PROJOVEM URBANO: jovens e adultos como sujeitos históricos de um projeto societário excludente¹


Leandro Gaspar2


Resumo

O artigo tem por objetivo analisar a Educação de Jovens e Adultos no contexto das políticas educacionais, especificamente, o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem Urbano). A problemática que insurge desse debate recai na proposta de inclusão social que o Partido dos Trabalhadores tem direcionado à juventude brasileira. Utilizando de fragmentos da pedagogia socialista para dar um novo sentido às políticas de governo, o Estado passa a utilizar o discurso voltado à qualificação social com vistas a proporcionar o desenvolvimento humano. Contudo, o resultado dessa pesquisa aponta para um cenário caótico de precarização na oferta, qualidade social dos cursos e mau uso do dinheiro público, com experiências frustrantes quanto às expectativas dos sujeitos históricos atendidos pelo programa. O objetivo de proporcionar a inclusão social através da qualificação profissional vem materializando-se numa política assistencialista, cuja prática pedagógica resgata a teoria do capital humano em seus fundamentos, reproduzindo a força de trabalho simples necessária à reprodução do capital.


Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos; qualificação profissional; inclusão social


Abstract

The purpose of this article is to analyze the education of young people and adults in the context of educational policies, specifically the National Youth Inclusion Program (ProJovem Urbano). The problem that prompts this debate lies in the proposal of social inclusion that the Workers' Party has directed the Brazilian youth. Using fragments of socialist pedagogy to give a new meaning to government policies, the State starts to use the discourse focused on social qualification in order to provide human development. However, the result of this research points to a chaotic scenario of precarious supply, social quality of courses and poor use of public money, with frustrating experiences regarding the expectations of the historical subjects served by the program. The objective of providing social inclusion through professional qualification has materialized in a welfare policy whose pedagogical practice rescues the theory of human capital in its foundations, reproducing the simple workforce necessary to the reproduction of capital.


Keywords: Youth and Adult Education; professional qualification; social inclusion


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1 DOI: https://doi.org/10.22409/tn.15i26.p9630

2 Doutorando em Educação - Universidade de São Paulo (USP). E-mail: leandrogaspar@usp.br

Introdução

O debate sobre a educação de jovens e adultos, como prática social de mediação na formação do trabalhador, vem demonstrando os caminhos controversos pelos quais as políticas de governo não têm conseguido responder as expectativas da classe trabalhadora. Para Souza (2011), a evolução da história das políticas para a juventude foi determinada pela exclusão dos jovens da sociedade e os desafios de como lhes facilitar processos de transição e integração ao mundo adulto (SOUZA, 2011, p. 19). Esses desafios são reflexos das múltiplas determinações da vida material circunscrita ao capital, na qual a inclusão social configura-se como a questão central das políticas de governo.

A eleição do Presidente Lula da Silva (2003) possibilitou a democratização do acesso ao ensino para os jovens e adultos trabalhadores, no intuito de adaptar a força de trabalho à reestruturação produtiva. Nesse cenário, o Estado passa a oferecer programas de elevação da escolaridade e qualificação rápida para o mercado de trabalho. O Programa Nacional de Inclusão de Jovens surge como proposta de mudança, por meio da Lei no 11.129 de 30 de junho de 2005, incorporando antigos programas sociais como o “Escola de Fábrica”, o “Programa de Erradicação do Trabalho Infantil”, o “Saberes da Terra”, o “Consórcio Social da Juventude” e o “Juventude Cidadã”.

A Lei n 11.692 de 10 de junho de 2008(a) consolida uma reforma estrutural do programa alargando o conceito de juventude. Nessa versão, o Projovem Integrado institui as seguintes modalidades: Adolescente; Campo; Trabalhador e Urbano, modificando os critérios de acessibilidade e chamando a atenção pela sua abordagem reducionista, no que compete ao seu projeto pedagógico.

O Estado passa a priorizar a qualificação profissional se apropriando de fragmentos de proposições da pedagogia socialista, cujo discurso defende a qualificação social e o desenvolvimento humano. O Projovem Urbano assume o elemento constitutivo de política integrada permeada de novos sentidos, na qual a conscientização da participação cidadã ganha destaque no discurso dominante para formar um novo perfil de trabalhador flexível, preparado para se adaptar às mudanças da economia globalizada. De modo que, a temática da Juventude e sua relação com o trabalho, especificamente, o enfoque no processo de formação dos jovens e adultos trabalhadores passa a constituir-se como um objeto de investigação, não apenas urgente, tendo em vista os altos índices do desemprego

entre os jovens no mundo, mas, sobretudo, por abordar o projeto societário de formação da classe trabalhadora. Os sentidos e significados desse projeto societário se apresentam relevantes pelo fato do país estar inserido em uma totalidade concreta, como parte da divisão internacional do trabalho, cujos pressupostos visam o fortalecimento do capitalismo mundial.

Desde sua criação, o Projovem Urbano vem sendo considerado pelo Estado como política de “inclusão social”. Entretanto, na última década, o programa tem sido conduzido através de caminhos controversos como política educacional, não consolidando os objetivos propostos. Desta forma, torna-se fundamental apreendermos o movimento real do Projovem Urbano por intermédio da análise de documentos oficiais e de sua abordagem teórico-metodológica que vem sendo difundida pelo governo como mais uma promessa integradora.

O objetivo do estudo é apreender as implicações e contradições do Projovem Urbano, analisando a perspectiva de “inclusão social” encontrada em seus documentos oficiais. Para isso, realizaremos uma pesquisa de cunho qualitativo, através de análise documental de fontes primárias e secundárias, confrontando com as experiências registradas pela mídia digital: jornais e sites de notícias.

