V.23, nº 50 - 2025 (janeiro-abril) ISSN: 1808-799 X
CRÍTICA DA IDEOLOGIA HUMANISTA EM EDUCAÇÃO:
CONTRIBUIÇÕES DO MARXISMO ALTHUSSERIANO
[Alessandro de Melo]
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Lucas Barbosa Pelissari
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Doutor em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) - Brasil. Professor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), São Paulo - Brasil. E-mail:
lucasbp@unicamp.br.
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8723394397607851. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3659-5424
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Resenha recebida em 25/10/2024. Aprovado pelos editores em 28/02/2025. Publicado em
09/04/2025. DOI:
https://doi.org/10.22409/tn.v23i50.65136.
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A resistência ao marxismo althusseriano é uma marca do debate educacional
brasileiro. Seja reproduzindo os próprios preconceitos presentes, de maneira geral,
nas Ciências Sociais, seja por influência de teorias pedagógicas que se
conformaram no Brasil a partir da crítica superficial àquele que seria o único texto de
Louis Althusser sobre educação – Aparelhos Ideológicos de Estado, escrito em 1969
–, fato é que a obra do filósofo franco-argelino é pouco respeitada pela pedagogia
brasileira. O livro de Alessandro de Melo, Crítica da ideologia humanista em
educação: contribuições do marxismo althusseriano, cumpre o importante papel de
qualificar esse debate, evidenciando, ao mesmo tempo, as lacunas de algumas
críticas e a potência política do projeto althusseriano na leitura rigorosa da escola
capitalista.
Para isso, o livro tem a qualidade de apresentar uma das principais teses
desenvolvidas por Louis Althusser – a existência de um corte epistemológico na obra
de Marx e, a partir dela, discutir a crítica ao humanismo teórico e seus
desdobramentos para a análise da escola e da educação. O texto é, além disso,
alicerçado em conceitos fundantes da escola althusseriana, como, por exemplo,
sobredeterminação, interpelação, ideologia e formação social. Ironicamente, nenhum
desses conceitos é objeto de análise detida ou mesmo de contraste, ainda que
superficial, pelos pedagogos anti-althusserianos. Esse fato é evidenciado por Melo
no fim do capítulo 2 do texto, resultado de um caminho que se inicia com a
exposição da tese do corte epistemológico (capítulo 1) e passa pelas relações entre
o campo da educação e o humanismo teórico (primeira parte do capítulo 2). O livro é
concluído com apontamentos sobre projeto de educação revolucionária (
capítulo 3).
Não tenho reparos ao capítulo 1 do livro, intitulado Crítica do Humanismo na
Perspectiva Althusseriana. Trata-se de uma excelente exposição sobre o
humanismo teórico, tema que ocupou boa parte da produção de Louis Althusser nos
anos 1960, sintetizada no livro Pour Marx. De início, traz uma completa nota
biográfica de Althusser, seguida da discussão sobre o significado dos Manuscritos
de 1844 de Karl Marx. Com efeito, a problemática que aprisiona os conceitos
contidos nos manuscritos tem base teórica idealista, que alicerça o pensamento de
Marx nas noções de ser genérico essência humana –, alienação e emancipação.
Essa é a posição de Althusser a propósito do texto, que estaria sendo mobilizado, à
época, como justificativa para guinadas ao reformismo de organizações comunistas
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mundo afora e originando interpretações do marxismo como uma teoria humanista
ou uma ontologia.
A relação de Marx com Feuerbach enriquece o relato de Alessandro de Melo
sobre a leitura crítica de Althusser, visto que embasa a exposição da tese do corte
epistemológico. Segundo ela, o autor alemão muda de problemática e,
consequentemente, de base teórica, ao fundar uma nova ciência, o Materialismo
Histórico. Exposta nos textos de maturidade de Marx e Engels, escritos a partir de
1846, essa teoria científica centra sua preocupação na História e não mais no Ser
Humano, o que permite ao marxismo produzir uma série de novos conceitos:
revolução (no lugar de emancipação), exploração (no lugar de alienação), luta de
classes, trabalho assalariado, modo de produção, para citar apenas alguns. Em
síntese, para Althusser, Marx abandona a problemática humanista de seus textos de
juventude e, com ela, suas categorias ideológicas correspondentes.
