V.23, nº 50 - 2025 (janeiro-abril) ISSN: 1808-799 X
NARRATIVAS FOTOGRÁFICAS DAS CRIANÇAS AFRO-LUSÓFONAS
DE COVA DA MOURA - LISBOA
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Maurício Roberto da Silva
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As imagens que estampam esse doto-livro, intitulado NARRATIVAS
FOTOGRÁFICAS DAS CRIANÇAS AFRO-LUSÓFONAS DA COVA DA MOURA -
LISBOA, trazem em suas entrelinhas as especificidades das crianças de periferia da
cidade de Lisboa, onde vivem famílias pertencentes à comunidade da Cova da
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Doutor em Ciências Sociais Aplicadas à Educação pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Professor aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Fotógrafo
com formação na “Escola Câmera Criativa” Florianópolis. Autor dos livros de fotografia e texto
“Trama Doce-Amarga e cultura lúdica. Exploração (do) Trabalho Infantil, São Paulo: HUCITE; Ijuí;
UNIJUÍ 2003; “O sujeito fingidor”, Florianópolis: UFSC, 2001; “Cova da Moura”, São Paulo: Origens.
2022. É um dos editores da revista Motrivivênia/CDS/UFSC- Florianópolis. Diretor de
curtas-metragens publicadas no Youtube.
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Artigo recebido em 16/02/2025. Aprovado pelos editores em 23/03/2025. Publicado em 09/04/2025.
DOI:
https://doi.org/10.22409/tn.v23i50.66971.
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Moura- em sua maioria migrantes pertencentes aos PALOPS- Países de Língua
Portuguesa, cujos países africanos de Língua portuguesa são: Cabo Verde, Angola,
São Tomé e Príncipe, Moçambique e outros. As fotos fazem parte de uma das
atividades de meu processo de pós-doutoramento, no período de 2007/2008, sob os
auspícios da Capes, realizado na Uminho-Braga, sob a coordenação do Prof. Dr.
Manuel Sarmento e colaboração do Prof. Dr. José Machado Pais do
ICS/Universidade de Lisboa. As fotos, na maioria retratos, foram produzidos durante
as oficinas de Iniciação ao Teatro, tendo como conteúdo principalmente, os Jogos e
Exercícios, oriundos do Teatro do Oprimido de Augusto Boal. As imagens foram
coletadas durante as oficinas de jogos e brincadeiras de teatro e nos dias de festa
organizados pelo Moinho da Juventude situado no bairro Cova da Moura na cidade
de Lisboa. Trata-se de uma Associação Cultural Moinho da Juventude que
desenvolve atividades em nível socioeducativo, sociocultural, socioprofissional,
informação/apoio jurídico e social. O projeto educativo não-escolar, envolve
crianças, jovens, adultos e idosos da comunidade Cova da Moura. O Moinho da
Juventude, tem por âmbito de ação o desenvolvimento comunitário, a promoção da
relação de sinergias estimulando a partilha de competências e a responsabilidade
pessoal e grupal, tendo como missão: “Um outro mundo é possível se a gente
quiser”
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https://moinhodajuventude.com
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As imagens presentes na mostra em apreço, tem como escopo, retratar
algumas facetas da vida cotidiana das crianças, privilegiando uma narrativa visual,
que possa expressar, com o apoio de versos, a vida cotidiana das crianças e suas
representações sobre os conflitos e encruzilhadas identitárias, no que se refere ao
fato de não serem mais africanas e nem serem consideradas cidadãs
portuguesas, ainda que lusófonas de fato e de direito; além de todos esses dilemas,
o racismo , a falta de oportunidades de trabalho para os adultos e jovens. Em suma,
as fotos pretendem recuperar as memórias desse projeto realizado de 2007/2008
em Lisboa, com vistas a denunciar o racismo contra a comunidade cem por cento
negra da Cova da Moura, situada nos arredores da cidade de Lisboa e, neste
sentido, fortalecer as lutas antirracistas das famílias, suas crianças e jovens, adultos
e velhos/velhas que vivem as agruras de viverem numa sociedade branca e, que,
de algum modo, ainda pensa a sociedade portuguesa a partir de uma visão ainda
colonialista. Por outro lado, vale ressaltar, que busquei, com minha câmera, clicar
apenas as positividades das práticas cotidianas ou a “grandeza e riqueza da vida
cotidiana”
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: brincadeiras, festas, olhares, sorrisos, cultura popular africana entre
outros aspectos.
