
Introdução3
O contexto histórico de 2003 a 2014 é marcado pela ampliação da política de
acesso à educação superior brasileira e pela primeira experiência no país de uma
IES pública a adotar a política de cotas raciais4 para o ingresso de negros e negras a
este nível de ensino, sendo estas expressões das ações afirmativas no Brasil.
Houve neste contexto histórico, como nos apresentam Moreira et al. (2017), a
ampliação do número de vagas no ensino superior brasileiro e a criação de turmas
no período noturno em vários cursos de graduação não integrais, o que contempla a
realidade de expressiva parcela da classe trabalhadora cujas condições de trabalho
interferem e dificultam o ingresso e permanência no curso superior.
Essas adaptações podem ser consideradas conquistas de movimentos sociais
dos quais podemos destacar o Movimento Negro (MN) 5, que vem historicamente
denunciando a falta de acesso da população não branca aos bancos universitários e
que alcançou, como resposta, a implantação de políticas públicas6 para aumentar o
acesso ao ensino superior com maior inclusão social deste grupo (Moreira et al.,
2017).
No entanto, também neste contexto, direcionado pela hegemonia do
neoliberalismo, e das leis de mercado7, há um profundo investimento de recursos
7Como afirma Roberto Leher (2021, p. 1), “o que efetivamente particulariza a mercantilização da
educação superior no Brasil é a vertiginosa tendência de crescimento da modalidade a distância, a
presença de fundos de investimentos no controle das instituições de ensino e a abertura de capital
6 Políticas públicas para a ampliação, acesso e permanência ao ensino superior público: Programa de
Reestruturação e Expansão das Universidades (Reuni), iniciado em 2003, o Programa Nacional de
Assistência Estudantil (PNAES), criado em 2008, e o Sistema de Seleção Unificada (Sisu),
implantado em 2010, permitindo a utilização das notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem),
criado em 1998. Ao ensino superior privado: Programa Universidade para Todos (ProUni), criado em
2005, e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), criado em 1999 (Moreira et al., 2017).
5 Adotamos a definição de MN trazida por Gomes (2019,p.24) “uma das mais diversas formas de
organização e articulação das negras e dos negros politicamente posicionados na luta contra o
racismo e que visam a superação deste perverso fenômeno na sociedade. Participam desta definição
os grupos políticos, acadêmicos, culturais, religiosos, e artísticos com o objetivo explícito de
superação do racismo e da discriminação racial, de valorização e afirmação da história e da cultura
negras no Brasil, de rompimento das barreiras racistas impostas aos negros e às negras na ocupação
de diferentes espaços e lugares na sociedade(...)”. Esta definição de MN nos contempla porque nos
provoca a entendê-lo não como um movimento único, homogêneo e estático. É uma perspectiva que
nos permite identificar atores diversos, em contextos diversos com a função comum de questionar os
pilares racistas da sociedade brasileira.
4 Vale registrar que – não sem pressão do MN a Lei de Cotas (Lei 2.711 de 29 de agosto de 2012) só
foi aprovada em 2012.Com ela, todas as IES federais do país foram obrigadas a reservar parte de
suas vagas para alunos oriundos de escolas públicas, de baixa renda, e negros, pardos e indígenas.
3 Uma versão simplificada deste texto foi apresentada no XIII Congresso Brasileiro de Pesquisadores
(as) Negros(as) setembro/2024 com o título “Movimento dos cursos pré-vestibulares populares e raça:
a disputa pela questão racial e o acesso da população preta, pobre e moradora da periferia ao ensino
superior”.