Tal é a motivação da polêmica aberta por Althusser no Partido Comunista
Francês (PCF), muito bem analisada por Alessandro de Melo na última parte do
capítulo 1. A batalha contra o humanismo teórico foi assumida por Althusser como
um projeto científico amplo, não restrito ao âmbito acadêmico: “A questão do
humanismo, imbricada com a da ruptura na obra de Marx, não é apenas uma
questão teórica, mas se refere aos destinos dos movimentos operários, partidos
políticos e sindicatos de esquerda” (Melo, 2022, p. 73). O livro que temos em mãos
examina intervenções decisivas de Althusser nesse debate, por meio de duas cartas
e uma manifestação na imprensa, o que nos boa ideia do desenvolvimento da
luta no interior do movimento comunista à época.
O conteúdo que discutimos até aqui é, no capítulo 2 (Educação e
humanismo), ponto de partida para uma leitura do debate educacional. O capítulo
inicia com uma discussão sobre o conceito althusseriano de interpelação, central
para a construção teórica sobre a ideologia em Louis Althusser, passa por uma
leitura autoral do projeto moderno de escolarização e, a seguir, retoma a crítica ao
humanismo para examinar a análise de Althusser sobre o aparelho escolar. Este
movimento permite, ao fim, revelar os fundamentos das críticas traduzidas no rótulo
“crítico-reprodutivismo”.
Um dos eixos dessa parte do livro é a pergunta “Qual o papel da escola e da
escolarização no bojo do projeto de modernidade?”. O autor localiza a escola
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capitalista no contexto das revoluções burguesas, discutindo sua funcionalidade não
no aspecto técnico da reprodução da força de trabalho, mas também e
principalmente na formação moral. É isso que lhe permite expor o conceito de
Estado capitalista na tradição althusseriana, usando como fio condutor um expoente
dessa corrente, o intelectual grego Nicos Poulantzas.
Há, no entanto, que se fazer um alerta. Refere-se ao fato de que o ideal liberal
de escola única, com educação de base pública e universal, nunca existiu. A
desigualdade crônica entre sistemas de ensino, na verdade, reproduziu a
fragmentação necessária à sobrevivência do próprio modo de produção capitalista:
de um lado, trabalho manual e trajetórias curtas de escolarização; de outro, trabalho
intelectual e formação científica ampla visando à direção política da sociedade. Os
próprios conflitos entre as classes sociais deram forma à dualidade como um
conteúdo fundamental da escola capitalista. É certo, assim, que, como aparelho
ideológico do Estado (AIE), a escola garante “não a qualificação para os
diferentes postos de trabalho, bem como a reprodução das novas gerações para
submissão às regras do modo de produção capitalista” (Melo, 2022, p. 143).
No entanto, outros textos de Althusser sobre a escola, anteriores e posteriores
ao célebre artigo em que discute os AIE, buscam compreender como essa
reprodução efetivamente acontece. Em um projeto coletivo incompleto do grupo
althusseriano intitulado Ècoles, com textos datados de 1968 e 1969, o conhecimento
é assumido como ferramenta central para a garantia dessa reprodução. O mesmo
fundamento metódico usado por Marx para estudar o fetiche da mercadoria é
aplicado à análise althusseriana da produção e reprodução do conhecimento e ao
exame da ideologia da escola única. Eis um caminho que pode enriquecer a agenda
de pesquisa aberta por Alessandro de Melo.
As considerações finais do livro não trazem simplesmente uma síntese das
principais ideias dos capítulos anteriores. O autor ousa também formular uma
proposta de princípios para uma educação revolucionária fundamentados em três
elementos: a relação entre educação e prática política, a relação entre educação e
produção e a superação da forma escolar burguesa.
O primeiro elemento nos ajuda a situar a escola nas diferenças de natureza
entre as práticas das diversas classes que se colocam em luta em uma totalidade
social. Com isso, previne contra a armadilha de assumir a reprodução das relações
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dominantes como negação da contradição. O segundo elemento aprofunda a
discussão sobre a hierarquização social estimulada pela escola capitalista. E, por
fim, o terceiro elemento reflete sobre a tomada do poder como condição estratégica
do processo revolucionário e como ponto de partida de um projeto educacional que
supere os vícios ideológicos contidos nas pedagogias da emancipação.
Em essência, o livro de Alessandro de Melo desmascara o que o grupo
althusseriano denunciou como a “miragem da escola” ou a “ficção da escola”: essa
própria instituição aparece aos olhos da sociedade como instrumento neutro, capaz
de emancipar todos os cidadãos. Eis a natureza ideológica e, por isso mesmo (em
termos althusserianos), material da escola capitalista.
Referências
Melo, A. de. Crítica da ideologia humanista em educação: contribuições do
marxismo althusseriano. São Paulo: Pimenta Cultural, 2022. Disponível em:
https://www.pimentacultural.com/wp-content/uploads/2024/05/eBook_Critica-humani
sta.pdf.
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