V.22, nº 49 - 2024 (setembro-dezembro)                                                          ISSN: 1808-799 X

APRESENTAÇÃO

 JUVENTUDE TRABALHADORA:

CONDIÇÕES DE VIDA, TRABALHO E AÇÃO COLETIVA[1]

Maria Cristina Paulo Rodrigues[2]

Marco Aurélio Santana[3]

        As mudanças no mundo do trabalho têm impactado fortemente a juventude trabalhadora. Diante das expressivas redefinições do mercado de trabalho e da situação de pouca experiência e de instabilidade ocupacional, os jovens são um grupo muito vulnerável e diretamente afetado, com desemprego substancialmente maior do que outras faixas etárias, além de enfrentarem, em geral, desproteção e condições precárias de trabalho. A precariedade de suas condições de vida e trabalho não está homogêneamente distribuída segundo os segmentos da classe trabalhadora, mas com evidentes atravessamentos de raça, gênero e etnia, os quais, de fato, permitem observar a existência de diferentes juventudes.

Em termos estatísticos, o limite mais utilizado para caracterizar o jovem é o de 24 anos, mas tem sido cada vez mais frequente, devido à dependência financeira e à demora maior em iniciar uma nova família, alargá-lo para 29 anos. Em termos sociológicos, uma geração não é caracterizada apenas pela idade biológica, mas por fatores sócio-históricos, os quais levam determinadas pessoas a compartilharem experiências e visões de mundo.

A preocupação com gerações no mundo do trabalho tem animado ricos caminhos de pesquisa. Focos frequentemente presentes são os processos de continuidade e descontinuidade da passagem do que seriam “heranças” e “legados” e de como eles são construídos, desconstruídos, reconstruídos e ressignificados. Há certa concentração das preocupações no processo de trabalho e nos processos educativos, sem que se deixe de perceber seus desdobramentos em termos políticos.

Nesse sentido, deve-se entender as gerações em termos de seu posicionamento na estrutura social e econômica, mas também em termos de sua ação política. Este número da Revista Trabalho Necessário reúne, então, um rico material distribuído entre as suas variadas seções e que trazem resultados de pesquisas e reflexões sobre juventude trabalhadora em suas diversas dimensões. Das pesquisas, vale destacar a preocupação teórico-metodológica com a centralidade do trabalho, mesmo frente à perspectiva de “adeus” e “novo adeus ao trabalho” (Antunes, 2006[4]; Filgueiras e Cavalcante, 2020[5]), que passa a ocupar estudos acadêmicos desde os anos 1990, em defesa da inevitabilidade das medidas de flexibilização e precarização das relações de trabalho frente à crise estrutural do capitalismo.

Neste mesmo campo crítico situamos as reflexões sobre a relação trabalho-educação, que afirmam que os limites e desafios atuais da educação oferecida aos segmentos jovens da classe trabalhadora devem ser investigados a partir da articulação entre estes projetos e práticas escolares e o estágio atual do capitalismo neoliberal, estruturado sob intenso desenvolvimento tecnológico e sob a superexploração do trabalho. Neste cenário, além do rigor teórico crítico, identificamos a opção metodológica pelas “trajetórias de vida” – presentes em vários dos trabalhos ora publicados – na perspectiva de que o objeto/sujeito das pesquisas também expresse sua voz. Esta voz que tem matizes diversos, também contraditórios, mas, que nos permitem vislumbrar possíveis lutas e resistências.  

Outro aspecto, ainda, pode ser destacado a respeito do material reunido no presente número. Se o tempo presente é o que predomina nas análises dos artigos, ensaios, entrevista, resenha, há também experiências e documentos (especialmente registrados nas seções Homenagem, Clássicos e Memória e Documentos) que recuperam reflexões e ações políticas organizadas da juventude de outrora – no trabalho/sindicato, no movimento estudantil ou nos partidos – em contextos econômicos, políticos e sociais profundamente desfavoráveis à classe trabalhadora.

