V.22,
nº
49
-
2024
(setembro-dezembro)
ISSN:
1808-799
X
ULISSES
LOPES:
UM
JOVEM
NA
HISTÓRIA
DA
LUTA
OPERÁRIA
E
SINDICAL
DO
RIO
DE
JANEIRO
1
Marco
Aurélio
Santana
2
2
Doutor
em
Sociologia
e
Antropologia
pela
Universidade
Federal
do
Rio
de
Janeiro
(UFRJ)
-
Brasil.
Professor
do
Departamento
de
Sociologia
e
do
Programa
de
Pós-Graduação
em
Sociologia
e
Antropologia
do
Instituto
de
Filosofia
e
Ciências
Sociais
da
Universidade
Federal
do
Rio
de
Janeiro
(IFCS-UFRJ).
E-mail:
msantana@ifcs.ufrj.br
.
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1729257049926692
.
ORCID:
http://orcid.org/0000-0002-3181-6964
.
1
Homenagem
recebida
em
15/11/2024.
Aprovado
pelos
editores
em
24/11/2024.
Publicado
em
05/11/2024.
DOI:
https://doi.org/10.22409/tn.v22i49.65419
.
1
Quando
setores
civis
e
militares
deram
o
golpe
de
Estado
em
1964,
no
campo
político
e
sindical,
eles
colocavam
fim
a
uma
experiência
rica
e
potente,
em
termos
de
organização
e
mobilização
operárias,
que
se
estendia
desde
1945.
Encerravam
de
forma
violenta
e
trágica
a
experiência
de
toda
uma
geração
de
“bravos
companheiros”,
que
atuavam
em
várias
categorias
e
em
suas
entidades
sindicais.
Uma
geração
que
conseguiu
organizar
a
classe
trabalhadora
brasileira
da
época
desde
o
chão
das
empresas
até
as
estruturas
intersindicais,
ampliando
e
democratizando
a
vida
de
suas
entidades
de
representação.
Já
desde
o
dia
primeiro
de
abril,
deflagrado
o
golpe,
começam
a
ser
perseguidos,
presos,
torturados,
processados
e
banidos,
desarticulando
todo
o
trabalho
que
vinham
desenvolvendo.
Muitos
nomes
e
entidades
ganharam
destaque
neste
período.
E
constam
meritoriamente
na
história
e
nas
memórias
construídas
sobre
ele.
Muitos
outros
foram
contribuintes
menos
conhecidos
e
outros
anônimos,
mas
não
menos
importantes,
deste
ascenso
da
classe
trabalhadora
brasileira.
Ulisses
Lopes,
dos
metalúrgicos
do
Rio,
está
entre
essas
peças
importantes
naquelas
engrenagens
que
moveram
a
classe
trabalhadora
em
um
dos
seus
períodos
mais
gloriosos,
entre
1945
e
1964.
Ele
atravessa
grande
parte
do
período
como
um
jovem
trabalhador,
com
clara
diferença
etária
entre
ele
e
seus
companheiros.
Dos
16
anos
em
1945,
não
tinha
completado
ainda
35
anos
quando
o
golpe
é
deflagrado.
Ele
percorre
uma
trajetória
ascendente
típica
do
que
deveria
ser
a
militância
comunista
naquele
momento.
Ele
sai
da
escola
direto
para
a
fábrica.
Neste
novo
mundo
ele
tem
contato
com
a
militância,
o
debate
e
a
política
sindical
e
partidária.
Ali,
começa
a
atuação
no
partido
e
nos
conselhos
de
fábrica,
atua
em
várias
comissões
sindicais
e
chega
à
diretoria
da
entidade
sindical
sendo
seu
secretário-geral
em
1964.
A
capacidade
de
análise,
a
perspectiva
crítica,
a
dedicação
e
o
engajamento
lhe
davam
destaque.
Participou
de
forma
sempre
entusiasmada
das
variadas
atividades
levadas
a
cabo
pelo
sindicato
e
pela
categoria.
