V.23, nº 50 - 2025 (janeiro-abril) ISSN: 1808-799 X
O ANTIRRACISMO DE APARÊNCIA: DA NEGAÇÃO GLOBAL AO
RECONHECIMENTO SINGULAR E OPORTUNISTA1
Raphael Barreto da Conceição Barbosa2
Resumo
A ampliação do debate sobre as desigualdades raciais aumentou a pressão por maior equidade nas
instituições, fazendo com que elas passassem a adotar políticas antirracistas. No entanto, algumas
não possuem intenção de mudar as relações raciais e adotam um antirracismo de aparência. A
ampliação da diversidade tem sido a principal ação adotada e, quando ocorre nesse contexto, pode
trazer repercussões negativas para trabalhadores e trabalhadoras. O objetivo é discutir como o
antirracismo é usado para ocultar o racismo institucional.
Palavras-chave: Racismo; Antirracismo; Hegemonia; Ideologia; Capitalismo.
EL ANTIRACISMO DESDE UNA PERSPECTIVA LIBERAL: DE LA NEGACIÓN GLOBAL AL
RECONOCIMIENTO SINGULAR
Resumen
La ampliación del debate sobre las desigualdades raciales ha aumentado la presión por una mayor
equidad en las instituciones, lo que ha llevado a que adopten políticas antirracistas. Sin embargo,
algunas no tienen la intención de cambiar las relaciones raciales y adoptan una apariencia
antirracista. La ampliación de la diversidad ha sido la principal acción adoptada y, cuando ocurre en
este contexto, puede tener repercusiones negativas para los trabajadores y las trabajadoras. El
objetivo es discutir cómo el antirracismo se utiliza para ocultar el racismo institucional.
Palabras clave: Racismo; Antirracismo; Hegemonía; Ideología; Capitalismo.
ANTI-RACISM FROM A LIBERAL PERSPECTIVE: FROM GLOBAL DENIAL TO SINGULAR
RECOGNITION
Abstract
The expansion of the debate on racial inequalities has increased the pressure for greater equity in
institutions, leading them to adopt anti-racist policies. However, some have no intention of changing
racial relations and adopt a appearance anti-racism. The expansion of diversity has been the main
action taken, and when it occurs in this context, it can have negative repercussions for workers. The
goal is to discuss how anti-racism is used to conceal institutional racism.
Keywords: Racism; Anti-racism; Hegemony; Ideology; Capitalism.
2Doutor em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz
(ENSP/Fiocruz), Rio de Janeiro - Brasil. Pesquisador bolsista na Escola Nacional de Saúde Pública
da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz). E-mail: phaelbarreto2@gmail.com.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8843054869230521. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-9838-9736.
1Artigo recebido em 10/01/2025. Primeira Avaliação em 04/02/2025. Segunda Avaliação em
20/02/2025. Aprovado em 12/03/2025. Publicado em 09/04/2025.
DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v23i50.66137
1
Introdução
O histórico colonial e escravagista do Brasil, fez do racismo um elemento
presente em nossa cultura. A transição do modo de produção escravagista para o
modo de produção capitalista configurou-se como um momento de clivagem: se
durante a escravidão a dominação sobre as pessoas negras era quase completa,
inclusive de mãos e pernas pelas correntes e grilhões, a partir da abolição, a
dominação passou a ser, principalmente, no campo das ideias, da subjetividade
(Fanon, 2018; Barbosa, 2024). Dessa forma, nesse período se consolidou uma
espécie de Estado antinegro3 que pode ser caracterizado pelo desenvolvimento de
“ações objetivas, mas também por formulações ideológicas que contribuíram para
manter inalterados os padrões e valores brancos, dificultando a mobilidade social
vertical do grupo negro” (Barbosa, 2024, p. 51).
Isso porque o racismo se remodelou para continuar operando, se consolidou
como arma ideológica de dominação e se mantém como tendência de pensamento,
podendo estar presente em todos os níveis da sociabilidade (Moura, 1994; Fanon,
2018).
