
movimento
coletivo
de
formação
para
os
envolvidos,
independente
do
lugar
social
que
ocupavam.
Para
M.N.,
servidora
da
ENSP/Fiocruz
a
Ocupação
no
Colégio
Compositor
Luíz
Carlos
da
Vila
foi
um
grande
exemplo
de
como
uma
construção
de
baixo
para
cima,
de
forma
coletiva
e
potente
para
resolver
problemas
complexos
como
são
os
problemas
de
violações
de
direitos
que
acontecem
nesses
territórios
vulnerabilizados
como
esse
aqui.
A
ocupação
contava
com
uma
programação,
que
era
atualizada
dia
após
dia.
Aconteceram
aulões
de
diversas
disciplinas,
oficinas
de
teatro,
palestras,
roda
de
samba,
oficina
do
corpo
e
ocupação
de
espaços,
festa
junina
e
uma
feijoada.
J.L.
relatou:
“fazer
atividade
política,
porque
uma
roda
de
conversa
sobre
feminismo,
uma
roda
de
conversa
sobre
o
racismo
é
atividade
política.”
Os
estudantes
buscavam
pessoas,
estudiosos
e
intelectuais,
movimentos
sociais
para
contribuir
com
doações
de
alimentos
e
material
de
limpeza
e
também
para
participar
das
atividades
educativas,
políticas
e
culturais
durante
os
três
turnos
e,
se
possível,
ocupando
todos
os
dias
da
semana.
Havia
também,
toda
semana,
a
oficina
do
corpo
ocupando
os
espaços,
coordenada
por
uma
professora
da
escola.
Nos
tempos
sem
atividades
eles
realizavam
assembleias,
reuniam
os
diversos
coletivos,
se
voltavam
para
a
auto-organização
do
coletivo.
Podemos
citar
algumas
atividades,
como
a
presença
do
grupo
musical
El
Efecto
fazendo
um
show
logo
nos
primeiros
dias;
a
festa
que
a
Orquestra
Voadora
fez
dentro
da
escola
e
ocupando
a
Praça
do
PAC;
a
CUT
trazendo
a
história
de
luta
dos
trabalhadores
marcando
o
1º
de
maio;
o
Levante
Popular
da
Juventude,
com
a
roda
de
conversa
sobre
gênero;
Luís
Eduardo
Soares
problematizando
as
questões
de
segurança
pública
-
onde?
Na
favela
de
Manguinhos!
Segurança
pública!
Não
há
como
catalogar
o
tanto
de
atividades,
mas
é
possível
afirmar
que
O
Compositor
tinha
vida,
pulsava
luta!
Acho
que
posso
falar
que,
do
ponto
de
vista
pessoal,
foi
algo
bem
marcante.
Tinha
entre
17/18
anos
e
estava
terminando
o
ensino
médio,
era
uma
pessoa
que
tinha
pouco
contato
humano
e
estar
em
uma
ação
política
direta,
24
horas
por
dia
e
uma
sequência
de
dias
e
10
semanas
leva
a
ter
que
lidar
com
outros,
com
pessoas
diferentes,
realmente
um
ambiente
enriquecedor
do
ponto
de
vista
da
sociabilidade.
Acho
que
muitas
das
coisas
que
entendo
hoje
como
uma
forma
de
agir
coletivamente
e
de
ter
um
bem
comum
vem
desta
experiência.
Outra
coisa,
que
vim
a
me
aprofundar
mais
após
a
ocupação
foi
a
importância
política
de
ocupar
espaços,
de
agir
e
saber
lidar
com
uma
visão
popular
e
real
da
situação
concreta.
(Y.,
ex-aluno,
atualmente
História
na
UERJ).
‘
(...)
as
ocupações
em
2016
foram
um
“respirar”
para
nossa
política,
pra
nossa
esperança,
principalmente
para
quem
tá
envolvido
com
a
educação.
Pra
quem
tá
pensando
políticas
públicas,
tanto
pessoal
quanto
coletivo.
(...)
Acredito
que
a
gente
precisa
organizar
essa
galera.
(...).
Os
alunos
secundaristas
têm
muita
energia,
têm
muita
força
de
vontade,
têm
muita
determinação.
Eu
lembro
que
no
mesmo
dia
que
a
gente
fez
a
assembleia,
no
mesmo
dia
a
gente
ocupou
e
ficou
por
dois
meses.