Por
exemplo,
quando
dirigiu
o
II
Encontro
dos
Jovens
Trabalhadores
Metalúrgicos
do
Estado
da
Guanabara,
em
1962.
No
texto
de
capa
do
Regulamento
Geral
do
Encontro,
se
indica
o
objetivo
do
conclave
que
seria:
“estreitar
os
laços
fraternais
que
unem
os
jovens
metalúrgicos
de
diversos
setores
de
nosso
Estado,
despertando-os
através
de
promoções
esportivas,
recreativas
e
culturais,
para
a
prática
das
atividades
sindicais
e
para
as
conquistas
das
mais
sentidas
reivindicações
da
juventude
metalúrgica”.
2
Detentor
de
uma
memória
que
impressiona,
Ulisses
Lopes
escreve
correntemente,
ainda
hoje,
sobre
sua
trajetória
com
imagens
bastante
vivas.
Selecionamos
aqui,
como
forma
de
homenagem
a
ele,
extensiva
a
toda
a
sua
geração,
três
passagens
que
mostram
o
olhar
desse,
à
época,
jovem
trabalhador
sobre
suas
experiências
na
fábrica,
no
sindicato,
no
partido
e
com
seus
companheiros.
Também
estão
incluídas
algumas
fotos
por
ele
legendadas
e
documentos
de
seu
Acervo
pessoal,
doados
ao
Arquivo
de
Memória
Operária
do
Rio
de
Janeiro
(AMORJ)/IFCS-UFRJ,
na
Coleção
Ulisses
Lopes.
A
Placa
“O
homem
vale
sobretudo
pela
idéia
que
o
anima.”
Henry
Bordeaux
Em
1944
eu
deveria
cumprir
o
último
ano
do
curso
secundário
na
Escola
Técnica
Visconde
de
Mauá
mas
saí
antes.
Deixei-a
no
final
de
43
para
trabalhar
na
indústria
metalúrgica.
No
dia
4
de
janeiro
de
44,
aos
quinze
anos,
ingressei
na
Cia
de
Ferro
Maleável,
meu
primeiro
emprego.
Fundada
à
época
da
Segunda
Guerra
mundial
pelo
francês
Jean
Duvernoy,
no
ramo
de
fundição,
a
fábrica
não
completara
o
seu
primeiro
ano
de
existência
e
Paris
fora
libertada,
o
Exército
Vermelho
ocupara
a
Prússia
Oriental,
e
a
“cobra
estava
fumando”
no
Vale
do
Pó
com
o
batismo
de
fogo
dos
pracinhas
brasileiros.
Entre
os
setenta
operários
da
Ferro
Maleável
havia
um
grupo
de
comunistas
e
simpatizantes
do
Socialismo,
alguns
dos
quais
tinham
experimentado
perseguições,
torturas
e
cárcere
sob
o
regime
do
Estado
Novo
ainda
vigente
no
país,
embora
enfraquecendo
à
medida
em
que
o
nazifascismo
ia
sendo
batido
na
Europa.
Vivia-se
um
clima
de
euforia
e
esperança
ante
a
iminente
vitória
dos
Aliados.
Na
fábrica,
tão
logo
almoçavam,
os
operários
mais
esclarecidos
agrupavam-se
numa
área
livre
e
ali
ficavam
conversando
até
que
a
sirene
soasse
para
o
reinício
do
trabalho.
Naquelas
reuniões,
as
notícias
da
guerra
eram
assuntos
predominantes,
mas
não
os
únicos.
Futebol,
programas
de
rádio,
cinema,
piadas
e
anedotas
também
tinham
lugar
no
bate-papo.
Alguns
companheiros
prendiam-se
a
assuntos
específicos.
Uns
só
falavam
da
guerra:
da
FEB,
das
manobras
aliadas
ou
do
avanço
do
exército
soviético.
Outros
dedicavam-se
a
falar
do
governo,
geralmente
elogiando-o.
Quando
3
alguém
ousava
criticar
Getúlio
Vargas,
fazia-o
pisando
em
ovos.
