V.22, 49 - 2024 (setembro-dezembro) ISSN: 1808-799 X Tese de Doutorado 1 SILVA, Andréa Wahlbrink Padilha da 2 . A Pedagogia da Juventude : uma reflexão sobre a dialética da práxis do movimento de juventude. 2022. 254f. Tese (Doutorado em Educação) UFRGS, Porto Alegre. Resumo Expandido A exposição apresentada, resulta da tese de doutoramento realizada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na Faculdade de Educação, no Programa de Pós-graduação em Educação, na Linha de Pesquisa Trabalho, Movimentos Sociais e Educação _ TRAMSE, sob a orientação da professora Dra. Conceição Paludo ( in memoriam ). A construção desta tese representa um acúmulo, uma caminhada resultante dos processos de inserção política, mas também de profunda inquietação investigativa. O esforço da investigação da tese consistiu-se em aprofundar o debate sobre o papel histórico, político, social, cultural, educativo e organizativo do movimento da juventude 3 e suas implicações junto às lutas sociais travadas em nosso país _ Brasil. Considerando-se que, na atualidade de nossas lutas sociais, as organizações de juventude se apresentam como uma das forças fundamentais da luta de classe. Nessa direção, o objetivo foi o de demonstrar a importância dessa parcela da juventude, de seus fundamentos e práticas educativas no tecido social, que forjam o que aqui denominamos como a construção de um processo educativo específico e, ao mesmo tempo, amplo: a pedagogia da juventude. Esta, por sua vez, consiste em um acúmulo teórico e prático da força da organização dos sujeitos juvenis, que além 3 No decorrer do texto da tese, utilizamos organizações da juventude ou movimentos da juventude , para designar os sujeitos dessa pesquisa. Destaca-se que se trata de movimentos políticos de massa da juventude, na forma de organizações políticas. 2 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Brasil. E-mail: andreawahlbrink@hotmail.com . Lattes: http://lattes.cnpq.br/8575862926726892 . ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4105-1301 . 1 Tese recebida em 19/09/2024. Aprovada pelos editores em 22/10/2024. Publicado em 05/12/2024. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v22i49.65058 1
de uma participação ativa nos acontecimentos históricos, representam uma ferramenta de método e conteúdo para a formação humana, social, política e educativa para os filhos da classe trabalhadora. Consiste em compreender que historicamente, em diferentes contextos, as organizações da juventude cumprem um papel importante na luta política, seja na luta por direitos sociais, contrarregimes totalitários, pela abertura democrática, por um projeto de país, ou na busca por programas sociais. A organização mais antiga e ativa da juventude no Brasil ultrapassa a marca de 96 anos, demarcando uma relação histórica da sua importância política, na qual as organizações de juventude se forjam juntamente com o avanço do movimento progressista no Brasil. Nesse contexto, é importante refletir sobre o papel da juventude e seus movimentos, com todas as suas implicações. O caminho escolhido para isso foi uma análise dos processos educativos em curso, das concepções identitárias, das reflexões teóricas e práticas e do conjunto explicativo da organização política desses coletivos, a partir do método Materialista Histórico e Dialético, que sustenta essa pesquisa. O movimento teórico-metodológico foi o de buscar, na realidade, os fundamentos, as contradições, a historicidade, as totalidades e as múltiplas dimensões do fenômeno da pesquisa, na direção de conhecer a “coisa em si”, da qual, segundo Kosik (2010, p. 15), “a distinção entre representação e conceito, entre o mundo da aparência e o mundo da realidade, entre a práxis unitária cotidiana dos homens e a práxis revolucionária da humanidade ou, numa palavra a ‘cisão do único’ é o modo pelo qual o pensamento capta a ‘coisa em si’”. Considerando a totalidade do mundo revelado pelos sujeitos na história em sua especificidade e no fundamento contestador, de entendê-lo e transformá-lo. Para esse movimento de compreensão dialética do fenômeno, foram realizados alguns instrumentos de construção dos dados. Utilizamos a metodologia da análise de conteúdo (Bardin, 1977), com o objetivo de apresentar uma análise crítica e criteriosa, como uma descrição objetiva, sistemática, qualitativa e quantitativa do conteúdo extraído das comunicações. E também como parte do rigor metodológico, foi utilizada a triangulação de dados (Triviños, 1987), a fim de olhar para a questão de pesquisa, a partir de mais de uma fonte de dados, buscando a análise de diferentes ângulos e fontes, podendo ser usada de forma complementar e articulada à qualidade e à quantidade dos dados. A triangulação dentro da 2
metodologia utilizada combinou a análise documental, entrevistas semiestruturadas e o referencial teórico, à luz do Materialismo Histórico e Dialético. Para o desenvolvimento da tese, foram eleitas quatro organizações políticas da juventude: União da Juventude Comunista (UJC), União da Juventude Socialista (UJS), Levante Popular da Juventude (Levante) e o Movimento de Juventude Em Luta Por Outro Futuro (Juntos). Estas organizações foram destacadas por demonstrarem a sua importância na cena política e organizativa do país na ocasião da investigação. As quatro organizações estão presentes em todos os estados brasileiros, principalmente nas grandes e médias cidades, totalizando um número expressivo de militantes. Todas as organizações citadas acima, e todas aquelas que, por ocasião não fazem parte diretamente da investigação, representam uma presença marcante da juventude na ocupação dos espaços públicos, das ruas, das assembleias, nas praças, nas organizações de bairros, nos movimentos de periferias, e nas entidades juvenis, que trazem indicativos importantes a serem analisados, na direção de compreender qual é a forma e o conteúdo de sua participação e construção social. As análises da investigação sustentaram-se na confirmação da hipótese da pesquisa, na identificação da importância histórica que as organizações da juventude exercem no movimento de massa e na organização política, em diferentes dimensões, principalmente a partir da reconfiguração da ofensiva neoliberalista, que provoca mudanças no cenário das lutas sociais e no papel das organizações de base popular no Brasil (Katz, 2016). O questionamento da pesquisa possibilitou a compreensão de que o movimento da juventude, constitui-se como parte importante da renovação política e como um dos segmentos que acompanha a trajetória teoria da organização política do campo que integra, como um dos segmentos que propõem táticas e estratégias para o campo da esquerda brasileira, encontrando-se desafiada a construir a sua pedagogia das lutas sociais, na construção dos processos de luta que protagoniza. Os resultados da investigação questionam a atualidade da condição de vida nas cidades para a juventude, conectada com a realidade da classe trabalhadora. A negação do que é público em detrimento dos interesses privados (Harvey, 2014), a precarização e mercantilização da vida em diversas esferas empurram a juventude para a ocupação das ruas, das escolas e universidades, das redes sociais, nas periferias, para todos os seus processos de auto-organização. A juventude 3
configura-se como um dos segmentos que mais sofre com a falta de perspectiva de dias melhores, o que nos provoca a questionar o afloramento dos movimentos de massa, mas também a crescente construção de organizações de juventude que pautam as suas necessidades. Por este motivo, é urgente compreender o papel das organizações da juventude, os elementos que constituem sua forma de organicidade e o conteúdo de suas lutas sociais. A pedagogia da juventude, defendida na tese, é entendida como o conjunto dos elementos históricos, teóricos, práticos, políticos, sociais, culturais, educativos e organizativos, que compõem o fazer político e pedagógico da ação juvenil no campo que integra. Com o objetivo central de analisar a forma e o conteúdo que compõem as lutas sociais travadas pela juventude, na resistência ao neoliberalismo no Brasil, a partir das Jornadas de 2013, até o ano de 2022, buscando compreender que pedagogia se forja nesses processos. A análise documental foi realizada a partir dos documentos disponíveis de cada organização, num recorte temporal correspondente aos últimos dez anos. Os documentos estudados foram: estatutos, resoluções, cartas, manifestos, cartilhas, boletins, jornais, artigos, vídeos, podcast, redes sociais, materiais gráficos e digitais, totalizando 168 documentos, que foram sendo categorizados a partir do interesse de análise. A catalogação dos dados das documentações resultou em um documento de 126 páginas de material coletado e sistematizado por categorias. As categorias destacadas para a análise foram: perfil e histórico das organizações; identidade; fundamentos teóricos e metodológicos; concepção de juventude, de sociedade, de revolução, de organização, de cultura, de trabalho de base; tática e estratégia na luta de classe; estrutura organizativa; principais campos de atuação; relação com as estruturas partidárias, sindicais, movimentos sociais; o movimento de massas; o movimento estudantil universitário e secundarista; a juventude trabalhadora; o território periférico; as escolas de formação; concepção de educação/formação humano; as práticas educativas; os elementos culturais; a agitação e a propaganda; e a pauta das opressões. Foram realizadas um total de oito entrevistas, com dois militantes de cada organização pesquisada, totalizando vinte horas de entrevista. Todas as entrevistas foram feitas através de videochamadas, e transcritas posteriormente em um documento final de 198 páginas. As entrevistas no projeto de pesquisa estavam previstas para serem realizadas presencialmente, além do acompanhamento mais 4
sistemático de reuniões e atos organizados pela juventude; porém, com a chegada da pandemia do Covid-19, e a necessidade do isolamento social, tais procedimentos de coleta de dados não foram possíveis e foram substituídos pelo trabalho remoto. Os capítulos desenvolvidos na tese, representam os resultados do esforço da construção da “cartografia” ou do todo explicativo, do que aqui defendemos como a pedagogia da juventude, do esforço de análise e das categorias evidenciadas. O primeiro capítulo apresenta as perspectivas sócio-históricas da juventude e o debate sobre a construção do conceito de juventude. O segundo capítulo busca retomar alguns movimentos históricos em nível global, da qual a juventude esteve ativamente nos processos ou protagonizou lutas sociais importantes, principalmente no século XX e XXI. O terceiro capítulo apresenta as principais lutas políticas travadas no país e a presença da juventude, destacando o papel das organizações, seus acúmulos históricos e sua contribuição para o tecido social. O quarto