V.23, nº 51 - 2025 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


JACKSON DO PANDEIRO: TRAÇOS DE UMA TRAJETÓRIA1


Deribaldo Santos2



O presente texto tem caráter teórico, bibliográfico e documental. Sob o embasamento teórico retirado da Grande Estética de Georg Lukács (1966), seu objetivo é debater a relação que o cotidiano mantém com a produção musical de Jackson do Pandeiro. E com apoio neste exame, homenagear o Rei do Ritmo da Música Popular Brasileira (MPB). Para esse fim, recorta-se o período que vai do


1 Homenagem recebida em 06/03/2025. Aprovada pelas editoras em 19/07/2025. Publicada em 06/08/2025. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v23i51.66851.

2 Doutor em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará. Faculdade de Educação, Ciência e Letras do Sertão Central da Universidade Estadual do Ceará (FECLESC/UECE).

Email: deribaldo.santos@uece.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1317529947912305. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7915-0885

nascimento do artista até a sua ascensão musical na revista carnavalesca A Pisada é Essa, da rádio Jornal do Commercio, na cidade pernambucana de Recife, considerando o prazo que vai de 1919 até metade da década de 1950.

A redação está dividida em três partes que se articulam mutuamente. Após esta apresentação, seguem-se os itens: O Pandeiro como sobrenome: o coco como acompanhante e as Considerações finais. Os elementos conclusivos, embora não pretendam encerrar o debate, senão fomentá-lo, inferem que as condições estruturais que alimentam o cotidiano vivido por Jackson do Pandeiro são preponderantes em sua arte. Observa-se que os elementos presentes no cotidiano do artista o dotaram dos elementos vitais que, articulados à sua subjetividade, envolvem suas criações de uma grande admiração por parte dos receptores. Esse contraditório e acidentado cenário leva a crítica especializada a nomear o músico como o Rei do Ritmo da Música Popular Brasileira.


O pandeiro como sobrenome: o coco como acompanhante


Jackson do Pandeiro nasceu na cidade de Alagoa Grande (Engenho Tanques), região do Brejo Paraibano, em 31 de agosto de 1919, e foi batizado como José Gomes Filho, fruto da união entre José Gomes e Flora Maria da Conceição, conhecida como Flora Mourão. Parte da infância, o menino viveu brincando e pescando nas lagoas e rios da região do Brejo Paraibano, mas, para ajudar no orçamento familiar, ainda criança, trabalhou na feira de sua cidade natal (Moura; Vicente, 2001).

Seu pai era trabalhador de uma olaria e a mãe tocava e cantava coco nas cidades brejeiras paraibanas. A influência musical começa em casa, com o menino se acostumando com o som do coco tirado por sua mãe. As condições materiais de sua existência não eram satisfatórias. O salário do pai e os ganhos que a mãe conseguia tocando nas festas não bastavam para o sustento digno da família. Isso fez com que o artista vivesse a infância, a adolescência e o início da juventude sob determinantes precariedades materiais. Como biografam Moura e Vicente (2001), o sonho do menino era ser tocador de sanfona, mas o acordeom era um instrumento caro, impossível às condições monetárias familiares. A alternativa encontrada por Flora, para dar vazão à veia musical do filho, foi lhe presentear com um pandeiro.

As pesquisas que se dedicam ao estudo da obra do cantor, bem como à sua biografia, concordam que a influência da mãe, a cantadora de coco Flora Mourão, foi decisiva na formação artística do músico. Daniel Laranjeira (2012), por exemplo, observa que o aprendizado musical do artista começa na vivência familiar-cultural, dentro da própria casa. A participação do menino nas festas em que sua mãe tocava e cantava coco possibilitou que o ritmista desenvolvesse “[...] sua verve de improvisação, como é comum ao gênero do coco” (Laranjeiras, 2012, p. 16). Isso ficaria muito evidente nas futuras “[...] performances fonográficas e de palco do artista” (Laranjeiras, 2012, p. 16). Mas o que é o coco? Onde nasce, de onde vem, o que significa?

A pesquisa de Câmara Cascudo (1999), publicada no Dicionário do folclore brasileiro, editado pela Ediouro, descreve o verbete “coco” entre as páginas 292 e

294. Para o folclorista potiguar, não há dúvida: o coco se origina no processo de trabalho. O autor cita, para sustentar suas inferências, o Congresso Brasileiro de

Folclore, realizado em 1951, no qual José Aloísio de Vilela, da cidade alagoana de Viçosa, reuniu, além de dados de observação direta, informações preciosas na publicação Coco de Alagoas. Como descreve o escritor norte-rio-grandense: “Vilela crê ter sido dos negros de Palmares, ocupados em quebrar o coco, horas e horas, e decorrentemente uma cantiga de trabalho, ritmada pela cadência das pedras, partindo os frutos das palmeiras pindobas” (Cascudo, 1999, p. 293).