Entre
todos,
dois
destacavam-se
e
de
tal
forma,
que
na
verdade
ditavam
o
rumo
daquele
papo
diário:
Mário
Matheus
de
Lourde,
um
mineiro
altão,
magérrimo,
tagarela;
e
Orfeu
Zanola
-
o
seu
oposto
-,
baixinho,
rotundo
e
caladão.
Observador,
Zanola
não
jogava
conversa
fora,
só
ia
na
boa,
isto
é,
só
intervinha
em
assunto
realmente
sério.
Mário
era
um
maestro
regendo
o
grupo
sentado
à
sua
volta.
Sugeria
assuntos,
mantinha
ordem
no
bate-papo
e,
se
eventualmente
a
coisa
descambava
para
um
bate-boca
ou
enveredava
por
caminhos
fúteis,
Mário
Matheus
chamava
o
jogo
para
ele.
Fazia
piadas,
contava
“causos”,
e
logo
reconduzia
o
papo
para
um
nível
elevado.
O
magrão
mesclava
humor
e
política
com
tal
habilidade
que
as
reuniões
tornavam-se
leves
e
sempre
concorridas.
Eu
que
não
perdia
uma,
sem
que
me
desse
conta
fui
evoluindo
de
simples
assistente
para
ativo
participante
daquelas
discussões.
E
isso
aconteceu
porque
logo
nas
primeiras
reuniões
a
que
compareci,
Matheus
e
Zanola
notaram
que
eu
não
gostava
de
Getúlio
Vargas
e
reagia
sempre
que
alguém
elogiava
o
caudilho.
A
partir
daí,
raro
era
o
dia
em
que
um
deles
não
fizesse
uma
referência
elogiosa
a
Vargas
só
para
me
ver
espernear.
Usavam-me!
Apesar
do
afrouxamento
do
regime
ditatorial
face
à
derrota
do
Eixo
cada
dia
mais
próxima,
havia
ainda
muita
cautela
nas
críticas
ao
governo.
Por
isso,
percebendo
que
eu
não
tinha
papas
na
língua
e
talvez
acreditando
que
por
ser
ainda
um
menino
de
quinze
anos
eu
não
corresse
maiores
riscos,
Matheus
e
Zanola
me
provocavam
só
para
me
ver
revidar
baixando
o
pau
no
Getúlio.
O
que
eles
não
notavam
é
que
eu,
pouco
a
pouco,
ia
tomando
antipatia
pelos
dois.
Terminada
a
guerra
mundial,
eu
seguia
para
casa
num
bonde
Ramos,
quando
no
último
ponto
da
Avenida
dos
Democráticos
quase
na
esquina
com
a
Uranos
dei
com
uma
vistosa
placa
tomando
toda
a
fachada
de
uma
casa
de
frente.
A
placa
atraiu-me.
Mais
do
que
pelo
tamanho
ou
pelo
COMITÊ
DISTRITAL
DO
PARTIDO
COMUNISTA
DO
BRASIL
nela
inscrito,
impressionou-me
a
foice
e
o
martelo
na
cor
amarelo-ouro,
entrelaçados
sobre
um
fundo
vermelho.
Cinco
minutos
mais
e
lá
estava
eu,
dentro
da
sala
do
Comitê
fazendo
minha
inscrição
no
PCB.
Eu
não
sabia
nada
sobre
o
Partido
ou
o
simbolismo
daquelas
duas
ferramentas
cruzadas.
Até
então,
o
mais
próximo
que
eu
chegara
do
Socialismo
fora
uma
viagem
pelas
páginas
de
Gorki.
Tinha
alguma
informação
sobre
Prestes.
Admirava-o
pelo
que
ouvira
a
respeito
da
Coluna,
de
Olga
Benário
e
de
sua
4
resistência
ao
nazifascismo,
mas
nada
sabia
sobre
o
Partido.
Aquela
placa
me
recrutou.