O que é apresentado, naqueles documentos é, por um lado, o reconhecimento de que não estamos “inventando a roda” no campo da organização, uma vez que algumas das ações verificadas nas organizações e mobilizações atuais já eram adotadas no passado. Ao mesmo tempo, não há como negar que a juventude se mantém como um segmento fundamental para a renovação dos repertórios de luta da classe trabalhadora, como demonstra o movimento VAT – Vida Além do Trabalho – que surge da ação de um jovem trabalhador precarizado, Rick Azevedo[6], nas redes sociais e, “de repente”, ganha adesão generalizada na sociedade, chegando ao Congresso Nacional como projeto de emenda constitucional (PEC) contra a jornada 6x1. É sobre todas estas questões que se dedica a Revista Trabalho Necessário 49, que apresentamos a seguir.

A Seção Homenagem é assinada por Marco Aurélio Santana, com o texto Ulisses Lopes: um jovem na história da luta operária e sindical do Rio de Janeiro. Nele, o autor destaca a figura e as experiências de um antigo militante metalúrgico, que iniciou no trabalho e na luta por direitos aos 15 anos de idade. E que tem mantido, ao longo de sua vida, a capacidade crítica e comprometida de pensar as lutas dos/as trabalhadores/as, mas também o amor e o cuidado com as memórias destas lutas. Assim, fomos presenteados, no presente texto, com fotos e documentos do acervo pessoal de Ulisses, cedidos ao Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro (AMORJ)/IFCS-UFRJ.

Na Seção Clássicos, organizada pela editoria da revista, temos dois textos: o primeiro, escrito por Sandra Dalmagro, destaca o discurso de Lênin, proferido em 1920 no III Congresso da União Comunista da Juventude de toda a Rússia e intitulado As Tarefas das Uniões da Juventude. A autora apresenta o contexto em que a fala do líder russo acontece, três anos após a Revolução de 1917 e em meio ao desafio de se estabelecer uma Nova Política Econômica (NEP), que viabilizasse a industrialização e a coletivização do campo, atendendo às necessidades de trabalhadores, no geral, das mulheres e dos jovens. A estes últimos, a quem o discurso é dirigido, Lênin pergunta: “o que é um comunista? Como se aprende a ser um comunista?” As respostas são: estudando; se inserindo nas lutas do povo e se comprometendo, efetivamente, no combate à fome e na campanha de alfabetização do povo russo.

O segundo texto é de autoria de Sonia Rummert e trata do livro “Aprendendo a ser trabalhador - escola, resistência e reprodução social, de Paul Willis, publicado em 1977 em Londres e editado em português quatorze anos mais tarde. De acordo com Rummert, a obra vem sendo muito discutida, desde então, tanto pela sociologia da educação quanto nos estudos sobre a relação entre o mundo do trabalho e a educação. A autora destaca, ainda, que apesar de não marxista, o autor inglês utiliza, na referida obra, a categoria contradição para explorar a cultura “contra-escolar” de parte dos jovens da classe operária, na Inglaterra, rompendo “com as bases francesas da teoria da reprodução, para lançar fundamentos da teoria da resistência”, na análise daquele cotidiano escolar.

Já a Seção Artigos do Número Temático reúne onze textos, cujas principais questões estão organizadas em torno da inserção da nossa juventude no trabalho precário, suas formas de luta e organização, assim como os desafios da educação voltada para este grupo populacional. O primeiro trabalho é intitulado Digitalização, Precariedade e (Des)Integração no Mercado de Trabalho: Trajetórias de Jovens Rurais NEET Rurais em Portugal, de autoria de Isabel Roque, Ana Sofia Ribeiro e João Carlos Sousa. O artigo traz os resultados de uma pesquisa realizada junto aos jovens NEET (no Brasil, chamados “nem-nem”: nem trabalham, nem estudam ou frequentam qualquer tipo de formação) de uma região rural de Portugal, entre 2022 e 2024, num cenário que os autores denominam de “policrise” (incluindo a “Grande Recessão”, a pandemia Covid-19, a crise climática e a crise bélica). Estruturada sobre o levantamento e análise das trajetórias e percepções acerca da vida, trabalho e percurso escolar deste grupo social, os resultados indicam a permanência da vulnerabilidade e precariedade de suas condições de vida.