O próprio Cascudo (1999, p. 293) transcreve um pequeno canto de trabalho registrado por Vilela: “Êh bango/ banga êh!/ Caxinguelê/ Come coco no cocá”. A conclusão do historiador do folclore interessa ao presente artigo, vamos a ela: “A frase quebra-coco ou vamos quebrar coco indicaria convite para a tarefa ou para o canto que se tornou dança” (Cascudo, 1999, p. 293). O autor diz que, por meio de recordações domésticas, lembra-se de seu pai cantando versos, provavelmente ouvidos em 1875/6, que assim eram: “Quebra coco, quebra coco/ Na ladeira do Piá!/ Quando há coco maduro/ Só se apanha coco lá!...”. Piá, usado como refrão nessa cantiga, torna-se Pilar. A cidade que tem esse nome é uma “região de cocais”, crava o historiador (Cascudo, 1999, p. 293).

Mesmo que o coco não tenha nascido em Palmares, ainda que não possamos rastrear com precisão onde ele surge, parece uma abstração razoável considerar que sua origem tem a divisão social do trabalho como base. Essa abstração tem amparo na pesquisa de Karl Bücher (1914). Para que isso ocorra, segundo desenvolve o autor, os cantos de trabalho prestam uma importante contribuição ao nascimento e ao desprendimento da música.

O que mais importa para este estudo sobre o coco é que os cantos de trabalho são compostos, inicialmente, por uma série de sons sem sentido lógico-imediato, cuja execução produz determinado efeito musical. Ou seja, de tais cantos provêm certa ritmização sonora que serve de apoio para suportar o movimento de trabalho. Isso não implica dizer que o ritmo seja eternamente serviçal do trabalho. Com o desenvolvimento da própria divisão social do trabalho, o ritmo passa a retroalimentar o processo laboral, entre outras funções adquiridas na vida.

No patamar primitivo de desenvolvimento das forças produtivas, o ritmo é um mero fenômeno, como qualquer outro, pertencente à práxis cotidiana. Como adverte Lukács (1966), ele nem sequer pode conter qualquer intenção estética, mesmo que

inconsciente. Nesse nível de desenvolvimento da materialidade humana, o ritmo mostra-se em necessária conexão com o processo de trabalho, como muito bem vê Bücher (1914). Este antropólogo inclusive indica que os diversos tipos de ritmos, provindos de diferentes processos de trabalhos, aparecem na consciência como sons gerados pelo contato criado entre a ferramenta e o material em que se trabalha. Como aponta o autor, é preciso buscar uma ponte de comunicação entre ambos. Para Bücher (1914), o que ligaria a ferramenta ao material de trabalho seria o som gerado no contato. Naturalmente, assegura o investigador, a especificidade de cada som vai depender do tipo específico de contato.

Lukács (1966), assim como Bücher (1914), também lamenta a impossibilidade de rastrear documentalmente a fase inicial dos cantos de trabalho. Igualmente impossível de se documentar estritamente é o período em que os sons sem articulação imediata passam a gerar palavras carregadas de emoção que, por sua carga emocional, mais tarde desembocam nas canções possuidoras de conteúdo linguístico com coerência social. Para o autor, não obstante, tais impossibilidades, parece convincente pressupor que os cantos de trabalho têm como base a estrutura do ritmo. Do mesmo modo, como indica Lukács (1966), os indícios indicam que a maioria desses cantos procedem de um momento posterior à dissolução do comunismo primitivo. Disso se conclui que o trabalhador que canta para aliviar a tensão do trabalho é explorado e, muito frequentemente, está escravizado (Lukács, 1966). Tais cantos carregam, como conteúdo emocional, a coerção, a exploração, entre outras consequências emocionais de quem trabalha em regime de escravidão. Esse processo, consequentemente, produz sentimentos como arrependimento, vontade de rebelar-se, resignação, entre outros sentimentos impossíveis de estarem presentes “[...] nos simples cantos de trabalho de uma sociedade ainda sem classe” (Lukács, 1966, p. 277).

Como o coco tem raízes nos cantos de trabalho, as brevíssimas palavras desse autor acerca da origem dessa manifestação humana servem de ancoradouro para nossos pressupostos.3 Naturalmente que a explicação de Lukács não foi suficientemente explorada. Contudo, para as pretensões do presente artigo, as


3 Lamentamos a impossibilidade de realizar uma mediação mais cuidadosa entre o pensamento de Lukács e a análise do coco.

poucas palavras destacadas por esse autor sobre a gênese dessa manifestação são satisfatórias para que possamos articulá-las à música de Jackson do Pandeiro.

Para chegarmos ao coco cantado na casa de Jackson do Pandeiro, entretanto, precisamos retomar a sua nascente, o que nos impõe analisar um pouco mais os elementos que proporcionam o trabalho do quebrador de coco.

Os registros de Câmara Cascudo (1999, p. 292) documentam que a manifestação é uma dança popular nordestina que se canta em coro “o refrão que responde aos versos do tirador de coco ou coqueiro, quadras, emboladas, sextilhas e décimas”. Como desenvolve o folclorista, “a influência africana é visível, mas sabemos que a disposição coreográfica coincide com as preferências dos bailados indígenas, especialmente dos tupis da costa” (Cascudo, 1999, p. 292). Importa ainda aclarar, conforme o historiador e folclorista, “que as modificações e variações são incontáveis” (Cascudo, 1999, p. 292).

