A Reformado Ensino Médio

na contramão da democracia

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V.19 nº 39 / maio-ago (2021) ISSN: 1808-799 X


Universidade Federal Fluminense Faculdade de Educação

NEDDATE - NÚCLEO DE ESTUDOS, DOCUMENTAÇÃO E DADOS SOBRE TRABALHO E EDUCAÇÃO

REVISTA TRABALHO NECESSÁRIO: http://periodicos.uff.br/trabalhonecessario

Redação: R. Professor Waldemar Freitas Reis, s/n°, bloco D, sala 525, Gragoatá - São Domingos, Niterói - RJ, CEP 24210-201 - revistatrabalhonecessario@gmail.com


EDITORES

Lia Tiriba, Maria Cristina Paulo Rodrigues e José Luiz Cordeiro Antunes


CONSELHO EDITORIAL

Caridad Perez García (UCPEJV – Cuba), Celso Ferretti (UNISO - Brasil), Gaudêncio Frigotto (UFF / UERJ- Brasil), José Claudinei Lombardi (UNICAMP – Brasil), Maria Ciavatta (UFF - Brasil), Roberto Leher (UFRJ - Brasil), Tomás Rodrigues Villasante (UCM – Espanha), Sonia Maria Rummert (UFF - Brasil) e Virgínia Fontes (UFF / EPJV / Fiocruz - Brasil).


COMITÊ CIENTÍFICO

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Alexandre Maia do Bomfim (IFRJ), Ana Margarida Campello (EPSJV/FIOCRUZ), Ana Motta (UFF), André Feitosa (EPSJV/FIOCRUZ), André Martins (UFJF), Andrea Araújo Vale (UFF), Anita Handfas (UFRJ), Angela Siqueira (UFF), Angela Tamberlini (UFF), Claudio Fernandes da Costa (UFF), Célia Regina Vendramini (UFSC), Daniela Motta (UFJF), Dante Moura (IFRN), Deise Mancebo (UERJ), Domingos Leite Lima Filho (UTFPR), Dora Henrique da Costa (UFF), Doriedson do Socorro Rodrigues (UFPA), Edison Oyama (UFRR), Edson Caetano (UFMT), Eneida Oto Shiroma (UFSC), Eraldo Leme Batista (UNIVAS-MG), Eveline Algebaile (UERJ), Filippina Chinelli (EPSJV/FIOCRUZ), Flávio Anício (UFRRJ), Francisco José Lobo Neto (FIOCRUZ), Guadelupe Teresinha Bertussi (UNAM e UFSC), Hajime Nozaki (UFMS e UFJF), Henrique Tahan Novaes (UNESP), Ivo Tonet (UFAL), Jacqueline Botelho (UFF), Jaqueline Ventura (UFF), João dos Reis da Silva Jr. (UFSCar), José dos Santos Souza (UFRRJ), Júlio Cesar França Lima (FIOCRUZ), Justino de Souza Junior (UFC), Kátia Lima (UFF), Laura Souza Fonseca (UFRGS), Lea Calvão (UFF), Lígia Klein (UFPR), Luciana Requião (UFF), Marcelo Lima (UFES), Maria Clara Bueno Fischer (UFRGS), Maria Inês do Rego Monteiro Bomfim (UFF), Maria de Fátima Félix Rosar (UNICAMP), Marcia Alvarenga (UERJ), Mariléia Maria da Silva (UDESC), Marisa Brandão (CEFET-RJ), Marise Ramos (UERJ,FIOCRUZ), Marlene Ribeiro (UFRGS), Myriam Feldfeber (UBA - Argentina), Ney Luiz Teixeira Almeida (UERJ), Olinda Evangelista (UFSC), Ramon de Oliveira (UFPE), Raquel Varela (Universidade Nova de Lisboa - Portugal), Roberto Leher (UFRJ), Ronaldo Lima (UFPA), Rosilda Benacchio (UFF), Rui Canário (Universidade de Lisboa – Portugal), Sandra Maria Siqueira (UFBA), Sandra Morais (UNIRIO), Sérgio Lessa (UFAL),, Susana Vasconcellos Jimenez (UFC), Tatiana Dahmer (UFF), Valdemar Sguissardi (UFSCar), Vania Motta (UFRJ) e Zuleide Silveira (UFF).


ORGANIZAÇÃO DA TN 39 (2021)


Profª. Drª. Mônica Ribeiro da Silva – Coordenadora do Observatório do Ensino Médio da Universidade Federal do Paraná – UFPR e Prof. Dr. Ronaldo Marcos de Lima Araújo do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e Educação (GEPTE) da Universidade Federal do Pará – UFPA.


ASSISTENTES DE EDIÇÃO

Daniel Tiriba, Lândhor Borges Camello (UFF), Luiz Augusto de Oliveira Gomes (Doutorando em Educação/UFF) e William Kennedy do Amaral Souza (IFRO)


BOLSISTAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

Maria Clara Victorino (Serviço Social) e Emanoella Moreira Costa (Serviço Social)


FOTO DA CAPA

Ocupação, de Giorgia Prates, 2016


MONTAGEM DA CAPA

Daniel Tiriba

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V.19 nº 39 / maio-ago (2021) ISSN: 1808-799 X


Indexado por / Indexed by


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Apoio:


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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá/SDC/UFF Bibliotecária:

Mahira de Souza Prado CRB-7/6146


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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


Editorial


NA MINHA TERRA GIRA O SOL, TAMBÉM GIRA A LUA: Ô, QUE TEMPO É ESSE, MEU DEUS?1


Car@s leitor@s


No momento em que este editorial está sendo escrito, quase quinhentos mil brasileiros/as negros/as, indígenas, brancos, quase-brancos (como diria Caetano), quilombolas, ribeirinhos/as, mulheres, de mil e uma cores, com seus sonhos e desejos pulsantes, tiveram suas vidas ameaçadas e ceifadas. Pela covid-19, e também pela impossibilidade de atendimento para inúmeras outras doenças, consequência do descaso com a saúde pública e com o SUS.

Mas se nosso povo adoece e morre por irresponsabilidade dos setores dirigentes, também canta, dança, ri, chora, e luta incessantemente. Por isso, neste editorial resolvemos começar com um título que traz uma grande interrogação de uma cantiga tirada nas kizombas (festas) de louvação e cantorias das tradições das etnias Bantu2.

Essa é uma cantiga que louva esse velho ermitão (o tempo, ou Kitembo), tão antigo e sábio quanto o universo, apresentando-o também como a grande interrogação filosófica que nos acompanha historicamente. E que, com todas as suas (e nossas) artimanhas, nos faz refletir sobre todas as coisas da vida. Que sem linearidade, nos interroga e busca dar um sentido e entender o passado, o presente e o que desejamos para o futuro de nossas vidas e para o planeta que habitamos.


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1 Editorial recebido em 21/05/2021. Aprovado pelos editores em 24/05/2021. Publicado em 27/05/2021. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.50126.

2 Kitembo ou Tempo é um Nkise (um dos Deuses), na matriz congo-angola. Kitembo é junção do ambiente natural (elementos e fenômenos da natureza) e espaço social (relação social dos homens com a natureza e com outros homens). Desta forma é que podemos pensar na complexidade que há entre Kitembo-Seres Humanos, em uma determinada cosmogonia ou modo de conceber-pensar-fazer- sentir os modos de vida ou os modos de existir.

Nesse sentido, a cantiga nos instiga a buscar resposta para os fenômenos naturais e sociais que nos acompanham em nossa relação homem-natureza-espaço social. Em uma perspectiva histórico-dialética, Kitembo pode ser entendido como as categorias: movimento, reprodução, universalidade, singularidade, pluralidade, contradição e mediação. E com a cantiga nos perguntamos o que precisamos pensar para podermos agir.

Como nos relacionamos com a natureza? Como organizamos o espaço social em suas várias dimensões: tempo histórico, tempo político, tempo de bonança, tempo de madurez, tempo de intempéries, tempo de crises, tempo de saber escutar, tempo de buscar fontes confiáveis, tempo de afeto? O tempo nos constitui, como também, dialeticamente, o constituímos. E como todas as suas dimensões interferem em nossa vida e na vida do planeta Terra, e porque não dizer, no universo em si, o tempo pode nos trazer também a sabedoria necessária para uma intervenção consistente.

Com estas questões em mente, é que trazemos para esse editorial um tom de conversa séria, reafirmando que todas as vidas importam e que não aceitamos mais perdê-las pela irresponsabilidade (genocida) do presidente do país no “enfrentamento”(?) à pandemia; pela violência policial – que acaba de efetuar uma chacina que deixou como saldo 28 mortos na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro; pelos ataques constantes e sistemáticos às pessoas negras, pobres, lgbts – mais uma parlamentar do PSOL acaba de deixar o país por conta de ameaças à sua vida –, não incluídas no grupo de “cidadãos de bem”.

No que se refere à Pandemia da Covid-19, os especialistas já apontam para uma terceira cepa/variante, no ano de 2021. E entre maio e junho, poderemos ter um aumento ainda maior de mortes, considerando o inverno que se avizinha e caso a Vacina para Todos/as não esteja garantida. Muitos estão jogando “à brinca”, sejam os setores dirigentes ou aqueles guiados pelo genocida e seus asseclas, sem uso de máscara ou proteção alguma, fazendo apologia da cloroquina e ivermectina, e participando de aglomerações diversas.

Além disso, todos os campos das políticas públicas, principalmente as sociais, estão sendo devastados. Entre 2016 (Governo Temer) e 2020 (Governo de Jair Bolsonaro), as contrarreformas – do Trabalho e da Previdência -, mais as Medidas

Provisórias (927 e 936)3 criadas para o “enfrentamento” (?) da pandemia penalizam ainda mais intensamente a classe trabalhadora, que, no cenário atual, pode ser considerada o maior grupo de risco – pelo aumento do desemprego, ou por arriscar- se à contaminação (e morte) em busca de sobrevivência. Estudo do Dieese sobre desligamentos por morte4, no período entre o primeiro trimestre de 2020 e 2021, indica um crescimento de 71,6%. No caso dos profissionais de saúde esse crescimento foi de 204% e na educação, de 106,7%. Isso, para citar apenas dois segmentos da classe trabalhadora brasileira. Como se não bastasse, há ainda a Reforma Administrativa, que ameaça especialmente o serviço e os servidores públicos.

No campo da educação, as Reformas em todos os seus níveis e modalidades5, principalmente a Reforma do Ensino Médio; a BNCC – Base Nacional Curricular Comum e a BNCF – Base Nacional Comum da Formação Docente; a Política Nacional dos Livros Didáticos e a Política Nacional de Alfabetização, que entendem a formação de crianças, dos jovens estudantes e dos trabalhadores da educação como mero executores do projeto do capital, representam um grande retrocesso, pois aquilo que é considerado um bem comum pode ser destruído.

A estupidez é tão grande, que mesmo para o campo da economia, cujos governistas insistem em dizer que não pode parar (afirmando uma absurda oposição entre economia e vida), se não há saúde, formação dos jovens trabalhadores e geração de emprego, nosso país poderá cair para a 21ª colocação no ranking mundial, em 2021, segundo o FMI, ou seja, podemos voltar a ser colônia periférica do capitalismo internacional.

Outro elemento fundamental para o reconhecimento de onde estamos imersos, diz respeito ao tratamento que vem sendo dado às Ciências e Tecnologias no país. As universidades e Institutos de Pesquisa continuam tendo cortes em seu orçamento, que impedem que desenvolvam a função social para a qual foram criadas. Instituições como a UFRJ, a UFF e outras Instituições de Ensino Superior já publicizaram que a partir de julho/2021 não terão condições de funcionar com todas as suas atividades.


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3Sobre as medidas provisórias, ver: https://www2.camara.leg.br/atividade- legislativa/legislacao/mpemdia.

4DIEESE. Boletim Emprego em Pauta. Disponível em: https://www.dieese.org.br/boletimempregoempauta/2021/boletimEmpregoEmPauta18.html

5Ver Nota de Repúdio às Novas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Profissional e Tecnológica (DCNEPT - Resolução CNE/CP n° 01/2021), de 20/01/2021, assinada por várias instituições do campo educativo e publicada na aba Notícias da Revista Trabalho Necessário em 2021.

O conhecimento científico entendido como mercadoria, a existência de periódicos predatórios, a utilização de métricas comerciais internacionais para avaliação dos periódicos científicos brasileiros e a relação dos periódicos articulados às avaliações dos PPGs – Programas de Pós-graduação dos diferentes campos do conhecimento vêm sendo atingidos. Sem querer profetizar, é importante dizer que os periódicos das Áreas de Humanidades e das Ciências Sociais podem ter a sua qualidade ameaçada, com uma competitividade e o individualismo (pesquisadores de produtividades) que crescerá mais, se continuarmos trabalhando com os indicadores internacionais6.

Além disso, as constantes mudanças na CAPES, como agência de fomento para a formação de novos quadros de pesquisadores e formação continuada para tantos outros, com mudanças constantes na equipe de gestão e os fortes cortes no orçamento, ameaçam a construção do conhecimento científico. Para as Universidades e Institutos de Pesquisa, o governo tem sido mais perigoso que o vírus da Covid.

Na pecha de causadores dos problemas do Estado Brasileiro, os servidores públicos diversos são colocados como culpados do fracasso e nisso, chega a ser um senso comum para os cidadãos. O que é bom é aquilo que só pode ser oferecido pela iniciativa privada, na fala de muitos. Esquecem os cidadãos/ãs que serão poucos os que terão acesso àquilo que faz parte da produção social da existência humana – um bem comum para todos/as.

E diante de todos esses ataques, a quem recorrer para lutar e garantir a esperança, tão necessária, como diria Paulo Freire? O “que fazer”, quando tudo está de “patas arriba” (Galeano, 1998)?7.

A curto prazo, é fundamental que pensemos em ações conjuntas para exterminar o que temos experimentado de violência/exploração/opressão em nossa vida social. Ações que atuem como uma frente ampla, reunindo as forças sociais comprometidas com a justiça, a democracia e a igualdade.


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6 Ver Manifesto do GT 09 - "Trabalho e Educação" Da ANPEd - Por uma avaliação de periódicos pautada nos interesses soberanos da maioria da população brasileira, de 08/12/2020, publicada na aba Notícias da Revista Trabalho Necessário, dezembro/2020.

7 GALEANO, Eduardo. Patas arriba: la escuela del mundo al revés. Buenos Aires – Argentina: Calálogos S.R.L, 1998.

Para qualquer ação ou frente, e suas possíveis alianças, precisamos nos fazer algumas perguntas ou as mesmas, que na época, no início do Século XX, Lênin8 abordava de forma prática, para se alcançar a revolução – o que, de resto, está longe da realidade brasileira atual. São estas as questões: 1) o conteúdo da ação política do movimento; 2) a organização desta ação e 3) a construção de uma organização de combate.