Ao
deixar
a
sede
distrital
levava
comigo
endereço
e
hora
marcada
para
uma
reunião
a
fim
de
conhecer
os
companheiros
da
célula
em
que
atuaria.
Na
fábrica,
temendo
a
reação
“daqueles
getulistas”
não
falei
com
ninguém
sobre
o
assunto.
Dias
depois,
à
noite,
parti
para
a
reunião.
O
local,
uma
casa
ao
lado
da
Igreja
de
São
Geraldo
em
Olaria,
ficava
bem
perto
da
casa
onde
eu
estava
morando,
a
dos
meus
padrinhos.
Ansioso,
foi
como
cheguei
ao
local
da
reunião.
Dominado
por
um
certo
receio,
perguntava-me:
como
seriam
as
pessoas
com
quem
iria
lidar?
O
que
pretenderiam?
Quais
seriam
os
seus
objetivos?
Uma
vez
no
portão,
apertada
a
campainha,
fui
levado
à
sala
destinada
à
reunião
e
tive
um
choque!
Na
cabeceira
da
mesa,
dirigindo
os
trabalhos,
lá
estavam
dois
companheiros
bem
conhecidos
que
me
receberam
com
alegria,
mas
tão
espantados
e
surpresos
quanto
eu:
Mário
Matheus
e
Orfeu
Zanola.
O
falastrão
e
o
comedido.
Ambos
tremendos
comunas
enrustidos.
O
Comício
da
Carioca
“Dois
mil
anos
de
civilização
são
muito
pouco
para
abolir
instintos
adquiridos
em
milênios
de
vida
selvagem.”
Giles
St.
Aubyn
Largo
da
Carioca,
23
de
maio
de
1946.
Integrando
um
grupo
de
metalúrgicos
da
Companhia
de
Ferro
Maleável
fundição
onde
trabalhávamos,
lá
estávamos
nós
atendendo
à
convocação
para
o
comício
programado
pelo
Partido
Comunista
em
prol
de
uma
nova
Constituição.
A
anunciada
participação
de
Prestes
representava
uma
razão
a
mais
para
justificar
a
minha
presença
pois
eu
tinha
grande
apreço
por
ele,
a
quem
conhecera
pessoalmente
numa
reunião
com
militantes
da
zona
da
Leopoldina,
na
rua
Uranos.
A
Coluna,
a
resistência
ao
fascismo,
Olga
Benário,
tudo
em
sua
trajetória
contribuía
para
a
grande
admiração
que
eu
tinha
pelo
Cavaleiro
da
Esperança.
Quando
chegamos
ao
Largo
o
clima
era
tenso
pois
corria
um
zum-zum
de
que
o
comício
fora
proibido
e
seria
dissolvido.
Apesar
disso,
o
Largo
estava
tomado
de
5
manifestantes.
Por
trás
do
Convento,
no
Morro
de
Santo
Antônio
(que
ainda
não
tinha
sido
transportado,
como
aterro,
para
o
Flamengo),
havia
o
quartel
da
PE,
a
temida
Polícia
Especial,
tropa
de
choque
da
ditadura
Vargas.
Mesmo
após
a
queda
de
Getúlio,
a
PE
continuara
prestando
seus
préstimos
ao
governo,
ou
seja,
dando
porrada
a
torto
e
a
direito.
A
prática
dos
bandidos
do
quepe
vermelho
era
chegar
batendo
ou
atirando,
sem
pedir
ou
dar
explicações.
Duas
figuras
muito
conhecidas
no
futebol
brasileiro
foram
membros
do
famigerado
Socorro
Urgente
da
PE:
Augusto
da
Costa,
zagueiro
do
Vasco
da
Gama,
capitão
da
Seleção
Brasileira
de
1950
e
o
truculento
árbitro
Mário
Vianna.
Em
dado
momento,
pela
ladeira
que
vinha
do
quartel
até
as
proximidades
da
rua
Senador
Dantas,
os
choques
da
PE
começaram
a
descer.