capítulo apresenta a teoria pedagógica que sustenta o que aqui denominamos como a pedagogia da juventude, como instrumento formador dos movimentos de juventude. O quinto capítulo traz o perfil das organizações pesquisadas e a identidade dos sujeitos, seus processos históricos de constituição, suas formas de atuação, principais pautas defendidas, espaços de atuação e identidade visual, organizações que compõem a identidade e o perfil dessa juventude, suas características gerais e específicas. O sexto capítulo dialoga sobre a história e trajetória das organizações pesquisadas. O sétimo capítulo destaca o lugar de atuação dessas organizações e as suas relações partidárias e de campo político de convergência. o oitavo capítulo apresenta o lugar de destaque do movimento estudantil e do movimento de massa como espaços de atuação das organizações de juventude. O nono capítulo aborda as questões importantes que envolvem as organizações de juventude e seu trabalho desenvolvido com a juventude trabalhadora e o território periférico. Ao passo que o capítulo dez apresenta o lugar notório que as pautas das opressões passam a ocupar nas agendas das organizações. O capítulo onze, por sua vez, trará a dimensão da teoria da organização política da juventude, seus fundamentos teóricos e metodológicos, sua concepção de organização, assim como no capítulo doze, que segue, apresenta as suas estruturas organizativas e suas principais ações. O capítulo treze apresenta as discussões sobre os processos de agitação e propaganda, cunhados pelas 5
organizações de juventude, além de seus aspectos estéticos e culturais. O capítulo quatorze aborda os princípios educativos da juventude, suas concepções e experiências educativas, seus espaços de formação e atuação, seus referenciais, seus métodos e metodologias. O último capítulo dedica-se a apresentar a atualidade da condição neoliberal e os efeitos na organização e na vida da juventude, com os elementos da conjuntura, com a questão urbana, e o papel das organizações da juventude. Para encerrar a construção desta tese, apresentamos uma breve consideração final, que serve também como espaço para novos questionamentos e possibilidades de aprofundamento da temática. Durante o desenvolvimento deste estudo observa-se a necessidade de compreender o papel da juventude que se organiza e toma a frente das questões que envolvem os rumos da política de seu país e da própria totalidade da América Latina. A juventude que se organiza em coletivos, sejam eles, partidos políticos, frentes sindicais, movimentos sociais, associações de bairros, grupos culturais, movimentos contra as opressões como LGBTQIA+, movimento negro, movimento de mulheres, entre outros, representam um potencial na luta de classe e que merecem um olhar analítico para as suas especificidades. A partir da investigação, consideramos como parte do perfil dos movimentos da juventude algumas dificuldades em relação a sistematização de suas experiências na relação com sua memória coletiva, por vezes, fruto de uma militância breve, de transitoriedade, e de renovação, que dificultam as estratégias mais gerais de sua unidade na ação, mas que, por outro lado, não se constituem como sujeitos determinados por uma condição política prévia ou pelo cumprimento de algumas regras e conteúdos estabelecidos, representando a importância de seu potencial renovador enquanto sujeitos políticos e pedagógicos. Ao mesmo tempo, passam a se inserir em um contexto político que faz parte de uma trajetória teórica e organizativa do campo que integram. A pesquisa possibilitou compreender as organizações da juventude em articulação com a teoria da organização política, em um duplo sentido: a) o da possibilidade de renovação política; b) e o de preservação de uma trajetória política e organizativa. Contudo conclui-se que o desemprego estrutural, o trabalho precarizado, terceirizado, quarterizado, plataformizado, o desmonte da educação pública, da saúde, da assistência social, do transporte público, dos direitos humanos, do direito à cidade, as denúncias contra o feminicídio, o extermínio da juventude negra, a 6
negação dos padrões socialmente consolidados, como é o caso da família tradicional, da heteronormatividade, da liberdade sexual e do desejo, o respeito às diferenças, a horizontalidade das relações, são alguns dos princípios que empurram a juventude para as ruas. Segundo Antunes (2013), a juventude, atualmente, vem construindo novas forças e demandando da sociedade um olhar atento para o que anunciam. É preciso entender o que este conjunto de reivindicações e a atualidade do mundo do trabalho exigem para a juventude e para suas organizações políticas enquanto categoria social e seguimento da luta de classe. Referências ANTUNES, R . As rebeliões de junho de 2013 . In: GENTILI, Pablo. Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales. (OSA) Observatório Social de América Latina. Año XIV, n. 34, publicación semestral, noviembre de 2013. BARDIN, L. Análise de conteúdo . Lisboa: Edições 70, 1977. HARVEY, D. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana . São Paulo: Martins Fontes, 2014. KATZ, C. Neoliberalismo, Neodesenvolvimentismo, Socialismo . 1ªEd. São Paulo: Expressão popular, 2016. KOSIK, K. Dialética do concreto . Tradução de Célia Neves e Alderico Toríbio. 8. reimpressão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010. TRIVIÑOS, A. N. S . Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. 7