No caso brasileiro, como pensar nessas três formas de ação política? Como construí-las na prática, se não analisamos profundamente as diferenças, as pluralidades, os objetivos e seus princípios?

Só é possível pensar na construção de uma frente ampla, se for pensado que projeto de sociedade queremos construir junto com os brasileiros e brasileiras para transformar as relações perversas que ceifam as vidas. Mas não seremos nós (a universidade e as instituições educativas de diferentes níveis e modalidades de ensino e seus trabalhadores) que sozinhos vamos resolver essa questão, que é histórica. Mas, sem dúvida, podemos contribuir para que continuemos a refletir sobre o poço ou fosso em que estamos imersos, para a ampliação das consciências de brasileiros e brasileiras, uma vez que os fatos estão postos, mas não dados definitivamente, como sinalizou Milton Santos (1997)9.

E como os fatos não estão dados em definitivo, também a discussão não para por aqui. Que as reflexões reunidas na TN 39 – A Reforma do Ensino Médio na contramão da Democracia, possam contribuir para o estabelecimento de uma agenda para a luta necessária.

Se cuidem! Vacinas para todes! Boa leitura e reflexão.

Em memória de Elza Dely (UFF-ADUFF-ANDES/Sind Nacional), Ubiratan D’Ambrósio (UNICAMP), Margarete Martins (SEPE – Niterói-RJ).


17 de Maio (Outono) de 2021. José Luiz Cordeiro Antunes, Maria Cristina Paulo Rodrigues, e Lia Tiriba

Editores da Revista Trabalho Necessário


8 LÊNIN, Vladimir Ilitch. O que fazer?, tradução: Edições Avante!, Paula Vaz de Almeida, São Paulo: Editora Boitempo, 2020; um clássico da teoria política, que mesmo escrito no início do século XX (1901- 1902), a relevância de sua análise, com as devidas proporções, a obra nos faz refletir sobre nossas questões contemporâneas e as respostas que precisam ser dadas.

9 SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem. São Paulo: Editora Hucitec, 4ª edição, 1997.


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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


Apresentação


EDUCAÇÃO NA CONTRAMÃO DA DEMOCRACIA - A REFORMA DO ENSINO MÉDIO NO BRASIL1


Monica Ribeiro da Silva2 Ronaldo Marcos de Lima Araújo3


No dia 22 de setembro de 2016, o então presidente Michel Temer encaminhou ao Congresso Nacional uma Medida Provisória, a MP 746/16, que dá início ao que passamos a chamar de reforma do ensino médio. Dentre as proposições estavam a divisão dos currículos em dois momentos distintos, um destinado à formação básica comum e outro subdividido em cinco itinerários formativos, dos quais cada estudante cursaria apenas um. Estava também definida a ampliação da carga horária da etapa para 1.400 horas anuais, a vinculação dos currículos ao documento ainda não existente de Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a possibilidade de realização de parcerias com o setor privado com vistas à oferta do itinerário da formação técnica e profissional, a obrigatoriedade de apenas duas disciplinas – Língua Portuguesa e Matemática, dentre outras.

Logo após a publicação da MP 746/16 o país assistiu a um verdadeiro levante da juventude, que passou a ocupar suas escolas. A contrariedade desses jovens estivera assentada, principalmente, em três pontos: a revogação tácita da obrigatoriedade do ensino de Filosofia e Sociologia, a introdução do artifício do “notório saber”, por meio do qual pessoas sem qualificação prévia poderiam se tornar docentes nos cursos de formação técnica e profissional e a indignação com o ato em si, de iniciar uma reforma educacional por meio de um ato autoritário.


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1 Apresentação recebida em 22/05/21. Aprovada pelos editores em 23/05/21. Publicada em 27/05/21. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.50143

2 Doutora em Educação pela PUC SP. Professora na Universidade Federal do Paraná. Pesquisadora 1D do CNPq. Coordenadora da Rede Nacional EMPESQUISA. E-mail: monicars@ufpr.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1079110450785932 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1729-8742

3 Doutor em Educação pela UFMG. Professor da UFPA. Pesquisador 1D do CNPq. E-mail: rlima@ufpa.br. Lattes: https://lattes.cnpq.br ORCID: 0000-0002-5982-793X

A acelerada tramitação da MP 746/16 no Congresso Nacional, de cerca de quatro meses, foi eivada de críticas e manifestos por inúmeras entidades científicas, dentre elas a ANPEd, a ANFOPE e o FORUMDIR. Também como ato de resistência, foi criado o Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio.

Foram 11 audiências públicas que ocorreram entre os meses de outubro/16 e fevereiro/17. Ao fim, o que se viu pela conversão da MP na Lei 13.415/17 foi não apenas a aprovação do que constava na proposta original, como a inclusão de outros dispositivos que corroboram com a interpretação de que essa reforma comporta sérios prejuízos formativos à juventude brasileira. A reforma em andamento tem como determinação a ampliação da carga horária total da etapa de 2.400 horas para 3 mil horas, a vinculação obrigatória ao documento de BNCC, a indução a parcerias com o setor privado para viabilizar a oferta do itinerário de formação técnica e profissional e, também, do percentual da carga horária que poderá ser ofertado na modalidade a distância.

Ao ser incluída na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/16), a reforma deixou a cargo dos entes federados que ofertam o ensino médio realizarem as adequações necessárias. Dentre os dispositivos que necessitam de normatização estadual citamos: a carga horária destinada à formação básica comum, que não poderá exceder a 1.800 horas; a proposta curricular do “Novo Ensino Médio” tendo por referência a BNCC; os critérios e processos destinados a conferir “notório saber” para a docência; e a realização de parcerias.

Passados mais de quatro anos da publicação da medida provisória, o cenário da implementação da reforma indica claramente um conjunto de retrocessos e de perdas de direitos, sobretudo quando analisamos as experiências das chamadas escolas-piloto criadas por meio de indução ao “Novo Ensino Médio”. Foram 20 as unidades da federação que aderiram ao Programa criado pela Portaria 649/18. As primeiras iniciativas da reforma indicam semelhanças entre as diferentes redes estaduais, dentre elas a diminuição da carga horária de disciplinas, sobretudo Filosofia e Sociologia, e a inclusão de temas como empreendedorismo, educação financeira e projeto de vida, além da realização de parcerias com fundações e associações do terceiro setor como Instituto Unibanco, Instituto de Corresponsabilidade pela Educação e Instituto Ayrton Senna.

Define a Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, que altera a LDB e implementa a reforma do ensino médio em curso, em seu artigo 12, que:


Art. 12. Os sistemas de ensino deverão estabelecer cronograma de implementação das alterações na Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996 , conforme os arts. 2º, 3º e 4º desta Lei, no primeiro ano letivo subsequente à data de publicação da Base Nacional Comum Curricular, e iniciar o processo de implementação, conforme o referido cronograma, a partir do segundo ano letivo subsequente à data de homologação da Base Nacional Comum Curricular.


A aprovação da BNCC se deu por meio da Resolução Nº 4, de 17 de dezembro de 2018, do Conselho Nacional de Educação, que instituiu a Base Nacional Comum Curricular na Etapa do Ensino Médio (BNCC-EM). Nela estão consolidadas as orientações legais de caráter nacional que regulamentam a reforma do ensino médio. Compõem esse arcabouço também as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, aprovadas por meio da Resolução Nº 3, de 21 de novembro de 2018.

Cabe, portanto, às unidades da Federação fazer as opções quanto às possíveis tomadas de decisão no que se refere à reforma, em particular no que se refere à organização dos itinerários formativos colocados como possíveis.

Este número da revista Trabalho Necessário busca sistematizar as primeiras ações dos estados brasileiros no que tange à implementação da reforma, publicando artigos que, sob uma perspectiva crítica e emancipadora, tratassem desse processo de implementação nos estados, seus princípios, processos de gestão da reforma, continuidades e descontinuidades nos desenhos curriculares, participação e percepção da comunidade, bem como seus possíveis impactos.

A TN traz uma variedade de materiais (artigos, documentos históricos, entrevistas, resumos de dissertação e tese e resenhas) focados na temática proposta. Abre a Seção Artigos o trabalho Educación técnica y profesional en Cuba: desafíos del socialismo, de Caridad Pérez García, Jesús Jorge Pérez García e Ismael de Jesús Rodríguez Milían, que pode ser entendido como um contraponto ao conteúdo da reforma em curso no Brasil já que, ao abordar a organização da educação profissional cubana, revela a opção daquele país por articular a formação de trabalhadores considerando as novas exigências do mundo do trabalho mas também, e prioritariamente, a necessidade de formar cidadãos melhores, preparados para a vida.

Sobre a realidade brasileira, o presente número traz cinco artigos da reforma em implementação e quatro artigos da reforma pensada. Os primeiros cinco artigos tratam do movimento de implementação da reforma em diferentes estados brasileiros: Espírito Santo, Santa Catarina, Pernambuco, Pará e Rio de Janeiro.

O artigo de Ana Paula Félix de Carvalho Silva, Eliza Bartolozzi Ferreira e Kefren Calegari dos Santos, intitulado O “Novo Ensino Médio” no Espírito Santo, analisa os diferentes instrumentos normativos que orientam a organização do “novo ensino médio” naquele estado. Nele, os autores procuram identificar as percepções dos trabalhadores docentes a partir de uma enquete aplicada com 263 professores. Entre outras coisas, verificaram o desconhecimento desses sujeitos sobre a organização desse “novo ensino médio”.

O artigo que trata da reforma em Santa Catarina, intitulado A Reforma do Ensino Médio em Santa Catarina: um percurso atravessado pelos interesses do empresariado, de Filomena Lucia Gossler Rodrigues da Silva, Tatiane Aparecida Martini e Tamiris Possamai, identifica como principal interlocutor da Secretaria Estadual de Educação na sua implementação o empresariado, que quer determinar a formação dos estudantes bem como a formação e o trabalho dos professores.

Já no artigo Reforma do Ensino Médio em Pernambuco: a nova face da modernização-conservadora neoliberal, Jamerson Antônio de Almeida da Silva analisa a implementação da reforma do ensino médio na rede de ensino de Pernambuco, buscando identificar as consequências para a escolarização no âmbito do ensino médio. Nele, o pesquisador verifica que a reforma expressa uma etapa da modernização conservadora neoliberal, gestada por meio de mudanças moleculares dirigidas por diferentes governos, desde a década de 1990, dando nova forma institucional a um modelo de oferta baseado no paradigma das aprendizagens flexíveis.

No artigo A regulamentação e as primeiras ações de implementação da Reforma do Ensino Médio pela lei nº 13.415/2017 no Pará, as autoras Alice Raquel Maia Negrão e Dinair Leal da Hora analisam a regulamentação e as primeiras ações de implementação da reforma do ensino médio no estado do Pará. Por meio de pesquisa documental, identificam uma atuação conjunta da Secretaria e do Conselho Estadual de Educação, mas que não apresentam efetivas mudanças capazes de

alterar a realidade do ensino médio paraense, oferecendo condições para a melhoria da qualidade dessa etapa da Educação Básica.

Ao tratar da implementação da reforma do ensino médio no estado do Rio de Janeiro, Natália Silva Pereira, no artigo A Reforma do Ensino Médio e a Formação da Classe Trabalhadora no Rio de Janeiro, demonstra que a direção apontada pela reforma já vinha sendo tomada há pelo menos 10 anos, na rede estadual do Rio de Janeiro, com grande participação de instituições vinculadas às classes dominantes e sem o diálogo com os profissionais da educação.

Os artigos em tela revelam, entre outras coisas, que a implementação da reforma nos estados é feita sem o diálogo com os docentes ou os estudantes, sendo seus interlocutores principais as representações empresariais que acabam por dar uma conotação conservadora às propostas em processo de implementação, ausentes de elementos capazes de promover a inovação e a qualificação dessa etapa da educação básica nos estados estudados.

Em sequência, o número da TN traz quatro artigos que tratam do conteúdo da reforma pensada. No artigo de Dante Henrique Moura e Elizeu Costacurta Benachio, intitulado Reforma do Ensino Médio: subordinação da formação da classe trabalhadora ao mercado de trabalho periférico, os autores analisam a proposta de nova organização curricular para o ensino médio e apontam que a reforma tende a promover um processo de fragmentação deste nível de ensino e a fragilização da etapa final da educação básica, afetando o direito a uma educação plena para os estudantes e alinhando as finalidades do ensino médio aos interesses produtivos do mercado de trabalho.

No artigo O Banco Mundial e a Reforma do Ensino Médio no governo Temer: uma análise das orientações e do financiamento externo, Márcia Fornari e Roberto Antonio Deitos analisam as políticas de financiamento da reforma, em particular, as condicionalidades expressas no contrato de empréstimo do Ministério da Educação com o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD)/Banco Mundial (BM). Os autores identificaram que o acordo de empréstimo toma o ensino médio como uma mercadoria, ao passo que o valor emprestado para implantação da reforma entra num processo de financeirização que amplia o volume da dívida brasileira e a especulação financeira. Constatam ainda que a reforma do ensino médio

atende à lógica do sistema capitalista e não às expectativas da classe trabalhadora no que diz respeito à melhoria da qualidade da oferta da educação.

No artigo Tempo Político, Novo Ensino Médio e Conhecimento, de Henrique da Silva Lourenço, o autor foca no lugar do conhecimento na proposta do “Novo Ensino Médio”. Por meio de Análise de Conteúdo em documentos da Fundação Lemann e CONSED e outros, revela a tendência à instrumentalização do currículo e ao esvaziamento de sua dimensão processual, bem como uma hipervalorização da prática como elemento curricular.

Heloise Paula Costa e Vagno Emygdio Machado Dias, no artigo A Profissionalização Generalizada na Reforma do Ensino Médio, discutem a concepção de educação profissional na reforma do ensino médio, no intuito de compreender o sentido da inserção da profissionalização no currículo do ensino médio regular. Para os autores, a profissionalização generalizada tem suas raízes em uma concepção restrita de profissionalização, que vem sendo expandida para todo o sistema de ensino, identificada como uma pedagogia da acumulação flexível.

Os artigos publicados revelam, principalmente, o caráter conservador e antidemocrático da reforma. Demonstram, com base principalmente em pesquisas documentais e bibliográficas, que, do ponto de vista pedagógico, a tendência da reforma é conduzir à fragmentação e à fragilização do ensino médio, à instrumentalização do currículo e ao esvaziamento de sua dimensão processual, bem como à hipervalorização da prática como elemento curricular e, considerando a profissionalização projetada, uma conformidade com uma pedagogia da acumulação flexível. Do ponto de vista do financiamento, revela que a reforma tende a fortalecer a ideia do ensino médio não como direito público, mas como uma mercadoria a ser comprada e vendida no mercado educacional.

