A profunda crise social, econômica, institucional e ético-política que atinge o país e que se expressa, por exemplo, na intensificação de duros e perversos ataques aos direitos conquistados pela classe trabalhadora, reafirma o papel da Revista TrabalhoNecessário visando contribuir para deslindar as tensões do movimento histórico da luta de classes na atual conjuntura brasileira.
Alicerçados no materialismo histórico, especialmente na perspectiva gramsciana, compreendemos que tal cenário revela uma crise de hegemonia da classe dirigente, o que nos exige o rigor de análise para apreender as diferenças entre movimentos orgânicos e movimentos de conjuntura, bem como as relações dialéticas entre as forças sociais, políticas e militares.
No movimento histórico dos Estados democráticos contemporâneos, compreendidos como “sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de coerção” (GRAMSCI, 2012, p.248), a ação política e a vida estatal revelam uma natureza dúplice, “ferina e humana, da força e do consenso, da autoridade e da hegemonia, da violência e da civilidade”, imbricando complexas relações sociais vinculadas ao exercício do poder (GRAMSCI, 2012, p.34).
No final da década de 1970, o pensador marxista grego Nicos Poulantzas, considerando o Estado como um lugar de luta de classes, evidenciou um processo de declínio da democracia nos países capitalistas centrais, ressaltando a configuração de um “estatismo autoritário” marcado, dentre outros aspectos, por lutas populares que “conduzem a novas formas de dominação política e a novos processos de exercício do poder” sob a perspectiva de um controle social assegurado por meio de “uma regulamentação individualizada [...] de cada membro de um corpo social considerado como globalmente suspeito, potencialmente culpável” (POULANTZAS, 2000, p. 225).
Em que pesem as especificidades sociais e históricas que diferenciam o contexto evidenciado por Poulantzas do atual cenário brasileiro, consideramos fundamental observar que há mediações significativas da análise do autor com
¹DOI: https://doi.org/10.22409/tn.15i26.p9661
a dimensão do movimento de conjuntura no qual se insere a brutal repressão e violência que marcou o ato de Brasília no último dia 24 de maio de 2017: as
150 mil pessoas organizadas na luta contra as Reformas da Previdência e Trabalhista, bem como pela revogação da Lei das Terceirizações e pelo Fora Temer, foram brutalmente reprimidas pela Polícia Militar, que agiu como um verdadeiro "braço armado do Estado" com artilharias constituídas por milhares de bombas, gás de pimenta, tiros de bala de borracha e até mesmo arma de fogo com munição letal, buscando impedir, de forma agressiva, o direito à manifestação. Na sequência, como um ápice apocalíptico do dia, o presidente (golpista) Michel Temer publicou um decreto colocando as Forças Armadas nas ruas para uma suposta “Garantia de Lei e Ordem”.
Além disso, o dia 24 de maio de 2017 também ficou marcado por mais duas emblemáticas situações de repressão e violência: por um lado, os protestos na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, contra a votação do projeto de lei para aumentar a contribuição previdenciária dos servidores estaduais do Rio de Janeiro, foram contidos por um potente esquema de segurança com veículos blindados (conhecidos como caveirão) e 500 policiais fortemente armados; por outro lado, dez trabalhadores rurais no interior do Pará, no bojo de conflitos fundiários, foram brutalmente assassinados em uma ação de despejo realizada pela Polícia Militar e Civil, revelando uma verdadeira chacina.
Essas tensões que marcam a realidade concreta, no âmbito das contradições entre capital e trabalho, podem convergir tanto para a intensificação dos duros e perversos ataques protagonizados pela classe dirigente, como para o fortalecimento do movimento de luta da classe trabalhadora. Diante disso, avançar na práxis revolucionária, considerando a atual conjuntura na totalidade das relações sociais, também significa asseverar que “a existência de uma situação de crise e mesmo o aparecimento de movimentos insurrecionais de massa [...] não são condições suficientes para a constituição de um movimento revolucionário socialista”, o que nos exige enfrentar o desafio histórico de consolidar uma ação coletiva consciente e organizada, tendo em vista “uma reestruturação radical que promova a
socialização da propriedade dos meios de produção” (SAVIANI & DUARTE, 2012, p. 1-2).
