V.23, nº 50 - 2025 (janeiro-abril) ISSN: 1808-799 X
EDITORIAL TN 50
POR UM DEBATE NECESSÁRIO SOBRE
“MARXISMO, EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS”:
PASSADO E PRESENTE DE OPRESSÕES, RESISTÊNCIAS E LUTAS1
O número temático da Revista Trabalho Necessário “Marxismo,
educação e relações étnico-raciais” aborda, de maneira complexa e
multifacetada, o papel desempenhado pelo capitalismo na formação e
manutenção das desigualdades raciais, que perpetua, ao longo da história,
diversas formas de discriminações e negação de direitos para a classe
trabalhadora. As relações étnico-raciais referem-se às interações e dinâmicas
de poder, que revelam tensões e desigualdades históricas e contemporâneas
entre a classe subalterna (majoritariamente negra e indígena) e a classe
dominante (branca, de origem europeia).
No contexto da América Latina, o capitalismo dependente estruturou-se
com base em um modelo que utilizava a racialização da mão de obra negra e
indígena como um mecanismo de subordinação, sendo fruto de um processo
histórico que tem como base econômica a exploração da força de trabalho,
garantindo a reprodução ampliada do capital
As desigualdades sociais se manifestam em diversos âmbitos da
sociedade, como no acesso à educação, saúde, habitação e mercado de
trabalho, onde populações negras, indígenas e latino-americanos, em geral,
continuam sofrendo com superexploração da sua força de trabalho. Nesse
sentido, os países centrais continuam ditando na atualidade os rumos do
desenvolvimento político-econômico .dos países periféricos, “uma relação de
subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo âmbito as
relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas
para assegurar a reprodução ampliada da dependência” (Marini, 2000, p. 109).
1Editorial recebido em 03/03/2025. Aprovada pelos editores em 07/03/2025. Publicada em
09/04/2025. DOI:https://doi.org/10.22409/tn.v22i48.67321.
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O racismo estrutural no Brasil continua fortemente presente. Isso se
manifesta em diversos aspectos da vida cotidiana. De acordo com dados do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP),
o Brasil contava, no ano de 2023, com 69,5 milhões de pessoas que não
concluíram a Educação Básica (EB) (Brasil, 2023). Se analisarmos por critérios
de cor/raça, pretos e pardos constituem maioria da população que não
conseguiu acesso e/ou permanência na escola formal. A falta de acesso e
permanência na EB são reflexos dessas desigualdades históricas e estruturais
que a sociedade ainda enfrenta, sendo alvo de um processo de desmonte do
Estado, capitaneado pelas políticas neoliberais que vêm se tornando cada vez
mais agressivas na retirada de direitos e afetando profundamente as frações
mais subalternizadas da classe trabalhadora.
Além das dificuldades relacionadas ao acesso e permanência nos
espaços escolares, o racismo estrutural provoca inúmeras formas de violências
físicas e simbólicas. Como expressão brutal da violência que representa o
racismo, neste ano, no município de Maricá, cidade localizada no Rio de
Janeiro. Guilherme Lima, estudante da rede estadual do município supracitado,
suicidou-se após desenvolver um quadro de depressão em decorrência da
discriminação racial.
Negros(as) e indígenas enfrentam barreiras estruturais complexas,
sendo o racismo um dos fatores que dificultam suas trajetórias escolares,
impondo experiências devastadoras que afetam profundamente as
subjetividades e a saúde mental e emocional de negras e negros. Além disso, a
história e a cultura desses grupos, frequentemente silenciadas, apagadas ou
distorcidas no currículo oficial, reforçam uma narrativa dominante que favorece
a visão eurocêntrica. Racismo e capitalismo se alimentam mutuamente.
Ao estudarmos as relações de classe e a estrutura de poder que
configuram o racismo, recuperando o conhecimento sobre culturas africanas,
indígenas e afro-brasileiras no currículo escolar, podemos caminhar na
desconstrução das desigualdades étnico-raciais, cuja superação depende da
luta organizada dos movimentos sociais, com destaque para os diversos
coletivos negros comprometidos com a luta antirracista e anticapitalista. Nesse
sentido, no espaço escolar, os(as) alunos(as) podem desenvolver uma
compreensão mais profunda de como a opressão racial está conectada à
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exploração econômica, refletindo sobre as relações de poder e as estruturas
sociais e uma sociedade capitalista.