Não especificamente sobre a Reforma do Ensino Médio, mas tendo também a precarização do trabalho na Educação Básica como eixo, o texto de Beatriz Garcia Sanchez e Selma Venco, intitulado A Precariedade em cascata: o provimento do cargo dos supervisores de Ensino no estado de São Paulo, analisa criticamente as formas de provimento do cargo de supervisor de ensino adotadas pelo governo paulista.

Na Seção Entrevista, a TN traz o diálogo dos organizadores dessa edição com o Professor Luis Antonio Groppo acerca das ocupações secundaristas no Brasil, em

2015 e 2016. Nela, o entrevistado explica que essas ocupações se iniciaram no estado do Paraná em resistência à reforma do ensino médio implementada por meio da Medida Provisória 746/2016, editada pelo Governo de Michel Temer um mês após o golpe dado no Governo de Dilma Rousseff. Na entrevista, Groppo faz um convite aos leitores para que se mantenham atentos para ouvir o que realmente diziam e dizem os jovens chamados de “ocupas”.

Esse é um número especial da TN, entre outras coisas, porque traz alguns documentos históricos importantes para todo estudioso do ensino médio do Brasil. A sua leitura revela que a reforma aqui tratada tem um “olhar no passado”, estando longe de se caracterizar como um “novo ensino médio”, como quer denominá-la os documentos oficiais e o discurso empresarial, seu principal interlocutor.

Na seção Clássicos, em entrevista publicada pela Revista Bimestre sob o título O nó do ensino de 2º grau, editada pelo MEC/INEP/CENAFOR, em 1986, Dermeval Saviani, um dos maiores intelectuais brasileiros, criticava a fragmentação do então 2º Grau. Apontava a dualidade educacional como principal problema da educação brasileira e indicava a Politecnia como ideia de referência para se pensar essa etapa da educação nacional. Esse texto é contextualizado e interpretado por Marise Ramos no artigo Do “nó do 2º. grau” ao ultraconservadorismo da atual política de Ensino Médio no Brasil: atualidade e urgência do pensamento de Dermeval Saviani. Nele, Marise recupera didaticamente algumas das ideias defendidas por Saviani sobre o conceito de trabalho e sua relação com a educação escolar; a relação entre o trabalho e os conhecimentos científicos objetos da educação escolar; a especificidade da relação entre trabalho e educação escolar em diferentes etapas ou níveis de ensino; a experiência concreta de trabalho de estudantes como ponto de partida do ato pedagógico; o conceito de politecnia; a universalização da escola unitária; a relação teoria-prática; os desafios da proposta e os limites da legislação educacional. Para a autora, esta entrevista revela a atualidade e a urgência da defesa intransigente da Politecnia frente aos processos de fragmentação e desqualificação do ensino médio.

Ainda nessa seção, uma matéria publicada em agosto de 1989 na Revista Sala de Aula da Fundação Victor Civita, no período inicial dos debates em torno da construção da nova LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – que veio a ser finalizada e publicada em 1996. Sob o título “Essa tal da politecnia”, a matéria identifica “um grupo de educadores que quer revolucionar o ensino no país” e

apresenta “os novos politécnicos” Dermeval Saviani, Lucília Machado, Gaudêncio Frigotto e Acácia Kuenzer, que explicam essa e outras ideias tal como a Escola Unitária. Nessa matéria também são recuperadas as primeiras experiências da Escola Politécnica Joaquim Venâncio, da Fiocruz, fundada em 1985, e que assumiu a Politecnia como a sua referência pedagógica principal.

Ainda versando sobre a reforma do ensino médio em curso, encontramos na Seção Teses e Dissertações, o resumo expandido da dissertação de mestrado de Anderson Pereira Evangelista, intitulada A política de educação em tempo integral no ensino médio do estado do Acre e a atuação de institutos ligados ao setor empresarial, defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Acre, em 2020. Traz também o resumo expandido da tese de doutorado A distopia do mérito: desigualdades escolares no ensino médio brasileiro analisadas a partir do ENEM, de Cássio José de Oliveira Silva, defendida em 2019 na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas.

Enriquecendo a temática em questão, a revista TN traz duas Resenhas de livros que tratam da reforma do ensino médio e da proposta de ensino médio integrado. O livro Ensino Médio Brasileiro: dualidade, diferenciação escolar e reprodução das desigualdades sociais, de autoria de Ronaldo Marcos de Lima Araújo, ganha a resenha de Sandy Caroline Seabra Coelho e Cristiane Lopes de Sousa, intitulada “A Reforma do Ensino Médio Brasileiro: marcas de um passado presente. Já o livro Oficina de Integração: vivências de sala de aula no Ensino Médio Integrado, de Adriano Larentes da Silva, é resenhado por Arthur Rezende da Silva no texto “Materialização do ensino médio integrado à educação profissional e tecnológica: é possível?!.

Fecha esse número da TN a Seção Memória e Documentos, na qual é publicada a Exposição de Motivos de 1º. de abril de 1942 (BRASIL, 1942), que antecede a Lei n. 4244 de 9 de abril de 1942 (Lei Orgânica do Ensino Secundário), assinada pelo Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, dirigindo-se ao Presidente Getúlio Vargas. O documento é fruto da visão dualista de Gustavo Capanema, que via a escola secundária e a universidade como “núcleo do sistema formador das elites condutoras da nação” e as escolas de formação do trabalhador com a finalidade de “inculcar nas massas os verdadeiros valores nacionais (o espírito

brasileiro) de forma a que estas acatassem a legítima autoridade dos líderes nacionais”4.

Sobre esse documento Maria Ciavatta escreve um texto, A Exposição de Motivos da Lei no. 4.244 de 9 de abril de 1942: Gustavo Capanema - Ministro da Educação e Saúde, no qual explica que, apesar de o contexto da época da Reforma Capanema ser bastante diferente e não recomendar uma comparação geral com a Legislação da Reforma do Ensino Médio em curso (ver documento sobre Medida Provisória nº 746, de 2016; e Exposição de Motivos apresentada pelo Ministro da Educação José Mendonça Bezerra Filho, sobre a Reforma do Ensino Médio) é possível verificar aproximações em alguns aspectos específicos e é sobre esses que ela se detém, à vista do texto original da Exposição de Motivos.

Dessa apresentação esperamos ter conseguido dar uma mostra aos leitores e às leitoras da TN quanto à pertinência e necessidade de estudos e pesquisas como os que aqui agrupamos. As reformas educacionais, mesmo as mais autoritárias, produzem efeitos sobre as escolas e sobre seus sujeitos. Quais os direitos que estão sendo subtraídos? Que discursos e práticas estarão emergindo? Considerando a distância entre as políticas pensadas e as políticas realizadas, é necessário também saber como as redes e instituições de ensino estão respondendo às induções feitas pelos agentes de governo. Esperamos ter conseguido reunir neste número temático informações, reflexões e análises que sintetizam o momento atual da reforma do ensino médio, e que, além disso, sejam suficientemente provocativas para dar início ou contribuir com a continuidade de muitas outras pesquisas.

Boa leitura!


Mês de maio do ano pandêmico de 2021.


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4 MENDONÇA, Ana Waleska Pollo Campos. Aprendendo com a História. In: Pará - SEDUC. Ensino Médio Integrado no Pará como Política Pública. Belém: Seduc. 2009.


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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


EDUCACIÓN TÉCNICA Y PROFESIONAL EN CUBA: DESAFÍOS DEL SOCIALISMO1


Caridad Pérez García2 Jesús Jorge Pérez García3

Ismael de Jesús Rodríguez Milían4

Resumen

El trabajo tiene como objetivo caracterizar los rasgos significativos de la Educación Técnica y Profesional (ETP) actual en Cuba, desde sus antecedentes. Se utilizaron referentes teóricos y empíricos que permitieron el análisis de resultados recientes de investigaciones realizadas en el país. Se constató el estado que presentan las instituciones de la ETP en su desarrollo, así como las necesidades de su perfeccionamiento. Los resultados incluyen propuestas concretas para lograr una calidad superior en los procesos inherentes a la formación de trabajadores, de acuerdo con las nuevas exigencias del mundo del trabajo de la educación socialista.

Palabras Claves: Educación Técnica y Profesional; formación de trabajadores; Cuba.


EDUCAÇÃO TÉCNICA E PROFISSIONAL EM CUBA: DESAFIOS DO SOCIALISMO


Resumo

O trabalho visa caracterizar os traços significativos da atual Educação Técnico-Profissional (ETP) em Cuba, a partir de seus antecedentes. Utilizaram-se referenciais teóricos e empíricos que permitiram analisar resultados recentes de pesquisas realizadas no país. Foi verificado o estado das instituições de ETP no seu desenvolvimento, bem como as necessidades para o seu aperfeiçoamento. Os resultados incluem propostas concretas para a obtenção de uma qualidade superior nos processos inerentes à formação dos trabalhadores, de acordo com as novas exigências do mundo do trabalho da educação socialista.

Palavras Chave: Educação Técnica e Profissional; formação de trabalhadores; Cuba.


TECHNICAL AND PROFESSIONAL EDUCATION IN CUBA: CHALLENGES OF SOCIALISM


Abstract

The work aims to characterize the significant features of the current Technical and Professional Education (ETP) in Cuba, from its antecedents. Theoretical and empirical references were used that allowed the analysis of recent results of research carried out in the country. The state of the ETP institutions in their development was verified, as well as the needs for their improvement. The results include concrete proposals to achieve a superior quality in the processes inherent to the training of workers, in accordance with the new demands of the world of work of socialist education.

Key Words: Technical and Professional Education; training of workers; Cuba.


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1 Artigo recebido em 25/03/2021. Primeira avaliação em 05/04/2021. Segunda avaliação em 05/04/2021. Aprovado em 12/04/2021. Publicado em 27/05/2021.

DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.49417.

2 Doctora en Ciencias Pedagógicas por el I.S.P. Vladimir I. Lenin de Moscú. Profesora Titular de Educación en la Universidad de Ciencias Pedagógicas “Enrique José Varona”. Ciudad de La Habana, Cuba.

E-mail: caridadperezg45@gmail.com; ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6496-7929.

3 Doctor en Ciencias Pedagógicas por el Instituto Central de Ciencias Pedagógicas (ICCP). Cuba. Actualmente trabaja en el Núcleo NEAd, Dpto. Educación de la Universidad PUC-RJ.Br.

E-mail: jerjor2014@gmail.com; ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3691-8262. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4393462117070720

4 Doctor en Ciencias Económicas, por el I.E.N. Ymckarotchenko. Kiev Ucrania. Profesor de Economía en la Facultad en Educación de Ciencias Técnicas. Universidad de Ciencias Pedagógicas “Enrique José Varona”. E-mail. Ismaelrodriguezmilian@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000000264967929.

Breves antecedentes de la enseñanza de oficios en Cuba como camino para el surgimiento de la Educación Técnica y Profesional


“[...] lo que nos interesa no es solo formar técnicos, sino técnicos integrales, ciudadanos mejores. Y que si tenemos urgencia de técnicos! siempre será más urgente formar hombres verdaderos, formar patriotas, formar revolucionarios! [...]” (CASTRO, 1996, p.16.)


Con estas palabras proféticas del que fuera el presidente de Cuba en aquel entonces, el compañero Fidel Castro Ruz caracterizó cuáles serían las pautas y las aspiraciones del país y de la joven revolución cubana en el sentido de la formación de trabajadores como un hombre nuevo, educado en valores patrióticos, humanistas, éticos y comprometidos para aportar al desarrollo de nuestra incipiente industria. Se trataba de la educación del técnico en economía, agronomía-agricultura, construcciones, servicios y demás actividades priorizadas por el país, por las provincias, el municipio y las comunidades, para elevar los índices de producción y con ello de satisfacción de las necesidades básicas y sentidas de la población cubana.

Claro que, para desarrollar este trabajo de la formación de trabajadores con esos alumnos, se precisó primero de la educación de maestros con estos preceptos, nuevos currículos escolares enfocados a una nueva concepción de educación para la vida, así como de recursos materiales, escuelas, base material de estudio y de vida, nivel de especialización de los centros.

El Ministerio de Educación a partir del trabajo de la Dirección Nacional de la Enseñanza Técnica y Profesional (ETP) contó con el apoyo del Estado, los gobiernos provinciales y municipales, los diferentes ministerios del país, organizaciones sociales y populares, así como del pueblo que se sumó a este esfuerzo de construcción del socialismo en Cuba.

Por otra parte, se imponían fuertes tareas de investigación sobre el trabajo desarrollado en el país en esta dirección para poder caracterizar lo realizado y con este diagnóstico rehacer y reordenar el trabajo hacia una educación politécnica y laboral, más humana, científica y en función de las necesidades del país y con un - carácter inclusivo total- para toda la población-alumnos, independientemente de su condición social, escolar, religiosa, política, económica y el color de la piel.

Es por estas razones anteriores que para el estudio de los antecedentes del surgimiento de la Educación Técnica y Profesional (ETP) en Cuba, muchos investigadores, incluso nosotros, utilizamos métodos teóricos y empíricos, tales como:


  1. El histórico-lógico que permitió precisar el estudio acerca de las diferentes manifestaciones de la enseñanza de los oficios que fueron condicionando las bases para dar lugar a través de los siglos XV, XVI y XVII a la Enseñanza Técnica y Profesional en su evolución;

  2. El inductivo-deductivo se utilizó para establecer nexos y diferencias entre las manifestaciones y características de los oficios, sus diferencias de desarrollo, entre unos y otros, así como otras expresiones del desarrollo vertiginoso que iban alcanzando algunos oficios con respecto a otros y como tributaban a las nuevas expresiones de su desarrollo.

  3. El análisis-síntesis permitió la toma de posición y la valoración de los datos obtenidos relacionados con la evolución y surgimiento de nuevos oficios que iban aumentando y proyectándose hacia la Educación Técnica y Profesional (ETP).

  4. El método análisis de contenido se utilizó en el nivel empírico, teórico y posibilitó el estudio de obras e informes de investigación relacionados con el objeto de estudio.


Los métodos utilizados permitieron establecer que a lo largo de los siglos XVII y el XVIII la enseñanza de los oficios en Cuba va surgiendo muy vinculada a las necesidades socioeconómicas imperantes en el país. En esa época se manifestaron diferentes maneras de aprender y enseñar que se caracterizaron por diferentes formas no escolarizadas de educación y aunque existían escuelas religiosas, también existieron pequeñas escuelas laicas que favorecieron la formación de trabajadores.