A perspectiva institucional do racismo nos mostra que ele pode se manifestar
no interior das instituições, pois elas refletem os conflitos e contradições presentes
na sociedade, mas também pode ser produto do funcionamento dessas instituições,
como por exemplo, atuando como mecanismo de barragem e peneiramento na
competição por emprego. Não podemos no esquecer que
até 1950, a discriminação em empregos era uma prática corrente,
sancionada pela lei consuetudinária”, onde anúncios de empregos
exclusivos para pessoas brancas eram permitidos. Somente em
1951, a partir da reivindicação dos movimentos negros, a lei Afonso
Arinos (Lei no 1.390 de 03 de julho de 1951) foi promulgada e proibiu
essa prática, no entanto, outras formas menos explícitas foram
adotadas, como a necessidade de ter “boa aparência” para ser
contratado. (Barbosa, 2024, p. 56 apud, Nascimento, 2016).
3 O Estado antinegro nasceu no Império e perpetuou-se na República (Moura, 1977; Queiroz, 2021),
mas foi no pós-abolição que ele se consolidou. Não é como se antes o Estado fosse favorável às
pessoas negras, na verdade, a escravidão foi o cerne da economia por mais de 300 anos, após a
abolição, o trabalho negro não só perdeu sua centralidade, como o Estado organizou-se para impedir
a inclusão de pessoas negras na nova sociedade de classes em construção (Barbosa, 2024).
2
Manifestações do racismo no mundo do trabalho
Como um exemplo recente da persistência da discriminação em empregos,
podemos citar o caso da Ável Investimento (escritório da XP Investimentos em Porto
Alegre) que, em 2021, publicou uma foto com mais de 100 pessoas, onde, quase a
totalidade era formada por homens brancos. Organizações não-governamentais se
uniram e protocolaram uma ação civil pública (ACP) contra a empresa, alegando
discriminação, evidenciada pela falta de diversidade. A XP se manifestou
publicamente, afirmando seu compromisso com a diversidade e inclusão.
Após a repercussão negativa, a Ável, contratou uma consultoria e construiu
um “plano de letramento de diversidade e inclusão”, com metas para a ampliação da
presença de pessoas negras em seu quadro. A apresentação desses documentos
foi suficiente para que, em 2022, a ACP fosse arquivada (O Globo, 2022).
Cada vez mais, o debate sobre a equidade racial se amplia e as instituições
têm sido cobradas a promover maior equidade racial. Não à toa, nas últimas
décadas, diversos atos normativos que tratam sobre a temática racial foram
publicados no Brasil, entre eles podemos citar a Lei Caó (Lei 7.716/89), o Estatuto
da Igualdade Racial (Lei 12.288/10), a Lei de cotas para ingresso nas universidades
federais (Lei 12.711/12) e nos concursos públicos federais (Lei 12.990/2014) e, mais
recentemente, o Decreto 11.443/23, que reserva 30% dos cargos comissionados e
funções de confiança para pessoas negras no âmbito do Executivo Federal. Todos
esses marcos regulatórios são fruto das lutas históricas dos Movimentos Negros no
Brasil.
Apesar dos avanços regulatórios, as desigualdades raciais no mercado de
trabalho são escancaradas: Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Socioeconômicos (DIEESE), no segundo trimestre de 2024, a população
negra representava 56,7% da população brasileira e 55,4% das pessoas ocupadas.
Em números absolutos, essa era a configuração do mercado de trabalho: 33 milhões
de homens negros, 25,1 milhões de homens não negros4, 23,4 milhões de mulheres
negras e 20,3 milhões de mulheres não negras (DIEESE, 2024).
A população negra também foi maioria entre as pessoas desempregadas, a
taxa de desocupação no período foi a seguinte: 10,1% para mulheres negras, 6,7%
4 O DIEESE (2024) considera homem/mulher não negra, pessoas da raça/cor branca, amarela e
indígena.
