V.23, nº 51 - 2025 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X
A CRIATIVIDADE COMO TRABALHO NO CONTEXTO DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DO CAPITAL DESDE OS ANOS 19701
Isabela Luiza Molin de Siqueira2
Este artigo realiza uma análise teórica sobre como as atividades de trabalho ligadas à produção de bens e serviços simbólicos foram progressivamente mercantilizadas, até se estruturarem como um setor que mobiliza uma ampla diversidade de profissionais, com destaque ao contexto da reestruturação capitalista pós-1970. Com uma abordagem histórico-crítica, discute-se, por meio de uma revisão bibliográfica, como a economia criativa é uma expressão da mercantilização da cultura, que incorporou a criatividade à lógica da acumulação capitalista. Analisa-se a relação entre estética e trabalho, evidenciando as contradições desse processo e suas implicações na formação da subjetividade.
Este artículo realiza un análisis teórico de cómo las actividades laborales vinculadas a la producción de bienes y servicios simbólicos fueron progresivamente mercantilizadas, hasta estructurarse como un sector que moviliza a un amplio abanico de profesionales, con énfasis en el contexto de la reestructuración capitalista posterior a 1970. A partir de un enfoque histórico-crítico, una revisión bibliográfica discute cómo la economía creativa es una expresión de la mercantilización de la cultura, que ha incorporado la creatividad a la lógica de la acumulación capitalista. Se analiza la relación entre estética y trabajo, destacando las contradicciones de este proceso y sus implicaciones para la formación de la subjetividad.
This article carries out a theoretical analysis of how work activities linked to the production of symbolic goods and services were progressively commodified, until they became structured as a sector that mobilizes a wide range of professionals, with emphasis on the context of post-1970 capitalist restructuring. Based on a historical-critical approach, this article discusses, through a literature review, how the creative economy is an expression of the commodification of culture, which has incorporated creativity into the logic of capitalist accumulation. The relationship between aesthetics and work is analyzed, highlighting the contradictions of this process and its implications for the formation of subjectivity.
1Artigo recebido em 30/03/2025. Primeira Avaliação em 30/05/2025. Segunda Avaliação em 28/05/2025. Terceira Avaliação em 09/07/2025. Aprovado em 21/07/2025. Publicado em 06/08/2025.
DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v23i51.67196.
2 Mestranda no Programa de Pós-graduação em Tecnologia e Sociedade da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UFPR) - Brasil. Email: isabelaluiza@alunos.utfpr.edu.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5548735996694130. ORCID: https://orcid.org/0009-0007-3667-9480.
3 Mestrando no Programa de Pós-graduação em Tecnologia e Sociedade da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UFPR) - Brasil. Email: leiteghael@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7064349694275712.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3532-2988.
4 Doutor em Sociologia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), São Paulo - Brasil. Professor do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UFPR) - Brasil. Email: geraldoaugustopinto@gmail.com.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7135334473333438. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1347-2173.
Introdução
No modo de produção capitalista, à medida que os/as trabalhadores/as são expropriados/as dos meios e dos resultados da produção, assim como o são dos conhecimentos e do controle sobre os processos produtivos, o trabalho torna-se uma atividade estranha. Nesse sentido, o trabalho tem seu caráter demiúrgico e emancipatório invertido e é reduzido a mera atividade de reprodução, por parte dos/as trabalhadores/as, de sua força de trabalho, sendo esta também reduzida a mero meio de produção de valor para o capital – ainda que seja necessária para isso a produção de valores de uso, ou seja, de artefatos que satisfaçam necessidades de todas as ordens. O trabalho, portanto, como atividade sócio metabólica vital que é, torna-se o centro de uma relação social de opressão de classe.
Nesse sentido, o caráter inerentemente criativo do trabalho não é pura e simplesmente suprimido, como também não são suas potencialidades produtivas, afinal, é justamente desse infinito manancial que se apropria a classe detentora dos meios de produção. O que ocorre é a subordinação desse caráter criativo e produtivo do trabalho aos ditames da acumulação de capital, mediante o revestimento dos bens e serviços produzidos pela forma mercadoria, processo este no qual também todo aspecto simbólico inerente a tais produtos, ou seja, as representações sociais neles postas em finalidades, em suas formas e na maneira como são apresentados à sociedade, é igualmente revestida de interesses comerciais. Emerge disso uma estética mercantil, uma cultura material que coloca toda necessidade social em uma perspectiva contraditória de infinitude e efemeridade, submetendo a produção e a circulação das utilidades (mercadorias) às engrenagens dos ciclos de rotação e da acumulação ampliada de capital. Nesse contexto, atividades como a propaganda e o design consolidam-se como a "arte do capitalismo", na medida em que a “criatividade” passa, agora, a ser direcionada para a concepção de bens vendáveis e lucrativos, ao mesmo tempo em que desempenha um papel fundamental na conformação de subjetividades, conferindo "formas tangíveis e permanentes às ideias sobre quem somos e como devemos nos comportar” (Forty, 2007, p. 12).