Gabriel França Sundin e Domingos Leite Lima, no artigo Universalização da Precariedade e Otimismo da Exploração: a Relação entre Juventude e Trabalho para a Organização Internacional do Trabalho, trazem ao debate a concepção de juventude e trabalho presente em oito documentos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre os anos de 2008 a 2020, que fazem parte da publicação intitulada Tendências Mundiais do Emprego (TME). Os autores apresentam o contexto do surgimento da OIT e sua trajetória desde 1919 até a atualidade, além de realizar uma cuidadosa análise da relação entre juventude e trabalho no capitalismo, a partir do que dialogam com os documentos supracitados. A conclusão a que chegam é que, ainda que alternando entre um olhar mais negativo e outro mais positivo ao longo do período analisado, os documentos da OIT acabam por indicar a prevalência de uma visão limitada acerca da juventude e do trabalho a ela destinado.

O artigo Entre a Autonomia e o Controle: Percepções de Jovens Entregadores Ciclistas sobre o Trabalho em Plataformas Digitais, de Caíque Diogo de Oliveira e Maria Carla Corrochano, é resultado de pesquisa qualitativa estruturada numa escuta cuidadosa, traduzida em entrevistas com entregadores/as por plataformas digitais sobre suas percepções acerca do trabalho. Principalmente porque, como assinalado pelos autores, “o trabalho se constitui como uma dimensão significativa na experiência juvenil brasileira.” E o que prevalece, especialmente para este segmento, é o trabalho mais precário e desprotegido. Tudo isso aponta, também, para o desafio às instituições acadêmicas, governamentais e de classe de pensar e atuar na defesa da regulamentação e proteção do trabalho por plataforma.

Os autores Camila de Sousa Ricarte, Cássio Adriano Braz de Aquino e Maristela de Souza Pereira, em seu artigo A Gestão Algorítmica e a Intensificação do Trabalho de Entregadores a partir da Pandemia de Covid-19, também investigam o trabalho de entrega por plataformas, tendo como recorte temporal o período da pandemia da covid-19 e priorizando, como percurso metodológico, a análise de três documentários realizados entre 2020 e 2022, extraindo deles categorias que dialogam com a bibliografia utilizada no estudo, quais sejam: “baixa remuneração”; “intensificação da jornada” e “adoecimento”. Suas conclusões, considerando o período delimitado, apontam para a intensificação da precarização do trabalho, especialmente sob o gerenciamento algorítmico. Mas também apontam a existência das denúncias e resistências a partir dos “breques” das App e outras formas de organização que estes trabalhadores experimentam, desde então.  

Samuel Nogueira Costa, em seu artigo intitulado Jovens Trabalhadores e Precarizados: Eletricitários Terceirizados e as Novas Formas de Ação Coletiva, traz o debate em torno da relação reestruturação produtiva neoliberal/”crise” do sindicalismo/e ação coletiva da juventude trabalhadora. O autor defende que a terceirização, parte fundamental da “nova morfologia” do trabalho na atualidade, não deve ser tomada como a única (ou principal) responsável pela menor representatividade e força da ação sindical. Estas devem ser relacionadas também à própria estrutura sindical brasileira, assim como ao contexto social. A partir deste quadro é que analisa a particularidade do setor elétrico e as experiências e desafios da organização de seus jovens trabalhadores terceirizados.

O artigo A Necessária Auto-Organização da Juventude Trabalhadora Contra a Ofensiva Neoliberal na América Latina, de Andréa Wahlbrink da Silva, apresenta reflexões a partir dos resultados de pesquisa documental (bem vasta) e de entrevistas realizadas com quatro organizações políticas da juventude brasileira, quais sejam: União da Juventude Comunista (UJC); União da Juventude Socialista (UJS); Levante Popular da Juventude e Juntos. O objetivo – da pesquisa e do artigo em tela – foi pensar as implicações da ofensiva neoliberal e os desafios para a juventude trabalhadora na construção de um projeto de auto-organização para a intervenção nas contradições societárias, considerando a ofensiva neoliberal em curso na América Latina.