(...)
Foi
uma
experiência
de
muito
aprendizado,
de
construção
de
laços
que
nunca
vão
ser
quebrados,
porque
eu
acredito
que
é
na
luta
que
a
gente
constrói
mesmo
uma
sociedade
mais
justa
com
muito
aprendizado.
(...)
Eu
acho
que
é
um
tema
que
precisa
ser
estudado’
.
(
J.L.,
ex-aluna,
atualmente
cursa
Pedagogia
na
UNIRIO).
Duas
atividades,
em
especial,
ficaram
marcadas
na
memória
afetiva
dos
sujeitos
da
Ocupação.
A
Feijoada
e
a
Festa
Junina.
A
feijoada
foi
realizada
no
segundo
sábado
do
mês
de
maio,
véspera
do
dia
das
mães.
Como
conseguir
dinheiro?
Como
preparar
o
espaço
escolar
para
receber
a
comunidade,
convidados
ilustres,
como
a
família
de
Luiz
Carlos
da
Vila
–
agora
sim,
um
nome
e
uma
história
conhecidos
-,
jornalistas,
povo
da
roda
de
samba
e
de
choro?
A
escola
gerida
pelos
estudantes
realizou
uma
FESTA
POPULAR!
Já
a
festa
junina
envolveu
inclusive
o
grupo
de
Agentes
Comunitários
de
Saúde,
moradores,
junto
com
a
comunidade
escolar,
o
pessoal
da
Fiocruz,
inclusive
do
Sindicato
[ASFOC],
que
a
gente
conseguiu
que
colaborasse
com
recursos
para
a
festa
(Card
de
Divulgação,
ilustração
abaixo).
11
(...)
que
recordação
emocionante,
né?
Esse
arraiá
ficou
marcado
na
história
da
Educação,
da
Saúde
no
território
de
Manguinhos.
Porque
ao
mesmo
tempo
que
a
educação
estava
passando
por
uma
situação
de
luta
dos
estudantes,
os
ACS’s
também
estavam
passando
por
uma
situação.
Havia
portarias
que
desobrigavam
a
existência
dos
ACS’s
nas
equipes
de
saúde
da
família,
então,
nós
nos
unimos
nessa
luta.
Os
ACS’s
apoiando
os
estudantes,
os
agentes
apoiando
os
estudantes.
Na
época,
os
estudantes
conseguiram
eleger
um
diretor
(F.
F.
M.,
Agente
Comunitário
de
Saúde,
via
WhatsApp
em
5/09/2024).
A
Festa
junina
aconteceu
quando
a
escola
já
estava
desocupada,
no
entanto,
foi
mantida
a
organização
escolar
horizontalizada,
com
as
diversas
comissões
(alimentação,
cultura,
pró
grêmio,
construção
do
Projeto
Político
Pedagógico
–
PPP)
funcionando,
apesar
de
toda
retaliação
vivenciada
no
interior
da
escola,
por
parte
professores
e
dos
trabalhadores
terceirizados
e
de
alguns
estudantes
contrários
à
ocupação.
A
experiência
para
a
construção
de
uma
proposta
para
o
Projeto
Político
Pedagógico
(PPP)
da
escola,
contando
com
a
participação
de
estudantes
(ocupantes
ou
não),
de
pais
e
responsáveis,
de
professores,
foi
muito
rica
e
desafiadora.
Esse
momento
foi
a
síntese
da
maturidade
política
que
esses
jovens
vivenciaram
ao
longo
de
dois
meses
de
ocupação.
Se
organizaram,
inclusive,
para
um
momento
de
apresentação
da
proposta
elaborada
para
toda
a
escola,
mesmo
sabendo
que
a
oposição
a
qualquer
avanço
democrático
e
participativo
se
fortalecia
e
procurava
minar
cotidianamente
um
Projeto
Político
Pedagógico
que
tirasse
a
escola
do
marasmo
e
da
acomodação.
O
depoimento
de
uma
ex-estudante
aponta
o
processo
de
mudança
individual
e
o
amadurecimento
da
ideia
de
coletivo
que
foi
paulatinamente
gestado
no
período
da
Ocupação.
12
As
ocupações
foram
um
espaço
de
resistência,
de
troca,
de
saberes.
De
união,
de
unidade.
...