A violência policial também está associada à origem racial. Jovens
negros, especialmente em territórios periféricos, são as maiores vítimas de
abusos por parte das forças de segurança. Em fevereiro de 2025, Igor Melo de
Carvalho, de 32 anos, estava saindo do trabalho no Rio de Janeiro, quando foi
baleado por um policial militar da reserva. Igor foi confundido com um
assaltante apenas por ser um homem preto. O sistema de justiça penal
brasileiro também é racialmente desigual, com a população negra sendo
desproporcionalmente afetada por prisões e sentenças severas. Ou seja, o
encarceramento em massa de pessoas negras é um reflexo das desigualdades
raciais no país.
No Brasil, pretos(as) e pardos(as) também enfrentam maiores
dificuldades no mercado de trabalho, incluindo maior índice de desemprego e
uma maior participação no mercado informal. Segundo dados de pesquisas e
estudos, como os do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
2023), esses grupos são desproporcionalmente representados em empregos
informais, com condições precarizadas de trabalho e, muitas vezes, análogos à
escravidão, com jornadas exaustivas e condições degradantes. Além disso, a
desigualdade racial também é visível nas taxas de desemprego. Já em relação
à equiparação salarial, negros e pardos ganham menos em comparação aos
homens brancos. As mulheres negras têm o dobro do desemprego dos homens
não negros.
Os tempos históricos se entrelaçam e nos mostram as condições
objetivas que permeiam e determinam a produção da existência. Dessa forma,
a luta antirracista pode ser entendida, dentro de uma perspectiva marxista,
como parte fundamental da luta de classe, onde a opressão racial precisa ser
combatida com vistas a alcançar uma sociedade menos desigual política e
economicamente.
No Brasil, a Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira nas escolas, é um exemplo de como a educação pode
ser utilizada no combate ao racismo. Políticas com esta reconhecem as
barreiras históricas que os negros e indígenas enfrentam no acesso à
educação. No entanto, o racismo continua sendo um desafio persistente,
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exigindo mudanças estruturais profundas. O marxismo, ao enfatizar a
necessidade de uma revolução social que garanta transformações societárias
capazes de enfrentar as desigualdades estruturais, pode nos fornecer o
suporte teórico para a criação e defesa de ações antirracistas no campo da
educação.
Ainda, movimentos negros, pesquisadores e militantes do campo, como
Lélia Gonzalez, e mais recentemente Marielle Franco, lutaram por direitos
humanos, justiça e a igualdade racial. Nesse sentido, as organizadoras deste
número temático, Jacqueline Botelho e Jane Barros, professoras doutoras,
mulheres, negras, militantes, escolheram com muita sensibilidade, por meio de
compromisso ético-político, uma coletânea de artigos, que nos convidam à
reflexão acerca de nossa própria concepção de mundo e atuação política em
muitas frentes de luta para que as diversas formas de opressão impostas pelo
capitalismo sejam efetivamente superadas, com todos os desafios que
constitui.
Agradecemos a todos(as) que contribuíram com a organização deste
trabalho, especialmente ao prof. José Luiz Cordeiro Antunes (UFF), nosso
homenageado na TN 50, pelo seu comprometimento com a Revista Trabalho
Necessário, com a educação pública, a luta antirracista e em defesa da
liberdade religiosa.
Abraços de Lia Tiriba, Jacqueline Botelho e Adriana Barbosa-
Editoras da Revista Trabalho Necessário.
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira. Censo Escolar. Resultados. Brasília, DF: MEC,
INEP, 2019. Disponível em:
https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicad
ores/ censo-escolar/resultados. Acesso em: 03/05/2024.
MARINI, R. M. Dialética da dependência. IN: Emir Sader (Orgs.) Dialética da
dependência: uma antologia da obra de Ruy Mauro Marini. Petrópolis/RJ:
Vozes; Buenos Aires: CLACSO, 2000.
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