A hipótese é de que a formação profissional oferecida pelo Estado não tem alcançado mudanças significativas no quadro global de redução das desigualdades sociais. Consiste, portanto, numa ideologia que busca reproduzir a força de trabalho socialmente necessária aos interesses do capital. Para isso, utilizaremos o materialismo histórico-dialético como referencial teórico, por entendermos ser o método que melhor responde à dinâmica do tecido social.

O artigo está dividido em três partes, além da conclusão. Na primeira, analisaremos as determinações político-econômicas na educação contemporânea, na qual está inserido o Projovem Urbano. Na segunda, discutiremos a proposta de “inclusão social” a partir da análise de dois documentos do Estado - o Projeto do Programa do Projovem (2006) e o Projeto Pedagógico Integrado (2008b). Por último, e não menos importante, buscamos identificar como o programa tem se materializado na realidade concreta dos jovens e adultos trabalhadores, através do levantamento das experiências do Projovem Urbano pela mídia digital: jornais e sites de notícias.

Pressupostos da educação contemporânea

A tradição excludente da educação brasileira é uma discussão histórica que remonta à própria formação social brasileira. Segundo Souza (2000), “até 1930, no Brasil, a educação da classe trabalhadora não tinha muito significado para a constituição da sociedade e, por isso, foi tratada de forma desorganizada e assistemática” (SOUZA, 2000, p. 77). De acordo com cada período histórico, o capitalismo passou a demandar conformações sociais específicas, adaptando a formação profissional da classe trabalhadora para responder às singularidades de cada etapa do processo produtivo.

Na década de 1970, consolidou-se, no pensamento político brasileiro, a predominância de projetos educacionais de cunho tecnicista, pautados na teoria do capital humano, cujo ideário defendia a relação direta entre educação e trabalho. No Brasil, ao final do século, a política neoliberal consolidou a reestruturação produtiva adaptando novas formas de sociabilidade do capital, na qual as relações de produção passam a se materializar em um cenário de “precarização” do trabalhador, representado pelo aumento do desemprego e da desvalorização da força de trabalho. Ao mesmo tempo, o prolongamento da cadeia produtiva passa a constituir-se no fio invisível que movimenta o capital transnacional, manifestando-se através da produção cooperativada das famílias, dos pequenos produtores individuais, e dos setores informais; construindo barreiras invisíveis que multiplicam a riqueza socialmente produzida nos diversos cantos do mundo por meio da lógica da acumulação, concentração e centralização do capital.

Para Ciavatta (2000), “o Brasil, como os demais países Latino- americanos, propõe-se a gerar um mercado de trabalho dentro dos padrões da globalização e de suas experiências mais avançadas, como o toyotismo, o controle de qualidade e a flexibilização das relações de trabalho para a competitividade internacional” (CIAVATTA, 2000, p. 119).

A autora destaca que, através da globalização “econômica, política e cultural, e da abertura dos mercados, somos integrados, a partir de interesses externos, ao mercado internacional, onde está em curso um processo mais geral de reestruturação do capitalismo e da produção, na busca de um novo padrão de desenvolvimento” (CIAVATTA, 2000, p. 119).

Nesse sentido, o país ratificava sua condição de economia dependente, adaptando-se ao pensamento neoliberal dos organismos internacionais. O fomento as políticas de alívio à pobreza consistia em uma das ideias dominantes para combater a crise do desemprego. Assim, a empregabilidade emergia como horizonte a ser alcançado dando novos sentidos às relações de trabalho para responder às crises do mercado.

Para Saviani (2005), “não se trata mais da iniciativa do Estado e das instâncias de planejamento visando assegurar, nas escolas, a preparação da mão de obra para ocupar postos de trabalho definidos num mercado que se expandia em direção ao pleno emprego” (idem, p. 21). De acordo com o autor, “agora é o indivíduo que terá de exercer sua capacidade de escolha visando adquirir os meios que lhe permitam ser competitivo no mercado de trabalho e o que ele pode esperar das oportunidades escolares já não é o acesso ao emprego, mas apenas a conquista do status de empregabilidade” (SAVIANI, 2005, p. 21).

Nesse contexto, o Estado instituiu a dominação simbólica, promovendo o discurso da educação profissional articulada à educação de jovens e adultos para alcançar o controle social através do convencimento de que os elevados índices de desemprego decorriam da baixa qualificação profissional dos trabalhadores. Tais mecanismos de dominação se propagaram modificando as relações sociais, difundindo um conjunto de “noções” que buscavam conformar a consciência social dos trabalhadores às mudanças do padrão flexível de produção.

Segundo Frigotto (2011), “para o campo trabalho e educação, a esse conjunto de noções pode-se acrescentar a inclusão, sociedade do conhecimento, sociedade tecnológica, qualidade total, competências, empreendedorismo, capital humano, equidade, capital social etc” (2011, p. 114). Nessa direção, as políticas de governo assumem a função de “incluir” os jovens e adultos trabalhadores marcados pelo signo do desemprego, por meio de um projeto societário permeado de interrogações. Para Frigotto (2011),


A noção de “inclusão” desloca a ideia de integração na sociedade e as organizações e instituições sociais que asseguravam direitos coletivos. Por esta razão, as políticas de inclusão, já na origem, nascem marcadas pela precariedade e pela marca do provisório. São políticas não universais e que atingem grupos específicos vítimas das relações sociais de produção (FRIGOTTO, 2011, p. 115).

Em 2005, o Presidente Lula da Silva (2003-2010) deu o primeiro passo para consolidar a Política Nacional da Juventude, com a criação da Secretaria Nacional da Juventude, do Conselho Nacional da Juventude e do Programa Nacional de Inclusão de Jovens. Nessa proposta, o econômico e o social se confundiam estrategicamente dando uma nova configuração às políticas de formação para o trabalho. Alguns conceitos alinhados ao discurso da “inclusão social” reafirmavam a teoria do capital humano sob o conceito da qualificação social e da formação cidadã.