Nesse sentido, o vigésimo sexto número da TrabalhoNecessário, composta por sete artigos e pela seção Memórias e Documentos, busca contribuir com essa perspectiva a partir da construção coletiva do conhecimento.
Inicialmente, o artigo A Ofensiva Conservadora-Liberal na Educação: elementos para uma análise da conjuntura contemporânea, de Bruno Gawryszewski e Vânia Motta, contribui com uma análise crítica acerca da pauta conservadora-liberal no que tange às políticas públicas da educação brasileira com foco de análise no movimento Escola sem Partido.
O segundo artigo, intitulado O BID e a agenda do capital na Rede Municipal de Educação de Florianópolis, de autoria conjunta de Allan Seki, Hellen Costa, Mariano Melgarejo e Olinda Evangelista, examina as concepções e os desdobramentos do acordo assinado entre a Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF) e o Banco Interamericano (BID) no ano de 2012, cuja finalidade é expandir a cobertura e atuar no âmbito da qualidade da educação infantil e do ensino fundamental da rede em questão.
No terceiro artigo, intitulado A Nova Configuração do Trabalho Docente na Educação Superior: o caso do curso de Pedagogia/UFJF da Universidade Aberta do Brasil, a autora Mariana Novais Vieira objetiva analisar as condições do trabalho docente no cenário de expansão da educação superior a partir da institucionalização da Universidade Aberta do Brasil (UAB), ressaltando as novas configurações que o trabalho do professor tem adquirido no âmbito da Educação à Distância (EaD).
Em seguida, o artigo A Tendência Pragmatista e o seu Caráter Instrumental: inflexões teóricas presentes na área da Educação, assinado por Giandréa Reuss Strenzel, evidencia, alicerçando-se na ontologia crítica, a ressignificação dos conceitos presentes na área da Educação, com destaque para o esvaziamento da noção de conhecimento, bem como a ênfase na experiência do indivíduo, no cotidiano e nas práticas empíricas.
O quinto artigo, sobre A Dupla Face do Trabalho Infantojuvenil: a dialética entre o princípio educativo e o trabalho explorado, é uma contribuição
de Laura Fonseca e Luciana de Oliveira, que compreende parte de uma pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul entre 2012-2014, e evidencia as concepções e as práticas sobre o trabalho infantojuvenil apresentadas por algumas famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF).
Na sequência, o artigo A Escolarização Média da Classe Trabalhadora no Brasil: desafios contemporâneos e suas raízes históricas, de Valci Melo, apresenta os avanços e desafios impostos ao Ensino Médio no Brasil a partir da investigação das atuais configurações e das raízes históricas desta etapa da educação básica, considerando tanto dados estatísticos como pesquisas bibliográficas e documentais, além da análise sobre a Lei 13.415 de 16 de fevereiro de 2017, mais recente documento legal sobre a etapa em tela.
No sétimo artigo, intitulado PROJOVEM URBANO: jovens e adultos como sujeitos históricos de um projeto societário excludente, Leandro Gaspar analisa a Educação de Jovens e Adultos no âmbito das políticas educacionais, mais precisamente o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem Urbano), tendo em vista os desdobramentos de tais políticas para a juventude brasileira.
Por fim, na seção Memórias e Documentos, Carlos Artexes Simões apresenta a versão preliminar do documento Ensino Médio Integrado: uma perspectiva abrangente na política pública nacional, que versa sobre os desafios do ensino médio bem como pretende atribuir uma significação abrangente ao Ensino Médio Integrado, de maneira a articular com a educação profissional técnica de nível médio uma possibilidade formativa para esta etapa da educação básica.
Esperamos que esse conjunto de contribuições que constitui a presente edição da TrabalhoNecessário contribua coletivamente com o fortalecimento da luta contra-hegemônica, visando, especialmente, alunos de graduação e pós- graduação, bem como pesquisadores das áreas da Educação e Ciências Humanas e Sociais.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Vol. 3. Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. São Paulo: Paz e Terra, 4ª ed., 2000.
SAVIANI, Dermeval & DUARTE, Newton (orgs.). Pedagogia histórico-crítica e luta de classes na educação escolar. Campinas, SP: Autores Associados, 2012.
Publicado em: 4 de junho de 2017