Passados aproximadamente 17 anos, o intuito é recuperar nesse ensaio
fotográfico, as narrativas documentais da vida cotidiana da comunidade Cova da
Moura. Além disso, essa mostra combina narrativas visuais com o apoio da
linguagem do rap da comunidade intitulado “Lisboa Não Sejas Racista - Fado Bicha”
de Tiago Lila Fadista e João Caçador, além das ideias de Edurne Juan e Donizete
Rodrigues.
Vale destacar que essa produção visual, poderá contribuir para a reflexão das
pesquisas e produções iconográficas sobre a situação das comunidades
quilombolas e populações ribeirinhas no Brasil, em especial, das crianças e jovens e
suas famílias, imersas na eterna desigualdade social que se traduz na miséria
material e violência do racismo estrutural e policial, que ronda as periferias das
cidades brasileiras.
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LEFEBVRE, Henri: A vida cotidiana e o mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991, 42.
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Revisita a tua história Senhora Lisboa Aprende a quem
deves memória. Os caídos da tua coroa, mas ouvi dizer
que agora queres fazer um museu da lusa aventura
Chega de enaltecer um império assente em escravatura.
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Sou apenas um jovem negro, residente do subúrbio,
Cova da Moura, onde a miséria e a injustiça flagela-nos
diariamente. Como eu não tenho ao meu dispor os
media para mostrar a sujeira desse sistema parasita e
cruel, que nos mantém oprimidos, que nos atropela com
a sua ganância, tenho o Rap, a minha arma contra a
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opressão e farei dela uma ferramenta para a revolução»
(LBC).
Lisboa, não sejas racista De visão simplista te fica
mal Lisboa, a Joacine diz-te O racismo persiste Porque
é estrutural Lisboa, mas sempre na berra Ouves-te a
falar? Lisboa, não sejas racista Um psicanalista Podia
ajudar.
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Lisboa, não sejas racista Sorriso trocista Às queixas que
Lisboa, celebra a Beatriz O que a mulher negra diz E
o Mamadou Ba Lisboa, com ecos de PIDE A vir de
Alfragide Segurança pra quem? Lisboa, não sejas
racista Cassetete fascista É bosta e bem.
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Lisboa, não sejas racista Colonialista De civismo à Brás
Lisboa, destino traçado Na escola colado À mesa de
trás Lisboa, limpa por mulheres Às quais não conferes
Direito a sonhar Lisboa, não sejas racista É tão
quinhentista Vê se mudas de ar.
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Lisboa, não sejas racista Não é pra turista Vir e
ocupar Lisboa, não sejas racista Velha cavaquista Não
queiras voltar Lisboa, não sejas racista E crê que esta
lista Não vai amansar Lisboa, não vives não falas
Tira-me essas palas E aprende a escutar “Lisboa Não
Sejas Racista - Fado Bicha” de Tiago Lila Fadista e
João Caçador.
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Dizes que não és racista Senhora Lisboa Vou dar-te
uma pista E olha que não falo à toa Lembras-te do
quanto Chutaste para canto Quem filho do Império fora?
Bastardos serão, portanto Do Jamaica à Cova da
Moura.
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Licores na moringa um vinho tropical E a linda mulata
com rendas do Alentejo De quem numa bravata
arrebato um beijo aí, esta terra ainda vai cumprir seu
ideal ainda vai tornar-se um imenso Portugal! [...] Aí,
esta terra ainda vai cumprir seu ideal ainda vai tornar-se
um império colonial! Ai, esta terra ainda vai cumprir seu
ideal ainda vai tornar-se um império colonial (Fado
Tropical, de Chico Buarque de Holanda).
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