Notavelmente a partir da década de 1970, a crise enfrentada pelo capitalismo impulsionou a mercadificação de espaços da vida cotidiana que até então não estavam totalmente inseridos na lógica de acumulação do capital. Esse processo incidiu sobre a noção de cultura, a qual, ao longo da história, passou por distintas
ressignificações até alcançar definições cada vez mais ampliadas, que progressivamente aproximam os campos da cultura e da economia, resultando em sua crescente integração ao mercado (Harvey, 1992). Essa transformação culminou na consolidação da própria arte como atividade útil à reprodução do modo de produção capitalista, seja como conformadora de subjetividades (de consentimento e até mesmo engajamento à ordem mercantil), seja como produtora de mais-valia, mediante a subsunção dos/as artistas à condição de trabalhadores produtivo/as do capital (Harvey, 2005).
Nessa trajetória emergiram setores como é o caso da chamada economia criativa, conceito que ganhou destaque a partir dos anos 2000 e que se refere ao conjunto de atividades cujo valor de uso é um conteúdo artístico, cultural, e que têm a criatividade como fator central para a produção de seus bens e serviços. Por definição, essas atividades estabelecem conexões diretas entre aspectos econômicos, culturais e sociais, ao mesmo tempo em que interagem com a tecnologia e a propriedade intelectual (Jenkins, 2009). Esse processo, no qual os produtos da arte e os bens culturais são revestidos na forma de mercadorias e condicionados à lógica da acumulação capitalista, tem sido tomado por instâncias de formação e comunicação (meio acadêmico e imprensa) como uma democratização do acesso a tais bens e serviços, o que evidencia a perspicácia dos detentores de capital em fazer valer os seus interesses como sendo os da sociedade toda.
O objetivo deste artigo não é discutir a estética do capital em si, mas analisar, por meio de uma revisão bibliográfica, como as atividades de trabalho ligadas à produção de bens e serviços simbólicos – assim denominados aqui por terem como valor de uso uma informação ou símbolo, sendo, assim, portadores de significados de dimensão social – foram progressivamente mercantilizadas, até se estruturarem como um setor produtivo que mobiliza uma ampla diversidade de profissionais. A discussão a respeito de pertinência de determinadas atividades de trabalho poderem ou não ser caracterizadas como “criativas” na produção de valores de uso quaisquer, a depender de como cada agente está situado dentro da divisão sociotécnica do trabalho (o labor de um designer que projeta, ou o do operário que alimenta uma máquina, ambos são “criativos”?), é algo que não será abordado neste artigo. Pois o objetivo é tão somente partir da perspectiva de um setor da economia, caracterizado pela produção de valores de uso de caráter informacional ou simbólico.
Ainda que não se destine a uma discussão no campo da estética, este estudo contribui para a compreensão do complexo território da formação cultural em disputa entre a classe trabalhadora e a classe proprietária dos meios de produção no capitalismo contemporâneo. Tal análise possibilita a identificação das estratégias da classe dominante que permeiam tal processo, bem como suas implicações na construção da subjetividade da classe trabalhadora.
A economia criativa é um conceito que ganhou relevância a partir dos anos 2000, sendo definida como o conjunto de atividades econômicas pelas quais se produz conteúdo artístico como mercadoria (Costa; Souza-Santos, 2011). Nesse contexto, entende-se por conteúdo artístico aquele historicamente associado às belas- artes, em contraste com as chamadas “artes úteis”, que, ao longo do tempo, passaram a ser comumente designadas pelo termo “tecnologia”, conforme aponta Williams (2007).
Esse conjunto de práticas, no qual a criatividade constitui o elemento central para a geração de bens e serviços, envolve dimensões econômicas, culturais e sociais, em constante interação com a tecnologia e a propriedade intelectual. No Brasil, os setores criativos são bastante diversificados, com destaque para arquitetura e moda, que empregam 3,3 milhões e 2,3 milhões de trabalhadores/as, respectivamente (FIRJAN, 2008). Outros setores relevantes que estão inclusos no amálgama da “criatividade” são o design, software, mercado editorial, televisão, filmes e vídeo, artes visuais, música, publicidade, expressões culturais e artes cênicas. Em termos de renda, os setores criativos geraram R$ 6,7 bilhões em 2006, representando 16,2% da renda total da economia nacional (FIRJAN, 2008). Desde a década de 2000, políticas públicas e ações de instituições públicas e privadas têm apoiado crescentemente esses setores. Parte desse processo foi a Iniciativa de criação da Federação Nacional de Economia Criativa (FNEC). A Universidade de São Paulo (USP), por meio da Cidade do Conhecimento, e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) também têm desenvolvido ações para fomentar a economia criativa, especialmente no que diz respeito às mídias digitais e ao empreendedorismo (Costa; Souza-Santos, 2011).