Faziam-no
em
alta
velocidade
com
as
suas
sirenes
em
altíssimo
som.
Imitavam
os
stukas
da
Luftwaffe
de
Hitler
que,
para
minar
psicologicamente
as
populações
das
cidades
atacadas,
desciam
sobre
os
seus
alvos
fazendo
um
barulho
aterrador
antes
de
despejarem
suas
cargas
mortíferas.
Foi
como
fizeram
quando
arrasaram
Guernica.
Por
cerca
de
meia
hora
a
PE
cantou
à
nossa
volta.
Odisseus,
o
meu
homônimo
grego
pôde
evitar
o
canto
das
sereias,
mas
eu
não
tinha
como
deixar
de
ouvir
aquele
canto
das
sirenes.
De
repente,
ouviram-se
as
primeiras
rajadas.
Metralhada,
a
massa
desfez-se
em
debandada.
Foi
grande
o
tumulto
pois
não
era
fácil
sair
dali.
As
entradas
das
ruas
Senador
Dantas
e
Treze
de
Maio
estavam
bloqueadas.
Os
choques
da
PE,
vindos
da
Avenida
Rio
Branco,
entravam
pelas
ruas
da
Assembleia
e
Sete
de
Setembro
a
fim
de
ocupar
a
Uruguaiana
e
cercar
a
área
do
comício.
Sair
dali
sem
bater
de
frente
com
a
PE,
só
pela
rua
da
Carioca.
Naquele
tempo
os
espaços
entre
as
portas
das
lojas
eram
utilizados
pelos
comerciantes
que
neles
fixavam
mostruários
de
aço
onde
expunham
seus
produtos.
Num
deles,
o
pouquinho
que
restava
aquém
da
porta,
com
mais
uns
trinta
centímetros
que
entrava
pela
calçada,
foi
a
barreira
onde
me
espremi
buscando
proteção
bem
junto
à
esquina
da
Carioca
com
Uruguaiana.
Dali
pude
ver
policiais
vindo
a
pé
pela
Assembleia,
atirando
contra
manifestantes
em
fuga.
Meus
companheiros
desapareceram
e
só
fomos
nos
reencontrar
na
fábrica,
na
manhã
seguinte.
No
momento
em
que
me
protegi
no
improvisado
bunker
o
tiroteio
era
intenso,
mas
pude
manter
a
calma
certo
de
que
apesar
de
precário,
meu
abrigo
oferecia
alguma
segurança.
Fugir
pela
rua
da
Carioca
rumo
a
Praça
Tiradentes
6
parecia
a
melhor
rota
de
fuga,
mas
temendo
levar
um
tiro
pelas
costas
deixei-me
ficar
onde
estava.
Quando
era
maior
o
tumulto,
um
sujeito
em
desabalada
carreira
passou
perto,
tropeçou
e
mesmo
aos
trambolhões
foi
em
frente
sem
se
importar
com
livro
e
chapéu
que
deixou
caídos
junto
a
mim.
Ao
cessarem
os
estampidos
resolvi
sair
dali.
Apanhei
o
livro,
pus
na
cabeça
o
chapéu
que
o
companheiro
em
fuga
deixara
na
calçada
e
saí
caminhando
em
direção
à
Praça
Tiradentes.
Numa
boa,
como
se
nada
tivesse
acontecido.
Sempre
fui
assim.
Nos
momentos
mais
difíceis
nunca
me
deixei
dominar
pelo
pânico.
Entrando
na
Ramalho
Ortigão
cheguei
ao
Largo
de
São
Francisco
e
tive
que
me
apressar
para
pegar
meu
bonde
Penha
prestes
a
sair.
Na
viagem,
atento
ao
que
os
passageiros
comentavam
sobre
os
acontecimentos,
nem
me
lembrei
de
abrir
o
livro
que
carregava
e
cujo
conteúdo
desconhecia
por
que
estava
encapado.
Só
na
altura
da
estação
de
Barão
de
Mauá
eu
o
folheei.
