EDITORIAL¹


Seres humanos são, ao mesmo tempo, absolutamente necessários e totalmente supérfluos para o capital (Mészáros)


A chegada do mês de outubro nos trouxe uma grande perda. Não está mais entre nós o colaborador direto do filósofo húngaro György Lukács, o grande intelectual István Mészáros. Sua obra constituiu e sempre constituirá uma referência fundamental de formação para aqueles que se situam no campo da luta contra a lógica destrutiva que preside o mundo contemporâneo. Nela, esse ex-operário húngaro evidencia, com clareza, que não há soluções parciais para os problemas do nosso tempo. A reflexão sólida, original e radicalmente crítica em relação a tantas mistificações atuais constitui, sem dúvida, uma das maiores contribuições do pensamento contemporâneo à humanidade, nos últimos setenta anos.

Mészáros nos exorta, como destacam Ruy Braga e Ricardo Antunes, a tomar como horizonte da luta ao espectro da destruição do sistema do capital, a premissa de que “qualquer tentativa de superar esse sistema de metabolismo social que se restrinja à esfera institucional e parlamentar está fadada à derrota. Só um vasto movimento de massas, radical e extraparlamentar, pode ser capaz de destruir o sistema de domínio social do capital e sua lógica destrutiva” (Braga e Antunes, 2017).

Dedicando a ele, assim, uma singela homenagem e em continuidade à contribuição que pretende oferecer a seus leitores para o enfretamento do desafio e do fardo desse tempo histórico, a Revista Trabalho Necessário, publicação eletrônica do Núcleo de Estudos, Documentação e Dados Sobre Trabalho e Educação – NEDDATE, da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense – UFF, chega ao seu vigésimo sétimo número. Na foto de capa, trazemos imagens de manuscritos de György Lukács, mestre de nosso homenageado, até pouco tempo disponíveis no Arquivo György Lukács, recentemente fechado na Hungria.

A primeira contribuição à Trabalho Necessário é a do Prof. Catedrático da Universidade de Lisboa, José Barata-Moura. Trata-se da reprodução de sua


¹ DOI: https://doi.org/10.22409/tn.15i27.p9663


TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 15, Nº 27/2017

conferência de abertura do III Intercrítica, Traços do Pensar Filosófico, proferida em agosto de 2015 na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UFTPr). Nela foram apresentadas fecundas reflexões acerca do pensar enquanto ocupação do filósofo além de serem abordados aspectos da construção e das dimensões do pensar filosófico.

A seguir, a autora Iael de Souza, nos oferece importantes elementos para a reflexão acerca da problemática da diversidade cultural, tomando como principal referência o pensamento de Lukács. Ao abordar em A Ontologia da Diversidade Humana (Abortada) a Ideologia da Diversidade Cultural a importante distinção entre diversidade humana e diversidade cultural, o trabalho sublinha que “o irracionalismo pós-moderno avança e ameaça de contágio todo o universo da produção científica, desontologizando o real e o próprio ser social, desterrando a historicidade dos fatos e fenômenos sociais, a causalidade, a teleologia e as mediações inelimináveis entre as instâncias que perfazem a totalidade social (universal, particular e singular)”.

A temática da ontologia, tão cara aos filósofos acima referidos continua a ser base de reflexão, agora no artigo Bases Ontológicas da Saúde das Mulheres Negras, de Diego de Oliveira Souza e Roberta Dayanne de Oliveira Santos. A análise, pouco comum e fundamental, da saúde das mulheres negras a partir de uma perspectiva ontológica, evidencia que a “saúde é determinada socialmente, o que confere eminência às questões ‘racial’ e da mulher, porém sem autonomia absoluta ante a esfera econômica”. No artigo, os autores evidenciam que “Enfrentar as formas particulares de desigualdade social se mostra importante para a esfera da saúde e, sobretudo, para a construção dos caminhos de emancipação do ‘gênero humano’.