Isso expressa o reconhecimento do potencial que esse ramo econômico tem
para o desenvolvimento nacional e regional, afinal, a cadeia produtiva da economia criativa no Brasil movimentou cerca de 16% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2006 – embora o chamado núcleo criativo, que engloba as artes, design, música e software, representasse à época apenas 2,59% do PIB (Costa; Souza-Santos, 2011). Cabe frisar que esses valores, contanto que tenham expressão, situam o Brasil em uma posição ainda distante dos líderes globais em produção de bens e serviços culturais, como China, Estados Unidos e Alemanha (FIRJAN, 2008).
Na descrição de ideólogos e de corporações do ramo, bem como nas políticas econômicas que a envolvem, a economia criativa, ao englobar setores como artes, design, mídia, publicidade, software, entre outros, é apresentada como um motor de diversificação econômica, de inovação e desenvolvimento sustentável, além de contribuir para a inclusão social e a preservação da diversidade cultural (Oliveira; Araujo; Silva, 2013). Contudo, cabe indagar: como surgem esses variados âmbitos e atividades especializadas dentro do setor de produção cultural? E qual tem sido, de fato, o papel econômico e social desempenhado por eles?
A posição adotada neste artigo é que o suposto avanço democratizador da arte e da cultura – do qual a emergência da denominada economia criativa é um corolário – esteve relacionado à modificação do próprio entendimento de cultura nos séculos XIX e XX. À medida que as condições materiais se transformam, o papel social dos/as artistas e de todo o conjunto de trabalhadores/as ligados às atividades de conteúdo simbólico também se modifica. É fundamental, pois, considerar que os produtos do trabalho desses setores, e o próprio trabalho (ou seja, o conhecimento e a capacidade de seus executores/as), se tornam mercadoria no capitalismo, numa dinâmica que se desenrola em meio a mudanças nos próprios conceitos de arte e cultura e sua função social.
Para deslindar esse processo, nos serviremos, como fio condutor, dos argumentos de Harvey (1992) em seu livro A Condição Pós-Moderna. Para o autor, o movimento iluminista foi um precursor da modernidade. Num período de intensas transformações sociais que geraram um senso de fragmentação e efemeridade, os pensadores iluministas buscaram meios de lidar com esse cenário, empenhando-se no desenvolvimento de uma ciência objetiva, na formulação de leis universais e na construção de uma arte autônoma, regida por sua própria lógica interna (Harvey, 1992).
É fundamental compreender que esse contexto foi marcado por inúmeras mudanças técnicas, que transformaram as condições materiais dos artistas e, consequentemente, alteraram seu papel social e político. Havia um fascínio pelas inovações tecnológicas e suas aplicações industriais, assim como por sempre novas mercadorias que passavam a integrar o cotidiano. Logo, o modernismo anterior à Primeira Guerra Mundial surgiu como uma reação a essas transformações nas condições de produção, circulação e consumo (Harvey, 1992).
O pensamento iluminista valorizava a ideia de progresso, a criatividade humana, as descobertas científicas e a busca pela excelência em nome do avanço da humanidade. No entanto, críticos desse projeto social, ao questionarem suas ilusões e os desafios práticos de sua implementação, retiraram a razão iluminista de sua posição privilegiada, inaugurando um novo ímpeto no modernismo cultural. Nessa nova perspectiva, a estética passou a ocupar um lugar superior à ciência, à racionalidade e à política, e “o artista moderno tinha um papel criativo a desempenhar na definição da essência da humanidade” (Harvey, 1992, p. 27). Com a expansão do mercado de produtos culturais no século XIX, juntamente com o declínio do patronato aristocrático e estatal, os produtores culturais passaram, por necessidade, a se adaptar à lógica da competição de mercado.
Assim, “o artista tinha de assumir uma aura de criatividade, de dedicação à arte pela arte, para produzir um objeto cultural original, sem par e, portanto, eminentemente mercadejável a preço de monopólio” (Harvey, 1992, p.31). Enquanto isso criava uma perspectiva altamente individualista, também surgiam as vanguardas que reconheciam a capacidade da arte de impactar a realidade. Nesse contexto, passaram a tentar mobilizar a produção de caráter estético para fins revolucionários, fundindo arte e cultura popular, como fizeram os dadaístas. De maneira similar, figuras como Walter Gropius e Le Corbusier buscavam “devolver a arte ao povo por meio da produção de coisas belas” (Harvey, 1992, p. 31).