Os autores Leonardo Vereza e Brena Almeida, no artigo Do Rio de Janeiro ao Carnaval do Rio: Jornadas de Junho de 2013 e a Greve dos Garis de 2014 no Rio de Janeiro, trazem resultados e reflexões de suas pesquisas, sustentadas em cuidadosa análise documental/bibliográfica e pesquisa de campo. Como Vereza e Almeida assinalam, já na introdução de seu texto, o objetivo é “analisar a relação entre as Jornadas de Junho de 2013 e a greve dos garis de 2014, identificando pontos de contato entre tais eventos e dando destaque ao impacto desta greve sobre o imaginário desses trabalhadores, na forma de forte referência para as mobilizações subsequentes”. A tese defendida é a de que o ciclo de protestos e manifestações que começam em junho por todo o país – e que no Rio de Janeiro se estende por julho e agosto – inicialmente contra o aumento da passagem e que depois se ampliam para a cobrança de serviços públicos “no padrão Fifa” (em alusão ao investimento nos grandes eventos), mobilizou a juventude organizada em coletivos mais distantes das tradicionais formas de organização, como os sindicatos. E estes repertórios foram incorporados na greve dos garis, de 2014, exatamente pela experiência vivida por parte da categoria (jovem) nos protestos de junho.    

Aline Suelen Pires e Leylane Souza Leão, no artigo intitulado Entre a Expectativa de Mobilidade e a Instabilidade: a Trajetória da Filha de uma Empregada Doméstica no Brasil, trazem foco para a relação trabalho-educação, a partir da trajetória de mãe e filha: a primeira, migrante nordestina para o sudeste, cuja filha tem acesso à educação superior, mas também experimenta dificuldades na sua inserção laboral. A análise faz parte da pesquisa realizada entre 2021-2023 sobre duas gerações familiares de migrantes (mães e filhas) e as mudanças geracionais considerando o percurso escolar e a inserção no mercado de trabalho. Considerando o contexto das primeiras décadas dos anos 2000 no Brasil, o que as autoras põem em debate é que, apesar da ampliação do acesso ao ensino superior para as classes populares, isso não tem se traduzido em empregos mais qualificados e/ou condizentes com a formação profissional acumulada por estes sujeitos.

A relação trabalho-educação também ocupa espaço central no artigo Jovens Trabalhadores e a Negação do Direito à Educação: Caminhos por onde andei, de Adriana Barbosa. Fruto de uma pesquisa, ainda em andamento, sobre as trajetórias de egressos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) nos cursos de Pedagogia e Licenciaturas da UFF, o artigo destaca a dualidade do sistema educacional brasileiro, que acaba por reforçar as desigualdades estruturais de uma sociedade capitalista periférica, como a brasileira, ainda mais sob a hegemonia neoliberal. Assim, aqueles/as jovens que já tiveram negado o direito à educação básica, quando na idade propícia, mesmo sob iniciativas de ampliação do acesso ao ensino superior, como aquelas experimentadas na primeira década dos anos 2000 – ainda que num campo também bastante contraditório – irão enfrentar significativas dificuldades e desafios de permanência, o que exige dos estudiosos da área e das instituições públicas de ensino o conhecimento de quem são estes sujeitos e o que eles demandam para a garantia do direito à educação.      

Ainda tratando dos desafios da formação da juventude, Franciele Soares dos Santos, Aline Daniel dos Santos e Ana Claudia Ferreira dos Santos, no artigo O Empreendedorismo e a Formação da Juventude: Uma Análise do Novo Ensino Médio nos Estados do Paraná e Santa Catarina, destacam a prevalência de um ethos empresarial na educação no país, que se acirra no contexto da contrarreforma do “Novo” Ensino Médio e sob a hegemonia neoliberal, com impactos importantes na formação da juventude brasileira. No campo empírico, as autoras analisam o empreendedorismo nas propostas curriculares do NEM no Paraná e de Santa Catarina, concluindo que estas privilegiam o empreendedorismo em detrimento das disciplinas da formação geral básica, contribuindo para o reforço da lógica meritocrática, “com um discurso ilusório que defende que o sucesso será alcançado por meio do intenso esforço e da dedicação individual”. 