Com perspectiva analítica convergente com as demais contribuições, o artigo de Amanda Chayane de Oliveira Veiga e Fernando de Araújo Bizerra se apresenta particularmente pertinente quando a Reforma Trabalhista está prestes a entrar em vigor. Em Exploração, Controle e Hierarquia: o trabalho feminino da produção rígida ao toyotismo, os autores analisam a “exploração, o controle e a hierarquia a que o trabalho feminino esteve submetido durante a produção rígida e, após, no contexto do toyotismo que tende a ampliar e diversificar os mecanismos de exploração da força de trabalho, afetando

diretamente os processos, as relações e as condições de trabalho em cada região e país de forma específica”.

O artigo A Exploração do Trabalho no Pós-Fordismo: a realidade do call Center, de autoria de Paolo Caputo e traduzido por Giuseppina de Grazia, nos permite refletir acerca de uma dramática expressão atual de precarização do trabalho que atinge, em especial, as mulheres da classe trabalhadora. Analisando “a morfologia e as características do trabalho no call center e, mais genericamente, o chamado trabalho imaterial”, o autor fundamenta-se em Marx para abordar a “especificidade da natureza humana”, bem como o “conceito de força de trabalho” que constituem “’armas’ teóricas que abrem caminho para uma releitura crítica das formas de exploração no capitalismo contemporâneo” para “lançar luz sobre as condições de alienação sistemática do trabalho cognitivo na atualidade”.

A autora Andréa Vilella Mafra da Silva trata no artigo Organismos Internacionais: os discursos cepalinos e o fetiche tecnológico “das práticas discursivas da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), no campo das políticas educacionais”. Sua abordagem recupera a historicidade do fetiche da tecnologia, evidenciando que “o discurso da CEPAL pode ser considerado tanto como uma espécie de receituário quanto justificativa para divulgar avaliações e diagnósticos sobre os resultados das reformas educacionais implementadas na América Latina e Caribe”.

Encerramos este número com a contribuição de Marcio Gomes da Silva, repleta de atualidade. Em Trabalho, Educação e Produção do Conhecimento: notas conceituais sobre os fundamentos da(s) Pedagogia(s) Agroecológica(s), o autor refle sobre as formas de produção do conhecimento agroecológico, indicando “os fundamentos da pedagogia agroecológica”. Para tanto, toma em “consideração diferentes tempos/espaços de aprendizagens, seja no âmbito dos movimentos sociais, seja no âmbito das escolas do campo” e relaciona “os interstícios entre a agricultura camponesa e agroecologia, partindo do pressuposto de que na agricultura camponesa, o trabalho camponês se configura enquanto um princípio educativo, sob o qual se edificam processos de aprendizagens acerca da produção do conhecimento agroecológico”.

Com grande satisfação compartilhamos, então, o conjunto de trabalhos que integram este número da Revista Trabalho Necessário. Devemos, entretanto, assinalar que razões de ordem técnica não permitiram que o material anteriormente selecionado para compor a seção Memória e Documentos fosse incluído neste número, o que lamentamos. Informamos, entretanto, que essa será retomada no próximo número. Concluímos agradecendo imensamente aos autores e a todos que divulgam nossa Revista por diferentes meios. Não menos importante é assinalar que a Trabalho Necessário aguarda as colaborações para seus próximos números o que, como poderá ser constatado na chamada para novas contribuições, passa a abrigar, a partir de 2018, também a proposta de Dossiês. Gratas a todos, desejamos aos nossos leitores uma excelente leitura.


As Editoras.


Referências

BRAGA, Rui e Antunes, Ricardo. Istivan Mészáros e sua ardorosa defesa da humanidade. Cult digital, 02 de outubro de 2017. Disponível em https://revistacult.uol.com.br/home/istvan-meszaros-e-sua-ardorosa- defesa-da-humanidade/; acesso em 06 de outubro de 2017

MÉSZÁROS, István. Para além do capital. São Paulo, Boitempo Editorial, 2002. p. 802.


Publicado em: 5 de dezembro de 2017