Portanto, enquanto o modernismo, antes da Primeira Guerra Mundial, refletia o pensamento iluminista, a onda de experimentação estética no período entre guerras transformou profundamente a natureza do modernismo, marcando sua fase “heroica” nos anos 1920 (Harvey, 1992). Nesse período, os modernistas heroicos buscavam representar as acelerações e fragmentações da vida urbana, emergindo vanguardas como o cubismo. Paralelamente, houve o surgimento da Bauhaus, notável escola que
deu origem ao que hoje entendemos como design. A Bauhaus buscava, por meio da racionalidade tecnológica e da eficiência das máquinas, alcançar metas de valor social, como "a emancipação humana, a emancipação do proletariado e questões do tipo" (Harvey, 1992, p. 39).
Também no período entreguerras, emergiu uma vertente distinta dentro do movimento modernista. Os movimentos socialistas e comunistas incorporaram a luta de classes ao modernismo, de forma que a arte politicamente engajada deu origem a essa nova ala, notadamente representada pelas vanguardas do surrealismo, construtivismo e realismo socialista (Harvey, 1992). Contudo, com a reconfiguração do modernismo, no contexto das sociedades capitalistas ocidentais tornou-se inviável a manutenção de uma vertente modernista vinculada ao socialismo.
No período conhecido como "alto modernismo", após 1945, a hegemonia estadunidense no cenário internacional consolidou-se, e, nesse contexto, vieram à tona práticas artísticas que reforçaram o sistema estabelecido, apoiando uma versão capitalista e corporativa do projeto iluminista de progresso.
Por isso, o modernismo resultante era "positivista, tecnocêntrico e racionalista", ao mesmo tempo que era imposto como a obra de uma elite de vanguarda formada por planejadores, artistas, arquitetos, críticos e outros guardiães do gosto refinado. A "modernização" de economias europeias ocorria velozmente, enquanto todo o impulso da política e do comércio internacionais era justificado como o agente de um benevolente e progressista "processo de modernização" num Terceiro Mundo atrasado
(Harvey, 1992, p.42).
Ao lado de um retorno da celebração do poder burocrático corporativo e das máquinas como entes capazes de emancipar a sociedade, e contra toda tendência socialista do modernismo internacional, vem à lume o expressionismo abstrato estadunidense, com seu caráter desmobilizador, sendo tal movimento, posteriormente, absorvido política e culturalmente como ferramenta ideológica na Guerra Fria. Nas palavras de Harvey (1992, p. 44):
E assim ocorreu com o expressionismo abstrato, ao lado do liberalismo, da Coca-Cola, dos Chevrolets e das casas de subúrbio cheias de bens de consumo duráveis. Artistas de vanguarda, conclui Guilbaut (p. 200), "agora politicamente individualistas 'neutros', articulavam em suas obras valores que eram mais tarde assimilados, utilizados e cooptados pelos políticos, resultando a transformação da rebelião artística em agressiva ideologia liberal.
Cabral (2016) também explicita a maneira como esta proposta de arte não ocorreu de maneira espontânea, mas foi um processo sistemático impulsionado por interesses políticos e econômicos dos Estados Unidos como parte de uma estratégia mais ampla para “provocar uma disputa de consciência e forjar determinada subjetividade” (Cabral, 2016, p. 1), sendo esta subjetividade a “afirmação e disseminação de uma ideologia de caráter imperialista” (Cabral, 2016, p. 2). O período pós-guerra, afirma a autora, “marca o deslocamento da produção de arte modernista, até então centrada em Paris, para os Estados Unidos”, e, como tal:
Tratava-se, na opinião dos críticos da época – que tanto contribuíram para a difusão dessa arte “verdadeiramente estadunidense” –, de uma prática artístico-cultural mais “livre” e “criativa”, símbolo de uma “América livre” e resistente às ameaças da União Soviética às democracias ocidentais. (Cabral, 2016, p.9).
Como um movimento dos Estados Unidos, o expressionismo abstrato viria a ser uma arma ideológica por excelência da Guerra Fria. E como tal, exigiu um esforço consciente de uma frente de pessoas empenhadas na difusão do americanismo como paradigma, como foi o caso da Comissão Interamericana de Desenvolvimento, que na América Latina contava com um núcleo controlado pelo magnata Nelson Rockefeller, que atuava em cooperação econômica e cultural com governos latino-americanos visando combater o antiamericanismo (Cabral, 2016).
Este e outros projetos deram o tom do pós-guerra, quando, em prol de uma Pax americana, se travariam também batalhas ideológicas, compondo o que viria a ser uma das características da Guerra Fria, qual seja, a “disputa psicológica, a fabricação do consentimento por métodos pacíficos e a utilização da propaganda para desgastar posturas hostis” (Cabral, 2016, p. 12).
O expressionismo abstrato e, sobretudo, a arte pop e o kitsch, atuaram no pós- guerra como promotores do liberalismo e imperialismo estadunidense, contra as experiências socialistas vigentes e suas escolas artísticas5. A cultura pop, com sua predominante experimentação técnica e incessante busca do “novo pelo novo”, comporia esse contexto em que se percebe:
5 Não adentraremos neste artigo em uma análise acerca das escolas artísticas socialistas no contexto da Guerra Fria, por questões de espaço e escopo.