O artigo intitulado Gestão Democrática de Escolas Públicas: entre a Militarização e a Privatização, qual o Projeto de Formação das Juventudes na atualidade? de autoria de Viviane Merlim Moraes, fecha a seção temática colocando em debate o conceito de gestão democrática, quando, no período recente, a escola pública vem sendo assolada por leis e medidas que, efetivamente, transferem recursos públicos para entes privados e fragilizam a autonomia da comunidade educativa. Sem desconsiderar outros momentos históricos e iniciativas de ataque à educação pública, a autora toma como ponto central de análise o Programa Escola Cívico-Militar, no Estado de São Paulo e o Programa Parceiro da Escola, no Paraná, ambos instituídos no ano de 2024, para problematizar as condições em que a formação das juventudes tem se dado no Brasil. Mas, se o cenário é sombrio, Moraes também convoca os/as educadores/as a “refazer a trajetória” da gestão democrática da escola pública, afirmando que “a muitas mãos” é possível (re) escrever a história.

A Seção Artigos de Outras Temáticas reúne nove trabalhos. O primeiro deles, intitulado Memória, Cultura, Educação e os Desafios da Luta pela Construção da Identidade Étnica no Quilombo da Barra em Rio de Contas, Bahia, é de autoria de Géssica Maria Silva São José e Cláudio Félix dos Santos. Nele, a partir de fontes orais e escritas, os autores analisam de que forma o trabalho educativo e a memória coletiva contribuíram no processo de reconhecimento oficial do território e da construção da identidade negra-quilombola entre os moradores do quilombo de Barra.

        Lucas Silva Gazinhato, Maria Gabriela Silva Martins Cunha Marinho e Marilda Aparecida de Menezes são os autores do artigo Trabalhadores e Trabalhadoras Nacionais do Antigo ABC Paulista na Segunda Metade do Século XIX e Início do Século XX, que destaca o cotidiano de grupos de trabalhadores e trabalhadoras nacionais que habitavam a região posteriormente conhecida como ABC Paulista no período da segunda metade do século XIX e início do século XX, quando era conhecida como Freguesia de São Bernardo e, a partir de 1889, Município de São Bernardo. Os autores consideram que a denominação “nacional” era uma categoria importante da Classe Trabalhadora brasileira que estava em processo de se “fazer”. A partir de revisão bibliográfica sobre a região do ABC e a consulta a fontes primárias, procurou-se enfrentar os silenciamentos sofridos por este grupo, valorizando as experiências compartilhadas e suas ações na sociedade paulista do período.

        Estado, Educação e Produção Social: Dois Momentos Históricos é o título do artigo de Alessandro de Melo e Carina Alves da Silva Darcoleto, resultado de pesquisa teórica e documental que objetiva analisar dois momentos históricos das relações entre educação escolar e o mundo do trabalho: a reforma do ensino de 1º e 2º graus, de 1971, e a Base Nacional Comum Curricular - BNCC, de 2017. Os autores destacam que as reformas mencionadas caracterizam-se pela adaptação em cada período do projeto formativo ao mundo do trabalho: no primeiro, adequado aos postulados fordistas, a ênfase estava na profissionalização; no segundo, adequado aos cenários de crise do capital, a ênfase se encontra na formação de competências subjetivas e flexíveis para enfrentar situações do cotidiano, da cidadania e do trabalho, marcada pela pedagogia das competências e o neotecnicismo.

        Graziany Penna Dias, no artigo Sociabilidade e Contrarreforma do Estado Brasileiro: Perspectiva Empreendedora sob a Égide da Auto Responsabilização e do Individualismo Como Valor Moral, procura discutir, a partir das referências da contrarreforma do Estado brasileiro e das formulações da Terceira Via, as bases para a constituição de uma sociabilidade contemporânea da autorresponsabilização pelo percurso de vida, com a assunção dos riscos, pautado no aporte hayekiano do individualismo como valor moral radical via discurso do empreendedorismo.