Eu
não
me
encontrava
como
uma
moradora
de
Manguinhos,
como
uma
pessoa
que
tem
capacidade
de
construir
algo
ali
(em
Manguinhos).
Eu
só
ia
pra
casa,
dormia,
e
não
tinha
um
vínculo
com
aquele
meu
espaço,
com
aquela
minha
terra,
com
as
pessoas...
eu
não
tinha
nenhuma
relação
de
pertencimento.
E
isso
foi
o
que
a
ocupação
me
trouxe.
Eu
entendo,
agora,
Manguinhos
como
um
espaço
de
construção
de
saberes,
de
cultura,
de
arte,
de
produção
mesmo.
Não
apenas
como
um
espaço
de
violência,
como
muitas
das
vezes
a
gente
vê
a
favela,
né.
E
após
a
ocupação,
eu
entendo
que
isso
foi
o
resultado:
a
construção
de
pertencimento,
de
uma
família;
e
que
por
mais
que
as
pessoas
tenham
tido
diversos
caminhos,
hoje
ainda
assim
a
gente
se
encontra,
e
a
gente
vê
no
olhar
do
outro
que
ainda
tem
um
vínculo,
né,
daquilo
tudo
que
a
gente
passou
juntos,
e
tal.
Então,
foi
uma
experiência
que
me
trouxe
um
crescimento,
um
amadurecimento.
(...).
Trouxe
muitos
questionamentos
internos,
em
relação
ao
cabelo,
por
exemplo:
trouxe
o
questionamento
da
minha
negritude,
a
apropriação
de
toda
uma
história,
porque
dali
eu
fui
começando
a
entender
o
que
era
o
feminismo,
o
que
era
o
feminismo
negro,
os
conceitos
de
fascismo
(..),
dessa
história
negra
nos
livros
didáticos.
Então,
esses
questionamentos
todos
me
resultaram
numa
pessoa
mais
empoderada
(JL).
A
ocupação
começou
no
dia
8
de
abril
e
terminou
oficialmente
em
8
de
junho
de
2024.
Após
muita
negociação
com
o
grupo
de
trabalho
criado
pela
SEEDUC
para
desmobilizar
as
ocupações,
horas
de
avaliação
interna
sobre
o
que
era
inegociável
na
pauta
do
Ocupa
Compositor,
construída
cuidadosamente.
A
pauta
reivindicava
tão
somente
uma
escola
que
está
prevista
tanto
na
Constituição
Federal
quanto
na
Lei
de
Diretrizes
e
Base
da
Educação.
Um
ex-aluno,
hoje
estudante
de
direito
na
UERJ
afirmou
que
“se
não
fosse
a
ocupação,
o
Compositor
não
existiria
mais”.
A
reflexão
de
A.L.
revela
o
colégio
como
um
espaço
de
disputa.
A
disputa
ideológica
era
explícita,
alguns
profissionais
da
educação
propagandeavam
o
discurso
da
extrema
direita
e
de
seu
representante
maior,
Jair
Bolsonaro,
eleito
em
2018.
Para
além
dos
ataques
sofridos,
a
escola
passou
a
ser
saqueada
toda
a
semana
(ver
em
anexo
a
carta
enviada
ao
Ministério
Público).
Houve
invasões
semanais,
cujo
propósito
era
de
ameaçar
a
escola
e
aqueles
que
lá
estavam.
Para
materializar
a
voracidade
da
destruição,
houve
um
domingo
em
que
a
escola
foi
invadida
e
apenas
atacaram
o
estoque
de
alimentos:
rasgaram
sacos
e
jogaram
ao
longo
do
corredor
da
escola
arroz,
feijão,
açúcar,
sal,
todas
as
carnes
que
estavam
armazenadas
no
freezer.
Um
cenário
de
guerra!
Muitas
hipóteses
foram
levantadas
para
tamanha
violência,
mas
sem
comprovação.
13
A
carta
de
desligamento
do
professor
D.L.,
que
assumiu
a
direção
após
a
negociação
entre
os
estudantes
ocupantes
e
o
grupo
de
trabalho
da
desocupação
da
Seeduc,
resume
os
ataques
sofridos
na
escola.
Tratar
o
estudante
de
forma
mais
horizontal
pressupõe
colocar-se
em
outro
lugar
de
poder
e
isso
quase
sempre
gera
reação
conservadora.