Ayala (1999), tendo por base a literatura produzida por Mário de Andrade, indica que a designação não é fácil. Seria difícil precisar o coco em uma única nomenclatura, o que, de certo modo, confirma a tese de Cascudo sobrescrita. Para a pesquisadora, mais apropriado seria atribuir ao coco “[...] um tratamento plural, equivalendo a dizer que sob o mesmo nome podem se revelar mais do que múltiplas formas de uma única manifestação cultural” (Ayala, 1999, p. 231).

Foi de Andrade a iniciativa da Missão de Pesquisas Folclóricas, que organizou uma expedição em 1938, entre o Norte e o Nordeste brasileiros, com o objetivo de conhecer a tradição popular dessas regiões. Sandroni (2014) detalha que a excursão foi o primeiro projeto dessa ordem realizado no Brasil a atingir grandes proporções. Seu financiamento contou com o suporte da prefeitura de São Paulo. Esse apoio foi mediado pelo diretor do Departamento de Cultura do Município, dirigido entre 1935 e 1938 justamente por Andrade. Como registra Sandroni (2014, p. 56): “A Missão percorreu, de fevereiro a julho de 1938, os estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão e Pará, nas regiões Nordeste e Norte do país”. O autor esclarece que a equipe coletou mais de 30 horas de gravação de material musical, além de mais de 600 fotografias e 15 pequenas filmagens. Trouxeram ainda: “inúmeros objetos (incluindo vários instrumentos musicais)” (Sandroni, 2014, p. 56). A equipe era composta pelos seguintes componentes: “um músico nascido na Áustria e radicado

em São Paulo desde 1928, Martin Braunwieser; um arquiteto que havia feito um curso de etnografia, Luís Saia; um técnico de som, Benedito Pacheco, e um auxiliar, Antonio Ladeira” (Sandroni, 2014, p. 56).

A expedição coordenada por Mário de Andrade é um marco no estudo do coco no Brasil. Durante a exploração foram coletados materiais de significativa importância sobre a prática coquista. De todo modo, perante os obstáculos de aqui dar profundidade à exploração coordenada por Andrade, adiantamos que, do material colhido por ela, é possível realizar uma articulação com a trajetória de Jackson do Pandeiro e sua música baseada no coco.

O coco já estava na vida do músico desde a sua casa, pelo contato com essa manifestação nas brincadeiras domésticas e nas apresentações de sua mãe, que o usava para colaborar com a manutenção material da família, como visto.4 Flora Mourão, é necessário explicar, nasceu na localidade de Timbaúba, cidade situada na região da Mata Norte de Pernambuco. Essa região, conforme documenta Laranjeiras (2012, p. 97-8), é rica na produção de cantadores de coco: “A senhora Mourão cantava cocos e se estabeleceu em Alagoa Grande, Paraíba, em um lugar que, coincidentemente ou não, também tem sua vertente ‘coquista’, em especial a comunidade quilombola de Caiana dos Crioulos”. Jackson do Pandeiro, portanto, teve contato com o coco e consequentemente com “diversos instrumentos de percussão presentes no coco, em especial a zabumba, o ganzá e o pandeiro [...]”, dentro da casa e intermediado pela mãe (Laranjeiras, 2012, p. 98).

Campos (2017) é mais um autor que constata a relação entre o cantor e o coco. Esse investigador chega a transcrever o artista ao dizer o seguinte: “Tudo é coco, tudo vem do coco!”. O músico, adverte Campos, não se preocupava “em esclarecer sobre qual forma de coco estava se referindo” (Campos, 2017, p. 32). Para aclarar tal advertência, o pesquisador assim declara: “Possivelmente, a toda esta pluralidade de manifestações, englobadas sobre o mesmo nome – Jackson falava em ‘coco’, usando o singular, mas parecia estar se referindo aos ‘cocos’, no plural” (Campos, 2017, p. 33).


4 Paulo Tiné (2008, p. 64), que estudou os procedimentos modais na música brasileira, aponta Jackson do Pandeiro como o principal “responsável pela transposição do coco para as gravações comerciais”.

Além da vivência caseira, o menino, muito provavelmente, teve relação direta com as práticas executadas na comunidade quilombola Caiana dos Crioulos, situada nos arredores de Alagoa Grande. Naturalmente, vale o registro, as feiras, as praças públicas, os bares, mas também os terreiros de práticas de matriz africana e os prostíbulos, entre outros espaços, forjaram a capacidade de criação e interpretação de Jackson do Pandeiro.

Além de toda multiplicidade que o coco pôs na vida de Jackson do Pandeiro, outras manifestações fizeram parte de sua formação e são importantes para a consideração quando é preciso analisar o artista que ele se tornou. O cinema é uma delas. Como documenta Laranjeiras (2012, p. 17), essa arte influenciou decisivamente a forma como o músico se apresentava publicamente: “Ele tinha enorme admiração pelo cinema, tendo sido sua alcunha fruto de brincadeiras na infância, com nomes de artistas ou personagens do cinema, em especial o ator de faroeste, Jack Perrin”.