Con los resultados de estas investigaciones iniciales se pudo constatar que durante los tres primeros siglos de la colonización (siglos XV, XVI y XVII), no existían escuelas donde se prepararan los trabajadores. En el caso de la enseñanza los oficios en Cuba es importante considerar que, también en los siglos XV al XVIII la enseñanza de los oficios fue surgiendo a fin de dar respuestas a las necesidades socioeconómicas imperantes en el país. Todos estos oficios se fueron desarrollando y dieron lugar a nuevas situaciones de aprendizaje que aportaron elementos básicos para el surgimiento de las Escuelas de Oficios.

En esa época se produce el surgimiento de escuelas privadas y escuelas religiosas, de diferentes ordenanzas después de la invasión de los españoles, que trajo consigo nuevos elementos acerca de la organización escolar, aún cuando esta no respondiera de forma sistematizada, a un objetivo determinado. El aprender y enseñar se caracterizó predominantemente por manifestaciones de distintas formas no escolares de educación.

En las escuelas privadas, que eran todas religiosas se establecieron sistemas de trabajo pedagógico dirigido hacia los jóvenes, donde se les brindaban conocimientos teóricos acerca de los oficios, se exigía disciplina, conocimientos teóricos y prácticos, desarrollados también en los talleres, lo que pudiera considerarse como una etapa inicial de formación obreros.

El siglo XVII en general se caracterizó por el auge de la actividad artesanal, existiendo con producciones variadas, una masa de trabajadores urbana calificada. Esto se vincula al surgimiento del arte manual, lo que repercutió en el desarrollo social en la formación de obreros en determinados oficios que fueron ejercidos por la población más humilde.

Durante el movimiento de la ilustración reformista en el siglo XVIII, se aportan ideas referidas a la necesidad de la preparación de los trabajadores, de acuerdo con los intereses de la oligarquía criolla de la época, entre ellos, Francisco de Arango y Parreño (1765-1837), el cual se manifestaba a favor de la maquinización en Cuba.

A finales de este siglo, en el año 1793, se creó la Sociedad Económica de Amigos del País (SEAP), sociedad que agrupó en su Sección Artes y Oficios a prestigiosas figuras de la intelectualidad cubana de la época y que brindaron aportes significativos a las ideas y a las prácticas sobre la educación, que se esforzaron por modernizar y extender la Educación Técnica y Profesional (ETP) para la formación de trabajadores.

Estos esfuerzos anteriores, fueron canalizados por esta sociedad con vistas a introducir las técnicas y los estudios para la formación de trabajadores capaces de operarla: aspectos que pueden considerarse hoy como antecedentes significativos de una Pedagogía de la ETP en Cuba. (ABREU, 2004, p. 76).

Otro destacado pedagogo cubano, José de la Luz y Caballero (1800-1862) que dedicó parte de su vida a la educación de la juventud. A él se debe la elaboración de uno de los primeros proyectos sobre cómo debía ser una escuela de nivel medio

profesional el cual se plasmó en el informe sobre la Escuela Náutica o Proyecto sobre el Instituto Cubano, fundamentando la necesidad de abrir nuevas carreras para la juventud de nuestra patria.

Todas estas experiencias constituyeron antecedentes esenciales para el desarrollo posterior de la Educación Técnica y Profesional (ETP), incidiendo en aspectos importantes para el perfeccionamiento de su proyección actual.

A mediados de del siglo XIX se destaca la figura de José Martí (1853-1895) que constituye uno de los exponentes más significativos del pensamiento político-social de la época. Aportó ideas amplias sobre los diferentes ámbitos de la vida social, educacional, política y económica. Martí se refirió a la enseñanza científica, la educación integral del hombre, a su cultura general, la concepción dialéctica sobre la educación hombre-naturaleza, unidad teoría-práctica entre otros importantes aportes que se utilizan hoy en la educación con una vigencia extraordinaria, destacándose por su rasgo humanista y solidario. En este sentido José Martí expreso:

Educar es depositar en cada hombre toda la obra humana que le antecedió: es hacer a cada hombre resultado del mundo viviente, hasta el día en que él vive: es ponerlo a nivel de su tiempo, para que flote sobre él, y no dejarlo debajo de su tiempo, con lo que no podría salir a flote; es preparar al hombre para la vida”. (MARTÍ, 2015, p. 47).


En la actualidad estos aspectos anteriores; así como otros relativos a la formación de la moral, el patriotismo y la solidaridad, constituyen referentes básicos, de las ideas rectoras que forman parte de la fundamentación teórica del Sistema Educativo Cubano, después del triunfo de la Revolución en 1959.

Es importante resaltar también el rol profesional de Fernando Aguado y Rico (1859-1941) en el desarrollo de la ETP y su pedagogía. En 1882 fundó la Escuela Preparatoria de Artes y Oficios, para la Educación Técnica Industrial, la que contribuyó de manera significativa a la formación de trabajadores. Aunque Aguado y Rico no escribió su obra, sus excelentes ideas las llevó a la práctica durante 48 años que dedicó a la ETP y su trabajo fue al perfeccionamiento constante en este tipo de educación, en la organización de cursos para profesores para estas escuelas.

Las escuelas de Artes y Oficios se considera que marcó el inicio del desarrollo de la ETP en Cuba. Fue muy interesante el trabajo conjunto que realizó con el Conservatorio Nacional de Artes y Oficios, destinado a la formación de profesores de la escuela técnica industrial evidenciando la cultura industrial.

Aguado y Rico elaboró diferentes tipos de reglamentos, documentos y metodologías para el trabajo docente que contienen aún muchas ideas vigentes relacionadas con la preparación del profesor. El consideró y defendió que: “… la actividad fundamental de la escuela es el taller y todo lo que no sea taller debe contribuir a que se desarrolle una buena clase de taller. (MONTÓ, 1951, p.75)

Todos los aspectos anteriormente examinados constituyen sucintamente antecedentes importantes que condicionaron las determinantes situacionales que propiciaron el surgimiento del proyecto de cambios necesarios planteados por la revolución socialista, dirigida por Fidel, que tendría la misión histórica de proyectarse hacia nuevos objetivos, teniendo como centro la formación de las nuevas generaciones para garantizar un desarrollo óptimo del país.

Claro, lo anterior implicó que se plantearan las grandes trasformaciones en todas las esferas del país y la educación constituyó una de las primeras transformaciones que se proyectaron para elevar el nivel cultural, político ideológico de toda la población.


La Educación Técnica y Profesional como parte integrante de la política educacional cubana


Al triunfar la Revolución Cubana el primero de enero de 1959, los líderes y el pueblo plantean profundos proyectos de trasformaciones para el desarrollo económico, político y social del país hacia el socialismo. Ellos son presentados con gran acierto y valentía, en el histórico juicio del Cuartel Moncada, donde Fidel Castro Ruz planteara su análisis crítico acerca de la caótica situación que presentaba el país en todos los aspectos de su desarrollo, producto del ensañamiento de la tiranía batistiana5 y su cuerpo de criminales que sometieron a Cuba ala más horrible represión política, con consecuencias nefastas para la economía del país y su desarrollo económico y social.

La realidad del país era muy dura, lo que se puede constatar en la valoración realizada a continuación:


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5 Fulgencio Batista y Zaldívar, militar que, con apoyo de los E.E.U.U., dio un golpe de estado en Cuba el 10 de marzo de 1952 y estableció una tiranía pro americana. Persiguió y asesinó a estudiantes y pobladores que lucharon en contra de las medidas de la dictadura sangrienta. Fue derrotado el 1 de enero de 1959 por el Ejército Rebelde, dirigido por el Comandante en Jefe Fidel Castro Ruz.

En Cuba, antes del triunfo de la revolución socialista, la calidad de vida de las personas era muy malas. Muchos niños y niñas morían al nacer, no tenían atención médica, ni escuelas, ni maestros suficientes. Sin derechos ciudadanos, oprimidos y sin acceso a la vida social y política, las personas no tenían donde vivir. Sin trabajo, abundaba la miseria, el hambre y las enfermedades. Antes de 1959, existía un millón treinta y dos mil, ochocientos cuarenta y nueve mil personas analfabetas y semianalfabetos; seiscientos mil niños estaban sin escolarizar6. La mujer era un objeto, sin derechos, siendo su principal opción la prostitución. Las relaciones de trabajo eran de extrema explotación, sin derechos laborales, incluso, en muchos casos, sin derechos al retiro y al pago de vacaciones. (PÉREZ GARCÍA, 2017, p. 2).


La situación anterior fue la triste realidad que encontraron los rebeldes cuando alcanzaron el triunfo de la Revolución en el año 1959, por lo que se materializa una de las primeras tareas planteadas por Fidel Castro Ruz en su alegato del juicio del Moncada, la relacionada con la educación y se propone un proyecto de grandes transformaciones, con prioridad para la formación de maestros y técnicos en el país.

Ello significó que Cuba se convirtiera en una gran escuela, a partir de la organización de un sistema educativo coherente, basado en principios martianos como de la educación para todo el pueblo y su máxima que ser culto es el único modo de ser libre, así como los fundamentos marxistas leninistas, favorecedores de una formación integral, revolucionaria y socialista de los ciudadanos del país, conquistando y promoviendo los derechos a la educación, a la salud, seguridad social, la vivienda y al pleno desarrollo social de hombres y mujeres, jóvenes, niños y ancianos.

En el año 1962, ante la necesidad de iniciar la formación de contadores y planificadores de la economía nacional, se prepararon los primeros instructores y profesores para estas especialidades, primero con:

“…el envío hacia Cuba de especialistas de alto nivel, fundamentalmente de la antigua Unión Soviética, Polonia y Checoslovaquia para que (…), desarrollaran la docencia en las asignaturas técnicas (básicas específicas y del ejercicio de la profesión) y a la vez prepararan a los futuros profesores, entre los propios estudiantes... (HERRERA, 2011, p. 8).


En el año 1964 se crea el Plan de la Enseñanza Tecnológica, como lógica consecuencia del desarrollo que se iba gestando hacia la economía cubana y también



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6 Cuba en cifras antes y después de la revolución. www.radiorebelde.cu. Acceso en: 4 de jul. 2017.

reconociendo la necesidad de lograr una formación masiva de trabajadores como técnicos y obreros que determinó la creación de centros formadores de maestros para este tipo de enseñanza.

De acuerdo con Herrera Sánchez, los años 1965 al 1970, (HERRERA. 2011, p.10) “Surge el Instituto Pedagógico Industrial, como preparación media superior pedagógica en las especialidades industriales (prioritariamente electricidad y mecánica”. Posteriormente, en el año 1971, se concibe entre el Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD) y el gobierno de Cuba: “el Proyecto CUB 511/71, que básicamente consistía en la creación en nuestro país de un Centro de Formación Superior de Profesores para la Educación Técnica y Profesional (ETP) (HERRERA, 2011, p. 11)”.

El 2 de julio de 1973 se oficializa mediante la Resolución Ministerial 217/73 la creación del Instituto Pedagógico de la Educación Técnica y Profesional (IPETP). “Se conforman planes de estudio de tres (3) años de duración, con la concepción de estudio–trabajo, para un ingreso de profesores en ejercicio, ya con cierta experiencia docente y que habían pasado por diferentes fases de superación, a través de las distintas variantes en uso, incluyendo años de estudios en carreras técnicas en las universidades correspondientes.

En el Primer Congreso del Partido Comunista de Cuba (PCC), celebrado en el año 1975 fue donde se aprobó el diseño de la política educacional cubana y se definió el fin, objetivos de la educación cubana. En el fin se planteó:

(…) formar a las nuevas generaciones y a todo el pueblo en la concepción científica del mundo, es decir, la del materialismo dialéctico e histórico; desarrollar en toda su plenitud humana las capacidades intelectuales, físicas y espirituales del individuo y fomentar, en él, elevados sentimientos y gustos estéticos, convertir los principios ideo-políticos comunistas en convicciones personales y hábitos de conducta diaria. (1° CONGRESSO DEL PARTIDO COMUNISTA DE CUBA, 1975, p. 369).


Se determinó el encargo social para este tipo de enseñanza. ´´La Educación Técnica y Profesional (ETP) “tiene la función de proporcionar a la economía del país la fuerza de trabajo calificada de nivel medio que requiere para su desarrollo en las distintas ramas de la producción y los servicios”. (Primer Congreso del P.C.C, Año1975, p. 370-372).

La Educación Técnica y Profesional (ETP) posee una gran importancia ya que su objeto social está en función de dar respuestas al desarrollo económico, no solo a las necesidades educativas, sino también a necesidades de la producción y de los servicios que hoy se plantean en la formación de trabajadores de los diferentes perfiles técnicos, los que se diseñan como parte del proceso de perfeccionamiento de empresas y servicios socialistas. Ello es consecuencia del desarrollo y las transformaciones que sufren las especialidades en relación con las nuevas exigencias del mundo del trabajo, pero reinterpretadas y adecuadas a las condiciones socioeconómicas del país, a partir del mundo del trabajo en el socialismo.

Teniendo en cuenta que la ETP debe proporcionar al país la fuerza de trabajo calificada de nivel medio que requiere para su desarrollo de las distintas ramas de la producción y los servicios, se demanda la formación de trabajadores-productores de alta calificación técnica con una preparación política e ideológica sólida. Este trabajador tiene que estar vinculado a la problemática de la comunidad y a la cultura técnico profesional del país, para que constituya un verdadero agente de cambio contextualizado en los saberes locales.

La política educacional cubana evoluciona, conserva sus esencias y fundamentos que le sirven de base a todas las direcciones educacionales del sistema general, pero necesita de la reactivación constante del desarrollo de la ciencia y la técnica. Esta actualización innovadora de los contenidos de las especialidades técnicas y pedagógicas deben estar a tono con los niveles de actualización que se introducen como resultado de las nuevas tendencias del desarrollo; así como de las recomendaciones que se producen en las investigaciones científicas relacionadas con los temas inherentes a las ciencias técnicas y pedagógicas.

Se destaca la importancia que se le brinda a la educación de trabajadores de calidad en la formación inicial y continua de obreros7 calificados y técnicos8 de nivel medio socialistas, que responda a las necesidades que están conectadas con el


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7En Cuba, se entiende por obrero, el trabajador que tiene una formación para desarrollar un oficio determinado, que no siempre fue aprendido en la escuela. En la actualidad, la mayoría de los obreros están formados en escuelas de oficios y politécnicos, y salen con un nivel escolar de hasta un noveno grado o más.

8Los técnicos medios salen formados con nivel escolar de 12 grados, especializados para desempeñar funciones técnicas, de dirección de procesos, como asumir la dirección de tareas complejas en la producción de bienes y los servicios, además de actuar en investigaciones científicas. Tienen la opción de continuar estudios universitarios.

desarrollo económico y social de los territorios, donde se analizan y estudian las problemáticas existentes.