        O artigo A Escola Emancipatória Gramsciana como Antítese da Educação Neoliberal, de Victor Leandro Chaves Gomes e Gisele Duarte Teixeira, procura entender o processo de esvaziamento e desqualificação da educação no Brasil, a partir das reflexões gramscianas sobre educação. Os autores consideram que, no contexto da hegemonia neoliberal, a educação é transformada em um mero produto e a escola deixa de ser um ambiente em que prevalecem o pensamento crítico e os valores humanistas. Mas o suporte da teoria gramsciana é considerado importante também para valorizar a escola enquanto espaço de construção de autonomia e de emancipação humana.

        João Pedro Nardy problematiza, em seu artigo Pode a Escola Ensinar a Gostar dos Clássicos? Ensino de Literatura e Ontologia Materialista, a concepção de gosto como inexplicável e intangível, e defende a possibilidade de o prazer pela leitura dos clássicos ser moldada pelo trabalho docente. Colocando a oposição entre “sabor” e “saber” como produto da dinâmica de alienação, aposta na dimensão prazerosa dos clássicos realistas, porque vinculados à vida humana concreta. Tais reflexões foram realizadas à luz da ontologia materialista de Marx e da estética de György Lukács, e revelaram-se contraditórias para com os postulados não-diretivos do “Aprender a aprender”, típicos do neoliberalismo.

        O artigo Estágio Educativo-Profissional de Nível Médio: Perspectivas Problematizadoras nas Pesquisas de Mestrado PROFEPT, de Gilson Allefy Chaves da Silva, Arminda Mourão e Talita de Brito Franco, trata da análise das perspectivas de estágio profissional de nível médio expressas e problematizadas nas pesquisas desenvolvidas no mestrado ProfEPT (2019-2023), evidenciando a relevância das dimensões trabalho e educação integral. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica com 11 dissertações de mestrado e, mediante a Análise de Conteúdo, chegou-se a duas categorias, que revelaram um discurso combativo à formação unilateral no estágio, além de evidenciarem o trabalho fundamentado no princípio educativo como uma necessidade do estágio na EPT de nível médio.

        As autoras Dandara Vianna de Albuquerque e Adrianyce Angélica de Sousa, no artigo Economia Solidária e Mercado de Trabalho para as Mulheres Negras: Aproximações Críticas, analisam a inserção das mulheres negras no mercado de trabalho a partir dos fundamentos da formação social brasileira, em uma perspectiva de totalidade, elegendo o materialismo histórico como referencial teórico. A partir desta perspectiva, realizam uma aproximação critica às experiências de economia solidária voltadas para a inserção das mulheres negras no mercado de trabalho, problematizando como aquelas atualizam as atividades desenvolvidas pelas mulheres negras no período da escravidão no Brasil.

        O artigo Mulheres e Extensão Rural: um Conservadorismo Silencioso, de José Carlos Amaral Júnior, apresenta uma análise bibliográfico-documental sobre as ações com mulheres na extensão rural brasileira, por meio de uma síntese histórica. O autor aponta, então, três elementos centrais que marcam essas ações: a incoerência do discurso da invisibilidade do trabalho feminino, a ausência do gênero enquanto categoria analítica e a centralidade nociva do produtivismo. Isso reforça, a seu ver, que a extensão rural ainda concentra seus esforços no trabalho com mulheres tendo referência nas práticas conservadoras do passado, encontrando no empoderamento e na geração de renda instrumentais neutros adequados para perpetuar uma abordagem individualista e micro. 

Na Seção Resenha é apresentado, por José Luiz Soares, o livro Juventude trabalhadora e sindicatos: formas e dinâmicas da ação coletiva no Rio de Janeiro, organizado por Marco Aurélio Santana e Alexandre Barbosa Fraga, coordenadores também do Núcleo de Estudos Trabalho e Sociedade (NETS-UFRJ), ao qual algumas das pesquisas de que tratam os capítulos do livro estão associadas. Em sua apresentação, Soares destaca o aporte teórico comum entre a maior parte dos trabalhos - o confronto político (Charles Tilly, Sidney Tarrow e Doug McAdam) - e o esforço de compreensão das mobilizações dos trabalhadores “mais nos domínios do ser do que no do dever ser”. Além disso, os estudos ali expostos vão de encontro às teses mais pessimistas, que, diante das transformações do mundo do trabalho vaticinaram o fim de qualquer forma de ação coletiva e “demonstram que os/as trabalhadores/as muitas vezes não se conformam, que são capazes de se organizar e mobilizar em favor de seus próprios interesses e que há notórios sinais de revitalização de movimentos organizativos em torno do trabalho”.