Após os afazeres da feira, Jackson frequentava regularmente o cinema de sua cidade, afeiçoando-se ao referido ator. Perrin, à época, era ídolo dos filmes de faroeste. Nas brincadeiras com os outros meninos, o guri José transformava-se na personagem Jack: Zé Jack. É por causa da personagem cinematográfica que o menino José Gomes Filho ganha o apelido de Zé Jack, que, segundo Laranjeiras (2012), pronuncia-se “Jaque”. Zé Jack, acrescido do sufixo “son” e do sobrenome Pandeiro, torna-se a nomenclatura pela qual o sujeito humano José Gomes Filho passa a ser conhecido artisticamente.

No Brasil e de modo destacado no Nordeste, quem é batizado como José recorrentemente é chamado de Zé. O nome Jackson do Pandeiro, com o tempo, passa a ser um título que o músico vai carregar, mas o nome artístico não é obra somente do acaso, ele guarda importantes componentes históricos. Suas palavras nos são necessárias para contar como se processou esse importante fato biográfico-musical:

No tempo do cinema mudo tinha muito artista com nome de Jaque, Jaques, era uma imundice de Jaque. Então, eu, moleque, brincando de artista, escolhi um nome, eu era fã de um daqueles. Mas, depois o tempo vai passando e minha mãe quis dá pancada em mim, essa coisa toda, porque ela disse pra mim assim: “mas é danado mesmo, batizar um filho com o nome de José e ver trocar o nome para Jaque [...]. Eu sei que por causa disso andei levando uns tapinhas [...] pra ver se tirava, por causa da minha mãe, mas não consegui tirar. E dali comecei

tocando bateria, tamborim, reco-reco, ganzá e pandeiro e a raça foi me chamando de Zé Jaque, passei a ser chamado Zé Jaque. E depois [diziam assim]: você conhece Zé Jaque, rapaz, Jackson do Pandeiro? [...] Quando cheguei em Recife [...], me colocaram mais um ‘S. O. N.’ para acabar de ajustar o negócio, então ficou Jackson, certo? (Pandeiro, 1996).


Não raro que o apelido Zé, mesmo que não se modifique, ganhe caráter pejorativo. Esse é um aspecto de destaque na música do artista. Jackson grava, em 1962, a canção Como tem Zé na Paraíba, composta por Manezinho Araújo e Catulo de Paula (1962); vejamos o que diz o texto:


Vige como tem Zé/ Zé de baixo, Zé de riba/ Desconjuro com tanto Zé/ Como tem Zé na Paraíba/ Lá na feira é só Zé que faz fervura/ Tem mais Zé do que Coco Catolé/ Só de Zé tem uns cem na prefeitura/ Outros cem no comércio tem de Zé/ Tanto Zé desse jeito é um estrago/ Eu só sei que tem Zé de dar com o pé/ Faz lembrar a gagueira de um gago que aqui se danou a dizer Zé/ No forró que eu fui em Cajazeiras o cacete cantou e fez banzé, pois um bebo no meio da bebedeira falou mal e xingou a mãe dum Zé/ Como tinha só Zé nesse zum-zum/ houve logo um tamanho rapapé/ mãe de Zé era a mãe de cada um no salão/ brigou tudo que era Zé/ É Zé João, Zé Pilão, é Zé Maleta, Zé Negão, Zé da Cota, Zé Quelé/ Todo mundo só tem uma receita/ Quando quer ter um filho só tem Zé/ E com essa franqueza, que eu uso, eu respeito, e se zangue quem quiser/ Tanto Zé desse jeito é um abuso, mas o diabo é que eu me chamo Zé.


A composição A mulher do Aníbal (Macedo; De Paula, 1954), interpretada por Jackson do Pandeiro, é outra canção que cita uma personagem chamada de Zé. Este tem nome e sobrenome, observemos: “Ôi que briga é aquela que tem acolá? / É a mulher do Aníbal com Zé do Angá”. Em algumas outras composições, o músico canta a sina de protagonistas que também atendem pelo nome de Zé: Zé da Gamela, Zé Lagoa, Zé do Beco, Seu Zé Melado do Catô, Zé Pinheiro, Zé Dantas, Zé da Moita, Zé Catraca, Zé Brigão, e não podemos esquecer de Dona Zezé.

Já a canção Água com leite, de criação do próprio artista em parceria com J. Cavalcanti, gravada em 1976, traça o drama de Zé Leiteiro. Aqui, a personagem se submete a uma migração que, do ponto de vista da evolução individual financeira, é muito bem-sucedida. Esse Zé, com a venda de leite, consegue acumular fortuna, no entanto, possivelmente em virtude das dificuldades de escolarização, os limites impostos à personagem não permitem que ele conte o dinheiro que ganha. O drama

desse Zé, por trazer as oscilações das contradições humanas, é trágico. Acompanhemos:


Cadê o Zé? Onde está o Zé?/ O navio chegou no porto mas não trouxe o Zé/ O Zé veio da terra/ ainda tão criança/ Trazendo a esperança de vencer e regressar/ Chegando aqui trabalhando de leiteiro/ Ganhou tanto dinheiro que não sabia contar/ Comprou passagem de regresso à terra/ E dentro do navio foi o dinheiro contar/ O vento forte carregou aquilo tudo/ E Zé leiteiro começou a gritar/ Água me deu, água levou/ E afobado caiu n'água e se afogou (Pandeiro; Cavalcanti, 1976).


O cinema não só ajudou a forjar o nome artístico do músico, mas colaborou para que Jackson experimentasse sua performance no palco. Esse mérito, no entanto, a chamada sétima arte tem que dividir com outras importantes influências. A geógrafa Maria Tereza Cardoso (1963, p. 434) esclarece que, no Nordeste, em determinado período histórico, houve dois sistemas de povoamento característicos: “o agrícola, do litoral e o pastoril, do sertão”. Novamente, não é um mero acaso que Jackson do Pandeiro concentre, em suas apresentações, o palhaço e o pastoril. O artista teve contato com a manifestação da palhaçada quando aceitou o convite do palhaço Caiçara para substituí-lo em uma apresentação em Campina Grande. Como documenta Campos (2008, p. 53), “Jack assumiu o papel do Velho no Pastoril de Zé Pinheiro, tornando-se o palhaço ‘Parafuso’”. Lamentavelmente, conforme se lastima esse autor, não se encontram registros acerca de qual data a palhaçada teria acontecido. Mesmo assim, Campos arrisca dizer que o ocorrido se deu “na segunda metade da década de 1930, uma vez que foi neste período que Jack começou a ficar conhecido no bairro [Zé Pinheiro] com as apresentações na difusora” (Campos, 2008, p. 53).

Para a pesquisa de Campos (2008), o artista paraibano concentra em suas performances de palco, em simultâneo, o embolador, o sambista, o malandro, o palhaço, o brincante, o munganguento, o mamulengo, entre muitas outras representações do que se entende por cultura popular. Jackson do Pandeiro, por meio da cantoria do coco, utiliza uma gama de informações colhidas, vividas e experimentadas em seu cotidiano, que o caracterizara enquanto artista. Todavia, não foi apenas das representações da cultura popular e do cinema que o músico se valeu para montar o seu arco artístico. Seu contato com as orquestras e com maestros do

porte de Moacir Santos elevaram a potência artística jacksoniana, como veremos em seguida.

Por volta de 1930, com a morte do pai, a situação financeira da família tem uma significativa piora. Para ajudar na sobrevivência familiar, Jackson assume algumas ocupações precárias nas feiras e nos sítios da vizinhança. Tal situação não podia continuar. Flora Mourão e a família são obrigadas a procurar outros meios de subsistência. Mudam-se de Alagoa Grande para Campina Grande.5

É ser nessa cidade, especialmente na padaria São Joaquim, que Jackson do Pandeiro começa a trabalhar como entregador de pão. Para aumentar a renda, o pré- adolescente também faz serviços de engraxate, bem como de ajudante de outros pequenos serviços nas cercanias da Feira Central. Nessa cidade, o José Gomes Filho vai usar, quase que espontaneamente, o apelido Zé Jack. Para os biógrafos, o artista se encaixa no novo ambiente como se lá tivesse nascido: “Sentia-se assim e de certa forma foi. Em Campina Grande ele nasceria para o mundo urbano” (Moura; Vicente, 2001, p. 50).

No meio da feira, entre um mandado e outro, o artista assiste aos emboladores de coco e aos cantadores de viola, o que colabora para o amadurecimento de suas qualidades de instrumentista. Aos 17 anos, larga o trabalho na padaria para ser baterista em um dos principais redutos da boemia local: o Clube Ypiranga. Nessa época, torna-se frequentador assíduo da região da Mandchúria.6 Em 1939, já forma


5 Algumas das investigações que se dedicam ao debate sobre o desenvolvimento de Campina Grande concordam que a linha férrea ajuda a explicar o fenômeno. Um dado intrigante, quando se considera a inauguração da ferrovia como resposta, contudo, é o fato de a Princesinha da Borborema inaugurá-la seis anos após a fundação de Alagoa Grande, onde nasceu Jackson do Pandeiro. Para essa contraposição, considera-se, de modo geral, que a cidade serrana acaba se beneficiando mais que a do Brejo, principalmente por sua posição geográfica. Essa hipótese entende que o posicionamento topológico possibilitou, de forma mais equilibrada, a expansão da economia local. Tal desenvolvimento econômico, por sua vez, atinge o apogeu com o ciclo do algodão que, por suas necessidades de transporte, precisava de escoamento das regiões do sertão e do Cariri Paraibano para outras áreas.

6 Sobre a questão da prostituição em Campina Grande, a pesquisa de Uelba Alexandre do Nascimento (2007, 2011) constata que durante a década de 1920 o local onde as prostitutas abordavam preferencialmente seus clientes era a antiga rua 4 de outubro. Com a chegada da estrada de ferro, as famílias consideradas de fino trato da elite endógena, frequentadoras do local, trataram de reclamar o direito de posse do território. Logo no início da década de 1930, o estado da Paraíba transferiu o contingente de mulheres para um novo espaço, denominado de Mandchúria ou bairro Chinês. Para Nascimento (2011, p. 09), essa denominação teve provavelmente “associação com o episódio da invasão japonesa à região da Mandchúria na China por volta de 1931”. A região da Mandchúria, resumindo, era a área onde se concentrava o significativo contingente de prostíbulos em Campina Grande.

dupla com José Lacerda, irmão mais velho de Genival Lacerda, e coleciona companhias como o sanfoneiro Geraldo Corrêa e o instrumentista Abdias. Por um curto intervalo de tempo, integra a orquestra do Cassino Eldorado, onde entra em contato com diversos ritmos e estilos musicais como blues, jazz, chorinho, maxixe, rumba, tango, samba, entre outros. É nesse cenário que Zé Jack se transforma em Jack do Pandeiro.

Jackson canta em Alô Campina Grande, gravada em 1977, de autoria de Severino Ramos, uma cidade que mudou desde sua morada nela. Vejamos o que o compositor escreveu na letra da canção:

Alô Alô minha Campina Grande/ Quem te viu e quem te vê/ Não te conhece mais/ Campina Grande tá bonita, tá mudada/ Muito bem organizada, cheia de cartaz/ Recebe turista o ano inteirinho/ Ao seu visitante trata com carinho/ Quem vai a Campina, pede pra ficar/ Tem muita menina pra se namorar/ E se amarra na garota, não sai mais de lá/ Ô não sai mais de lá, Ô não sai mais de lá/ E se visita Zé Pinheiro não sai mais de lá/ Ô não sai mais de lá,/ Ô não sai mais de lá/ E se tomar cana da boa não sai mais de lá (Ramos, 1977).


Pode-se perceber que, como denota a letra, tudo está muito diferente da idílica cidade que acolheu Jackson e sua família no início dos anos de 1930, quando o artista tinha 13 anos de idade. O músico viveu em Campina Grande até os 20 anos. Deixou o município da Borborema em 1940, quando mudou-se para João Pessoa. Segundo pondera Queiroz (2008, p. 236), “o ritmo frenético, urbano, presente em suas músicas vem do Jackson personagem das ruas, entregador de pão, engraxate e frequentador da feira, dos cinemas e dos cabarés da cidade […]”, a exemplo do glamoroso Cassino Eldorado e de clubes como o Ypiranga. Mas não só. A inspiração para as composições e interpretações do cantor vem igualmente de sua proximidade com a prostituição, de suas andanças nos forrós situados nos subúrbios mais longínquos, bem como das festas localizadas nos bairros de Bodocongó, Zé Pinheiro, entre outros.

Em síntese, a inspiração do artista “vem do pulsar de uma cidade em transformação nos anos 1930, cadenciada pela busca de hábitos, costumes, vestes, lazeres, deslocamentos, tempos, consumos, paisagens e imagens modernas, civilizadas” (Queiroz, 2008, p. 236).

Interessante observar, sobre a canção transcrita acima, que o compositor Severino Ramos relata as transformações da cidade sem lamentação alguma em relação ao crescimento urbano-capitalista da Princesinha da Borborema. Ao contrário, o texto procura realçar que a cidade cresceu e “está mais bonita”. A frase “quem te viu e quem te vê" é seguida da expressão “não te conhece mais”. A mudança deixou a urbe “cheia de cartaz”, expressão que simboliza tamanha importância, a ponto de “receber turistas o ano inteiro”. O cantor, de modo diferente, ao acrescentar, na interpretação, trechos que não estão presentes na letra, palavras soltas, expressões, entonações etc, expõe certa lamentação sobre algo que não existe mais. Jackson se lastima, por exemplo, da inexistência do Clube Ypiranga. Trata-se de algo que parece justificar a lembrança do cotidiano vivido pelo artista na adolescência e início da vida adulta.

Já a canção Forró em Campina, escrita pelo próprio Jackson e gravada em 1971, delata outras saudades do cantor em relação, principalmente, à Campina Grande, além de revelar onde ele teria aprendido a tocar pandeiro.

Cantando meu forró vem à lembrança/ O meu tempo de criança que me faz chorar./ Ó linda flor, linda morena Campina Grande, minha Borborema./ Me lembro de Maria Pororoca/ De Josefa Triburtino, e de Carminha Vilar./ Bodocongó, Alto Branco e Zé Pinheiro/ Aprendi tocar pandeiro nos forrós de lá (Pandeiro, 1971).


O espaço da Feira Central de Campina Grande, com toda a sua diversificação e cosmopolitismo, passa a ser o mundo de trabalho do adolescente recém-chegado de Alagoa Grande. No convívio com homens e mulheres de várias idades e envolvidos em práticas profissionais diversamente precárias, o artista em formação ergue a condição particular de sua atividade: o toque no pandeiro. Com o passar do tempo, tal prática passa de ocasional para elemento principal da manutenção de existência material. Em Campina Grande, o pandeiro passa por uma transformação em sua função, vai da atividade auxiliar à principal ocupação na vida de Jackson.

O contexto da Segunda Guerra Mundial, mesmo que indiretamente, acentua o cenário já complexo da cidade. Para a vida de nosso ritmista, o quadro da guerra traz consequências decisivas. Ainda que Campina Grande não tenha tido importância direta no conflito, sua proximidade às cidades de Natal e Recife, que abrigavam bases

estadunidenses, fez com que suas muitas opções de lazer e prostituição atraíssem certo contingente de militares para a Borborema. Dito de outro modo, quando os militares tinham alguma folga, iam para Campina Grande em busca de aventura e diversão, pois o município paraibano carregava a fama de possuir muitos atrativos para o passatempo noturno. Os soldados, fora das obrigações bélicas, acreditavam que a cidade da Borborema concentrava ótimas condições para saciar suas necessidades de lazer e divertimento.

O episódio que marca a saída de nosso artista da Princesinha da Borborema entrecruza-se, portanto, com a Segunda Guerra Mundial. Sobre esse específico aspecto, Domingos e Martins (2006) alertam para o seguinte fato: as guerras mundiais criam a ambiência para que quase toda pessoa humana perceba as novidades incorporadas na vida cotidiana. De fato, a cotidianidade do nosso artista tem uma significativa transformação com o cenário de guerra, visto que, nesse período, o músico se envolve em uma confusão com um soldado americano e, para fugir das represálias, muda-se para a capital do estado (Moura; Vicente, 2001).

O episódio envolvendo o nosso artista com um militar estrangeiro a serviço da Segunda Guerra Mundial foi assim biografado: “Até que o danado do destino, à paisana, acha de interferir no caótico equilíbrio do planeta, e arma um arranca-rabo com Zé Lacerda, dentro do Eldorado” (Moura; Vicente, 2001, p. 82). Os biógrafos se referem à confusão ocorrida entre um militar, fora de serviço, e o marido da irmã de Jackson, Zé Lacerda. Zé Jack, em nome da proteção do cunhado, envolve-se diretamente na briga. O cantor se interpõe na porta do clube e, armado com uma peixeira, impede que outros militares adentrem no espaço para ajudar o parceiro: “serviço bem-feito, saem todos com o rabinho entre as pernas e o soldado pabuloso com alguns hematomas no resto do corpo” (Moura; Vicente, 2001, p. 83).

A região da Mandchúria campina-grandense, para sorte dos nativos, assiste a uma tentativa frustrada de vingança. Mas o saldo final é que Jackson do Pandeiro deixa a cidade com destino à João Pessoa. Ele sai “com um pandeiro na mão e outro no sobrenome” (Moura; Vicente, 2001, p. 84). Para os biógrafos, quando o artista viaja para João Pessoa, sai bem melhor do que quando chega à Princesinha da Borborema: “Mas muito pouco para o que desejava, o que podia, o que sentia. Sua hora chegaria dez anos depois. Logo, logo...” (Moura; Vicente, 2001, p. 84).



Algumas considerações a mais


O contato com os músicos que vivem na capital do estado possibilita que Jackson do Pandeiro aprimore sua desenvoltura como ritmista. Entre a vida noturna e os ensaios com alguns dos melhores músicos da cidade, o pandeirista relaciona-se com Hamilton Morais, Manezinho Araújo, Manoel Alves de Oliveira (Nôzinho), Moacir Santos, Severino Araújo, entre muitos outros instrumentistas que circulavam na vida musical pessoense. Foi por intermédio do cantor e compositor Manezinho Araújo e do maestro Nôzinho que Jackson do Pandeiro foi apresentado à Rádio Tabajara. O acesso ao espaço radiofônico e orquestral, articulado às contingências históricas, possibilita ao artista um universo novo. Sua rotina e inspiração são transformadas contundentemente.

De João Pessoa, mas com o repertório artístico refinado e enriquecido, Jackson do Pandeiro vai para Recife. Nessa cidade, convive com o espaço aberto pela Rádio Jornal do Commercio. Aqui, o músico encontra o fermento necessário para as potencialidades concretas existentes em sua musicalidade. Todo esse resultado, não poderia deixar de ser, tem relação com o que o artista colheu das articulações possibilitadas por sua breve vivência em João Pessoa.

Ao chegar à cidade de Recife, um centro econômico mais desenvolvido, encontra também uma maior área de manobra cultural onde pode desempenhar o que aprendera artisticamente até então. Isso pode ser comprovado por intermédio de suas apresentações na revista carnavalesca A Pisada é Essa, de 1953, quando trabalhou ao lado da teatróloga e dançarina Luísa de Oliveira. É nessa ocasião que o coco Sebastiana, de autoria de Rosil Cavalcanti em 1953, alcança destacado sucesso.

As palavras de Jackson, em entrevista concedida ao programa Ensaio (especial da TV Cultura de São Paulo em 1973), podem testemunhar a favor de como a revista carnavalesca foi importante para sua carreira.