Y también a las nuevas necesidades que surgen como parte del propio desarrollo científico y las elevadas exigencias que se establecen atendiendo al perfeccionamiento de los diseños curriculares, donde se determinan las familias de las especialidades técnicas necesarias para el desarrollo del país y así dar respuestas a las nuevas necesidades de la producción y de los servicios en sus nexos con el mundo del trabajo y el desarrollo de sus tecnologías, pero con un marcado carácter innovador, comunitario, social y solidario. De esta manera se establece la actualización constante de los profesores y directivos en esta educación, mediante el perfeccionamiento y adecuación de los diseños curriculares y programas actualizados con los resultados más importantes de las investigaciones relacionadas con sus especialidades.

Otra vía significativa es el ingreso y la superación de los alumnos en cursos de especialización, diplomados, maestrías y doctorados donde se investigan las diferentes problemáticas, los cambios tecnológicos, la gestión del medio ambiente, la salud y la seguridad del trabajo, entre otros. Para ello, es necesario considerar las tendencias que las diferentes especialidades técnico-profesionales y pedagógicas, relacionadas con la Educación Técnica y Profesional, que ocupan a las empresas socialistas.


Los resultados de la investigación científica imprimen mayores avances en el desarrollo de la Educación Técnica y Profesional (ETP)


El desarrollo de la Educación Técnica y Profesional y su pedagogía ha estado vinculado a la investigación científica desde sus inicios, logrando una profundización en las diferentes aristas de saberes, teniendo en cuenta el contexto social y laboral. En este sentido queremos comentar la relevancia de algunas de las más significativas

17 tesis de doctorado9 que han tenido un impacto particular en la solución de problemas importantes de la ETP. Estas tesis fueron incorporadas al currículo,


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9 En las Tesis de Doctorado analizadas en este trabajo, no se pudo profundizar en sus propuestas por disponibilidad de espacio. Pero las mismas serán consideradas en un próximo artículo donde se articula como las mismas responden a los problemas pedagógicos, metodológicos, o de currículo de la ETP, cumpliendo con un principio básico de la investigación de la Educación en Cuba. Que las tesis respondan al banco de problemas de la escuela, el municipio, la provincia o el país; y que las mejores y más pertinentes sean implementadas dentro del currículo escolar.

cumpliendo así con uno de los principios básicos de las investigaciones en Cuba: dar solución a los problemas identificados en el sector de la educación, y aplicarlos en las áreas correspondientes.

Es importante destacar los resultados obtenidos en las investigaciones desarrolladas en el Centro de Estudio de la Pedagogía Profesional (CEPROF) y por diferentes Departamentos de la otrora Universidad de Ciencias Pedagógicas “´Héctor Alfredo Pineda Zaldívar”, actualmente Facultad en Educación de Ciencias Técnicas, perteneciente a la Universidad de Ciencias Pedagógicas “´Enrique José Varona”.

Las investigaciones anteriormente señaladas han permitido la introducción de productos, tales como: cursos, asesorías, diplomados, maestría en Pedagogía Profesional, nuevos diseños curriculares, actualización de perfiles acorde con las nuevas exigencias planteadas a la industria y a los servicios. También se ha realizado la introducción de perfiles amplios de los Planes de Estudio, así como otros aspectos de interés para el desarrollo técnico profesional socialista.

Como resultado de las investigaciones realizadas sobre la ETP se aportan la creación de diversos “modelos”, es decir, de propuestas que pueden ser aplicadas en los procesos pedagógicos y que han sido introducidos en la práctica escolar de diferentes centros de educación técnica y profesional: a) Modelo de escuela politécnica cubana que da continuidad al modelo de Instituto Politécnico Agropecuario, propuesto por María del Rosario Patiño y otros, en 1995; b) Modelo Educativo Integral

–MEICREP, de autoría de Raquel Bermúdez Morris y Lorenzo Miguel Pérez Martín, en 2012; c) Modelo de Integración de Escuela Politécnica–Mundo Laboral, de Margarita León García, en 2003; d) Modelo de la Pedagogía Profesional en Ciencias Pedagógicas, de Roberto Abreu Regueiro, en 2004.

Merece la atención destacar que, en su tesis doctoral en Ciencias Pedagógicas, Janet Santos Baranda (2005), planteó; e) modelo pedagógico para el mejoramiento del desempeño profesional de los profesores de agronomía de los Institutos Politécnicos Agropecuarios, cuyo resultado plasmado fue alcanzado en dicho año. Otras investigaciones, constituyeron el f) modelo para el proceso de diagnóstico integral del estudiante de la Educación Técnica y Profesional, resultado dirigido por los investigadores Raquel Bermúdez Morris y Maikel Carnero Sánchez, en 2006.

La concepción del profesor coordinador educativo de la Educación Técnica y Profesional, resultados dirigidos por la profesora Lidia Beatriz Machado Botet, en el

2008, modelo del instituto politécnico de informática (MIPI), dirigido por María del Pilar de la Cruz Fernández y otros, en 2006; g) modelo para la práctica laboral por proyectos informáticos (tesis doctoral) en ciencias pedagógicas de la autora Emilia Martin Martínez, 2009; h) modelo de los procesos formativos y la estrategia para su implementación en la institución escolar, con los autores Raquel. Bermúdez Morris, Misleidys. Arzuaga Ramírez y Lorenzo Miguel Pérez Martín, en 2012.

Otras investigaciones se refieren al; i) modelo del proceso de enseñanza– aprendizaje formativo que fue planteado por Raquel Bermúdez Morris y Adalberto Menéndez Padrón, en 2011; j) modelo para la formación de una estrategia general de aprendizaje, resultado de tesis doctoral en Ciencias Pedagógicas del autor Camilo Boris de Armas Velazco, en 2011; k) modelo para la formación de proyectos de vida profesionales en especialidades técnicas presentado en tesis doctoral, en ciencias pedagógicas de Misleidys Arzuaga Ramírez, 2012. “La formación de la fuerza laboral calificada de nivel medio. Vías para su perfeccionamiento” 2014 dirigida por la Dr. C. pedagógicas Juana Yamila Guerra en el 2017.

Todas estas investigaciones, entre otras, han continuado profundizando los contenidos de la Educación Técnica y Profesional, sus fundamentos, teóricos y metodológicos, así como una acertada sistematización y actualización de los conocimientos técnicos y pedagógicos, de acuerdo con los nuevos retos y paradigmas de las familias de especialidades técnicas, así como una adecuada atención a las prácticas de la profesión en sus diferentes estadios.


La formación de trabajadores de nivel medio. Vías para su perfeccionamiento


Desde los inicios de la revolución el histórico líder de la Revolución Cubana, Fidel Castro Ruz, apoyó el desarrollo de la educación en el país, la cual fue creciendo, perfeccionándose y consolidándose. Es por eso que al inaugurar el curso escolar 2003-2004, él enfatizó en el papel de la educación como fuente de la cultura y su papel en la formación de trabajadores para el desarrollo científico futuro del país, en la perspectiva del socialismo.

Claro, el desarrollo de la educación en Cuba ha estado relacionado estrechamente con los propios avances de la revolución cubana y al contexto histórico difícil de hacer una revolución a las puertas del imperialismo norteamericano, quien

no lo perdonó nunca. Desde los inicios del proceso, los E.E.U.U. implementó un bloqueo económico al país, que hasta hoy dura más de 60 años.


Fueron elaboradas leyes extraterritoriales aprobadas en su Congreso como la Ley Torricelli (1992) y la Ley Helms Burton Act (1996) que prohíben, condenan y sancionan a los países, grupos económicos y bancos que comercien con Cuba. Violando los derechos humanos del pueblo de Cuba. El gobierno norteamericano impuso a los países que no acatasen esta ley, multas millonarias, pérdidas de licencias de comerciar con Estados Unidos, además de eliminación de la “ayuda para el desarrollo” a estos países. (PÉREZ GARCIA, 2017, p. 3).


Estas leyes extraterritoriales han sido aplicadas a todos los bancos y grupos comerciales de todos los países del mundo que se atreven a comerciar con Cuba. Estas prácticas genocidas han limitado el comercio y, por lo tanto, el desarrollo económico del país, produciendo pérdidas millonarias que han afectado a todos los sectores de la vida política y social, siendo la educación una de las áreas más sensiblemente afectadas y, sobre todo, la ETP por todos los recursos que se precisan para la formación de los futuros trabajadores.

Toda esta situación anteriormente expresada, se agravó todavía más con la crisis del “período especial” con la caída del campo socialista, en 1990, e implicó un reordenamiento constante de la economía cubana. En los últimos cinco años, con el gobierno de D. Trump, estas leyes extraterritoriales fueron aplicadas de manera contundente. A esto se sumaron las pérdidas millonarias por ciclones tropicales que han afectado de manera severa al país y en este último año, todos los problemas generados por el COVID-19.

A pesar de todos los graves problemas planteados, el país sigue avanzando y se mantienen trabajando en actividades como Educación, Seguridad Social, Salud Pública, Economía, entre otros, poniendo los recursos allí donde son más necesarios y el ejemplo más elocuente son las cuatro candidatas vacunales cubanas, para combatir y proteger a la población del COVID–19: Soberanía 2 y Abdala en el momento final de la fase III y Soberanía 1 y Mambisa están otras fases. Por otra parte, parafraseando al comandante en jefe Fidel Castro Ruz, Cuba sigue compartiendo lo que tiene y no lo que le sobra; es así como con gran dignidad, mantiene sus principios de la colaboración y relaciones de ayuda con cientos países del planeta.

La Educación Técnica y Profesional (ETP) amplía sus significaciones a la luz de los problemas que generan el bloqueo económico contra el país, adecuando y

procurando alternativas a la altura de los nuevos cambios que se producen en los procesos productivos, como parte de sus necesidades y los nuevos retos para su propio desarrollo, incluye nuevas aristas para suplir las carencias y necesidades de avanzar.

En busca de articular la relación entre trabajo y educación, es que se consideran los cambios en la estructura de la economía cubana. Especialmente para enfrentar el bloqueo económico, el Congreso del Partido Comunista de Cuba (PCC), en 2011, aprobó que la economía pasaría a dividirse en tres sectores fundamentales:

  1. economía socialista, b) cooperativismo de nuevo tipo y c) economía cuenta propista. Así que, además de la preparación de los futuros técnicos medios y obreros calificados, a la ETP también le corresponden formar a los trabajadores por cuenta propia, mediante cursos y desarrollo de actividades conjuntas con las organizaciones socialistas y así formar todas estas clases de trabajadores, en función de las perspectivas de la economía socialista y con ello resurgen las aulas anexas.

    ¿Qué es el aula anexa? El aula anexa es el taller, el polígono, el área de campo de la entidad laboral, la unidad de la escuela con los servicios, la oficina de control estadístico, las áreas contables, entre otras variantes, en las que un docente introduce y/o desarrolla parte o todo el programa de una asignatura, con o sin el apoyo de especialistas de las áreas productivas.

    Es el área de trabajo en la cual los estudiantes desarrollan las habilidades profesionales por año, utilizando las potencialidades de las entidades laborales: tecnologías, equipamiento, materiales, insumos y personal con experiencia técnica y laboral; para formar y consolidar la preparación teórico-práctica de los estudiantes, a partir del concepto de aprender haciendo, donde se cumple el principio rector de esta formación obrera y se precisa:



Consideraciones finales


El desarrollo de los oficios en Cuba durante los siglos XV, XVI y XVII, constituyó un antecedente importante para el surgimiento posterior de la Educación Técnica y Profesional (ETP), a partir de lo cual se pensó y articuló su desarrollo. Desde el triunfo de la Revolución Cubana, en 1959, la formación de trabajadores constituye una

prioridad para el desarrollo económico del país, lo que ha constituido base medular y significativa durante el desarrollo de la economía socialista.

La educación trabajadores para la fuerza laboral calificada de nivel medio en Cuba ha sido prioridad en el Sistema Nacional de Educación, para perfeccionar la enseñanza práctica en las entidades de producción y los servicios, lo que ha permitido la formación de un especialista solidario, humanista y comprometido con las necesidades del país y otros pueblos que requieran la solidaridad.

La Educación Técnica y Profesional da respuesta al encargo social de preparar los técnicos medios y obreros calificados socialistas para impulsar el desarrollo económico del país a partir de las necesidades identificadas en las comunidades, municipios y provincias, en fuerte articulación con los ministerios de la educación, del trabajo, seguridad social y de la agricultura, además de la participación de organizaciones sociales y de la familia de los estudiantes.

Es importante considerar para las prácticas de la ETP las condiciones de un mundo globalizado, donde las prácticas del agro-negocio es promovido, comercializado por grandes trasnacionales, que procuran la ganancia, aún a costa de la naturaleza y la salud humana, donde los trabajadores son un mero objeto explotado, obligados a realizar prácticas que se distancian de los legados y tradiciones de los pueblos.

En este contexto contradictorio que afecta al país, pensar en la importancia de la revolución para enfrentar estos problemas y procurar caminos. Fidel Castro magistralmente lo resumió, en su concepto de revolución cuando planteó:


“Revolución es sentido del momento histórico; es cambiar todo lo que debe ser cambiado; es igualdad y libertad plenas; es ser tratado y tratar a los demás como seres humanos; es emanciparnos por nosotros mismos y con nuestros propios esfuerzos; es desafiar poderosas fuerzas dominantes dentro y fuera del ámbito social y nacional; es defender valores en los que se cree al precio de cualquier sacrificio; es modestia, desinterés, altruismo, solidaridad y heroísmo; es luchar con audacia, inteligencia y realismo; es no mentir jamás ni violar principios éticos; es convicción profunda de que no existe fuerza en el mundo capaz de aplastar la fuerza de la verdad y las ideas. Revolución es unidad, es independencia, es luchar por nuestros sueños de justicia para Cuba y para el mundo, que es la base de nuestro patriotismo, nuestro socialismo y nuestro internacionalismo”. (CASTRO, 2000).

Referencias


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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


O “NOVO ENSINO MÉDIO” NO ESPÍRITO SANTO1


Ana Paula Félix de Carvalho Silva2 Eliza Bartolozzi Ferreira3 Kefren Calegari dos Santos4


Resumo

O objetivo é analisar a forma de implantação do “novo ensino médio” no Espírito Santo. O estudo é desenvolvido a partir de uma breve revisão bibliográfica e análise dos instrumentos normativos que orientam a organização do “novo ensino médio”. As percepções dos trabalhadores docentes sobre a reforma foram analisadas com base nos dados coletados a partir de uma enquete aplicada com 263 docentes. A forma de implantação da reforma é singular e a maioria dos docentes desconhecem ou conhecem parcialmente a organização do “novo ensino médio”.