3
para mulheres não negras, 6,3% para homens negros e 4,6% para homens não
negros (DIEESE, 2024).
Em relação à informalidade, 45,2% da população negra ocupada trabalhava
informalmente. Ao separarmos por sexo, 45,6% das mulheres negras, 45% dos
homens negros, 34,1% das mulheres não negras e 33,8% dos homens não negros
trabalhavam sem carteira assinada e nem contribuíam para a previdência (DIEESE,
2024).
Quando se é uma pessoa negra, os rendimentos são inferiores: homens não
negros possuíam maior rendimento médio mensal (R$ 4.492), seguido por mulheres
não negras (R$ 3.404), os homens negros ocuparam a terceira posição (R$ 2.610) e
as mulheres negras possuíam o menor rendimento (R$ 2.079) (DIEESE, 2024).
Em relação à ocupação de cargos de gerência e direção, a população negra
ocupou apenas 33% desses cargos. A distribuição foi a seguinte: 40% homens não
negros, 27% mulheres não negras, 20% homens negros e 14% mulheres negras
(DIEESE, 2024).
No serviço público, o “Infográfico - Percentual de Pessoas Negras
(Pretas/Pardas) em Cargos Comissionados” publicado pelo Governo Federal mostra
que, considerando uma estrutura de 37 órgãos, entre os cargos comissionados de
níveis de 01 a 12, 03 ministérios possuem menos de 30% de vagas ocupadas por
pessoas negras. Esse problema aumenta consideravelmente, quando analisados os
cargos comissionados de níveis de 13 a 17, pois 18 ministérios possuem menos de
30% dessas vagas ocupadas por pessoas negras (GOV.BR, 2023).
Assim, a evolução do debate racial na sociedade, frente aos frequentes e
explícitos casos de racismo envolvendo grandes marcas e governos, intensificou as
exigências pela adoção de práticas antirracistas e pelo enfrentamento ao racismo
institucional, além da promoção da equidade racial nas instituições públicas e
privadas com e sem fins lucrativos.
O antirracismo como discurso e o racismo como prática
Com o objetivo de preservar sua boa imagem pública, algumas instituições
têm se posicionado como antirracistas. Diversos autores e autoras têm publicado
sobre esse fenômeno, a partir de diferentes conceitos e referenciais de análise.
4
Manoel (2019) conceitua “antirracismo de mercado” como uma perspectiva
teórica e política que busca ‘combatero racismo, mas nos marcos do liberalismo e
do capitalismo. Para o autor, o racismo provoca uma inferiorização cultural e
simbólica de tudo relacionado às pessoas negras e, na perspectiva do “antirracismo
de mercado”, essa inferiorização se resolve com pessoas negras ocupando os mais
diferentes postos na sociedade capitalista, ou seja, o conceito está diretamente
relacionado a outro conceito, o de representatividade. O autor cita a Avon, que vem
ampliando a diversidade em suas peças publicitárias, mas há anos mantém milhares
de relações de trabalho informais com aquelas que a empresa chama de
“revendedoras”, grande parte delas, mulheres negras (Manoel, 2019). Amparada no
discurso da representatividade, a diversidade tornou-se mais uma mercadoria:
O estudo da Korn Ferry mostrou também que as organizações com
times mais inclusivos superam a concorrência. As que têm equipes
executivas mais diversas são 70% mais propensas a conquistar
novos mercados do que as menos diversificadas e são capazes de
gerar receita 38% maior em produtos e serviços inovadores (G1,
2022).