Era
uma
gramática
da
língua
russa.
Coisa
rara
ainda
hoje
e
quase
impossível
de
encontrar
naquela
época.
No
dia
seguinte,
toda
a
imprensa
ainda
sob
severo
controle
oficial,
minimizou
o
massacre
perpetrado
pela
polícia.
O
jornal
O
GLOBO
justificou
a
inexistência
de
fotos
em
sua
edição
alegando
ter
faltado
água
na
redação,
sem
a
qual
tornara-se
impossível
a
preparação
dos
clichês
necessários
à
impressão
das
fotos.
O
chapéu
e
o
livro
(meus
troféus
de
batalha),
não
pude
devolvê-los
ao
dono
por
não
ter
como
encontrá-lo.
O
chapéu,
dei-o
ao
meu
padrinho
que
o
teve
sobre
a
cabeça
por
mais
de
vinte
anos.
A
gramática,
coitada,
essa
teria
por
destino
alimentar
a
fogueira
que
Genny
e
mamãe,
aflitas,
acenderam
na
manhã
de
1º
de
abril
em
1964.
Cara
de
Trem
“A
ostra
pode
não
ser
um
modelo
de
beleza,
mas
é
sempre
uma
esperança
de
pérola”
Eno
T.
Wank
Benedicto
Cerqueira,
presidente
do
Sindicato
dos
Metalúrgicos
do
Rio
foi
quem
o
apelidou
de
“cara
de
trem”.
Realmente,
quem
olhasse
detidamente
para
ele
haveria
de
concordar.
Suas
feições
tinham
mesmo
alguma
coisa
de
locomotiva...
7
Nas
assembleias
sindicais,
o
plenário
vibrava
quando
sua
vez
ao
microfone
era
anunciada.
A
simplicidade
e
a
clareza
emanadas
da
sua
fala
da
caatinga
dominavam
a
todos.
Identificava-se
com
a
gente
simples
que
o
aplaudia.
Sem
firulas,
suas
palavras
vestiam-se
com
a
crueza
da
verdade.
Podia
estar
errado,
mas,
se
acreditava
no
que
dizia,
dizia-o
sem
rodeios.
Sua
boca
só
falava
o
que
lhe
ia
no
coração.
Quando
discordava
de
um
orador
na
tribuna,
aparteava-o
com
um
retumbante
“disconcordo!”
que
ecoava
pelo
plenário
provocando
risos
e
entusiásticos
aplausos.
Não
raro
muitos
dos
que
o
aplaudiam
faziam-no
por
concordarem
com
ele,
mas
careciam
de
coragem
para
defenderem
de
público
as
suas
próprias
opiniões,
como
o
fazia
o
bravo
sergipano
em
suas
“disconcordâncias”.
Juvenal
José
dos
Santos
era
o
seu
nome.
Um
companheiro
leal,
correto,
honesto
por
inteiro.
Não
fazia
a
mais
insignificante
concessão
com
relação
ao
mau
uso
dos
dinheiros
da
entidade.
Toda
e
qualquer
tarefa
que
lhe
caía
sobre
os
ombros
ele
cumpria
com
dedicação
e
seriedade:
na
Delegação
Sindical,
nas
comissões
de
trabalho,
nos
congressos
e
conferências,
fosse
onde,
ou
no
que
fosse.
Mas
Juvenal
nem
sempre
foi
assim!
Pelo
que
fora
no
passado,
Juvenal
era
a
prova
de
que
a
ostra,
ainda
que
feia,
pode
trazer
uma
pérola
dentro
de
si.
Juvenal
foi
uma
ostra
premiada.
Que
pérola
tinha
ele
guardada
sob
aquela
casca
grossa!...
Na
Companhia
de
Ferro
Maleável
onde
trabalhávamos,
ninguém,
nos
anos
40,
podia
dizer-se
colega
e
muito
menos
companheiro
do
“seu”
Juvenal,
chefe
do
forno.