Palavras-chave: reforma; ensino médio; ação pública.


LA "NUEVA ESCUELA SECUNDARIA" EN EL ESPÍRITO SANTO


Resumen

El objetivo es analizar cómo implementar la "nueva escuela secundaria" en Espírito Santo. El estudio se desarrolla a partir de una breve revisión bibliográfica y un análisis de los instrumentos normativos que orientan la organización de la "nueva escuela secundaria". Las percepciones de los maestros sobre la reforma se analizaron sobre la base de los datos recogidos en una encuesta aplicada a 263 maestros. La forma en que se aplica la reforma es única y la mayoría de los profesores no conocen o conocen parcialmente la organización de la "nueva escuela secundaria".

Palabras clave: reforma; escuela secundaria; acción pública.


THE "NEW HIGH SCHOOL" IN THE ESPÍRITO SANTO


Abstract

The objective is to analyze how to implement the "new high school" in the Espírito Santo. The study is developed from a brief bibliographic review and analysis of the normative instruments that guide the organization of the "new high school". The teachers' perceptions about the reform were analyzed based on data collected from an applied survey of 263 teachers. The way in which the reform is implemented is unique and most teachers are unaware or partially aware of the organisation of the "new high school".

Keywords: reform; high school; public action.


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1 Artigo recebido em 15/11/2020. Primeira avaliação em 10/03/2021. Segunda avaliação em 11/03/2021. Aprovado em 29/03/2021. Publicado em 27/05/2021.

DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.47157

2 Graduanda em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) - Brasil. Pesquisadora no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (Nepe/UFES).

E-mail: anafelix01@gmail.com. Lattes: lattes.cnpq.br/1256196095884213. ORCID: orcid.org/0000-0002-3601-6739.

3 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Brasil. Professora Associada da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFES). Pesquisadora no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (Nepe/UFES). E-mail: elizappge@gmail.com. Lattes: lattes.cnpq.br/4414820772031494.

ORCID: orcid.org/0000-0002-4100-9875.

4 Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGE/UFES) - Brasil. Técnico em Assuntos Educacionais do Instituto Federal do Espírito Santo - Campus Vitória (IFES/Campus Vitória). Pesquisador no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (Nepe/UFES). E-mail: kefren@terra.com.br.

Lattes: lattes.cnpq.br/0893075876273003. ORCID: orcid.org/0000-0001-9782-9496.

Introdução


O objetivo deste texto é analisar a forma de implantação do “novo ensino médio” na rede estadual do Espírito Santo. Utilizamos a expressão “novo ensino médio” por duas razões: 1) a política estadual do Espírito Santo faz uso dessa expressão; 2) colocamos entre aspas porque entendemos, assim como Silva (2018), que a atual reforma do ensino médio traz apenas uma aparência de novo, pois acoberta velhos discursos e velhos propósitos.

Um conjunto de pressupostos orienta nossas análises. Primeiramente, as reformas penetram de maneira diferente e desigual os sistemas educacionais. É muito difícil evitar que isso aconteça, e as políticas provocam efeitos distintos, de acordo com os diferentes grupos sociais envolvidos (LESSARD; CARPENTIER, 2016). Em segundo, o Estado não é uma entidade monolítica, mas uma instância onde agem diversos atores em concorrência para determinar a pauta política. O jogo político é mais que um processo racional de resolução de problemas. É importante a contribuição da sociologia da ação pública, que concebe as políticas públicas como uma construção social onde emergem as representações que uma sociedade elege para compreender o mundo a sua volta. Portanto, temos estruturas cognitivas e normativas que apresentam uma certa estabilidade ao longo do tempo (MULLER, 2015).

Com base no trabalho de Muller e Surel (2002), entendemos que a construção das políticas públicas não é um processo abstrato. Ela é, ao contrário, indissociável da ação dos indivíduos ou dos grupos envolvidos. Esses indivíduos, ou grupos de indivíduos, envolvidos nesse processo irão contribuir indiretamente e diretamente a partir de seus contextos, realidades, condição social, escolaridade, momento histórico, etc. Portanto, as reformas educacionais estão submetidas a essa complexidade e consideramos importante acompanhar o processo de implantação da política de modo a analisar as instituições, as ações dos atores, as relações de poder assim como as mudanças e permanências. Por se tratar de pesquisa em andamento, ressaltamos que o texto tem um objetivo mais simples que é de registrar a forma de organização do “novo ensino médio” no Espírito Santo, junto com as percepções dos trabalhadores docentes, a partir de dados analisados por meio da aplicação de um questionário nas escolas-piloto e não-piloto.

A escrita deste texto é resultado de pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (NEPE) com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)5. O artigo discute parte dos dados coletados até o momento sobre o processo de execução da reforma do ensino médio instituída pela promulgação da Lei n. 13.415/2017, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996) e instituiu a política de fomento à implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral no Brasil (MEC, 2017).

Em 2016, em meio à heterogeneidade da oferta do ensino médio, o governo Temer encaminhou a Medida Provisória n. 746/2016 ao Congresso Nacional, sancionada como Lei n. 13.415/2017. A partir de 2018, essa lei autoriza uma mudança da estrutura e do currículo do ensino médio para todas as escolas públicas e privadas do país. Em vez de uma organização única para todos, a lei instituiu cinco itinerários formativos independentes6. A reforma propõe ainda o fomento à oferta do ensino médio em tempo integral, garantindo as transferências de recursos da União com a finalidade de prestar apoio financeiro aos estados e Distrito Federal no atendimento a essa demanda. Os recursos para a implementação da referida Lei são buscados por meio de financiamento do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). No início de 2019, os sistemas estaduais de educação receberam recursos financeiros provenientes do MEC para implantação do “novo ensino médio”. No Espírito Santo, por enquanto, 15 escolas foram contempladas com esses recursos e deram início a essa nova organização7.

O texto está organizado em três seções, além da introdução. Na primeira seção, apresentamos uma breve revisão bibliográfica com destaque aos principais aspectos da reforma do ensino médio tratados em artigos científicos, com foco específico na organização e modos de oferta. A segunda seção está voltada para o mapeamento e análise dos instrumentos normativos que orientam o exercício do “novo ensino médio” no Espírito Santo. Na terceira seção, trazemos dados de uma enquete aplicada aos docentes de 22 escolas da Região Metropolitana de Vitória, no


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5CNPq Edital Universal Processo n. 423626/2018-3.

6 Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Formação Técnica e Profissional.

7 Em entrevistas realizadas com diretores das escolas-piloto, no mês de maio/junho de 2020, foi informado que apenas uma parte dos recursos chegou até agora.

Espírito Santo, composta pelos municípios de Cariacica, Fundão, Guarapari, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória. As escolas foram selecionadas por Portaria da Sedu na qual foram definidas as escolas-piloto para implantação do “novo ensino médio” no estado, contabilizando 15 (quinze) escolas. Outras 7 (sete) escolas, referidas como não-pilotos, foram selecionadas através de critérios geográficos (proximidade com as escolas-piloto) e têm a intenção de criar um paralelo de como a implantação do “novo ensino médio” vem ocorrendo em escolas-piloto e não-piloto.


Apontamentos de uma revisão bibliográfica


Tendo em vista os limites da extensão do artigo, a revisão bibliográfica aqui apresentada objetiva tratar brevemente dos principais aspectos da reforma do ensino médio publicados em artigos científicos, com foco específico na organização e modos de oferta. Ela é constituída por artigos científicos veiculados em periódicos desde o ano de publicação da Medida Provisória n. 746/2016, convertida posteriormente na Lei n. 13.415, em 16 de fevereiro de 2017, e disponíveis em quatro bases de dados: Portal de Periódicos da Capes, Scielo, Scopus e a coleção principal da Web of Science, as quais consideramos como repositórios científicos amplos e com boa representatividade no campo educacional brasileiro.

Na leitura dos artigos, buscamos identificar os principais temas e aspectos abordados em relação à reforma do ensino médio, com atenção especial para possíveis estudos sobre a sua implantação nos marcos da Lei n. 13.415/2017 e/ou impactos para a oferta e organização do ensino médio. Do total de 96 artigos encontrados, excluímos os duplicados (disponíveis tanto em português quanto em inglês ou encontrados em mais de uma base de dados), assim como aqueles que apenas tangenciam a discussão da reforma do ensino médio, obtendo um corpus documental com 45 artigos.

Embora todos os artigos tratem da reforma do ensino médio, as abordagens temáticas são diversas e publicadas em 29 periódicos diferentes. Algumas publicações vêm de áreas do conhecimento e modalidades de ensino específicas, cujos contextos históricos e teórico-epistemológicos tendem a dificultar a possibilidade de realizar sínteses. Sendo assim, nos limites desse texto, buscaremos realçar somente os aspectos mais gerais tratados nos artigos com foco nas formas de

organização e oferta do ensino médio, retomando duas questões iniciais: como a reforma do ensino médio vem sendo implantada nas escolas ou redes de ensino? E/ou quais os (possíveis) impactos da reforma para a organização e modos de oferta do ensino médio?

Considerando a produção acadêmica mapeada, verificamos que nenhum artigo trata especificamente da implantação ou dos impactos da reforma do ensino médio nos marcos da Lei n. 13.415/2017. Porém, entre o “tempo” da política e o da pesquisa, ressaltamos duas características e, simultaneamente, contribuições dos artigos para ampliar a compreensão desse processo e/ou levantar hipóteses de estudo: uma parte deles retrata os processos de constituição da lei, sobretudo os estudos que deram destaque à imposição da reforma e as disputas ocorridas durante a tramitação da MP

n. 746; outra parte antecipa os impactos da lei como hipóteses, ao considerar, dentre outros aspectos, a própria experiência histórica, sendo que alguns assumem as duas características.

A atual reforma do ensino médio, intitulada pelo governo federal como “novo ensino médio”, em linhas gerais se caracteriza por alterar a organização curricular deste nível de ensino e o seu financiamento público. Por meio dela, o currículo do ensino médio deixa de ter um tronco comum para todos os estudantes desta última etapa da educação básica e, dividido, passa a ser composto por uma “Base Nacional Comum Curricular [BNCC] e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino” (BRASIL, 2017). Sem a definição de uma carga horária mínima, está previsto para a BNCC o limite máximo de 1.800 horas destinadas aos conteúdos organizados pelas redes de ensino em quatro áreas do conhecimento (linguagens, matemática, ciências humanas e ciências da natureza), tendo unicamente como disciplinas obrigatórias a Língua Portuguesa e a Matemática. Para os itinerários formativos, são previstas as mesmas quatro áreas do conhecimento, acrescidos da formação técnica e profissional, que comporiam as cinco ênfases, dentre as quais, segundo o governo, os próprios estudantes poderiam escolher para aprofundamento de seus estudos (BRASIL, 2017). Ainda segundo o governo do então presidente Michel Temer (2016-2018), essa flexibilidade da oferta e a autonomia dos estudantes em realizar suas escolhas e construir seu “projeto de

vida” é que tornariam o ensino médio mais atrativo para os jovens e, portanto, capaz de fazer frente aos problemas deste nível de ensino.

De modo geral, os artigos não desconsideram os problemas e desafios aludidos na exposição de motivos do governo ao justificar a medida provisória para essa última etapa da educação. Aliás, há o reconhecimento do ensino médio como a etapa mais problemática da escolarização no cumprimento de suas atribuições e garantia do direito à educação básica para todos os brasileiros, como previsto na Constituição Federal (CORRÊA; GARCIA, 2018, p. 606). Contudo, eles advertem que os reformadores desconsideraram o acúmulo de pesquisas realizadas nas universidades e o conjunto das condições necessárias para o adequado funcionamento das escolas, quanto à sua infraestrutura, a formação dos professores, sua remuneração e carreira, a gestão democrática das escolas e dos sistemas de ensino, dentre outras, limitando- se apenas à alteração da organização curricular do ensino médio.

Do mesmo modo, aspectos problemáticos de experiências anteriores no próprio Brasil, similares à reforma atual, também não são levados em consideração. Leão (2018) relata duas tentativas frustradas do governo de Minas Gerais ao implantar algo semelhante à atual reforma: em meados dos anos 2009, com a organização por áreas nas duas últimas séries do ensino médio; e, em 2012, o programa “Reinventando o Ensino Médio”, que foi experimentado como projeto-piloto em condições ideais, mas com sua implantação sem intervenção nas condições de funcionamento das escolas e mobilização das redes, não gerou melhorias para as escolas. Outra experiência, o Programa de Educação Integral (PEI), desenvolvida em Pernambuco desde 2008 e ainda em vigor, citada pelos reformadores como caso de sucesso e modelo para o "novo ensino médio", é calcada em modelos administrativos de organizações privadas, com excessiva mensuração e processo seletivo, que aprofunda as desigualdades entre os estudantes (FERREIRA, 2017), além das grandes desigualdades nas condições de trabalho e salariais dos professores, em função da política de responsabilização e bonificação de docentes e gestores relacionadas às metas a serem alcançadas nas avaliações (LEÃO, 2018).

Quanto à organização curricular, os artigos têm apontado também que a lei é bem clara de que a prerrogativa da oferta dos itinerários formativos pertence aos sistemas de ensino, por conseguinte, não há garantia de que todos eles serão realmente ofertados. E, a depender das atuais condições dos sistemas de ensino e

das crescentes restrições orçamentárias impostas pelos governos, certamente a oferta não será ampla e, no limite, a escola que ofertar apenas um itinerário formativo não estará incorrendo em um ato ilegal. Porém, mesmo que haja a oferta de todos os itinerários formativos propostos, continuam as preocupações com a possibilidade de redução, esvaziamento ou empobrecimento da formação humana dos estudantes das escolas públicas e a ampliação das desigualdades entre escolas, sistemas de ensino e regiões por conta do acesso diferenciado ao conhecimento produzido pela humanidade e distribuído nas escolas (HERNANDES, 2019, 2020; LIMA; MACIEL, 2018).