Em
alguns
momentos
tive
problemas
com
os
professores
e
funcionários
que
acusavam
minha
direção
de
muito
permissiva,
que
estimulava
a
indisciplina.
Bem
verdade
que
fiz
vista
grossa
para
o
uso
dos
bonés
e
outros
acessórios
que
desviavam
do
uniforme
padrão,
mas
continuo
acreditando
que
isto
não
é
o
essencial.
Certa
vez,
uma
aluna
pediu-me
que
fosse
conversar
com
um
professor
que
não
havia
aceitado
o
trabalho
dela
porque
estava
numa
folha
de
caderno
e
não
numa
folha
de
papel
almaço.
O
trabalho
estava
bem-feito,
bem
cuidado,
não
foi
feito
de
qualquer
jeito,
mas
o
professor
não
aceitou
e
exigia
que
fosse
refeito.
Uma
outra
professora,
comentando
o
fato,
disse
concordar
com
a
decisão
porque
deveríamos
preparar
os
nossos
estudantes
para
o
mercado
de
trabalho.
Argumentei,
sem
sucesso,
que
isso
não
era
o
mais
importante,
que
o
que
faria
diferença
no
mercado
e
na
vida
em
geral
era
o
saber,
a
crítica
e
a
capacidade
de
instrumentalizar
os
conhecimentos
adquiridos.
Apesar
da
pressão
interna
na
escola,
seja
pela
violação
do
espaço
físico,
seja
pela
batalha
das
ideias,
o
OcupaCompositor
deixou
um
legado
para
a
favela
de
Manguinhos
e
o
entorno
-
a
aproximação
da
comunidade
foi
muito
positiva.
A
demanda
dos
moradores
em
utilizar
o
espaço,
de
criar
redes
de
solidariedade
comunitária
para
enfrentar
os
problemas
da
escola
apontam
para
um
saldo
organizativo
e
formativo.
Foi
produzido
no
processo,
ainda
que
de
forma
incipiente,
o
desejo
de
fazer
coletivamente
uma
escola
mais
democrática
e
transformadora.
Para
tanto,
o
desafio
requer
unidade,
disciplina
e
militância.
A
avaliação
de
uma
trabalhadora
de
Manguinhos
reforça:
“foram
momentos
...
de
um
grande
saldo
político
e,
até
hoje,
esse
território
usufruiu
por
conta
do
que
aconteceu
ali.”
14
Foto
4:
Faixa
com
a
pauta
de
reivindicações
dos
estudantes
As
experiências
impactaram,
no
momento,
os
sujeitos,
mas
não
são
restritas
àquele
momento;
despertam
curiosidades
e
reflexões
posteriores
ao
ato
em
si,
há
o
interesse
de
compreender
de
forma
mais
crítica
e
sistematizada
o
que
foi
vivido.
Repensar
a
escola,
as
práticas
pedagógicas,
as
relações
de
poder
no
espaço
escolar
constituíram
e
constituem
as
trajetórias
de
estudantes,
professores
e
moradores
participantes
do
dia
a
dia
das
ocupações.
Ainda
hoje
repercutem
nos
diversos
sujeitos
os
desafios
e
contradições
vividos
no
curto
e
intenso
movimento
das
ocupações,
como
se
pode
notar
nas
falas
recolhidas:
E
foi
ótimo
organizar
essa
festa
para
comemorar
a
vitória,
né?
Porque,
muitas
vezes,
a
gente
não
faz
isso.
A
gente
deixa
de
comemorar
as
vitórias
e
fica
com
o
peso
só
da
luta,
só
da
luta.
Eu
fiquei
até
emocionado
de
ver
vídeos,
fotos
(...)
foi
muita
luta,
mas
[também]
foi
de
vitória,
que
vai
ficar
marcada
na
história
de
Manguinhos
(F.M.,
Agente
de
Saúde).
15
Muitos,
difícil
enumerar
(...),
acho
que
agir
coletivamente
em
comum
acordo
foi
uma
boa
aprendizagem.
Outra
coisa
que
colocaria,
seria
um
entendimento
maior
do
sistema
escolar;
antes
da
ocupação
não
sabia
bem
o
que
era
SEEDUC,
como
ela
era
aparelhada,
suas
competências
e
todo
a
organização
da
rede
de
ensino
do
estado
do
Rio.
Acho
que
isso
me
[influencia]
muito
depois.
Em
desafios,
acho
que
lidar
em
não
conseguir
tudo
aquilo
que
pleiteávamos.