Saulo Benício, jovem entregador e produtor cultural, morador da Baixada Fluminense, é o convidado da Seção Entrevista. A rica conversa foi conduzida por Maria Cristina Rodrigues e Marco Aurélio Santana, contando ainda com a participação de Isabelle Lopes, bolsista de Iniciação Científica. Nela, Saulo recuperou a trajetória de sua família, as experiências laborais – quase sempre no campo informal, até à entrada no trabalho por aplicativo, sobre o qual tem posição bastante crítica. Ao mesmo tempo, aponta a potência da organização coletiva, não apenas através do Breque dos Apps, de 2020, mas também na militância partidária e cultural, através do Hip Hop. E afirma que “a juventude também tá lutando muito, tá batalhando e eu acho que se for mais envolvida nesses debates [sobre trabalho, política], a partir de uma reorientação de prioridades, a gente tem muita coisa para conquistar”.     

A Seção Ensaio traz três trabalhos bem diversificados na forma, e, mesmo assim, bastante condizentes com a temática deste número da Revista TN. O primeiro é um Relato rico e emocionado sobre a ocupação de uma escola estadual do Rio de Janeiro no ano de 2016. Intitulado Juventude e Movimentos Sociais: o Levante Estudantil de 2016 no Colégio Estadual Compositor Luiz Carlos da Vila e escrito por Lucília Maria Barbosa de Aguiar, o texto recupera o contexto local e nacional que provoca o levante coletivo, e que inclui desde medidas de austeridade que deterioram ainda mais a condição da escola pública no país, até as promessas não cumpridas pelo poder público local de maior abertura para participação comunitária e de uma gestão democrática da escola. A autora, então, abre espaço para as falas dos sujeitos que construíram aquele movimento, homenageando-os e destacando o papel destas experiências na formação de militantes em defesa de uma educação de qualidade.

O segundo material é um Ensaio Fotográfico, intitulado Traços do Trabalho, de autoria de Guina Araújo Ramos. O autor, um cientista social e fotógrafo profissional, generosamente cedeu à Revista Trabalho Necessário doze das centenas de fotos que foi fazendo na cidade de Niterói/RJ, principalmente, mas também em São Paulo e em Cabo Frio/RJ. E nos brindou, ainda, com o compartilhamento das suas observações e processo de envolvimento com a temática escolhida – o trabalho. Os pequenos textos que acompanham cada uma das fotos são também uma reflexão muito interessante sobre as condições e as mudanças do trabalho na atualidade.

Por fim, o terceiro trabalho é o Filme: Caminhos Por Onde Andei, produzido por Adriana Barbosa da Silva e Jaqueline Pereira Ventura. O filme, produto da pesquisa “Trajetórias de egressos da Educação de Jovens e Adultos nos cursos de graduação em Pedagogia e Licenciaturas da UFF/Niterói rememoradas por meio de imagens e sons”, narra a trajetória de uma estudante do curso de História da UFF, egressa da EJA. A ideia é, com isso, discutir também “a história de tantos brasileiros alijados do direito à educação básica na idade considerada socialmente adequada”.  

Na Seção Teses e Dissertações, apresentamos os seguintes resumos expandidos: o primeiro refere-se à Dissertação de Mestrado intitulada As Consequências da precarização do trabalho na vida escolar do(a) estudante trabalhador(a) da EJA (Educação de jovens e adultos), de Cláudia Cerqueira Lopes. Defendido pelo Programa de Pós Graduação da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz, no ano de 2023, o trabalho traz os resultados da pesquisa sobre os impactos da precarização do trabalho na vida escolar de estudantes trabalhadores(as) matriculados(as) no Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA) localizado no bairro da Maré, no município do Rio de Janeiro. Contando com pesquisa empírica baseada na aplicação de questionário e entrevistas semiestruturadas com os estudantes da CEJA/Maré, a análise destacada pela autora aponta que “a conjuntura econômica macroestrutural tem gerado instabilidade no emprego e na vida dos estudantes da EJA. Essa realidade impacta de forma adversa a rotina escolar dos estudantes”.