Mas quando eu deixei o A, E, I, O, U, Ypsilone pra ela, ela não se conteve. Ela era uma senhora de idade, mas caricata, meio gordinha e tal [...], que quando eu deixei o A, E, I... ela não se teve, foi no microfone dela e veio toda jeitosinha assim, me deu uma umbigada, uma mulherzinha pequena, toda entroncada, me deu uma umbigada. Aquilo o auditório explodiu tudo! Eu digo: “tá com a gota, assim não tem jeito”. Aí foi quando eu me lembrei do tempo que eu via minha mãe batendo coco [...]. Eu digo: “deixa ela vir de volta que eu vou lascá-la na umbigada”. Que quando ela veio de lá, me preparei de cá, bati o pé no chão, castiguei a muié na umbigada, aí meu camarada, o negócio virou frege, viu. Todo santo dia, durante 29 dias de revista, nós cantávamos Sebastiana, três (3), quatro (4) vezes (Pandeiro, 1996).


O artista aproveita a visibilidade conquistada com as apresentações da revista carnavalesca e grava seu primeiro álbum. No disco de 78 rotações (RPMs), ele canta, naturalmente, Sebastiana no lado B e, no lado A, Forró em Limoeiro, cuja composição coube a Edgar Ferreira, em 1953. Com o grande sucesso desse álbum, o cantor logra a afirmação definitiva no cenário musical nordestino.

O ano de 1954 é marcante na vida de Jackson do Pandeiro. O artista é contratado pela gravadora Copacabana do Rio de Janeiro. Nesse momento, a cidade do Sudeste não é apenas a capital da República, concentra, ao lado de São Paulo, a maior efervescência econômico-cultural do país. O músico, contudo, não viaja sozinho. Ele vai acompanhado da mulher que o ajudou a se consolidar em uma prateleira das mais elevadas dentro do cenário da incipiente MPB.7 Vai na companhia da professora, radioatriz e rumbeira Almira Castilho.

Essa mulher, inegavelmente, teve importância fundamental na vida do músico. Foi ela quem o alfabetizou, além de estimular a expansão do universo interpretativo do cantor. Quando Almira ensinou o parceiro a ler e escrever, ele estava então com 35 anos de idade: “Ela também começou a cuidar dos compromissos profissionais de


7 A MPB é um fenômeno estético-musical, social, cultural, político que agrega diversos fatores do desenvolvimento histórico. Sua expressão fenomênica tem grandes contornos em meados dos anos 1960. Nessa época, a MPB começa a dar seus primeiros passos rumo ao que se entende hoje. Em 1972, Gilberto Gil, quando volta do exílio londrino, com o álbum Expresso 2222, contribui significativamente para que Jackson figure como um nome na base da dita MPB.

Jackson, agindo como uma espécie de assessora para todos os assuntos (Campos, 2017, p. 79). Almira foi, portanto, alfabetizadora, parceira, amiga, amante e empresária. A parceria entre os dois artistas, para Maria Neile Silva (2008), possibilitava a formação de uma dupla perfeita. Desde o início das apresentações, os dois “se preocupavam com o visual e com as performances de palco. Ela, sensual, com um belo jogo de cintura, e ele, com toda musicalidade, explosão de ritmos e voz especial” (Silva, 2008, p. 51).

Como documentam as poucas pesquisas sobre Jackson, a exemplo da investigação de Laranjeiras (2012), Almira Castilho foi a responsável pela construção dos elementos cênicos absorvidos e desenvolvidos pelo cantor em suas interpretações de palco. O cenário do rádio possibilitou que a artista se desenvolvesse como radioatriz, dançarina, rumbeira, coquista, forrozeira, entre outros atributos adquiridos no ambiente radiofônico. Esse aprendizado contribuiu, decisivamente, para a ascensão artístico-midiática da dupla.

Pela importância desse encontro para a formação de Jackson do Pandeiro, vale relembrar que ele cresceu sendo emoldurado no contato com brincantes como, por exemplo, o pastoril, o palhaço, o feirante, o coquista, entre outros. Essa conjunção de fatores trouxe, como resultado estético, performances com forte conotação cômica. O padrão cênico-teatral-circense, favorecido por um arco de gestos, expressões e passos de danças populares, possibilitou coreografias recheadas de improvisação. O quadro geral da união entre a radioatriz e o músico resultou, enquanto durou, muito profícua para ambos. A relação artístico-amorosa entre os dois, conforme documentam Moura e Vicente (2001), durou 12 anos.

José Eduardo (Zuza) Homem de Melo, em depoimento expresso nas páginas da pesquisa de Campos (2017, p. 91), analisa que “Jackson tinha um estilo de apresentação que ultrapassava os limites sonoros do rádio”. Para Zuza de Melo, desde os tempos dos programas de auditório do rádio, o cantor e sua parceira “mostravam uns saracoteios e umas umbigadas que faziam o público delirar de alegria” (Campos, 2017, p. 91). Ainda por meio da transcrição fornecida por Campos (2017, p. 91), Jackson “foi um dos primeiros cantores do rádio a incluir o visual em suas apresentações. Isso nunca lhe faltou”.

Jackson do Pandeiro, sob esse contraditório desenvolvimento, potencializou sua capacidade musical. Como debatido ao longo do artigo, o cotidiano vivenciado pelo artista alimentou suas criações, sejam as composições e ou interpretações. O resultado alcançado com essa produção estético-musical poder-se-ia resumir na seguinte insígnia: Rei do Ritmo da Música Popular Brasileira.


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