A
ocupação
terminou
com
resultados
imediatos
aquém
do
que
esperávamos
e
até
hoje
não
conseguimos
tudo
o
que
queríamos.
A
ocupação
foi
um
bom
ponto
de
partida
para
minha
visão
de
estar
no
mundo.
Acredito
que
foi
choque
...
de
realismo,
mesmo
tendo
sido
dois
meses
duros,
com
atritos
e
desgaste
pessoal.
Além
disso,
fiz
amigos,
colegas,
sejam
professores
do
próprio
colégio
a
amigos
que
estão
comigo
até
hoje.
Trazer
a
memória
e
a
história
de
um
grupo
de
jovens
que
ousaram
desafiar
uma
instituição
tão
poderosa
como
a
escola,
com
seus
tempos
e
espaços
rígidos,
com
uma
organização
hierárquica
tão
naturalizada
socialmente,
é
necessário
num
país
onde
a
crise
da
educação
é
um
projeto,
não
um
desafio,
parafraseando
o
Mestre
Darçy
Ribeiro.
Homenagear
a
rebeldia
consequente
dos
estudantes
não
é
um
reconhecimento,
é
também
afirmação
das
experiências
vividas
e
compartilhadas
como
transformadoras
de
vidas.
Paulo
Freire
dizia
que
se
a
educação
não
muda
a
sociedade,
tão
pouco
a
sociedade
muda
sem
ela.
As
ocupações
são
a
síntese
do
ato
de
transformar
uma
realidade
com
a
intervenção
concreta
daqueles
que
são
os
sujeitos
centrais
do
processo
educativo.
Referências
CAMPOS,
L.
L.
O
Colégio
Estadual
Compositor
Luiz
Carlos
da
Vila
de
“escola
modelo”
do
PAC
à
escola
ocupada:
contradições,
lutas
e
possibilidades
de
uma
nova
gestão
do
espaço
escolar
a
partir
do
movimento
dos
estudantes.
Artigo
Monográfico.
Universidade
Federal
Fluminense,
2016.
KRITSKI,
R.
P.
A.
“Qual
é
a
escola
que
a
gente
quer?”:
A
ocupação
estudantil
no
Colégio
Estadual
Luiz
Carlos
da
Vila.
Artigo
Monográfico.
Universidade
Federal
Fluminense,
2016.
OLIVEIRA,
R.
B.
C.
et.
Ali.
Gestão
democrática
da
educação,
participação
política
e
eleição
de
diretores:
uma
análise
a
partir
da
experiência
das
ocupações
no
Rio
de
Janeiro.
Revista
Brasileira
de
Política
e
Administração
da
Educação
,
v.
36,
nº
1.
Goiânia,
jan.-
abr./2020.
16
Anexo
Texto
enviado
pelo
então
diretor
D.L.,
comunicando
fatos
ao
Ministério
Público
do
Estado
do
Rio
de
Janeiro,
Excelentíssimo
sr.
Procurador-Geral
de
Justiça
do
Ministério
Público
do
Estado
do
Rio
de
Janeiro,
Marfan
Martins
Vieira,
Considerando
que
o
Ministério
Público
do
Estado
do
Rio
de
Janeiro
tem
como
uma
de
suas
tarefas
“exigir
dos
poderes
públicos
e
dos
serviços
de
relevância
pública
o
respeito
aos
direitos
elencados
na
Constituição,
promovendo
as
medidas
necessárias
à
sua
garantia”,
vimos
por
meio
desta
carta
solicitar
a
esse
órgão
que
tome
as
providências
cabíveis
para
o
enfrentamento
do
problema
da
degradação
que
o
prédio
do
Colégio
Estadual
Compositor
Luiz
Carlos
da
Vila
vem
sofrendo
ao
longo
dos
últimos
anos.
Somos
moradores
e
trabalhadores
de
Manguinhos,
Jacaré
e
Alemão
que
não
se
conformam
com
a
falta
de
compromisso
do
Governo
do
Estado
do
Rio
de
Janeiro
com
a
preservação
do
Patrimônio
dessa
unidade
escolar.
Em
2009,
na
inauguração
do
Colégio
Estadual
Compositor
Luiz
Carlos
da
Vila
o
Governo
do
Estado
prometeu
que
esta
escola
seria
um
modelo,
uma
referência
para
o
Rio
de
Janeiro
na
Educação
do
Ensino
Médio.