O esvaziamento da arte – especialmente quando nos deparamos com um tipo de arte de maquiagem, do reconhecível, do simpático [que] seguramente nos aproxima mais do campo da mercadoria, sacrificando a obra já no momento da sua produção, tendência essa que impede, inclusive ao artista, a possibilidade de se identificar com as tendências fundamentais da histórica realidade humana (Cabral, 2016, p.31).
Foi também neste contexto que emergiram os movimentos antimodernistas e contraculturais dos anos 1960. Tais movimentos, ao explorar o campo da realização individual e fundamentados em uma política de "neo-esquerda", se manifestaram por meio de gestos anti-autoritários e de questões iconoclastas, abrangendo áreas como música, vestuário, linguagem e, de maneira geral, a crítica à vida cotidiana. Para Harvey (1992), esses movimentos ilustram a gestação do pós-modernismo nesse período.
A produção artística foi se integrando, portanto, no capitalismo, cada vez mais à vida cotidiana, predominantemente como mercadoria, ao lado de seu crescente uso como ferramenta de despolitização e assimilação pelo establishment. Esse fenômeno forneceu a base para o surgimento dos conceitos contemporâneos de produção artística e cultural, abrangendo uma variedade de campos ditos "criativos", como manifesto pela expressão “economia criativa” e o conjunto de setores que engloba. E esse movimento tornou-se ainda mais evidente após a reestruturação produtiva dos anos 1970.
Após a década de 1970, o impulso do planejamento racional modernista foi gradualmente substituído por estratégias pluralistas. Esse novo panorama, que se estendeu a diversos campos, da arquitetura à filosofia, passou a rejeitar o legado do Iluminismo, alimentando a sensação de que o pensamento do século XX estava ultrapassado. Com isso, houve uma transição para a aceitação plena do efêmero e do fragmentário, enfatizando "o profundo caos da vida moderna e a impossibilidade de lidar com ele por meio do pensamento racional" (HARVEY, 1992, p. 51).
Enquanto o modernismo se dedicava intensamente à busca por um futuro melhor, o pós-modernismo, que então emerge, descarta essa possibilidade, pois, segundo os seus ideólogos, a fragmentação e instabilidade inerentes ao mundo contemporâneo impedem a construção de uma representação coerente e de
estratégias para um projeto global de futuro radicalmente diferente. Ganham força, cada vez mais, solucionismos imediatistas, localistas e de rejeição a um conceito universal de progresso, abandonando-se com isso também os sentidos de continuidade e memória histórica (Harvey, 1992).
Como parte desse processo, adveio uma hipertrofia do imediato, aparente e superficial, fenômeno este que se revela na ênfase da produção cultural em eventos, espetáculos e imagens midiáticas. Não por acaso, tal tendência já havia sido denunciada pelo conhecido e ainda atual livro de Debord (1997), A sociedade do espetáculo, lançado em fins de 1967, que, em sua tese 36, afirmou:
O princípio do fetichismo da mercadoria, a dominação da sociedade por “coisas suprassensíveis embora sensíveis”, se realiza completamente no espetáculo, no qual o mundo sensível é substituído por uma seleção de imagens que existe acima dele, e que ao mesmo tempo se faz reconhecer como o sensível por excelência (Debord, 1997, p. 28).
Nas palavras de Harvey (1992, p. 61):
Os produtores culturais aprenderam a explorar e usar novas tecnologias, a mídia e, em última análise, as possibilidades multimídia. O efeito, no entanto, é o de reenfatizar e até celebrar as qualidades transitórias da vida moderna.
Ainda que esta interação entre produção cultural e tecnologia tenha possibilitado uma aproximação entre a cultura popular e a "alta cultura", Harvey (1992) observa que essa tentativa já havia sido realizada anteriormente, mas de maneira revolucionária, por movimentos como o dadaísmo, o surrealismo inicial, o construtivismo e o expressionismo, que buscavam levar a arte ao povo como parte do projeto modernista de transformação social. Esses movimentos demonstravam uma forte crença em seus próprios objetivos e nas novas tecnologias. No entanto, existem diferenças cruciais entre a aproximação das vanguardas modernas e a aproximação que ocorreu após a década de 1970:
A aproximação entre a cultura popular e a produção cultural do período contemporâneo, embora dependa muito de novas tecnologias de comunicação, parece carecer de todo impulso vanguardista ou revolucionário, levando muitos a acusar o pós-modernismo de uma simples e direta rendição à mercadificação, à comercialização e ao mercado (Foster, 1985). Seja como for, boa parte do pós-modernismo é conscientemente anti-áurica e anti-vanguardista, buscando explorar mídias e arenas culturais abertas a todos (Harvey, 1992, p. 62).