No “Relatório Blackwashing: as corporações estão engajadas na pauta
racial?”, Carvalho & Moraes (2023) apresentaram o conceito de “blackwashing” para
caracterizar, práticas comerciais específicas, utilizadas por empresas de produtos
ultraprocessados, bebidas alcoólicas e tabaco, que tem como público-alvo a
população negra. Para as autoras, o blackwashing se expressa na adoção de ações
publicitárias “figuradas por influenciadores negros e/ou por simbologias ligadas à
cultura afro-brasileira, além de ações que se anunciam de promoção da equidade
racial nos ambientes corporativos, mas que não atuam na raiz do problema”
(Carvalho & Moraes, 2023, p. 07). Ao final da análise, no que diz respeito às práticas
internas às instituições, as autoras propõem a seguinte reflexão:
as alternativas apresentadas podem configurar uma nova cara para o
‘mito da democracia racial’, afinal, se temos uma empresa repleta de
pessoas negras, como poderá existir racismo? [...]
A questão que parece se colocar é que a própria estrutura
corporativa é sustentada por um viés racista, uma vez que os
funcionários negros quase sempre ocupam posições de baixa
remuneração e, por vezes, de alta periculosidade. Além disso,
grandes corporações são a institucionalização do neoliberalismo, um
sistema que prioriza o lucro em detrimento do bem-estar coletivo
(Carvalho e Moraes, 2023, p. 108).
5
Corrêa et al. (2022, p. 491) cunharam o conceito de “antirracismo de marca”,
que consiste em uma “prática discursiva ativista, nos moldes publicitários e
corporativos, caracterizado por um esvaziamento e diluição do caráter político e
transformador do antirracismo”. Seguindo o mesmo conceito, Resende e Covaleski
(2023, p. 66) destacam como o Carrefour utilizava diversidade e antirracismo como
sinônimos: “uma aparente confusão por parte da própria marca em relação à adoção
do termo, o que nos leva a interpretá-lo como equivalentes no contexto específico”.
Os autores afirmam que
Todo esse cenário [do antirracismo de marca e da “confusão” entre
antirracismo e diversidade] pode reforçar a ideia de que a
diversidade não passa de uma oportunidade de ampliação de capital
seja econômico ou simbólico. A afirmativa, que pese ser dura, é
uma constatação do que Harvey (2014) chamou de mercadificação
de tudo, do que Dardot e Laval (2016) nomearam como
concorrencialismo ou, bem antes deles, pode se enquadrar no
entendimento que Marx (2011) concebeu como fetichismo da
mercadoria (Resende e Covaleski, 2023, p. 70).
Os diferentes conceitos convergem ao denunciarem como a pauta antirracista
tem sido cooptada pelo capital. Fanon (2018, p. 83) havia sinalizado que, com a
evolução dos meios de produção, o racismo se camufla e pode ser
instrumentalizado como “tema de meditação” e até como “técnica publicitária”.
Dessa forma, nota-se uma mudança no comportamento institucional: é como
se da negação global do racismo, essas instituições passassem ao seu
reconhecimento singular e específico (Fanon, 2018). Neste caso, o período da
negação do global foi aquele em que mecanismos de barragem e peneiramento
foram adotados por elas. Na atualidade, com a ampliação das denúncias, dos
debates, da pressão dos Movimentos Negros, o reconhecimento das desigualdades
raciais e do racismo tornou-se, quase, inevitável. Com isso, a ausência de
representatividade tem sido eleita como o grande problema a ser solucionado e as
instituições passaram a chamar a ampliação da diversidade em seus quadros
funcionais e peças publicitárias, de antirracismo.
Entretanto, busca-se aqui sublinhar esse fenômeno que chamo de
antirracismo de aparência, que ocorre quando instituições, grupos ou pessoas
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reivindicam o antirracismo, porém, sem reais interesses reparatórios5 ou em mudar o
padrão das relações racistas, na verdade, o objetivo é ocultar o racismo.
Tomemos o caso da Ável como exemplo: foi preciso uma avalanche de
críticas e uma ACP para que os dirigentes “percebessem” que (quase?) não
possuíam pessoas negras em sua equipe e adotassem uma política de diversidade.
Mesmo assim, a empresa nunca se manifestou publicamente sobre as acusações de
discriminação e racismo, mas, em juízo, a Ável e a XP se defenderam, alegando que
“a composição de seu elenco profissional segue a proporção média encontrada na
realidade do mercado e que não obrigação legal de um número mínimo de cotas
para agentes autônomos em uma associação” e que a Justiça do Trabalho não teria
competência na ação, que para elas “não seria decorrente de relações laborais”
(MPT-RS, 2021). No ano seguinte, como dito antes, a Ável publicou um plano de
diversidade e inclusão.
De maneira geral, as vagas afirmativas para pessoas negras podem
representar uma importante oportunidade de ingresso no mercado de trabalho,
oferecendo acesso a cargos e instituições com boas condições laborais e
remuneração adequada. No entanto, se a abertura dessas vagas for uma estratégia
de antirracismo de aparência, as pessoas negras contratadas podem acabar
enfrentando situações diárias de racismo institucional, ou seja, um ambiente de
trabalho hostil.
Contudo, mesmo que a vaga afirmativa seja uma estratégia para garantir a
boa imagem da instituição, ao incorporarem pessoas negras em suas equipes e
abordarem, de alguma maneira, a pauta antirracista, as relações institucionais irão
se complexificar.
Nas instituições, o antirracismo de aparência é utilizado para camuflar o
racismo institucional e atuar como uma ideologia resguardadora dos interesses de
dirigentes institucionais que, para manter sua hegemonia, aparentam atender as
demandas por equidade racial, garantindo a manutenção de seu capital social e sua
ampliação, quando possível, ao sensibilizar e fidelizar pessoas negras. Nesse ponto,
é fundamental destacar que para se alcançar e conservar a hegemonia, se
pressupõe indubitavelmente que se tenha em conta os interesses e
as tendências dos grupos sobre os quais ela se exercerá, que se
5 autoras que abordam o antirracismo a partir de uma postura ativa frente ao racismo, Angela
Davis e Grada Kilomba são exemplos.
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forme um certo equilíbrio de compromisso, que o grupo dirigente faça
sacrifícios de ordem econômico-corporativas; mas também é
indubitável que esses sacrifícios e esse compromisso não podem
referir-se ao essencial, porque se a hegemonia é ético-política, não
pode deixar de ser também econômica, não pode deixar de ter seu
fundamento na função decisiva que o grupo dirigente exerce no
núcleo decisivo da estrutura econômica (Gramsci, 2002, p. 96).
Além das pressões externas, também surgem questionamentos internos nas
instituições. À medida que trabalhadores e trabalhadoras se organizam em torno de
debates sobre as relações raciais institucionais, os grupos dirigentes tendem a
adotar duas estratégias principais: institucionalizar o debate e buscar um equilíbrio
de compromisso. Isso ocorre porque, para manter sua hegemonia, esses grupos
precisam garantir que a direção cultural e ideológica da instituição continue sob seu
controle.
No entanto, mais do que simplesmente impor sua vontade por meio da força,
os dirigentes buscam validar suas ações por consenso, fazendo com que pareça
que a vontade coletiva é quem prevalece.
A institucionalização do debate racial envolve a promoção do letramento racial
e a criação de comitês, comissões ou grupos de trabalho antirracistas, com a
participação de representantes dos grupos dirigentes e da massa trabalhadora.
Embora esses espaços pareçam ser democráticos e progressistas, na prática,
servem como uma forma dos dirigentes controlarem a direção e o ritmo dos debates
sobre a questão racial.
Dentro desse contexto, o letramento racial funciona como uma forma de
educação permanente, com foco na mudança de comportamento. Ele aponta
atitudes e palavras "racistas" a serem evitadas, mas não traz dados que exponham a
realidade das desigualdades raciais, as quais garantem privilégios para as pessoas
brancas e desvantagens para as pessoas negras. Isso acontece porque não se
busca adotar um antirracismo radical e revolucionário, que compreenda que a
superação do racismo será possível se, ao mesmo tempo, o capitalismo for
superado.
Com efeito, essas ações de letramento, aplicadas com foco na apropriação de
um léxico racial, podem promover algum tipo de mudança, no entanto, uma das
consequências disso foi o que Silva (2023) conceituou como “antirracismo cordial”,
um falso antirracismo que confere às pessoas brancas, autodenominadas
antirracistas, possibilidades de atuarem na
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superficialidade da luta, um antirracismo [...] amistoso que
responsabiliza apenas o Estado, retirando sua própria culpa,
utilizando-se de um “discurso politicamente correto sem abrir mão
dos privilégios que a branquitude garante” (Silva, 2023, p. 19-20).
Para a autora, esse fenômeno é contraproducente, pois “não rompe com as
estruturas de dominação racial, mas as reproduz de maneira eficientemente dolosa
e quase que imperceptível” (Silva, 2023, p. 32), além de colonizar “pessoas negras e
indígenas pelo afeto, amarrando-nos à ilusão de uma aliança que se desfaz ao
primeiro tensionamento racial” (Silva, 2023, p.23).
O outro movimento do grupo dirigente, o equilíbrio de compromisso, se
materializa na redação de políticas e planos de ação institucionais de
diversidade/antirracistas. É nesse momento que o grupo dirigente precisará negociar
a abrangência e metas das ações a serem adotadas. Uma vez que se objetiva
aprovar seus interesses por consenso, esse grupo poderá realizar alguns sacrifícios,
com vistas a garantir o entusiasmo e boa vontade da membresia do comitê.
Assim, a hegemonia se mede pela capacidade de assimilar o debate racial e
dar a ele limites institucionais, de forma que os resultados pareçam construções
coletivas.
Sendo o racismo uma arma ideológica de dominação (Moura, 1994) com
capacidade de se remodelar para continuar operando, ao passo que a instituição se
torna mais diversa e aparentemente sensível e atenta à questão racial,
obrigatoriamente, a forma de manifestação do racismo institucional irá se
aperfeiçoar. Demonstrações mais explícitas do racismo tendem a diminuir, sem que
o racismo, necessariamente, deixe de estar presente (Fanon, 2018). Fanon alerta,
“não é, pois, na sequência de uma evolução dos espíritos que o racismo perde a sua
virulência” e continua, “neste estádio, o racismo não ousa mostrar-se sem
disfarces. Contesta-se. Num número cada vez maior de circunstâncias, o racista
esconde-se” (Fanon, 2019, p. 82).
Para pessoas negras, a experiência de ser admitida por uma vaga afirmativa,
numa empresa que se diz antirracista e se deparar com situações cotidianas de
racismo no ambiente de trabalho pode ser neurotizante. Essa situação pode ser
ainda mais delicada quando falamos de vagas afirmativas para cargos de gestão.
Como vimos, apesar das políticas reparatórias, a população negra ainda está
bastante subrepresentada em cargos de direção e gerência, sendo assim, muitas
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vezes na instituição uma pessoa negra nessas posições e a ausência de
pares pode gerar sentimento de solidão, de impotência e o pior, perceber que sua
presença naquela posição é utilizada para a construção da imagem antirracista.
A depender da função que a pessoa negra ocupe, da sua compreensão sobre
as raízes sociais e econômicas, logo, estruturais do racismo e do seu compromisso
com a luta verdadeiramente antirracista, seus posicionamentos podem causar
tensionamento e desconforto no ambiente institucional, mas também, esse ambiente
pode ser absurdamente violento para ela.