Todas
as
manhãs,
enquanto
aguardávamos
o
apito
avisando
a
hora
de
partir
para
mais-valia,
Juvenal
passava
por
nós.
Nenhum
gesto,
nenhum
bom
dia.
De
cabeça
erguida,
impecavelmente
trajado,
sequer
nos
olhava.
Dos
sapatos
ao
chapéu
de
panamá,
um
dândi.
Não
fossem
sete
horas
da
manhã,
e
não
estivéssemos
na
porta
de
uma
fábrica,
dir-se-ia
que
Juvenal
chegava
para
um
baile.
Ele
era
só
isso:
pose,
ar
superior,
vaidade
e
distância.
Um
dia,
estourou
uma
greve
na
fábrica.
O
Sindicato,
sob
intervenção
ministerial,
colaborou
com
os
órgãos
de
repressão
e
dedurou
os
líderes
da
paralisação.
A
fim
de
reprimir
o
movimento
o
DOPS
-
Departamento
de
Ordem
Política
e
Social
-,
mandou
para
a
Ferro
Maleável
um
grupo
de
agentes
liderados
pelo
tristemente
famoso
Inspetor
Vasconcellos
que,
por
ironia,
era
primo
do
químico
da
firma,
este,
porém,
um
bom
sujeito.
8
Tão
logo
chegou
à
fábrica
o
grupo
de
beleguins,
do
qual
fazia
parte
o
odiado
torturador
Bolinha,
não
perdeu
tempo.
Prenderam
diversos
companheiros
que
arrastados
para
o
escritório
da
empresa,
foram
ali
barbaramente
espancados.
De
nada
valeram
os
apelos
feitos
pelo
patrão
(Jean
Duvernoy),
intentando
impedir
que
seus
operários
fossem
brutalizados.
Nesse
seu
desesperado
e
inútil
esforço,
o
empregador
contou
com
a
ajuda
do
“seu”
Juvenal
que,
estando
presente,
ficou
chocado
com
a
cena
que
testemunhava.
O
preço
pago
foi
bem
alto,
mas
aquela
selvageria
iria
resultar
em
algo
de
bom:
o
sangue
dos
companheiros
seviciados
abrira
a
ostra,
a
pérola
ia
surgir.
Dali
em
diante,
o
“seu”
do
Juvenal
chefe
de
forno,
pernóstico,
patronal,
autoritário
desapareceria.
Nascera
o
Juvenal,
companheiro
Juvenal,
simples,
solidário,
leal,
dedicado
por
inteiro
à
causa
dos
trabalhadores,
seus
iguais.
Hoje,
mais
de
meio
século
após
aqueles
acontecimentos,
tomado
de
indignada
tristeza,
lembro-me
das
palavras
proferidas
por
Juvenal
num
inflamado
discurso
quando
da
inauguração
da
nova
sede
do
Sindicato,
o
Palácio
dos
Metalúrgicos:
“As
portas
desta
casa
que
pertence
a
gente,
têm
que
estar
sempre
abertas
e
a
serviço
dos
metalúrgicos.
Se
um
dia
a
gente
encontrar
elas
fechadas
nós
mete
o
pé
e
bota
abaixo
porque
a
gente
tem
de
saber
se
tudo
que
se
passa
aqui
dentro
é
pro
bem
dos
trabalhadores,
porque
foi
pra
isso
que
nós
construímos
ela”.
9
Fotos
1
e
2:
II
Congresso
dos
Metalúrgicos.
Itanhaém
(SP),
1959.
10
11
Foto
3:
I
Encontro
Intermunicipal
dos
Jovens
Trabalhadores
Metalúrgicos
do
Rio
de
Janeiro.
Muriqui
(RJ),
1960.
Ulisses
Lopes
foi
como
delegado.
12
Fotos
4
e
5:
I
Encontro
Intermunicipal
dos
Jovens
Trabalhadores
Metalúrgicos
do
Rio
de
Janeiro.
Muriqui
(RJ),
1960.
Ulisses
foi
vice-campeão
com
equipe
de
vôlei.
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