A partir do segundo mandato do governo da Lula da Silva, os anúncios sobre crescimento econômico passam a ser associados ao de desenvolvimento social, justificados pelo que seria a implementação de um modelo alternativo ao neoliberalismo, denominado de “novo-desenvolvimentista2” (MOTTA, 2012, p. 394). Segundo a autora, “é possível constatar a proposta sendo objetivada através de programas de aceleramento do crescimento, de investimentos em infraestrutura, incentivos fiscais e empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao empresariado brasileiro, políticas de redistribuição de renda, etc.”.

Neste período, as políticas de governo passaram a se caracterizar por um misto de políticas de transferência de renda e requalificação profissional. Contraditoriamente, os processos pedagógicos que consolidaram a teoria do capital humano nos últimos cinquenta anos, que buscaram empreender um sentido produtivista à relação trabalho-educação, qualificação e trabalho, educação e produtividade, não consolidaram mudanças significativas na realidade social da juventude. Então, por qual motivo devemos esperar que a Política Nacional de Inclusão de Jovens modifique o quadro de subordinação ao capital? Podemos inferir que este programa tem outra perspectiva de inclusão, sendo a qualificação profissional um papel específico para conformar os trabalhadores ao projeto societário dominante. Perante esse contexto, compete-nos analisar e discutir o Projeto do Programa Projovem (2006) e o Projeto Pedagógico Integrado (2008b), no sentido de apreendermos as implicações da política de governo voltada à formação profissional dos jovens e adultos trabalhadores.



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2 Tal denominação teve como inspiração um artigo de Bresser-Pereira publicado na Folha de São Paulo em 19 de setembro de 2004. Neste artigo, Bresser-Pereira relaciona a ideia de “novo- desenvolvimentismo” como uma estratégia nacional de desenvolvimento (MOTTA, 2012, p.394).

Trajetórias e limites: a Inclusão Subalterna do Projovem Urbano

Para o Estado, “investir em uma política nacional integrada (...) representa uma dupla aposta: criar as condições necessárias para romper o ciclo de reprodução das desigualdades e restaurar a esperança da sociedade em relação ao futuro do Brasil” (BRASIL, 2008b, p. 13). É sobre esse discurso que o Estado cria o Projovem Urbano como política voltada a combater dois dos principais desafios que permeiam a vida material dos trabalhadores, ou seja, a emancipação social através da inserção produtiva.

De acordo com o Projeto Pedagógico Integrado do Projovem Urbano (PPI), o programa tem como finalidade proporcionar “a formação integral ao jovem por meio de uma efetiva associação entre elevação de escolaridade, qualificação profissional e desenvolvimento de ações comunitárias” (2006, p. 12). Nesta perspectiva, a “formação integral” compreende atividades de Formação Básica (1.092 horas), Qualificação Profissional (390 horas) e Ação Comunitária (78 horas), somando 1.560 horas presenciais, além de 400 horas de atividades não- presenciais, totalizando “2.000” horas (BRASIL, 2008b, p. 80).

Segundo o Projeto do Programa Projovem (2006), os arcos são conjuntos de ocupações relacionadas, ou seja, que possuem base técnica comum, abrangendo as esferas da produção e da circulação (indústria, comércio, prestação de serviços), que podem garantir uma formação mais ampla, aumentando as possibilidades de inserção ocupacional do trabalhador (2006, p. 49).

Na proposta do Estado, o programa mostra-se “inovador” pela sua organização em arcos ocupacionais, compostos por quatro ocupações “que abrangem o planejamento, a produção e a comercialização de bens e serviços, de modo que o jovem se prepare para ser empregado, mas também pequeno empresário ou sócio de cooperativa” (BRASIL, 2008b, p. 34).

Na visão neoliberal, a abordagem metodológica do Projovem Urbano assume uma perspectiva totalizante, apresentando-se de forma inovadora, no sentido de propiciar a essa fração de classe, uma qualificação para o trabalho visando a “empregabilidade”. Assim, como, “a ideia do empreendedorismo utilizada no sentido lato e aplicável as mais variadas circunstâncias laborais, ou de preparação para o ingresso na vida produtiva” (RUMMERT, 2011, p. 145).

Sob esse aspecto, o objetivo do projeto dominante é formar um trabalhador capacitado psicofisicamente a desenvolver novas competências. Ainda sim, submetidos a uma certificação rápida e “vazia”, tal programa de governo intenta seus esforços no sentido de preparar os indivíduos, “mesmo que não estejam diretamente envolvidos na produção, partilhar de uma nova maneira de pensar que seja intrínseca a sua ação, isto é, devem incorporar uma concepção de mundo compatível com os novos tempos” (RUMMERT, 2011, p. 140-1). Nesse sentido, a qualificação profissional no Projovem Urbano possibilita a certificação em um arco de ocupações direcionada ao trabalho simples3, adaptando a força de trabalho às características locais e regionais.

O próprio levantamento estatístico do Estado ilustra essa realidade. Na implantação do programa original nas 27 capitais, “o arco ocupacional mais presente foi o de construção e reparos I e II, adotado em 19 capitais. O arco de turismo e hospitalidade foi oferecido em outras 17 e o de telemática em outras 14 capitais” (BRASIL, 2008b, p. 34). O PPI (2008b) registra que houve grande procura nas ofertas de profissionalização em madeira e móveis, que se concentram na região norte do país, nas capitais sobre a influência da floresta amazônica – com exceção de Belém que optou pelo agroextrativismo, também relacionado aos recursos da floresta (BRASIL, 2008b, p. 34).