Para a maioria dos autores deste corpus documental, o itinerário técnico e profissional apartado da formação geral ou propedêutica (representada na lei pela BNCC), retoma com maior intensidade a histórica dualidade entre a formação propedêutica e profissional, além de reconhecerem, não sem identificar incoerências, insuficiências e contradições, diversas iniciativas e esforços de sua superação encetadas durante o governo Lula-Dilma por meio de políticas e programas que permitiram a sua oferta conjunta e uma concepção teórica e ético-política de formação profissional integrada ao ensino médio. Nesse sentido, Costa e Coutinho (2018) observam que, embora a Lei n. 13.415/2017 não impeça o acesso aos cursos superiores como ocorrido na Reforma Capanema da década de 1940, a formação fragmentada em itinerários formativos se apresenta como um retrocesso e poderá dificultar a verticalização daqueles que optarem pela formação profissional, considerando que os conhecimentos necessários a ascensão aos cursos de graduação possam ser insuficientes para a aprovação em vestibulares. Concordando com eles, Henrique (2018, p. 300) relembra a Reforma Capanema e acredita que “na melhor das hipóteses, para os egressos da Formação Técnica e Profissional restarão os cursos tecnológicos, mais curtos e específicos”. Ademais, Ferreti (2018) faz um balanço de outras legislações da educação profissional, reconhecendo em particular que, apesar da radicalidade do Decreto n. 2.208/1997 no aprofundamento daquela dualidade, a reforma instituída pela Lei n. 13.415/2017, além de subverter completamente a proposta de integração entre a formação geral do ensino médio e a formação profissional, conseguiu ainda piorar o quadro oferecido pelo Decreto 2.208/1997, pois, ao contrário da possibilidade prevista neste decreto, da formação do jovem ocorrer de modo concomitante à formação geral do ensino médio até à sua

conclusão, ela se torna apenas um itinerário e, com a formação geral, reduzida em carga horária e restrita ao início do ensino médio por meio da BNCC.

Grosso modo, essa síntese da revisão bibliográfica traz os apontamentos dos artigos sobre as possíveis implicações da reforma do ensino médio para a garantia do direito à educação dos jovens brasileiros. Ou seja, ampliam-se as dificuldades e os desafios para garantir a todos e todas as próprias finalidades do ensino médio, conforme previsto no Art. 35 da LDB (BRASIL, 1996), especialmente a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental para o devido prosseguimento de estudos, se assim os jovens desejarem; a preparação básica para o trabalho; e a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos. A distinção entre base comum e itinerários formativos, assim como a fragmentação desses últimos, rompe com a ideia de unidade da educação básica, descaracterizando o ensino médio em relação às etapas anteriores, com profundas implicações para a formação humana dos jovens. No entanto, felizmente, também os artigos indicam a difícil, mas necessária resistência dos jovens, trabalhadores da educação e movimentos sociais; alguns autores até apontam brechas no bojo das contradições da legislação para ações contra-hegemônicas; e nós ressaltamos, ainda, a importância dos pesquisadores e pesquisadoras do ensino médio continuarem comprometidos com pesquisas e reflexões críticas no contexto das lutas por uma educação pública, laica, gratuita e com qualidade socialmente referenciada.


Implantação do “novo ensino médio” no Espírito Santo


Partimos do pressuposto de que as políticas educacionais podem ser implantadas de diversas formas, de acordo com cada cultura escolar e conforme as capacidades técnicas, financeiras e políticas de cada ente da federação. Dessa maneira, a Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo (Sedu) adotou um modelo de aplicação da lei bastante singular. Primeiramente, instituiu um grupo de trabalho (GT) para coordenar a ação de implantação do “novo ensino médio” e elaborar o Plano de Implementação do “novo ensino médio” – PLI pela Portaria n. 176- S, de 08 de fevereiro de 2019 (SEDU, 2019c). O grupo de trabalho foi constituído por 9 (nove) profissionais, sendo 8 (oito) vinculados a cargos na própria Sedu e um da

Superintendência Regional de Educação (SRE) – supervisores pedagógicos das SREs de Carapina, Cariacica e Vila Velha. As atribuições estipuladas para o GT são extensas e vão desde fazer reuniões com coordenadores e professores das escolas- piloto para dirimir dúvidas sobre a implantação do "novo ensino médio”, até fazer levantamento sobre as disciplinas eletivas e projetos pedagógicos ofertados por professores da rede.

Mas no início de 2020, uma nova portaria foi publicada pela Sedu para instituir o Comitê Operacional do Novo Ensino Médio para coordenar e acompanhar as ações de Implementação do Novo Ensino Médio Capixaba, no âmbito da educação básica no Estado do Espírito Santo (Portaria n. 271-S, de 13 de março de 2020) (SEDU, 2020d). Nessa portaria, as atribuições da Comissão são resumidas assim:


Art. 4º Compete ao Comitê Operacional executar, monitorar e avaliar o desenvolvimento das ações contidas no plano de implementação do Novo Ensino Médio com vistas a discutir, encaminhar propostas, propor estudos, produzir diagnósticos, entre outras ações, que possam subsidiar a implementação do Novo Ensino Médio da rede pública estadual do Espírito Santo (SEDU, 2020d, s/p).


Esse Comitê passa a ser composto por 18 (dezoito) profissionais, todos com cargo de gerência na Sedu e não tendo mais qualquer profissional da SRE. Além dessas portarias com caráter de planejamento para implantação do “novo ensino médio”, até o momento, a Sedu instituiu apenas um instrumento normativo de orientação da organização curricular – a Portaria n. 145-R, de 19 de dezembro de 2019, que dispõe sobre as Diretrizes para as Organizações Curriculares na Rede Pública Estadual de Ensino para o Ano Letivo de 2020 (SEDU, 2019b). Ou seja, as orientações da Sedu estão no limite da organização curricular das escolas do ensino médio.

A Sedu planejou a implantação do “novo ensino médio” em 15 (quinze) escolas selecionadas com base nas condições adequadas de infraestrutura e que já ofertavam o tempo integral, de acordo com a Portaria Sedu n. 015-R, de 06 de fevereiro de 2019, que institui e organiza a implantação de escolas-piloto do "novo ensino médio” na rede pública estadual do Espírito Santo (SEDU, 2019,d). Os gestores dessas escolas- pilotos participaram de alguns encontros formativos ao longo do ano de 2019, junto com outros gestores das escolas de tempo integral, técnicos da Superintendência Regional de Educação (SRE), supervisores administrativos e supervisores escolares.

Em tais encontros foram apresentados os documentos orientadores para as escolas organizarem a oferta do que se intitula “novo ensino médio”. De acordo com análise dos documentos divulgados nesses encontros, a centralidade das formações estava na organização curricular e, sobretudo, na introdução de 3 (três) atividades diversificadas, quais sejam: o projeto de vida, as eletivas e o estudo orientado.

A decisão da Sedu em organizar o “novo ensino médio” com base nessas três atividades diversificadas vem de sua experiência do programa Escola Viva (Programa de Escolas Estaduais de Ensino Fundamental e Médio em Turno Único, conhecido como Programa Escola Viva), implantado pelo governo anterior de Paulo Hartung (governo atual é de oposição), no ano de 2015. O programa Escola Viva veio para o Espírito Santo "pelas mãos" dos gestores da ONG empresarial Espírito Santo em Ação, parceira do governo na elaboração do Programa de Governo ES - 2030. A administração do projeto nas escolas ficou para uma entidade de caráter privado – o Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE), que, entre outras funções, era o responsável por coordenar a seleção de gestores e professores, retirando, desse modo, a autonomia do poder público nas decisões que envolvem a educação. Entre 2015 e 2018, 38 (trinta e oito) escolas de ensino médio passaram a adotar o projeto Escola Viva, algumas em prédios próprios e outras em prédios alugados pelo estado. De acordo com dados de Alcântara, Matos e Costa (2020), o governo estadual priorizou um alto investimento no Programa em detrimento das demais escolas da rede regular de ensino. É possível evidenciar tal fato quando se compara o investimento realizado em três escolas que aderiram ao Programa com três da rede regular. Três escolas do Programa Escola Viva, com 1.194 alunos matriculados, receberam R$ 383.900,00, tendo um custo de R$ 321,52 por aluno, enquanto nas escolas regulares, com 3.468 alunos matriculados, o repasse total foi de R$ 210.200,00, tendo um custo por aluno de R$ 60,618.

O governo atual de Renato Casagrande (PSB - 2019) herdou o programa que havia instalado uma jornada escolar de até 9h30min de permanência na escola, sendo 7h30min em atividades pedagogicamente orientadas. Considerando ser um governo de oposição ao anterior, a Sedu mudou o nome do Programa para Escola de Tempo Integral e, com base na Lei n. 13.415/2017, decidiu iniciar sua implantação


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8 Importante destacar que o Programa Escola Viva foi muito contestado pela comunidade escolar do Espírito Santo que acusou o governo de não permitir o diálogo.

dando sequência, sobretudo, ao Projeto de Vida que, segundo a Subsecretária Pedagógica da Sedu, trata-se de uma atividade muito bem avaliada pela Secretaria. Mas, de acordo com estudiosos, essa atividade tem um caráter neoliberal.

O ICE parte do princípio de que cada estudante deve ter um projeto de vida que consiste na elaboração de metas acadêmicas e no desenvolvimento de habilidades socioemocionais (resiliência, resolução de problemas, estímulo à curiosidade), que, por sua vez, estão alinhadas às competências e recomendações dos organismos internacionais. Para os idealizadores, o projeto de vida é condição propulsora para que o estudante tenha êxito na vida acadêmica e no mundo do trabalho (ALCÂNTARA; MATOS; COSTA, 2020, p. 7).


Estudos realizados sobre o programa Escola Viva (ALCÂNTARA; MATOS; COSTA 2020; OLIVEIRA; LIRIO, 2017; PETERLE, 2016) denunciam que esse

programa representou efetivamente a concepção de gerenciamento do Estado pautada pela lógica neoliberal, na qual os princípios de qualidade total e eficiência passaram a exercer um poder central sobre os rumos políticos e econômicos do Estado do Espírito Santo em termos de política educacional (OLIVEIRA; LIRIO, 2017). A organização do “novo ensino médio” na rede estadual do ES reafirma a lógica neoliberal que deu origem à Lei n. 13.415/2017 dentro de um governo do Partido Socialista Brasileiro. Para essa gestão, as diretrizes do ICE continuam valendo como orientações para a execução da atividade Projeto de Vida. Segundo o documento

“Diretrizes curriculares e operacionais para projeto de vida 2020”,


Nesta unidade curricular, deve-se considerar a formação integral do estudante, contemplando seu Projeto de Vida e sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais, além de ser uma estratégia pedagógica de reflexão sobre sua trajetória escolar na construção das dimensões pessoal, cidadã e profissional do estudante (SEDU, 2019c, s/p).


Na perspectiva dessa atividade curricular, os professores responsáveis são incorporados no trabalho pedagógico como “parceiros” que devem acreditar que o estudante é capaz de concretizar todas as etapas necessárias para realizar o seu projeto de vida. Não é à toa que esse projeto de escola, que foi ampliado para uma parte do país, seja reconhecido como escola da escolha, onde estudantes escolhem o seu projeto de vida e os trabalhadores docentes escolhem trabalhar nesse projeto e, caso um docente não seja bem avaliado, o gestor pode fazer sua transferência. Esse cenário transforma a identidade do profissional, que se afasta de uma ética do

serviço público, caminhando para uma ética de empresa, onde impera uma nova linguagem, uma outra organização dos ambientes pedagógicos e de mediação. A autonomia é controlada, a coerção é flexível e o autocontrole é a conduta aceitável. Os processos formativos – dos estudantes e docentes – ficam reduzidos no ato de mobilizar as aspirações à realização pessoal a serviço da escola-empresa, transferindo exclusivamente para o indivíduo a responsabilidade pelo cumprimento dos objetivos.

Como mostra o livro de Dardot e Laval (2016), o neoliberalismo não é tão somente uma teoria econômica, mas uma nova sociabilidade que se forma na sociedade contemporânea, pois trata-se de uma teoria com forte sustentação moral, em que o mercado é concebido como um processo de autoformação, um processo subjetivo autoeducador e autodisciplinador, pelo qual o indivíduo aprende a se conduzir. A formação desse novo indivíduo vai demandar da escola um papel determinante, que aponta para a constituição da responsabilidade individual e o autocontrole. A responsabilidade é uma qualidade adquirida pela interiorização de coerções, o que significa “ser empreendedor de si mesmo”. Para isso, a instauração de técnicas de auditoria, vigilância e avaliação visa aumentar a exigência de controle de si mesmo e o bom desempenho individual (DARDOT; LAVAL, 2016).

Podemos afirmar que a atividade curricular Projeto de Vida busca desenvolver uma espécie de engajamento moral dos estudantes na sociedade com base nos valores do mercado, os quais podem ser interiorizados pelo discurso característico do empreendedorismo. Parece que estamos presenciando uma mudança no sentido de capital humano tal como o conhecemos no século XX, cuja noção tinha uma dimensão externa, isto é, a qualificação dos trabalhadores fazia parte de um projeto das instituições de ensino. Já a noção de capital humano no século XXI remete a uma conduta pessoal construída internamente com base em valores. O projeto educativo em curso não tem mais a centralidade na qualificação do trabalhador como no passado recente, mas em orientar os jovens para fazer escolhas racionais e sem colocar em risco a dominação capitalista. Formar indivíduos, governar suas condutas é, portanto, mais importante do que, efetivamente, resolver o problema do desemprego. Problema que, em todo caso, pode ser gerido convencendo as pessoas de que elas são as únicas responsáveis por seu sucesso profissional; e que, para ter sucesso, é preciso, especialmente, mudar seu comportamento.

As outras duas atividades da parte diversificada do currículo da rede estadual do ES – eletivas e estudo orientado – completam o projeto do “novo ensino médio”. A orientação da Sedu é que os estudantes escolham as eletivas de forma articulada ao seu projeto de vida e, cabe aos professores, ter criatividade e “comprometer-se em desafiar e estimular os estudantes” (SEDU, 2020a, s/p).

As aulas das Eletivas têm como objetivo possibilitar a ampliação, o aprofundamento e o enriquecimento do repertório de conhecimentos dos estudantes a partir de conteúdos e temas relacionados à Base Nacional Comum Curricular – BNCC, expandindo, dessa forma, suas capacidades de ler o mundo de maneira crítica e propositiva e, mais ainda, de sua própria atuação como estudante, como protagonista e como agente de transformação da sociedade (SEDU, 2020a, s/p).


A citação acima remete a uma pergunta sobre se será possível alcançar o objetivo de ampliar as capacidades dos estudantes de ler o mundo de maneira crítica e propositiva se o currículo se limitar à Base Nacional Comum Curricular. Pois a BNCC do ensino médio recupera o discurso dos anos 1990, quando implantados os Parâmetros e Diretrizes Curriculares Nacionais, conforme apresentado por Silva (2018).

Nos dispositivos que orientam as proposições curriculares com base em competências, prepondera, assim, uma concepção de formação humana marcada pela intenção de adequação à lógica do mercado e à adaptação à sociedade por meio de uma abstrata noção de cidadania. Esse discurso é marcado, também, pelo não reconhecimento da dimensão da cultura como elemento que produz, ao mesmo tempo, a identidade e a diferença. A noção de competências, ora como resultado de uma abordagem biologista e/ou inatista da formação, ora em virtude de seu caráter instrumentalizador e eficienticista, consolida uma perspectiva de educação escolar que, contraditoriamente, promete e restringe a formação para a autonomia (SILVA, 2018, s/p).