O segundo trabalho, que também é tratado em artigo do número temático do presente número, é o resumo expandido da Tese de Doutorado A Pedagogia da Juventude: uma reflexão sobre a dialética da práxis do movimento de juventude. De autoria de Andréa Wahlbrink Padilha da Silva, foi defendida no ano de 2022, pelo Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e combinou, como aponta a autora, “a análise documental, entrevistas semiestruturadas e o referencial teórico do materialismo histórico e dialético”, na perspectiva de explorar como têm atuado quatro organizações políticas da juventude, a saber: União da Juventude Comunista (UJC); União da Juventude Socialista (UJS); Levante Popular da Juventude e Juntos. A análise confirma a hipótese de pesquisa, destacando, conforme Silva, a “importância histórica que as organizações da juventude exercem no movimento de massa e na organização política, em diferentes dimensões, principalmente a partir da reconfiguração da ofensiva neoliberalista”.

A última Seção, Memória e Documentos, traz o texto de Rodrigo Guedes, intitulado Juventude e Resistência no Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro (AMORJ). Coerente com o sentido desta seção, Guedes anuncia, logo na primeira parte de seu texto, que “... tanto História quanto Memória são campos em disputa, sendo fundamental tomar partido, sobretudo em momentos de crise do capitalismo, dos quais emergem os revisionismos de extrema direita e a barbárie fascista”. A partir de uma posição clara nesta disputa, o autor recupera, brevemente, a história e o papel do AMORJ e presenteia os/as leitores/as da Trabalho Necessário, com um rico material – entre cartazes, jornais, boletins, panfletos –, que destaca a resistência da juventude brasileira organizada à ditadura militar. Quando o país assiste, emocionado, ao filme Ainda estou aqui, de Walter Sales sobre livro de Marcelo Rubens Paiva, sobre a história de Eunice Paiva, mulher de Rubens Paiva – assassinado pela ditadura militar no ano de 1971 – compreendemos concretamente o quanto a memória é luta e cumpre um papel pedagógico na formação do pensamento crítico.

Assim, é com muita alegria que entregamos o número 49 da Revista Trabalho Necessário, onde a juventude de ontem e de hoje estão reunidas pensando as questões fundamentais da realidade brasileira, afirmando que a garantia de uma vida com sentido exige o direito ao trabalho digno, à educação pública e gratuita, à cultura, ao lazer, ao descanso. E cobra de nós, jovens e adultos na academia, nos movimentos sociais, nos sindicatos, “a perspectiva de se manter na luta, sempre, enquanto puder”, como propôs Saulo Benício na entrevista aqui publicada.

Boa leitura!

Niterói, 05 de dezembro de 2024.

Os organizadores  


[1] Apresentação recebida em 28/11/2024. Aprovada pelos editores em 30/11/2024. Publicada em 05/12/2024. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v22i48.63970.

[2] Doutora em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - Brasil. Professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF). Rio de Janeiro - Brasil. E-mail: mcristina@id.uff.br 

Lattes:  http://lattes.cnpq.br/0279905252377710   ORCID: http://orcid.org/0000-0003-0545-2260 

[3] Doutor em Sociologia e Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - Brasil. Professor do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro - Brasil. E-mail: msantana@ifcs.ufrj.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1729257049926692  ORCID: http://orcid.org/0000-0002-3181-6964.

[4] ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 11ª edição. São Paulo: Cortez, 2006.

[5] FILGUEIRAS, V.; CAVALCANTE, S. Um novo adeus à classe trabalhadora? In: ANTUNES, R. (org). Uberização, Trabalho Digital e Indústria 4.0. SP: Boitempo Editorial, 2020.

[6] Rick Azevedo foi o vereador mais votado, pelo PSOL, na última eleição para a Câmara de Vereadores da cidade do Rio de Janeiro, em 2024.