Analisando a carga horária deparamo-nos com um dado no mínimo contraditório, a qualificação profissional é de 390 horas “presenciais” e 440 horas “não-presenciais” (2008b, p. 80), ou seja, a parte prática da formação que deveria ser enfatizada quanto às possibilidades de aprimoramento técnico-profissional é menor. Segundo o PPI, “as horas não-presenciais são dedicadas às leituras e atividades das unidades formativas, e a elaboração de planos e registros – individualmente ou em pequenos grupos – nos espaços e tempo mais convenientes ao estudante” (BRASIL, 2008b, p. 79). Apesar da mudança no currículo se fazer necessária, dada à reduzida carga horária destinada à qualificação profissional, a proposta dominante determina um “empobrecimento” da prática, o que contribui diretamente para o aumento da evasão escolar, tendo em vista que é a ação prática, ou seja, a qualificação para o trabalho, o principal motivo que conduzem os jovens e adultos trabalhadores a procurarem o curso.


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3 O trabalho simples, “mede-se pelo dispêndio da força de trabalho simples, a qual, em média, todo homem comum, sem educação especial, possui em seu organismo” (MARX, 2011, p. 66).

Segundo dados do governo, os alunos expressaram frustração “pelo fato de se tratar a Formação Técnica Geral nas duas primeiras unidades e se começar o estudo dos arcos de ocupação apenas na terceira unidade, ou seja, na metade do curso” (BRASIL, 2008b, p. 35). Mesmo assim, o projeto pedagógico dominante entende que essas horas devem ser aproveitadas no Projeto de Orientação Profissional (POP), articuladas à FTG e aos Arcos Ocupacionais (AO), constituindo o currículo da qualificação profissional no Projovem Urbano. Segundo o PPI (2008b), o POP “é um trabalho de cunho reflexivo, ao longo de todo o curso, preparando o jovem para melhor compreender a dinâmica do mundo do trabalho e planejar sua formação profissional” (BRASIL, 2008b, p. 72).

Contraponto essa perspectiva reducionista, entendemos que, se o aumento da carga horária da qualificação profissional prática pudesse se efetivar, ao longo do curso, contribuiria para reduzir o quadro de evasão e abandono provocado pelo formato do currículo. Levando em consideração o reduzido cronograma, esse modelo, além de não ser atrativo ao trabalhador, exclui a possibilidade de ampliar ou intensificar a formação profissional dos jovens e adultos trabalhadores.

Analisando os cursos do Projovem Urbano, identificamos profissões baseadas na racionalidade técnica do padrão taylorista/fordista, articuladas com profissões que tem o novo perfil de exigência da produção flexível. Os “arcos ocupacionais” são divididos em: Construção e Reparos I e II, Serviços Domésticos I e II, Metalmecânica, Telemática, Turismo e Hospitalidade, Gestão Pública, Joalheria, perfazendo um total de 23 arcos ocupacionais, englobando 92 ocupações que possuem base técnica comum, constituindo o perfil profissional dos alunos do Projovem Urbano (BRASIL, 2008b, ANEXO II, p.155).

Esse deslocamento da força de trabalho com características de base técnica mais “rígida” para profissões mais “flexíveis” conduz a redução da força de trabalho de alguns setores produtivos, aumentando o custo do trabalhador. No atual projeto neoliberal, o Estado assume a função de recompor o exército de reserva dos seguimentos profissionais que acompanham o padrão de produção taylorista/fordista, reproduzindo a força de trabalho simples necessária à produção do capital. Deste modo, observamos que o projeto pedagógico do Projovem coloca o trabalhador à margem de qualquer possibilidade de ascensão social, pois, tal formação para o trabalho fica aquém das necessidades imperativas do trabalhador.

Para Marx (2011), “a diferença entre trabalho superior e simples, entre trabalho qualificado e não qualificado decorre, em parte, de meras ilusões, ou pelo menos de distinções que cessaram de ser reais, mas sobrevivem convencionalmente, por tradição” (MARX, 2011, p. 231). Além disso, segundo o autor, que é enfático quando aborda a divisão social do trabalho, “não devemos supor que o trabalho superior, qualificado, represente grande proporção do trabalho nacional” (idem).

Na visão dominante, o trabalhador deve proporcionar as próprias condições de inserção produtiva, seja pelas vias formais ou informais, sendo o emprego compreendido a partir da perspectiva do “assalariamento, do autoemprego e da economia solidária” (BRASIL, 2006, p, 49). Não bastasse a formação básica do programa ter uma significativa redução dos conteúdos, haja vista o objetivo de certificar o jovem em nível fundamental em dezoito meses, a proposta de qualificação profissional se materializa sob o discurso da “qualificação inicial em um arco de ocupações” (idem, 2008b, p.63). Segundo o PPI, a formação do trabalhador está deslocada para o desenvolvimento de “competências necessárias para o desempenho de uma ocupação que gere renda” (BRASIL, 2008b, p. 67).

Os arcos ocupacionais são expressões de uma demanda do mercado de trabalho que se materializam de forma precária pelo aligeiramento de sua práxis, refletindo na baixa qualidade social dos conteúdos. Os limites que permeiam a qualificação profissional do programa estão inseridos dentro de um contexto mais amplo, determinado pelo modo de produção capitalista. Como o capital se reproduz através do trabalho coletivizado das forças produtivas, não prescinde de nenhuma força de trabalho, seja ela simples ou complexa.

Desta forma, a “inclusão social” decorre da simbiose entre as bases técnicas de produção rígida e flexível que atuam dialeticamente na reprodução dos meios de produção, através do prolongamento da cadeia produtiva. Todos os setores da produção, mesmo que não aproveitados imediatamente, são articulados e inseridos mediatamente dentro do processo produtivo de acordo com as necessidades do capital, ou seja, a qualificação profissional é direcionada buscando articular antigas qualificações e formar novas competências, remetendo a conteúdos da base técnica de produção flexível para tornarem-se mais atrativos aos trabalhadores em meio à consolidação da nova divisão social do trabalho.

Do ponto de vista do mercado, ocorre um processo de exclusão da força de trabalho dos postos reestruturados, para incluí-la de forma precarizada em outros pontos da cadeia produtiva. Já do ponto de vista da educação, estabelece-se um movimento contrário, dialeticamente integrado ao primeiro: por força de políticas públicas “professadas” na direção da democratização, aumenta-se a inclusão em todos os pontos da cadeia, mas precarizam-se os processos educativos, que resultam em mera oportunidade de certificação, os quais não asseguram nem inclusão, nem permanência (KUENZER, 2006, p. 879-80).


Novas formas de sociabilidade do capital configuram a dimensão subordinada das políticas de inclusão social, na qual os jovens e adultos trabalhadores passam a ter suas trajetórias de vida comprometidas pelos processos de inclusão/excludente e exclusão/ includente. Conforme Kuenzer (2006, p.880):

Do lado do mercado, um processo de exclusão includente, que tem garantido diferenciais de competitividade para os setores reestruturados por meio da combinação entre integração produtiva, investimento em tecnologia intensiva de capital e de gestão e consumo precarizado da força de trabalho. Do lado do sistema educacional e de Educação Profissional, um processo de inclusão que, dada a sua desqualificação, é excludente.


Assim, essas formas subordinadas de “inclusão social” configuram-se no eixo central de uma política educacional na contramão dos interesses dos trabalhadores, dadas à baixa qualidade social da escolarização e da oferta da qualificação profissional. Segundo Kuenzer (2006), as políticas de inclusão social, criadas no período entre 1995 e 2005, tem um caráter subjetivo de formação para o trabalho e a cidadania.


Os projetos contemplam um amálgama de qualificação social entendida como ação comunitária, aprendizagem de fragmentos do trabalho no espaço produtivo como conhecimento científico- tecnológico, domínio de algumas ferramentas da informática e das linguagens como capacidade de trabalho intelectual, discussão sobre algumas dimensões da cidadania como capacidade de intervenção social, levando a entender que o resultado deste conjunto se configura como educação para a inclusão social. Embora estes elementos sejam fundamentais para a educação dos que vivem do trabalho, a forma superficial e aligeirada, na maioria das vezes descolada da educação básica de qualidade, reveste as propostas de caráter formalista e demagógico, a reforçar o consumo predatório da força de trabalho ao longo das cadeias produtivas (KUENZER, 2006, p. 904).

Na mesma abordagem, segue Rummert (2006), considerando que “o binômio inclusão/exclusão é tratado de modo a obscurecer o paradoxo que lhe é inerente, e que só pode ser desvelado quando o analisamos em sua radicalidade” (RUMMERT, 2006, p. 1). Ainda, de acordo com a autora, tal binômio não permite perceber que as formulações teórico-práticas, “centradas nas propostas de propiciar a inclusão dos chamados excluídos são socialmente inócuas. E o são por diversas razões, entre as quais se destaca o fato de que não há exclusão real no modo de produção capitalista” (RUMMERT, 2006, p. 1).

No projeto neoliberal, a “inclusão social” depende do esforço do trabalhador se adaptar às relações do trabalho, devendo recorrer a sua sorte para se inserir no mercado, ou seja, o jovem deve tornar-se “protagonista de sua inclusão social” desenvolvendo ações comunitárias que possibilitem intervir na realidade local (BRASIL, 2008b, p. 13). Por esse motivo, o Projovem Urbano estimula, em suas ações, qualquer forma de inserção profissional que não seja o mercado formal, na qual a “inclusão social” estará sempre subordinada à lógica da inserção produtiva subalterna.

No aspecto formal, a política integrada se constitui numa utopia, pois, os programas não possuem articulação quanto aos objetivos finais, caracterizando- se como políticas sazonais e transitórias. No aspecto material, com a transição dos governos, os programas são reformulados se caracterizando pelo aspecto utilitarista de seus conteúdos que atendem a interesses políticos difusos que não priorizam a classe trabalhadora. Na aparência, são funcionais ao Estado ao perpetuarem o discurso da “inclusão social” justificando suas ações através das estatísticas que não traduzem a realidade concreta. Em sua essência, servem como política de redistribuição de renda, fazendo dos auxílios financeiros moeda de troca para fortalecer o populismo de um partido político que não correspondeu às expectativas dos trabalhadores.

Sendo assim, o atual projeto societário direcionado aos jovens e adultos trabalhadores consolida novas formas de exploração, no qual a inserção produtiva se caracteriza por diversos mecanismos que negam os direitos sociais. De modo que, a juventude passa a buscar o “status” da empregabilidade vendendo sua força de trabalho por meio do trabalho informal, temporário, terceirizado, por jornada parcial etc., desenvolvendo uma característica singular desse “novo perfil” para o trabalho que exige a adaptação e a flexibilização do trabalhador.

Projovem Urbano: da teoria à prática

No decorrer da pesquisa, encontramos estudos dos diferentes matizes epistemológicos que analisaram as diversas interfaces do Projovem Urbano. Entretanto, ao buscarmos dados oficiais sobre a efetividade social nos diversos estados e municípios que foram atendidos pela política nacional da juventude, no que competem ao número de alunos matriculados, alunos que concluíram o curso e alunos certificados, ou seja, aqueles que efetivamente cumpriram os requisitos e estariam qualificados a atuarem no mercado de trabalho, esbarramos em diversas dificuldades que refletem na insuficiência de informações oficiais dos gestores, na falta de transparência das estatísticas e na não confiabilidade das informações oficiais por estarem incompletas.

Ainda existe uma lacuna a ser preenchida pelo Estado, no sentido de realizar um estudo longitudinal com esses alunos assistidos pelo programa, para sabermos se efetivamente, até que ponto, os investimentos do Projovem Urbano conseguiram atender às expectativas da classe trabalhadora, ou seja, quantos alunos foram certificados? Quantos deram continuidade a sua trajetória escolar? Quantos alunos conseguiram a inserção produtiva através dos cursos? Quais os arcos ocupacionais que mais empregaram no Projovem Urbano etc.?

Inclusive, em 2010, o Estado publica o documento Avaliação da Execução do Programa do Projovem Urbano, realizado pela Secretaria de Controle Interno da Casa Civil. A Avaliação do Projovem Urbano (2010) apontou para irregularidades que comprometem os objetivos do programa. Como esta proposta era recente, devido à reestruturação em 2008, a avaliação relata não haver “identificado estudos acadêmicos específicos a respeito da evasão de alunos matriculados no Projovem Urbano” (p. 38).

No que compete ao principal mecanismo de controle do programa, segundo o documento, “no que se refere às responsabilidades da Secretaria Nacional da Juventude, por meio da Coordenação Nacional do Programa, é exercido pelo Sistema de Monitoramento e Avaliação” (BRASIL, 2010, p. 15). Sendo assim, optamos por construirmos um quadro categorial sobre a realidade material do Projovem Urbano, no sentido de identificar as experiências existentes do programa, sem distinção geográfica, nos diversos municípios do país. Como nos deparamos na questão da insuficiência de dados oficiais, consideramos produzir uma pesquisa bibliográfica de fontes secundárias, cuja “finalidade é

colocar o pesquisador em contato direto com tudo que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto” (MARCONI; LAKATOS, 2010, p. 166).

Nossa pesquisa teve por base o levantamento de informações na imprensa digital – jornal e sites de notícias - cujo tema principal era o Projovem Urbano. Todavia, como ressalta Gramsci (2014 p. 196), “o jornal pode defender orientações políticas, econômico-sociais ou científicas”. Assim, intentamos na direção de “fornecer a trama geral de um problema concreto – ou de um tema científico” (p. 202), para compreendermos o movimento histórico complexo, decomposto no tempo, no espaço e em seus diversos planos (GRAMSCI, 2014,

p. 200). Por essa razão, recorremos ao banco de dados da Universidade Federal Fluminense, - Faculdade de Educação – NEDDATE, no endereço eletrônico da página EJA Trabalhadores (http://www.uff.br/ejatrabalhadores/), que apresenta um acervo de notícias sobre o Projovem Integrado (2005 – 2015). Esse universo, composto por cerca de 720 reportagens, serviu de base empírica para analisarmos algumas experiências nas esferas de governo municipal e estadual. Todavia, devido ao espaço-tempo deste artigo, buscamos identificar os principais determinantes que fizeram com que o discurso do programa perdesse força no momento em que faz uma década de existência, em meio a atual crise político- econômica do país.

O Projovem Urbano chama atenção pela dimensão de sua proposta e, principalmente, de seus números, pois, “cerca de 350 mil buscaram inscrição por meio da central de atendimento telefônico nacional. Destes, mais de 120 mil vieram a se matricular efetivamente” (COSTA, 2007).

No plano das relações materiais, o Projovem se afirmava como uma política de qualificação profissional. Entretanto, “trata-se, ao que tudo indica, de tentativa do governo federal de compensar os pífios resultados obtidos até aqui por outra iniciativa voltada para a juventude, o programa Primeiro Emprego” (Folha de São Paulo, 03/02/2005).

Para o primeiro ano de funcionamento, “o Projovem acumulou uma evasão final estimada em 55%, incluindo uma parcela de 15% que jamais frequentou o Programa, apesar de matriculada” (idem). Levando em consideração os recursos públicos gastos somente na primeira entrada do programa, a previsão do orçamento, em 2005, foi da ordem “de R$ 300 milhões, para cerca de 200 mil jovens” (Correio do Povo, 01/02/2005).

A inclusão social por parte do Estado vem se configurando como uma ação política articulada aos interesses dos organismos internacionais. Para Maria Féres, ex-coordenadora do setor de educação da Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura), em Brasília, e secretária de Educação Infantil e Fundamental do Ministério da Educação, “não se trata de um programa assistencialista ou paternalista” (Correio da Paraíba, 03/02/2005).

Para o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Luiz Dulci, “os alunos que participarem do programa receberão educação acelerada, mas de altíssima qualidade” (Portal Último Segundo, 21/09/2005). De maneira que “o jovem carente, de periferia, tenha condições verdadeiras de disputar um lugar ao sol no mercado de trabalho” (idem).

Observa-se, nas informações da mídia, que o caráter ideológico das ações do Estado remete a necessidade dos intelectuais orgânicos estarem sempre se justificando para alcançar o convencimento dos dominados. Essa reprodução de valores é alcançada mediante a conformação de uma realidade invertida, na qual as dificuldades do trabalhador são representações descoladas das relações objetivas do homem com o modo de produção capitalista, ou seja, da realidade que não considera as condições sócio-históricas como produto socialmente determinado pelos meios materiais de produção e reprodução do capital.

No cenário político-econômico demarcado pela desconfiança, no qual a qualificação para o trabalho surge no discurso neoliberal como o caminho mais eficiente para galgar melhores oportunidades, um quadro de insatisfação bem representativo se manifestou no que compete à aceitação do programa na cidade de São Paulo.

Na unidade da federação mais rica do país, mesmo com a grande demanda de jovens na busca pela qualificação profissional, “o Projovem recebeu 10.701 inscrições, para preencher as 22.850 vagas disponíveis na segunda etapa de inscrições” (Portal Último Segundo, 05/05/2006). A baixa procura pelo programa reacende a discussão das individualidades regionais, pois, a metade das vagas ociosas demonstra a insatisfação com as políticas de governo, mesmo com a ajuda financeira de R$ 100,00 que não acompanha o ritmo da economia paulistana. Entretanto, o discurso do Chefe da Casa Civil do Estado do Pará busca ilustrar uma realidade invertida quanto ao valor do auxílio financeiro proporcionado pelo Estado.

Para Cláudio Puty, “o programa é uma estratégia de inclusão social (...) a população sente imediatamente os benefícios, o dinheiro no bolso e a possibilidade real de inclusão”. Segundo o político, estas ações “fogem do assistencialismo e do clientelismo”, pois, essas políticas ainda podem ter um “caráter anticíclico” criando “mais proteção em relação à crise econômica mundial, ajudando a geração de emprego e renda e a melhoria das condições de vida do povo” (SECOM, 19/02/2009).

O descaso com a aplicação da verba pública e a pouca transparência na prestação de contas também foi noticiada. Durante dois anos, o Ministério Público Federal investigou o Projovem na capital paulista. Segundo o noticiário, “não foi encontrada irregularidade, mas o procurador identificou mau uso do dinheiro público, já que boa parte da verba foi devolvida sem ter sido aplicada no programa”. Para Sérgio Suiama, procurador do Ministério Público Federal, “A prefeitura não cumpriu o programa do governo federal ao qual havia se obrigado a cumprir, não apresentou nenhuma alternativa e também não renovou o convênio que havia feito com o governo federal” (O GLOBO - SPTV, 12.06.2009).

Segundo notícias do Plenário, em Brasília, a Senadora Lúcia Vânia (PSDB- GO) cobrou desempenho mais satisfatório e maior transparência no acompanhamento do Projovem. Lançado em 2005, o programa abriu 1,4 milhão de vagas em cursos e treinamentos para os anos de 2008 e 2009, mas as informações sobre o número efetivo de jovens atendidos são escassas. A senadora “mostrou-se preocupada com o fato de que há poucos dados sobre as realizações do programa e muito mais números sobre vagas e recursos disponíveis”.

Em razão disso, a senadora cobrou "relatórios coordenados", capazes de fornecer uma visão do conjunto e não apenas das partes. Ainda, segundo Lúcia Vânia, “os dados apontam que as políticas públicas para a juventude estão falidas”, e o quadro se agrava em meio à falta de transparência do programa. A senadora afirma passar “a semana toda solicitando aos diversos ministérios a que está afeito o Projovem - Ministério do Trabalho, Ministério do Desenvolvimento Agrário e Ministério do Desenvolvimento Social - e não consegui obter dados que pudessem me dar à [sic] garantia da efetivação da execução desse programa” (SENADO FEDERAL, 24/06/2009).

O Projovem Urbano também tem sido objeto de muitas denúncias em virtude não só da má gestão e execução do programa, mas por supostos desvios de recursos em algumas cidades do Brasil (SAMUEL CELESTINO, 24/11/2010). Alunos denunciam atrasos constantes no pagamento das bolsas que auxiliam os jovens a custear as despesas do curso como, por exemplo, transporte e alimentação (UOL, 05/08/2009; O GLOBO, 25/08/2009). Problemas também foram relatados em relação à folha de pagamento dos professores em Alagoas (ALAGOAS 24 HORAS, 22/12/2009); Maranhão (PORTAL HOJE, 14/09/2010); Vale dos Sinos - RS (SINPRO-RS, 15/09/2010); MARÍLIA (DIÁRIO DE MARÍLIA,16/09/2010); Natal (ESPBR, 20/09/2010); Porto Alegre (JORNAL AVS, 07/02/2011); Piauí (PORTAL O DIA, 14/02/2011); Maranhão (JORNAL PEQUENO, 11/05/2011); Bahia (BAHIA NOTÍCIAS 11/05/2011).

O Projovem Urbano, em 2011, passou por uma auditoria e recebeu um certificado negativo do Tribunal de Contas da União (TCU). O motivo estaria nas irregularidades encontradas nos convênios e contratos assinados com os órgãos públicos e privados, referentes a recursos financeiros da ordem de R$ 878 milhões repassados aos parceiros do programa nos exercícios de 2008 a 2009. De acordo com as auditorias realizadas pelo tribunal, o programa apresenta falhas graves como baixa frequência de fiscalização, ausência de procedimentos padronizados e falta de planejamento das ações.

Também foram constatadas irregularidades graves como o pagamento a beneficiários que não se enquadram nos critérios de seleção do programa, além de pagamentos duplicados a bolsistas (180GRAUS, 27/02/2011). Para o tribunal, as falhas mais comuns às quatro modalidades do programa (Adolescente, Campo, Urbano e Trabalhador) são a baixa frequência de fiscalização, a ausência de procedimentos padronizados, a falta de planejamento das ações e a não circulação de informação entre os órgãos centrais e os estados sobre os trabalhos realizados.

Além dessas deficiências, foram detectados outros problemas na execução local do Projovem, como instalações físicas inadequadas, ausência de distribuição de lanches, despesas não comprovadas, movimentação irregular na conta específica e ausência de ajuste de valores no repasse de recursos para entidades conveniadas ou contratadas (180GRAUS, 27/02/2011).

Em 2012, o Programa reiniciou suas atividades com novas regras, mas pouco se sabe do destino das centenas de milhões de reais repassadas a estados e municípios. Considerando-se as 246 prestações de contas de estados/municípios conveniados que executaram o Projovem Urbano, referentes a 2008 e 2009, 214 não foram analisadas pelo governo federal, segundo levantamento do jornal “O Globo”, no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Esse descaso motivou a advertência do Tribunal de Contas da União, que auditou o Projovem (O GLOBO, 04/10/2011).

Além disso, os auditores descobriram que não existia controle formal de frequência dos alunos, apesar de o comparecimento ser requisito para receber o auxílio mensal de R$100,00. Por outros mecanismos, descobriu-se que a presença de jovens nas salas de aulas variava de 1% a 10%, na amostra de 14 cidades fiscalizadas (idem). Na investigação feita no convênio do Rio de Janeiro (2005), o descontrole foi flagrante. Seis anos após repassar R$53,6 milhões para o estado, a capital ainda estava inadimplente. Os dados foram enviados às pressas, mas não foram analisados, apesar das outras irregularidades encontradas. A verba foi repassada a 75 ONGs. A meta era formar 25,5 mil jovens na capital, mas só 10% dos alunos estavam diplomados no fim do segundo ano (O GLOBO, 04/10/2011).

No mesmo ano, o programa passou a ser coordenado pelo Ministério da Educação. O Projovem Urbano é reiniciado tendo suas ações administradas pela SECADI (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão) subordinada ao MEC. Entretanto, em meio à crise nacional do programa, o descrédito chega à impressionante marca de registrar interesse zero, por parte dos trabalhadores, na capital gaúcha.

O Projovem Urbano foi suspenso em todo o Rio Grande do Sul, “devido à ociosidade do fluxo de vagas”. Em Passo Fundo, “200 vagas foram disponibilizadas, mas apenas 20 pessoas se inscreveram”. A viabilidade da questão está sendo discutida pelas autoridades na capital, porém, já ficou definido que durante o ano de 2012 o programa ficará sem atividade nos municípios (DIÁRIO DA MANHÃ, 23.06.2012).

Em Pernambuco, também a procura foi baixa, segundo o Portal Terra Educação (18/12/2012), “foi difícil reunir alunos para as aulas na Escola Municipal de Tejipió, no Recife. Das 175 vagas abertas para a turma da metade do ano,

apenas 110 foram preenchidas. Hoje, cerca de 50 jovens participam das atividades”. Para a professora da escola, “a estratégia não vem sendo suficiente para motivar os alunos”. Marcelle acredita que as lições iniciais sobre mercado de trabalho não têm despertado muito interesse, pois, eles se preocupam muito com o que vai acontecer depois, e cobram o fato de que as aulas práticas ficam para o final do programa. “Nosso arco ocupacional é telemática, mas eles só vão ter noções práticas disso no final. Muitos desistem por não se sentirem estimulados” (PORTAL TERRA EDUCAÇÃO, 18/12/2012).

Portanto, a realidade material do programa se apresenta permeada de denúncias, desvios, atrasos de auxílios financeiros, problemas com a merenda escolar, entre tantas outras formas de negar ao trabalhador o direito à educação. Em face dessa década “perdida” para os trabalhadores, as implicações da (des)qualificação para o trabalho não poderiam ser diferentes, mostrando o lado perverso de uma educação subordinada aos interesses dominantes que não possibilita aos jovens e adultos trabalhadores qualquer forma de emancipação social. De modo que, passada uma década da política hegemônica, o Projovem Urbano constitui uma proposta que mais esconde do que revela uma qualificação profissional visando à emancipação humana através do trabalho.


Considerações Finais

O Programa Nacional de Inclusão de Jovens foi criado com o objetivo de oferecer a qualificação profissional aos jovens e adultos trabalhadores que se encontravam na condição do desemprego, assim, como, aqueles que não conseguiram completar seus estudos, surgindo num momento de muitas expectativas para dar uma nova identidade à educação de jovens e adultos.

Entretanto, ao investigarmos o Projovem Urbano, identificamos uma realidade marcada por formas de precarização na oferta e na formação profissional, pois a política educacional, baseada na abordagem da teoria do capital humano, resgata antigas práticas de subordinação da formação dos trabalhadores para responder ao contexto político-econômico. O Estado vem reproduzindo a força de trabalho simples necessária à reprodução do capital, fazendo da proposta de “inclusão social” mais uma “promessa integradora”.

O discurso hegemônico da educação sob o viés de uma qualificação para o “social” não mudou em nada as formas anacrônicas de outras experiências

direcionadas aos trabalhadores jovens e adultos, reafirmando sua condição subalterna na sociedade de classes. Nessa direção, o programa não tem alcançado mudanças no quadro global de redução das desigualdades sociais, reproduzindo um projeto societário altamente excludente, na qual o trabalhador deve adaptar-se as mudanças estruturais causadas pelas crises cíclicas do capital.

A proposta de qualificação profissional é uma das contradições mais significativas do programa, uma vez que o direito à educação acaba sendo subsumido através das formas mais variadas, quando nos deparamos com a falta de estrutura física dos laboratórios de informática, das oficinas dos arcos ocupacionais, a falta de professores, etc. Ao resgatamos as experiências dos sujeitos históricos do Projovem Urbano, encontramos muitos casos que comprovam o descaso dos gestores com o dinheiro público, frustrando as expectativas de alunos e profissionais da educação que atuam no programa.

O discurso do Estado acaba sendo revelador pela falta de transparência sobre a realidade material do programa, faz-se necessário um mapeamento sobre a efetividade social do Projovem Urbano, na intenção de responder à sociedade sobre o número de alunos inscritos, de alunos que concluíram o curso e daqueles que alunos que, efetivamente, conseguiram a certificação no programa. Algumas das indagações simples que precisam de respostas, por exemplo: quantos deram prosseguimento aos estudos? Quantos desses jovens e adultos trabalhadores conseguiram galgar a inserção produtiva etc.?

Nesse estudo, abordamos algumas questões importantes para a compreensão do Projovem Urbano como política de governo. Entretanto, não esgotamos a análise devido ao espaço-tempo deste artigo. Por isso, recomendamos a continuidade das pesquisas, no sentido de fomentar a produção de dados e compreender a realidade material sobre as políticas de governo e a formação dos jovens e adultos trabalhadores.


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http://samuelcelestino.com.br/noticias/noticia/2010/11/24/79452,projovem- documentos-falsos-e-desvio-de-verbas.html˃ Projovem: cancelamento por baixo índice de procura: o programa nacional de inclusão digital foi suspenso em todo o rio grande do sul, devido à ociosidade do fluxo de vagas. 23/06/2012. Disponível em: ˂ http://www.diariodamanha.com/noticias.asp?id=33648˃ Acessado em: 10 de julho e 2014.


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Recebido em: 13 de junho de 2016 Aprovado em: 02 de maio de 2017 Pubicado em: 4 de junho de 2017