A atividade Orientação de Estudo (OE), por sua vez, objetiva criar hábitos de estudo. Para a Sedu, essa ação é

uma prioridade e uma necessidade, pois o estudante precisa saber o que, quando e como estudar. É necessário que ele tenha clareza desses procedimentos, para que possa dedicar, de forma eficiente, tempo e esforço no ato de estudar. Quando o estudante vê sentido e significado em sua relação com o saber, o ato de estudar passa a ter novo sentido para seu Projeto de Vida (PV) e as aulas de OE passam a ter um papel importante em sua vida estudantil (SEDU, 2020b, s/p, grifos do autor).

Mais uma vez o material produzido pelo ICE é indicado para subsidiar as aulas dos professores.

As informações coletadas por meio de entrevistas realizadas com gestores das escolas-piloto indicam que a discussão sobre os itinerários formativos ainda não foi realizada pela Sedu, que ficou de fazer isso no ano de 2020, todavia tudo foi interrompido em razão da pandemia causada pelo Covid-19. Mas, de acordo com o Quadro 1, o itinerário formativo tem a previsão de uma carga horária de 1.200 horas, cumprida por meio da realização das 3 (três) atividades: projeto de vida, eletiva e estudo orientado.


Quadro 1 – Modelo do “novo ensino médio” no Espírito Santo


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Fonte: SEDU (2020e).


Percepções dos docentes sobre o “novo ensino médio”: dados da enquete


No primeiro semestre do ano de 2019, realizamos uma enquete com os docentes de 22 escolas da Região Metropolitana de Vitória, no Espírito Santo, composta pelos municípios de Cariacica, Fundão, Guarapari, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória. As escolas foram selecionadas por Portaria da Sedu na qual foram definidas

as escolas-piloto para implantação do "novo ensino médio" no estado, contabilizando 15 (quinze) escolas. As outras 7 (sete) escolas, referidas como não-pilotos, foram selecionadas através de critérios geográficos (proximidade com as escolas-piloto), sob a intenção de criar um paralelo sobre a percepção dos docentes acerca do "novo ensino médio”.

Foram 263 respostas de 263 docentes das escolas selecionadas para a aplicação dos questionários. O procedimento para definição estatística da pesquisa foi realizado por meio do cálculo do tamanho de uma amostra proposto por Soares e Santos (2019), uma vez que se trata de um método eficiente, porém simples de estabelecer o tamanho da população. No intuito de obter um espaço amostral capaz de gerar resultados confiáveis e, simultaneamente, otimizar ao máximo o tempo e os recursos disponíveis para a aplicação dos questionários, foi adotado um erro amostral igual a 5%, o que configura, portanto, uma confiabilidade de 95%. Por fim, a amostragem foi estratificada entre as instituições de ensino selecionadas de forma proporcional à sua quantidade de professores, assim, se há mais docentes em determinada escola, ela contribuirá mais para o espaço amostral que uma outra cujo número de professores é menor, conforme o método de amostragem aleatória estratificada. Os resultados desses cálculos podem ser verificados na tabela 1.

Segundo a tabela 1, a maior parte das escolas estão sob administração da Superintendência de Carapina, que contempla os municípios de Vitória, Serra, Santa Teresa e Fundão, sendo a superintendência com maior número de escolas-piloto, enquanto Serra é o maior município. Segundo Censo do IBGE de 2010, Serra é o município com maior população entre 15 e 19 anos, faixa etária esperada para o ensino médio, e, junto a Fundão, com maior taxa de crescimento geométrica média anual, enquanto Vitória ocupa a posição de maior número de matrículas. Esses também são os maiores dados do estado do Espírito Santo, o que talvez justifique as escolhas feitas pela Sedu em relação à seleção das escolas-piloto. Ainda acerca da tabela 1, é possível observar que boa parte das escolas não tiveram número de participantes no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) suficiente para que os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica fossem divulgados, mas as outras formulam uma média de 4,47 no IDEB, sendo a maioria escolas-piloto, as quais também concentram as maiores notas no índice.

Tabela 1 – Número de docentes das escolas selecionadas para a pesquisa (Rede Estadual Espírito Santo, em 2019) e Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB do ensino médio, em 2019).


SER

Município

Escola

Docentes

Situação


IDEB

Carapina

Fundão

CEEFMTI Nair Miranda

19

Piloto

4.5

Carapina

Serra

EEEFM Profª. Hilda Miranda Nascimento

48

Não-piloto

*

Carapina

Serra

EEEFM Jacaraípe

56

Piloto

3.7

Carapina

Serra

EEEFM Aristóbulo Barbosa Leão

46

Não-piloto

*

Carapina

Serra

CEEFMTI Dr. Getunildo Pimentel

24

Piloto

**

Carapina

Serra

EEEFM Francisco Nascimento

20

Piloto

5.6

Carapina

Serra

CEEFMTI Joaquim Beato

24

Piloto

3.3

Carapina

Vitória

EEEM Colég. Estadual do Espírito Santo

63

Não-piloto

4

Carapina

Vitória

EEEM Irmã Maria Horta

44

Piloto

5.1

Carapina

Vitória

CEEMTI Profº. Fernando Duarte Rabelo

27

Piloto

5.2

Carapina

Vitória

EEEM Arnulpho Mattos

87

Não-piloto

4.5

Carapina

Vitória

CEEMTI Dr. Agesandro da Costa Pereira

25

Piloto

4.9

Cariacica

Cariacica

EEEFM José Vitor Filho

19

Piloto

*

Cariacica

Cariacica

CEEMTI Profª. Maria Penedo

25

Piloto

3.5

Cariacica

Cariacica

EEEFM Hunney Everest Piovesan

57

Não-piloto

*

Cariacica

Cariacica

EEEFM Rosa Maria Reis

17

Piloto

*

Cariacica

Viana

EEEM Irmã Dulce Lopes Ponte

39

Não-piloto

*

Cariacica

Viana

CEEFMTI Ewerton M. Guimarães

32

Piloto

*

Vila Velha

Vila Velha

EEEFM Adolfina Zamprogno

22

Piloto

*

Vila Velha

Vila Velha

EEEFM Dr. Francisco Freitas Lima

27

Não-piloto

4.8

Vila Velha

Vila Velha

CEEFMTI Assisolina Assis Andrade

26

Piloto

*

Vila Velha

Vila Velha

CEEMTI Profª. Maura Abaurre

23

Piloto

4.6

*Número de participantes no SAEB insuficiente para que os resultados fossem divulgados.

**Não existem resultados para o ensino médio. Fonte: SEDU (2019a) e INEP (2019).

As escolas-piloto tiveram 147 questionários respondidos, sendo que, desses, 3 (três) foram devolvidos em branco, enquanto as escolas não-piloto contabilizaram

116. Nas escolas-piloto, 95 professores/as, aproximadamente 64,6%, afirmaram que havia, naquele momento, mudanças curriculares sendo propostas em suas instituições de ensino. Ao mesmo tempo, apenas 33,2% dos docentes das escolas não-piloto declararam “sim” à mesma questão. Essa diferença entre escolas-piloto e não-piloto se repete acerca da participação dos docentes em ações sobre o "novo ensino médio". Dos docentes das escolas-piloto, 60,6% responderam que participaram de alguma ação, ao passo que, nas escolas não-piloto, 41,4% dos docentes afirmaram a mesma coisa. As principais ações realizadas foram semelhantes em ambos os cenários: encontros de formação pedagógica, reuniões com alguns docentes e reuniões com todos os profissionais da educação da escola. Chama atenção os dados referentes ao conhecimento dos respondentes acerca de ações existentes voltadas para o “novo ensino médio” nas escolas não-piloto, mesmo que em número inferior às escolas-piloto. E não se trata, como pode-se pensar à primeira vista, que podem ser docentes que atuam nas mesmas escolas. Essa hipótese não é segura porque a pergunta do questionário diz respeito à experiência do respondente na escola onde respondeu ao questionário. A hipótese comprovada pela pesquisa é de que a atividade curricular “projeto de vida” foi implantada também nas escolas não-piloto.

Por outro lado, quanto à participação sobre a discussão em relação aos itinerários formativos, ambos os cenários tiveram apurações semelhantes: mais de 50% dos docentes afirmaram não participar de debates sobre a organização dos itinerários, o que leva a crer sobre a ausência desse debate e que a centralidade posta pela Lei n. 13.415/2017 não é apropriada, pelo menos até o momento, pela rede estadual do ES.

Em relação à ciência da implementação do "novo ensino médio” no Espírito Santo, 90,9% de todos os docentes responderam que sim, tinham ciência, mas quando questionados sobre quais seriam as mudanças previstas, apenas 25,5% afirmaram saber, enquanto a maioria (59,31%) se deteve a responder que sabiam parcialmente e 12,9% disseram não saber. Considerando que essas mudanças no ensino médio impactam diretamente na vida dos profissionais da educação, esses

dados revelam que as informações e, sobretudo, a participação do corpo docente na organização escolar não atendem ao princípio constitucional da gestão democrática. Paralelamente, 41,8% dos docentes questionados demonstraram impressões/opiniões negativas sobre as propostas de mudança do ensino médio; 27% demonstraram impressões/opiniões positivas e 25,8% não tinham opinião. Ressaltamos que a maior parte dos docentes com opinião negativa ou sem opinião encontram-se nas escolas não-piloto e a maior parte com opinião positiva nas escolas- piloto. Mas chama atenção a pequena diferença entre as impressões positivas (48 respondentes) e negativas (35 respondentes) dos respondentes das escolas-piloto e,

24 docentes responderam que possuem uma péssima impressão. Vale destacar também que a maioria dos docentes que demonstrou positividade em relação às mudanças, participou de ações sobre o "novo ensino médio” e o maior número de professores que tiveram as primeiras impressões negativas não participaram dessas ações em suas instituições.

Em relação ao sentimento sobre o "novo ensino médio”, os docentes das escolas não-piloto (50 respondentes) afirmaram um sentimento pessimista, enquanto nas escolas-piloto foram 51 respondentes que declararam pessimismo em face a 48 que apresentaram um sentimento otimista. 18 docentes das escolas não-piloto expressaram um sentimento otimista em relação ao "novo ensino médio”. Quando questionados sobre a existência, em sua escola, de resistências à implantação do “novo ensino médio”, 49% dos docentes das escolas-piloto e, 52% das escolas não- piloto afirmaram haver resistências. Enquanto 43% dos respondentes das escolas- piloto afirmaram não existir resistência em sua escola, nas escolas não-piloto o quantitativo foi de 27% dos respondentes. Os demais não responderam a essa questão: 8% e 21% respectivamente.

Parece haver, aí, uma certa ligação com a histórica desconfiança adquirida pelos docentes em relação às políticas educacionais adotadas pelos governos de turno que, em face a tantas incertezas, a ação de resistência passa a ser a reação mais comum no ambiente escolar. Por sua vez, a ausência de diálogo horizontal com a comunidade escolar, comprovada pelos documentos analisados assim como pela posição da maioria dos respondentes – que desconhecem ou apenas conhecem parcialmente as medidas para implantação do “novo ensino médio”, pode produzir ações de cumprimento de tarefas desconectadas de uma política, assim como o

fortalecimento da burocratização do ensino. Geralmente, para uma reforma obter êxito, ela não pode ameaçar substancialmente a "gramática básica da escola" (LESSARD; CARPENTIER, 2016).

De todo modo, a reforma do ensino médio representa um retrocesso na formação dos jovens e a forma de sua implantação no Espírito Santo, até o momento, representa um projeto político-pedagógico de controle das mentes e dos corpos de nossos estudantes para adaptá-los à sociedade sem empregos. Nossa aposta está na resistência dos trabalhadores docentes que tendem, constantemente, a se defrontar com expectativas contraditórias e, às vezes, distantes de sua realidade. Nossa aposta também está na compreensão de que a implementação de uma política é bastante complexa e que remete às estruturas normativas e cognitivas que se estendem ao longo do tempo com certa estabilidade. Essas estruturas se articulam aos sentidos construídos no cotidiano do trabalho docente em face às diferentes culturas estudantis e institucionais. O resultado somente pode ser compreendido no processo, nada linear, onde esta pesquisa segue investigando.


Referências


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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


A REFORMA DO ENSINO MÉDIO EM SANTA CATARINA: UM PERCURSO ATRAVESSADO PELOS INTERESSES DO EMPRESARIADO1

Filomena Lucia Gossler Rodrigues da Silva2

Tatiane Aparecida Martini3 Tamiris Possamai4

Resumo

Este artigo tem como propósito sistematizar e refletir sobre o percurso de implementação da Reforma do Ensino Médio em Santa Catarina, no âmbito da rede pública estadual. Observamos, a partir de pesquisa documental e bibliográfica, que as ações desenvolvidas pela Secretaria de Estado da Educação para a implementação dessa reforma estão atravessadas pelos interesses do empresariado. Tais interesses se materializam na formação dos estudantes, por meio da estruturação curricular, e na formação e trabalho dos docentes.

Palavras-chave: Reforma do Ensino Médio. Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina. Empresariado.


LA REFORMA DE LA ENSEÑANZA MEDIA EM SANTA CATARINA: UN PERCURSO ATRAVESADO POR LOS INTERESES DE LA COMUNIDAD EMPRESARIAL


Resumen

Este artículo tiene como propósito sistematizar y reflexionar sobre la implementación de la Reforma de la Enseñanza Media brasileña en Santa Catarina, dentro de la red pública estatal. Observamos, a partir de la investigación documental y bibliográfica, que las acciones desarrolladas por la Secretaría de Estado de Educación para la implementación de esta reforma están atravesadas por los intereses de la comunidad empresarial. Tales intereses se materializan en la formación de los estudiantes a través de la estructuración curricular y en la formación y el trabajo de los profesores.

Palabras clave: Reforma de la Enseñanza Media. Red estatal de la Enseñanza de Santa Catarina. Comunidad empresarial.


SECONDARY EDUCATION REFORM IN SANTA CATARINA: A ROUTE CROSSED BY BUSINESS COMMUNITY INTERESTS


Abstract:

This article aims to systematize and reflect on the implementation path of the Secondary Education Reform in Santa Catarina, within the state public network scope. We observed, based on documentary and bibliographical research, that the actions developed by the Secretary of State for Education to implement this reform are crossed by the interests of the business community. Such interests are materialized in students training through curricular structuring and in teacher training and work.

Keywords: Secondary Education Reform. Public education network of the state of Santa Catarina. Business Community.


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1 Artigo recebido em 30/11/2020. Primeira avaliação em 05/03/2021. Segunda avaliação em 05/03/2021. