V.23, nº 50 - 2025 (janeiro-abril)                                                                        ISSN: 1808-799 X

APRESENTAÇÃO

MARXISMO, EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS:  

UMA ARTICULAÇÃO URGENTE E NECESSÁRIA[1]

Jacqueline Botelho[2]

Jane Barros Almeida[3]

A Revista Trabalho Necessário tem contribuído significativamente na sistematização, estudos e divulgação de trabalhos que buscam revelar a contribuição do marxismo para o campo da educação. A partir dos clássicos como Marx, Engels, Gramsci, dentre outros grandes nomes de intelectuais orgânicos mais contemporâneos (as), tem exercido este trabalho lindamente, considerando as singularidades dos fenômenos estudados. Entretanto, este Número Temático se coloca num contexto em que a disputa de projetos societários se adensa diante de uma conjuntura em que a luta antirracista é retomada com maior protagonismo na atual fase do capitalismo.

Este número temático é organizado por duas pesquisadoras, mulheres negras, filhas da classe trabalhadora, de origem operária, professoras militantes antirracistas, que se propuseram a reunir contribuições importantes no debate sobre “Marxismo, educação e relações étnico-raciais”, no reconhecimento de que a Universidade e a produção do conhecimento crítico ainda são majoritariamente brancos, sendo imprescindível divulgarmos os diferentes saberes, a memória ancestral, a organicidade da luta antirracista de luta e de construção de políticas públicas,  ainda  negligenciados nos espaços formais de formação.

A realidade se impõe, fortemente. Desde a segunda metade do século XX presenciamos lutas massivas no mundo todo, inclusive no Brasil, contra a violência policial. O movimento estadunidense Black Lives Matter denuncia a violência policial racista desde 2013, quando foi construído a partir da coalizão de três grupos: o Ativismo pelos Direitos dos Imigrantes, a Aliança Nacional das Trabalhadoras Domésticas e a Coligação Contra a Violência na cidade de Los Angeles[4]. O Estopim foi a morte de Eric Garner, em 2014 asfixiado por um policial, desencadeando uma série de protestos.  Situação similar é revivida em 2020 com o assassinato de George Floyd, também asfixiado pela polícia. “Eu não consigo respirar” virou consigna mundial e se desdobrou em atos globais, revelando a dimensão internacional do racismo e das lutas antirracistas.

No Brasil, um dos tristes eventos mais recentes com intensa projeção nacional foi o extermínio da vereadora da cidade do Rio de Janeiro, Marielle Franco e o seu motorista Anderson Gomes. Mulher negra que, por conta das suas pautas e ações no enfrentamento do racismo institucional, da especulação imobiliária em defesa dos direitos de setores mais vulneráveis na cidade, perdeu sua vida numa emboscada. Quem mandou matar Marielle e Anderson? Foi ecoado em centenas de países, mobilizando milhares de pessoas em todo o mundo. Somado a esta realidade brutal de violência contra mulheres negras que lutam, experimentamos os efeitos da pandemia que denunciaram os corpos mais afetados[5], seja por ações ilegais de incursões nos morros e favelas em plena pandemia, pela impossibilidade de garantir o isolamento sugerido diante das necessidades de reprodução da vida, ou pela ausência de saneamento e/ou equipamentos de saúde.

Os dados produzidos por instituições oficiais no Brasil (IBGE, PNAD), indicam a localização e marginalização social das pessoas negras. Apesar disto, as últimas eleições revelaram o aumento substancial do número de votos na população negra, principalmente mulheres e população LGBTQIA+[6], assim como uma forte ofensiva das políticas da extrema direita no Brasil e no mundo, contra os sujeitos entendidos como não “universais” e dentre estes, pessoas negras e não brancas. A “vida vivida” nos convoca a olhar para a contribuição do marxismo para as lutas antirracistas, e, nesta toada, nos convida a pensar taticamente como a educação se insere e contribui para estes processos de luta antissitêmica, que não prescinde da perspectiva das relações étnico raciais para a leitura dos fenômenos sociais.

O conjunto de artigos recebidos reconhece o necessário trato das categorias raça, classe, gênero e sexualidades para a compreensão da classe trabalhadora, de como ela se movimenta e resiste no enfrentamento ao capitalismo. Para nós, torna-se necessário compreender que o eurocentrismo é um projeto burguês de poder para a dominação dos povos nos países da periferia do capitalismo. Daí por diante, ao invés de hierarquizar categorias analíticas, é preciso compreender o que elas significam, e sua indissociabilidade. Desta forma, é importante compreendemos a “política de identidades” como uma produção liberal/neoliberal, apontada por Adolph Reed como uma expressão do neoliberalismo de esquerda[7],  e que nem tudo que versa sobre identidades, deve ser classificado pejorativamente como identitarista. Tal como os chamados “novos movimentos sociais", tais lutas trazem a denúncia de que há tempos os sujeitos da classe trabalhadora não são percebidos como pessoas que sofrem variadas formas de opressão.

A imposição do real nos coloca a tarefa de sistematizar e contribuir para o acúmulo de reflexões, estudos e pesquisas, no campo do materialismo histórico-dialético considerando as relações étnico-raciais como elemento estruturante dos fenômenos sociais, onde a educação se apresenta como espaço e lócus interlocutivo das ações que visem mirar o devir, denunciar os processos ou apontar outras perspectivas capazes de desmontar a suposta universalidade abstrata.  Nesta direção, acreditamos que os artigos aqui organizados, apontam caminhos e perspectivas de análise a contribuir com os eixos mobilizados neste número: marxismo, educação e relações étnico-raciais.

Nosso homenageado neste número temático é o Prof. José Luiz Antunes, militante antirracista e atuante no combate ao racismo religioso. José Luiz tem uma longa história de dedicação ao Neddate, sinalizando a relevância do debate étnico-racial no campo da educação. As autoras Tania Tgart, Lia Tiriba e Sonia Maria Rummert, além das cartas escritas por Rafael Rodrigues Polakiewicz, Cláudia Mara Tavares, Donizete Vago Daher, Vinicius Lima, Ian Rigon Nicolau, Josiel Kleber Marciano de Moraes, Igor Costa Martins e Rodrigo Taveira, tecem coletivamente este caminhar digno de honrarias. É maravilhoso reconhecermos a importância de um companheiro que veste o branco em respeito à ancestralidade, reivindicando essa e outras ações em pról da cultura negra, manifestada pela religiosidade, que é resistência contra a opressão. A ação militante de José Luiz Antunes nos faz refletir o quanto a Universidade ainda é um espaço da branquitude, sendo imprescindível uma  produção do conhecimento crítico que reconheça os saberes  ancestrais, caminhando junto às lutas sociais por liberdade do povo negro e indígena. A TN50 é parte disso.

Na seção Clássicos são apresentados três grandes clássicos que contribuem para a discussão sobre relações étinico-raciais: Marx, Mariátegui e Lélia Gonzalez. O primeiro texto “Apresentação à Carta de Marx para Laura e Paul Lafargue em Paris”, de Mário Soares Neto, apresenta a tradução em língua portuguesa de “Marx to Laura and Paul Lafargue in Paris”, correspondência enviada de Londres, em 5 de março de 1870. A carta do acervo pessoal de Karl Marx, até então inédita no Brasil – foi originalmente publicada no volume 32 da segunda edição russa das obras de Marx e Engels, lançada em Moscou no ano de 1964. A questão racial perfaz aspecto central da presente correspondência, quando Marx utilizou desta carta para demonstrar suas discordâncias profundas com as ideias pseudocientíficas de Arthur de Gobineau – “contrapondo-se à lógica de classificação hierárquica das raças e ridicularizando o argumento de que a raça branca seria uma espécie divina perante outras raças humanas”.

O segundo texto “Marxismo e indigenismo: Mariátegui e o socialismo indo-americano”, de Matheus de Carvalho Barros, destaca que a obra de José Carlos Mariátegui representa um marco fundamental do marxismo latino-americano. Mariátegui é reconhecido como o primeiro autor a desenvolver uma análise original sobre a realidade da América Latina com base no materialismo histórico. Como destaca Barros, “na concepção de Mariátegui (2004), não apenas a economia nacional era dependente e desarticulada como também a cidadania era negada às massas populares.” O texto destaca que José Carlos Mariátegui construiu um pensamento crítico descolonizador, onde a articulação entre raça e classe era fundamental para a construção de uma práxis radical de libertação dos povos oprimidos pela dominação colonial e imperialista.

A terceira contribuição intitulada “Quem foi Lélia Gonzalez? Comentários ao artigo “A juventude negra brasileira e a questão do desemprego, de 1979” é da autora Kenia Antonio Cardoso, traz como proposta recuperar a contribuição intelectual de Lélia González, analisando o artigo “A juventude negra brasileira e a questão do desemprego”. Cardoso destaca que Gonzalez descreve o que significa “subdesenvolvimento” no quadro geral das trocas comerciais internacionais e como ele caracteriza a condição da dependência para o Brasil, a partir da leitura marxista.  De acordo com a autora, Gonzalez “denuncia a contínua perseguição, opressão e violência policial como algo derivado da marginalização econômica dos jovens negros e não da “vadiagem”, como o Estado brasileiro e o mito da democracia racial difundidos à época afirmavam”.  Traz a preocupação de Gonzalez em afirmar o Brasil caracterizado por uma divisão racial que fundamenta o sistema econômico e é reafirmada por ele.

 Na seção Artigos do Número Temático, em “Estilhaçar as máscaras brancas: do racismo à promoção da negritude positivada nas escolas”, os autores Matheus Eduardo Rodrigues Martins e Benilde Silva Portuguez, procuraram sistematizar práticas pedagógicas que promovem a negritude na educação básica a partir da metodologia da revisão integrativa. Os autores encontraram a maioria de práticas que posicionam estudantes negras/os em territórios vivenciais de angústia e isolamento. Por outro lado, também encontraram professoras negras que buscam aplicar a Lei 10.639/2003.

O artigo “Movimento dos cursos pré-vestibulares populares: experiências na luta pelo acesso da população negra ao ensino superior”, de autoria de Priscila Beralda M. de Oliveira, se dedica a refletir sobre as experiências e particularidades da formação realizada no interior do Movimento dos Cursos Pré-Vestibulares Populares (MCPVP) destacando, dentre estes, os Cursos os que trabalharam o protagonismo do Movimento Negro (MN), considerando a questão racial. Para isso, a autora analisou em campo os cursos pré-vestibulares populares Educafro e UNEafro.

Diante de uma robusta análise empírica, Cintia Lopes de Melo Rodrigues e Carlos Soares Barbosa identificaram “Critérios, motivações e importância do trabalho para jovens negros estudantes do ensino médio de São João De Meriti/RJ”. Lançando mão de uma abordagem quantitativa e entrevistas semiestruturadas, procuram identificar a importância do trabalho, os critérios e motivações que os jovens negros, concluintes do Ensino Médio da escola pública, estabelecem para sua inserção laboral. Eles identificam como principais motivações a independência financeira e a necessidade de ajudar a família. Já como critérios para a escolha do trabalho estão a carga horária reduzida e a remuneração.

Em “Escolas particulares e o ingresso de alunos negros: uma análise psicossocial”, Giovanna Santiago Costa, Júlia Palacce Pini e Márcio Farias analisam criticamente as experiências de racismo vivenciadas por estudantes negros em escolas particulares da elite paulistana, com base em observação participante e intervenções escolares. A pesquisa utilizou a sociologia crítica das relações raciais e a psicologia sócio-histórica para contextualizar fenômenos como o "novo negro", o "movimento negro educador" e o "fracasso escolar". Discute-se a relação dessas instituições com as Leis 10.639/03 e 11.645/08 e os desafios na implementação de uma educação antirracista. Além disso, o artigo investiga a mobilidade social da população negra e os impactos do racismo estrutural na educação, destacando as estratégias do movimento negro para transformar o sistema educacional brasileiro.

Ellen Rodrigues da Silva Serrão nos apresenta neste número o artigo, “Processos de formação do ser social quilombola: experiências da classe trabalhadora alargada na Amazônia”, texto fruto da pesquisa de doutoramento no Programa de Pós-graduação em Educação na Amazônia/UFPA. A autora dedica-se ao estudo da experiência das lutas das trabalhadoras/es da Terra ao Quilombolar-se em Mocajuba/PA como forma de construção de outro mundo necessário, revelando a intensa e inseparável relação entre classe social e relações étnico-raciais, a partir de um processo de luta singular.

De autoria de Jane Barros Almeida, o artigo “Educação e processos de luta antirracista: contribuições de Carter Woodson e Clóvis Moura”, parte da premissa de que a educação pode organizar o descontentamento social e, assim, catalisar novos projetos societários. Sem desconsiderar os diferentes contextos vividos por Carter Woodson e Clóvis Moura, a autora compreende que ambos contribuíram para pensar o papel da educação no interior de uma sociedade racializada no início do século XX, indicando pistas e caminhos para a superação da hierarquização sociorracial. Assim, ela se propõe a sistematizar e analisar os elementos teóricos, epistemológicos e programáticos para o devir, bem como o enfrentamento do racismo estrutural.

O artigo “A questão étnico racial no centro da luta de classes: a objetividade esmagadora em Frantz Fanon e a cultura negra como resistência em Lélia Gonzalez”, de Jacqueline Botelho, traz a reflexão de que a questão étnico racial está no centro da luta de classes, com o intuito de demonstrar que o debate étnico racial não deve ser tomado como periférico ou secundário. Para tal, utiliza como referencial as análises de Frantz Fanon e Lélia Gonzalez, como principais autores, trazendo também reflexões relevantes de Clóvis Moura, Florestan Fernandes, Bell Hooks, entre outros autores. Recuperando a “objetividade esmagadora” retratada por Fanon e o aquilombamento como resistência em Lélia Gonzalez, a autora denuncia a estratégia histórica de apagamento e branqueamento  da população brasileira, para fins de subjugação  e exploração do povo negro.

Ao negritar os limites de uma pretensa luta antirracista, “O antirracismo de aparência: da negação global ao reconhecimento singular e oportunista”, o artigo de Raphael Barreto da Conceição Barbosa aborda como o antirracismo de aparência acarreta consequências negativas para os trabalhadores e para as trabalhadoras, ocultando o racismo institucional.

Em “Eugenia e branqueamento na educação brasileira no século XX” o pesquisador Weber Lopes Góes apresenta a relação entre eugenia, raça e branqueamento no Brasil a partir dos intelectuais que expressavam os anseios das elites políticas brasileiras. Goés procurou demonstrar como os pensadores, alinhados aos preceitos eugênicos, acreditavam na educação enquanto o principal local para consolidar um “povo” brasileiro, apresentando as propostas de educação eugênica, a partir do seu principal interlocutor – Renato Kehl –, e a influência destas ao Ministério da Educação e Saúde Pública no Brasil, na década de 1930.

Jeferson Diogo de Andrade Garcia e Roger Domenech Colacios contribuem com um belo ensaio que aproxima a relação entre cinema e educação, em “Cinema popular e educação: crítica do racismo brasileiro e das formas de violência em “m8: quando a morte socorre a vida”. Neste trabalho debateram a possibilidade deste filme, do diretor Jeferson De, ser compreendido como cinema popular ao destacar sua dimensão formativa, a partir da categoria “violência” desenvolvida por Slavo Zizek e Mauro Iasi, bem como as categorias de “realismo”, “tipicidade” e típico” em György Lukács. Os autores entendem que o filme permite um amplo debate sobre a condição do racismo brasileiro pelos mais diretos temas que aborda, como religiosidade, cotas na universidade, relações interraciais e genocídio do povo negro.

O texto “No dia 14 de maio saí por aí”: favela entre resistências e subordinação”, Letícia Batista, Renan Silva Gomes e Marcos Vinícius Ribeiro de Araújo discutem criticamente território e racismo na precariedade da vida, a partir de dados das favelas e da população negra. Realizaram um breve resgate das categorias marxianas, da teoria marxista do desenvolvimento desigual e combinado, bem como abordagem sobre a formação social brasileira e a questão racial para compreender a dinâmica deste processo. Como conclusão, apontam que é preciso superar ideias de avanço da favela sem mudança do sistema capitalista, situando-a como condição para existência da exploração e ao mesmo tempo espaço de resistência dos setores subalternizados.

O artigo “Necesidades sentidas: cómo se producen a partir de las experiencias de las comunidades y de los procesos de formación humana” de Jesús Jorge Pérez Garcia, constroi uma análise sobre a formação humana dos trabalhadores na relação trabalho-educação na produção de necessidades sentidas, com base em materialidades sociais, experiências, conhecimentos, valores, modos de viver, pensar e sentir a vida nas comunidades investigadas.