Nós,
moradores
e
trabalhadores
de
Manguinhos,
Jacaré
e
Alemão
comemoramos
essa
conquista
feita
por
esses
territórios
pois
sabemos
muito
bem
o
potencial
da
educação
para
transformar
a
realidade
de
vida
dessas
comunidades.
No
início
a
escola
funcionava
muito
bem,
com
todos
os
profissionais
e
estrutura
necessária
para
uma
educação
de
qualidade.
Além
do
seu
trabalho
cotidiano,
o
Colégio
Estadual
Compositor
Luiz
Carlos
da
Vila
oferecia
para
a
comunidade
cursos
extra,
inclusive
com
a
utilização
da
piscina,
por
meio
de
projetos
que
mantinham
a
escola
aberta
para
a
população
às
noites
e
nos
finais
de
semana.
Foi
por
pouco
tempo
que
isso
funcionou,
mas
foi
o
suficiente
para
a
comunidade
local
perceber
que
essa
escola
pertence
a
ela
e
que
este
é
um
bem
do
qual
ela
não
pode
abrir
mão.
Por
esse
motivo,
apelamos
para
que
o
Ministério
Público
do
Estado
do
Rio
de
Janeiro
exija
do
Governo
do
Estado
a
contratação
de
porteiros
e
vigias
para
o
Colégio
Estadual
Compositor
Luiz
Carlos
da
Vila
evitando
assim
que
esse
patrimônio
público
continue
a
ser
depredado.
Essa
unidade
escolar
vem
sofrendo,
fora
do
seu
horário
de
funcionamento,
constantes
invasões
com
furtos
e
depredações.
Já
foram
furtados
computadores,
toda
a
fiação
do
prédio
anexo,
panelas,
liquidificador,
quebraram
grades
da
escola,
desmontaram
e
roubaram
equipamentos
de
ar
condicionado
e
muitos
outros
itens.
Agora
estão
furtando
as
janelas
do
prédio.
No
andar
térreo
quase
já
não
tem
janela.
Essas
depredações
sofridas
por
esta
escola
afetam
negativamente
não
apenas
os
professores
e
alunos
dessa
instituição,
que
tem
o
seu
funcionamento
prejudicado,
mas
também
faz
sofrer
todos
os
que
moram
e
trabalham
em
Manguinhos,
Jacaré
e
Alemão,
pois
frustram
as
nossas
expectativas
em
uma
aposta
na
educação
como
elemento
para
o
desenvolvimento
desses
territórios.
Esperamos
que
a
atuação
do
Ministério
Público
do
Estado
do
Rio
de
Janeiro
seja
ágil
o
suficiente
para
que
ainda
existam
janelas
nessa
escola
quando
chegarem
os
vigias
e
porteiros.
Atenciosamente,
Assinam:
Professores
e
estudantes
do
Colégio
Estadual
Compositor
Luiz
Carlos
da
Vila,
Moradores
e
trabalhadores
de
Manguinhos,
Jacaré
e
Alemão,
Conselho
Gestor
Intersetorial
de
Manguinhos
(CGI),
Grupo
de
Trabalho
de
Educação
e
Saúde
do
CGI,
Hermano
Castro
diretor
da
Escola
Nacional
de
Saúde
Pública
Sérgio
Arouca,
Paulo
César
Ribeiro
diretor
da
Escola
Politécnica
de
Saúde
Joaquim
Venâncio,
Associações
de
Moradores,
Associação
Mulheres
de
Atitude,
Comissão
de
Agentes
Comunitários
de
Saúde
de
Manguinhos,
Trabalhadores
da
Coordenação
de
Extensão
do
Núcleo
de
Tecnologia
Educacional
para
Saúde
da
Universidade
Federal
do
Rio
de
Janeiro
(NUTES
–
UFRJ)
Pesquisadores
que
realizam
projetos
educativos
na
escola:
Cristina
Vermelho
(NUTES/UFRJ),
Leo
Kaplan
(UERJ/
Educação),
Patrícia
Domingos
(UERJ/Biologia),
Maria
das
Mercês
Navarro
(ENSP/Fiocruz)
Sindicato
dos
Servidores
de
Ciência,
Tecnologia,
Produção
e
Inovação
em
Saúde
Pública
(Asfoc-SN)
17