Ademais, caso os processos de educação permanente/letramento racial não
sejam realizados com bastante atenção e cuidado, corre-se o risco de revitimizar
pessoas negras, quer seja numa espécie de "mentoria reversa” (Carvalho & Moraes,
2023, p. 30), onde pode-se estimular excessivamente essas pessoas, para que elas
exponham situações de racismo vividas anteriormente, como forma de ensinar e
sensibilizar as pessoas brancas, quer seja pela reação de pessoas brancas durante
essas atividades. Essas reações podem ser diversas, desde a negação da
existência do racismo, passando pela surpresa com a sua "descoberta", entre outros
absurdos.
E não para por aí, como durante essas atividades, geralmente, um
estímulo para que pessoas negras exponham seus desconfortos, posteriormente,
podem ocorrer questionamentos e perseguições decorrentes desses relatos.
A situação se agrava quando somamos a suscetibilidade de pessoas
negras em ambientes de trabalho serem vítimas de racismo e a
pressão causada pelo aumento do desemprego no segmento. [...]
Se considerarmos as altas taxas de desemprego, é possível
compreender que muitas das vítimas de assédio em ambiente de
trabalho silenciam por medo de perder o emprego. É uma equação
que mantém os praticantes de violência seguros de que não serão
expostos ou denunciados. Essa tem sido uma realidade frequente no
Brasil, e as consequências são diversas, desde sofrimento mental
até o agravamento das condições de saúde física, muitas vezes
levando a quadros de ansiedade, depressão e outras doenças
relacionadas ao ambiente laboral hostil. Além disso, o silêncio
imposto pelo medo de retaliações perpetua a cultura de impunidade
para os agressores e o desamparo para as vítimas (Oliveira, 2023).
Dessa forma, afirmação pelo respeito às diferenças, não significa,
necessariamente, a valorização das diferenças, mas sim, a necessidade dos
dirigentes institucionais de dissimular seus reais interesses, para aparentar estarem
em acordo com as demandas sociais e garantir sua hegemonia.
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apesar de aparentemente mostrarem compromisso nas fases de
recrutamento em seus editais, incluindo quesitos como prioridade
para pessoas negras, mulheres, mães, LGBTs e pessoas com
deficiência, na prática, não apresentam condições de permanência
para essas pessoas ou políticas de enfrentamento ao assédio que
possam protegê-las de possíveis violências no ambiente de trabalho
(Oliveira, 2023).
Enfim, o antirracismo de aparência ajuda a construir uma boa imagem
institucional às custas da admissão de pessoas negras, o que, além de garantir a
manutenção de seu capital social e hegemonia, pode ser utilizado para protegê-la de
denúncias e constranger trabalhadoras e trabalhadores vítimas de racismo.
Considerações finais
Algumas instituições possuem esse componente oportunista e perverso, que
busca ocultar o racismo, adotando um antirracismo de aparência. Ao publicarem
vagas afirmativas, despertam interesse em pessoas negras e podem promover a
uma falsa sensação de segurança, o que rapidamente muda após a admissão,
quando essas pessoas se deparam com situações cotidianas de racismo.
As ações de letramento racial devem resguardar as pessoas negras, pois o
que para algumas pessoas que estão entrando em contato com o tema podem ser
dúvidas e comentários, para pessoas negras podem ser um mergulho em memórias
de episódios de violência racial. A dor dessas pessoas não deve ser utilizada para
ensinar.
Mesmo sabendo dos limites do antirracismo na institucionalidade capitalista, é
possível desenvolver ações que atenuem o racismo institucional. Para tanto, é
fundamental que as ações antirracistas sejam organizadas, debatidas e conduzidas
com autonomia pelo conjunto das pessoas trabalhadoras e que as instituições sejam
responsabilizadas pelos casos de racismo no ambiente de trabalho.
No entanto, se o que almejamos são mudanças reais nas relações raciais,
nossa luta é por transformações estruturais. Se o proletariado que empunhará as
armas para a destruição da burguesia, e no Brasil a massa proletária é
majoritariamente negra, será a produção coletiva, arma dessa massa trabalhadora,
que disputará a direção cultural e ideológica, até a superação das relações raciais e
do modo de produção vigente.
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