Na seção Ensaios, o texto “Comunidades fortes: uma questão de classe, raça e etnia para a afirmação de modos de vida em Rondônia, na Amazônia brasileira”,  de William Kennedy demonstra como a luta por acesso à terra é parte vital da luta por direitos da classe trabalhadora. Na Amazônia, essa luta se mostra extremamente dura. Kennedy destaca que o empresariado capitalista busca dominar esta que é a maior floresta tropical do mundo. Tais tentativas de dominação são sempre feitas com uso de violência, e, como consequência, terras indígenas, reservas extrativistas, reservas naturais e florestas nacionais (todas sobre a proteção da União) são ameaçadas, invadidas e exploradas por pessoas que não tem direito a essas áreas.

O ensaio ‘Orí, Corpo e Memória quilombola como território de preservação e fortalecimento da ancestralidade negra”, de Géssica Maria S. José traz uma reflexão cujo objetivo é identificar como o Orí, o corpo e a memória quilombola, em conjunto, operam como território de preservação e fortalecimento da ancestralidade negra. São apresentadas reflexões derivadas da pesquisa desenvolvida no trabalho de conclusão de curso (TCC) “Mulher quilombola: trajetória e memórias de Bezinha” na graduação em licenciatura em História UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (2021), bem como na dissertação desenvolvida no Mestrado em Memória Linguagem e Sociedade “O trabalho da memória e da educação na luta pelo reconhecimento do quilombo de Barra em Rio de Contas-BA” também na UESB (2024).

No ensaio “Narrativas fotográficas das crianças afro-lusófonas” de Cova da Moura, Lisboa, o autor Maurício Roberto da Silva retrata as especificidades das crianças de periferia da cidade de Lisboa, onde encontramos famílias de comunidade da Cova da Moura- em sua maioria migrantes pertencentes aos PALOPS- Países de Língua Portuguesa, cujos países africanos de Língua portuguesa são: Cabo Verde, Angola, São Tomé e Príncipe, Moçambique e outros. As fotos fazem parte de uma das atividades do pós-doutoramento do autor, no período de 2007/2008, sob os auspícios da Capes, realizado na Uminho-Braga, sob a coordenação do Prof.Dr.Manuel Sarmento e colaboração do Prof. Dr. José Machado Pais do ICS/Universidade de Lisboa. Silva também nos presenteia com a bela imagem da capa desta edição, agradecemos imensamente este regalo.

Na seção Entrevista, as organizadoras do número temático conversam com Regina Lucia Santos, na oportunidade de ouvir uma mulher negra, militante, que tem construído o Movimento desde os anos noventa. Regina Lucia Santos é geógrafa, especialista em educação para as relações étnico raciais, e coordenadora estadual de formação do Movimento Negro Unificado, MNU-SP. No ano de 2025 o MNU completará 47 anos, se aproximando de meio século de lutas antirracistas, como um dos movimentos negros que tem trazido contribuições históricas para o avanço das pautas do povo negro, inclusive no campo da educação.

Ainda sobre a temática Marxismo, educação e relações étnico-raciais, Fábio Nogueira apresenta uma resenha do livro “Marxismo Negro. Pensamento descolonizador del Caribe anglófono.” De Daniel Montañez Pico. A resenha que compõe o Número Temático destaca que  é necessário mergulhar na complexidade do pensamento caribenho e sua contribuição à teoria marxista – desde autores mais conhecidos como Eric Williams e CRL James a teóricos menos conhecidos, entre nós, como George Beckford e Rhoda E. Reddock. Como destaca Nogueira, o caráter histórico da produção deste pensamento – entremeado aos conflitos políticos e a geopolítica do Caribe de língua inglesa – é um excelente ponto de partida para situarmos como estas ideias vieram a lume, e como elas nos ajudam, até hoje, a pensar a relação entre capitalismo e racismo.

Na seção Teses e Dissertações, a tese “A centralidade da questão racial nas lutas de classes no Brasil: um estudo a partir de organizações da esquerda brasileira entre a ditadura e a redemocratização, de autoria de Sandra Regina Vaz, tem como objetivo estudar a confluência entre racismo, capitalismo e lutas de classes no Brasil. A autora buscou desvelar as determinações que impuseram a emergência e centralidade da questão racial, entre os períodos da ditadura-civil militar e empresarial até a redemocratização brasileira. Constatou-se que, através de documentos e relatórios elaborados por todo o período, que os órgãos oficiais de vigilância para o controle e repressão no regime militar, como o Sistema Nacional de Informação (SNI), estiveram atentos as lutas negras no Brasil, pois acreditavam estar em curso uma revolta propagada pela cultura negra que acabaria com a harmonia racial do país, e poderia incitar a luta de classes.

A dissertação “O trabalho da memória e da educação na luta pelo reconhecimento do Quilombo de Barra, em Rio de Contas, BA”, de Géssica Maria. S. São José diz respeito à relação entre memória, cultura e trabalho educativo no processo de luta pelo reconhecimento do quilombo da Barra no Município de Rio de Contas, Bahia. Como destaca Géssica Maria, refletir sobre a memória do quilombo a partir de uma perspectiva de memória coletiva nos leva a pensar na memória enquanto fenômeno histórico-social. Desse modo, é fundamental pensar sobre os mecanismos sociais que podem determinar decisivamente não apenas a forma como a lembrança e o esquecimento se processam no interior do grupo, mas também limitar e condicionar os conteúdos dessa lembrança e deste esquecimento. A dissertação tem como objetivo abrir possibilidades para pensarmos a memória como categoria ontológica do ser social e a educação do quilombo de Barra em Rio de Contas-BA a partir de análises que partem das reflexões do Orí (da cabeça), do corpo e da ancestralidade, materializados no modo de vida e nas relações de trabalho pertencentes a essa população, a essa classe social.

Na seção Memória e Documentos, o documento “Povos e Comunidades Tradicionais: rastreando projetos de mitigação em Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba” é um importante catálogo contendo as principais informações a respeito dos povos e comunidades tradicionais Indígenas, Caiçaras e Quilombolas nas regiões de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba, sendo uma produção técnico/científica da pesquisa de iniciação científica intitulada “Trabalho-educação, modos de vida e estruturas de sentimentos em comunidades tradicionais”, coordenada pela Profa. Dra. Lia Tiriba (UFF), com participação de Alexia Soares (FAPERJ) e Luis Eduardo Chagas (PIBIC), graduandos em História (Licenciatura) pela UFF. A pesquisa parte da premissa do trabalho como elemento de formação humana, pelo qual os seres humanos criam cultura e se educam.

Na seção Artigos e Resenhas de Outras Temáticas, os autores Rogério Martins Marlier e José Wilson Assis Neves Júnior em “As culturas brasileiras em Alfredo Bosi: afinidades e distanciamentos com os estudos culturais britânicos” analisam o conceito de Culturas Brasileiras exposto no livro Dialética da Colonização de Alfredo Bosi, comparando-o com contribuições dos Estudos Culturais. Em paralelo, revisitam as principais definições de Bosi sobre cultura brasileira e o dilema da padronização imposto pela lógica mercadológica capitalista, que explora e silencia a Cultura Popular Brasileira.

Nessa seção será possível encontrar o artigo de Marley Araújo, Iasmin Viana-Menezes e Samara da Silva Mendes Pina, intitulado “Da reforma trabalhista à pandemia da COVID-19 no Brasil: a precarização do trabalho revista”, que a partir de um estudo da arte centrado na precarização do trabalho, organizam uma revisão integrativa para entender como esta dimensão comparece na produção científica nacional, considerando os impactos produzidos pela reforma trabalhista e pandemia da COVID-19.  

O processo de interiorização de universidades foi estudado e sistematizado por Tatianne Silva no artigo, “Particularidades dos campi interiorizados da Universidade Federal de Pernambuco: um exame a partir da ótica docente”. Este texto examinar as percepções dos docentes do Centro Acadêmico do Agreste e do Centro Acadêmico de Vitória sobre as especificidades dos campi interiorizados da Universidade Federal de Pernambuco.

Em “Desafios da educação infantil do campo em Santa Catarina: política, indicadores e impactos na vida das mulheres-mães”, Cibeli Borba Machado, Giovana Ilka Jacinto Salvaro e Renato Cechinel abordaram a educação infantil e do campo como direitos das crianças e das mulheres, bem como a obrigação do Estado brasileiro em promover igualdade de gênero. A pesquisa identifica e reflete sobre limites da efetivação dessas políticas e seus impactos na vida das mulheres rurais em Santa Catarina.

Por fim, na seção Resenhas, Lucas Pelissari apresenta que o livro “Crítica da Ideologia Humanista em Educação: contribuições do marxismo althusseriano” de Alessandro de Melo, tem a qualidade de apresentar uma das teses desenvolvidas por Louis Althusser – a existência de um corte epistemológico na obra de Marx – e, a partir dela, discutir a crítica ao humanismo teórico e seus desdobramentos para a análise da escola e da educação. Segundo Pelissari, o texto é alicerçado em conceitos fundantes da escola althusseriana, como, por exemplo, sobredeterminação, interpelação, ideologia e formação social. O autor da obra resenhada formula uma proposta de princípios para uma educação revolucionária fundamentados em três elementos: a relação entre educação e prática política, a relação entre educação e produção e a superação da forma escolar burguesa.

O autor Gustavo Romero apresenta a Resenha do livro “O avesso das evidências: pesquisa e política educacional em tempos de negacionismo” de Lalo Watanabe Minto. O livro evidencia como a Educação Baseada em Evidências (EBE), apresentada como uma resposta aos desafios educacionais contemporâneos, é uma estratégia para legitimar reformas que atendem a interesses gerencialistas, distorcendo a concepção de educação. O autor da resenha apresenta  que a EBE é mais do que uma abordagem metodológica; ela é uma expressão do aprofundamento do neoliberalismo no campo educacional.

A partir desse conjunto de contribuições para o debate étnico-racial, esperamos que aproveitem a leitura, e que estes trabalhos possam fomentar reflexões, análises e pesquisas que objetivam revelar a relação e articulação entre os eixos aqui propostos: marxismo, educação e relações étnico raciais, como forma de potenciar trabalhos que se aproximem de uma realidade onde não se prescinde da hierarquia racial para potencializar as formas de exploração existentes. Nesta direção, qualquer mirada emancipatória a ser sistematizada, considerando a educação como lente e lócus para análise e espaço privilegiado de provocação de projeto antissistêmicos, precisará considerar a perspectiva antirracista como parte estruturante.

                                                                                                  Boa leitura!

As organizadoras


[1]Apresentação Recebida em 03/03/2025. Aprovada pelos editores em 07/03/2025. Publicada em 09/03/2025. DOI:https://doi.org/10.22409/tn.v22i48.67320.

[2]Doutora em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - Brasil. Professora Adjunta da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói - Brasil. E-mail: botelho.jacque@gmail.com.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/7423332568707388. Orcid:  https://orcid.org/0000-0003-1989-5089.

[3]Doutora em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), São Paulo - Brasil. Professora Adjunta do Departamento de Ciências Sociais e Educação (EDU/UERJ).

E-mail: jane.barros@uerj.br. Lattes: https://lattes.cnpq.br/9178503996055564.  

Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3878-0837.

[4] Ver também HAIDER, Asad. Armadilha da identidade: raça e classe nos dias de hoje. Tradução por Léo Vinicius Liberato. São Paulo: Editora Veneta. 2018. 144 p.

[5]Ver:https://www.geledes.org.br/com-pandemia-sp-registra-25-de-mortes-a-mais-entre-negros-e-115-entre-brancos-em-2020/?gad_source=1&gclid=Cj0KCQiA8q--BhDiARIsAP9tKI2eV_1mvf5l3QBk1O2k8z1DJbCg8nYHZrehaq57VrOG5vvLZSNVBF0aApZrEALw_wcB. Acessado em 10 de maio de 2025 às 10 horas.

[6]Ver:https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2024/noticia/2024/08/19/percentual-de-candidaturas-de-pessoas-negras-nas-eleicoes-municipais-e-o-maior-das-ultimas-tres-campanhas.ghtml. Acessado em 10 de maio de 2025 às 10 horas.

[7] REED, A. From Jenner to Dolezal: One Trans Good, the Other Not So Much, 2015.

https://www.commondreams.org/views/2015/06/15/jenner-dolezal-onetrans-good-other-not-so-much. Acesso em: 03 jun. 2020.