Cabral também destaca que foi a cultura pop que consolidou a hegemonia capitalista no campo estético. Essa forma cultural é caracterizada, sobretudo, por sua estreita relação com a tecnologia, especialmente pela influência dos meios de comunicação, resultando em um processo de estetização dos produtos da cultura de massa.
[...] É a cultura pop que vai realizar aquilo que se esperava realizar com o abstracionismo norte americano: construir uma hegemonia cultural e artística que, no plano político, tem o eficaz efeito de manter o indivíduo e as individualidades presas ao imediato (Cabral, 2016, p. 27).
Ilustrando também o papel da tecnologia na configuração da arte e da cultura neste período, Harvey exemplifica o papel da televisão, que, para o autor, explica a preocupação pós-moderna com as superfícies:
Apontar a potência dessa força na moldagem da cultura como modo total de vida não é, no entanto, cair necessariamente num determinismo tecnológico simplista do tipo "a televisão gerou o pós- modernismo". Porque a televisão é ela mesma um produto do capitalismo avançado e, como tal, tem de ser vista no contexto da promoção de uma cultura do consumismo. Isso dirige a nossa atenção para a produção de necessidades e desejos, para a mobilização do desejo e da fantasia, para a política da distração como parte do impulso para manter nos mercados de consumo uma demanda capaz de conservar a lucratividade da produção capitalista (Harvey, 1992, p. 63).
Nesse sentido, uma das peças-chave para compreender o pós-modernismo, que se tornou hegemônico após a década de 1970, é a sua penetração na vida cotidiana, que está intimamente relacionada à força da cultura de massa como a “arte oficial do capitalismo [...] A mobilização da moda, da pop arte, da televisão e de outras formas de mídia de imagem, e a verdade dos estilos de vida urbana que se tornou parte da vida cotidiana sob o capitalismo” (Harvey, 1992, p. 65).
Harvey (1992) sustenta a tese de que o ímpeto inicial do modernismo foi impulsionado pelo colapso político e econômico, bem como pelas revoluções que marcaram o ano de 1848. Naquele contexto, a crise foi enfrentada por meio de estratégias como a criação de novos sistemas de crédito e novas formas de organização corporativa e distribuição, exemplificadas pelas grandes lojas de departamentos. Essas inovações, aliadas a avanços técnicos e organizacionais na
produção — como a crescente fragmentação, especialização e desqualificação na divisão do trabalho — desempenharam um papel crucial na aceleração da circulação do capital em mercados de massa. O período também foi caracterizado por inovações tecnológicas, como a fotografia e os novos métodos de impressão e reprodução mecânica, que possibilitaram a disseminação de notícias, informações e artefatos culturais para camadas cada vez mais amplas da população (Harvey, 1992).
De modo similar, a concepção cultural que se consolidou na década de 1970 também surgiu como uma resposta à crise do capital naquele período. Nas décadas de 1960 e 1970, o modelo fordista de produção passou a enfrentar dificuldades, devido a fatores como a queda na produtividade e lucratividade das corporações, e as decorrentes crises fiscais nos Estados Unidos. Paralelamente, o poder norte- americano sobre o sistema financeiro internacional enfraqueceu, enquanto multinacionais transferiam suas manufaturas para países do terceiro mundo, especialmente para a América Latina. Esse movimento intensificou a competição internacional e desafiou a hegemonia estadunidense no contexto fordista (HARVEY, 1992). O ponto central é que, nesse período, a rigidez do fordismo já não conseguia conter as contradições do capitalismo; a estrutura inflexível de planejamento e dos contratos de trabalho, somada à forte capacidade de mobilização da classe trabalhadora por meio das greves, dificultava as tentativas do capital de superar essas limitações.
Um dos poucos instrumentos de resposta foi a política monetária, que resultou em uma onda inflacionária. Como consequência, as décadas de 1970 e 1980 foram marcadas por um turbulento processo de reestruturação econômica e ajustes sociais e políticos. Para enfrentar essas problemáticas, o capital adotou diversas estratégias, entre elas as inovações tecnológicas e organizacionais no âmbito da produção em prol da intensificação do controle do trabalho. Nesse contexto, ainda, surgiram novos regimes de contrato ditos “flexíveis”, como trabalho parcial, temporário e subcontratado, e ao mesmo tempo altas taxas de desemprego, fatores estes que contribuíram na desmobilização da classe trabalhadora (a flexibilização minou a força das organizações operárias, que dependiam em grande parte da concentração dos trabalhadores nas fábricas) (Harvey, 1992).
Essas transformações técnicas e organizacionais desencadearam um amplo processo de reestruturação e no fechamento de fábricas, afetando até mesmo as
corporações mais poderosas (Harvey, 1992). A adoção de sistemas de produção flexíveis intensificou o ritmo das inovações, acelerando o desenvolvimento de novos produtos e promovendo a exploração crescente de nichos de mercado altamente especializados e de pequena escala.
Nesse contexto, o tempo de giro do capital foi reduzido por meio da adoção de novas tecnologias, como a automação microeletrônica, e de inovações organizacionais, como a metodologia just in time. Paralelamente, houve uma aceleração do tempo de giro também no consumo, que tem particular importância para a compreensão da base material da consolidação da compreensão ampliada do setor de produção cultural. Debord (1997, p. 126) já em fins dos anos 1960 apontava essa tendência, ao afirmar que:
A cultura tornada integralmente mercadoria deve também se tornar a mercadoria vedete da sociedade espetacular. Clark Kerr, um dos ideológicos mais avançados dessa tendência, calculou que o complexo processo de produção, distribuição e consumo dos conhecimentos já açambarca anualmente 29% do produto nacional dos Estados Unidos; e prevê que a cultura deve desempenhar na segunda metade do século XX o papel motor no desenvolvimento da economia, equivalente ao do automóvel na primeira metade e ao das ferrovias na segunda metade do século XIX.
Tendência esta que se confirmou. Segundo Harvey (1992, p. 258):
A mobilização da moda em mercados de massa (em oposição a mercados de elite) forneceu um meio de acelerar o ritmo do consumo não somente em termos de roupas, ornamentos e decoração, mas também numa ampla gama de estilos de vida e atividades de recreação (hábitos de lazer e de esporte, estilos de música pop, videocassetes e jogos infantis etc.). Uma segunda tendência foi a passagem do consumo de bens para o consumo de serviços – não apenas serviços pessoais, comerciais, educacionais e de saúde, como também de diversão, de espetáculos, eventos e distrações. O "tempo de vida" desses serviços (uma visita a um museu, ir a um concerto de rock ou ao cinema, assistir a palestras ou frequentar clubes), embora difícil de estimar, é bem menor do que o de um automóvel ou de uma máquina de lavar. Como há limites para a acumulação e para o giro de bens físicos [...], faz sentido que os capitalistas se voltem para o fornecimento de serviços bastante efêmeros em termos de consumo (Harvey, 1992, p.258).
A acumulação flexível passou, então, a concentrar-se de maneira crescente na indução de necessidades (Harvey, 1992). A partir dessa perspectiva, é possível retomar a noção ampliada de economia criativa e analisá-la em relação ao papel que desempenha dentro do sistema capitalista. Argumenta-se aqui que os novos postos
de trabalho denominados como “criativos” surgem como resposta à intensificação da flexibilização, que, por sua vez, utiliza como recurso de acumulação a mercantilização de uma gama crescente de aspectos da vida cotidiana, com destaque para a esfera do consumo, na qual se incluem a arte e a cultura — agora compreendidas de forma esvaziada e abstrata. Em síntese, além de sua função política, a chamada "economia criativa" cumpre um papel econômico fundamental ao atender à demanda do capital por uma aceleração do consumo.
Nesse sentido, o aumento dos processos de trabalho de produção cultural foi notável. Como ilustra Harvey (1992):
Taylor (1987, 77) contrasta a condição do mercado de arte de Nova Iorque em 1945, quando havia um punhado de galerias e um pequeno número de artistas em exposições regulares, e os cerca de dois mil artistas que trabalhavam em ou em torno de Paris na metade do século passado com os 150.000 artistas da região de Nova Iorque que reivindicam condição profissional, expondo numas 680 galerias, produzindo mais de 15 milhões de obras de arte numa década (em comparação com 200.000 na Paris do final do século XIX). E isso é somente a ponte de um iceberg de produção cultural que abrange artistas e projetistas gráficos locais, músicos de rua e de bares, fotógrafos, bem como as escolas mais estabelecidas e reconhecidas de ensino da arte, da música, do teatro etc. etc.” (Harvey, 1992, p. 262).
Além disso, a arte também foi progressivamente incorporada na lógica da renda monopolista. No capitalismo contemporâneo, a cultura é transformada em uma commodity, ou seja, um bem que pode ser comprado, vendido e acumulado como forma de investimento. Obras de arte, por exemplo, são valorizadas não apenas por seu conteúdo estético, mas por sua singularidade e escassez, o que permite a colecionadores e investidores obterem um “preço monopolista” nas transações comerciais desses bens culturais (Harvey, 2005, p. 220).
A lógica da renda monopolista é ampliada pela globalização, que facilita a circulação de bens culturais em escala global. Obras de arte, por exemplo, são negociadas em leilões internacionais, onde seu valor é determinado não apenas por sua qualidade intrínseca, mas também por sua capacidade de gerar lucro como investimento. Nesse contexto, a cultura deixa de ser um bem de uso e passa a ser um bem de troca, inserido no circuito do capital (Harvey, 2005). A transformação da cultura em commodity está, portanto, diretamente ligada à produção e ao consumo. E no capitalismo contemporâneo, como se buscou evidenciar, o consumo não se limita a
bens materiais, mas inclui também bens artísticos e culturais, bens de conteúdo simbólico, como aludimos no início deste texto. A aquisição de obras de arte, por exemplo, não é apenas um ato de apreciação estética, mas também uma forma de investimento capitalista. O emprego de músicos ou atores como assalariados por empresas que vendem espetáculos na forma mercadoria torna-se um processo de acumulação capitalista, constituindo o labor deles/as um trabalho “produtivo” para o capital, no sentido de que produz valor e, portanto, também mais-valia (trabalho não pago, ou sobretrabalho), conforme aludido por Marx (s/d, p. 115) na conhecida passagem em Capítulo VI Inédito de O capital:
Uma cantora que canta como um pássaro é uma trabalhadora improdutiva [para o capital, Marx quer dizer]. Na medida em que vende o seu canto é uma assalariada ou uma comerciante. Porém, a mesma cantora contratada por um empresário (entrepreneur. Fr.) que a põe a cantar para ganhar dinheiro, é uma trabalhadora produtiva, pois produz diretamente capital.
Como Harvey (2005, p. 221) argumenta, "a cultura se torna uma mercadoria que pode ser explorada para gerar lucro". Esse processo é facilitado pela mercantilização da cultura, que transforma bens artísticos em produtos comercializáveis. A indústria cultural, por exemplo, produz e distribui bens culturais em massa, mas também valoriza aqueles que possuem singularidade e escassez, como obras de arte originais. Esses bens são então inseridos no mercado como investimentos, gerando renda monopolista para seus proprietários (Harvey, 2005).
A reestruturação produtiva do capital a partir da década de 1970 consolidou um processo já em curso de subordinação da produção artística e cultural às demandas da acumulação capitalista. Esse processo histórico não apenas acelerou a mercantilização da cultura, como também incidiu sobre as dinâmicas de trabalho, subsumindo os labores intrínsecos à criação de valores de uso de caráter simbólico – como produtos artísticos, bens e serviços culturais, de propaganda e marketing, assim como informacionais como softwares – à lógica da exploração capitalista. Uma gama de profissionais como designers, publicitários, desenvolvedores de software, artistas etc., responsáveis pela concepção de mercadorias, sejam estas bens ou serviços, que configuram e incidem diretamente no universo de representações sociais e culturais, passaram a ser cada vez mais requisitados e, ao mesmo tempo, submetidos à
produção de valor. Assim como tais valores de uso passaram a ser revestidos, crescentemente, da forma mercadoria, para serem destinados ao mero consumo (à realização, na esfera da circulação, do capital investido) e/ou atuarem como arma de doutrinação ideológica, produtora de consentimento.
Sendo assim, o conceito de economia criativa, embora apresentado como um evento inovador de democratização do acesso à cultura, desempenha, na realidade, um papel fundamental na aceleração do tempo de rotação do capital e, corretamente, de manutenção ideológica da ordem social vigente. Afinal, os novos postos de trabalho denominados como “criativos” surgiram como parte da estrutural resposta à crise de acumulação da economia capitalista pós-1970, que, entre vários estratagemas, trouxe como recurso de acumulação a mercantilização de uma gama crescente de aspectos da vida, incluindo a arte e a cultura, agora compreendidas de forma esvaziada e abstrata ao assumir a forma de mercadoria.
A análise aqui empreendida buscou compreender a subordinação da produção de valores de uso de conteúdo simbólico às determinações da acumulação capitalista. Atualmente, há profissões especializadas na produção de representações culturais, responsáveis por dar forma a essas expressões, seja na materialização de bens duráveis, na criação de peças midiáticas ou na oferta de serviços. Essas atividades oferecem e sugerem moldes de se relacionar, de conduzir-se e refletir sobre o mundo, incidindo sobre um número crescente de interações cotidianas – e nem sempre na forma de produtos vendáveis, o que não lhes retira o caráter pernicioso.
Conforme discutido ao longo do texto, o trabalho criativo ultrapassa a esfera individual e se integra diretamente ao processo produtivo, ficando, assim, sujeito aos seus determinantes. Nesse contexto, as transformações tecnológicas assumem um papel central, pois não apenas foram e permanecem sendo fundamentais para a conversão do trabalho produtor de conteúdo simbólico em trabalho produtivo (ou seja, produtor de mais-valia), mas também por viabilizarem a penetração massiva da mercantilização capitalista nas dinâmicas da vida cotidiana.
Cabe, por fim, um ponto a destacar nesta discussão: se está em disputa a construção da subjetividade da classe trabalhadora em direção a um novo modo de produção, o papel social das atividades de trabalho de conteúdo simbólico e a formação – social, técnica e, sobretudo, política – dos/as trabalhadores/as por elas responsáveis é algo da maior importância.
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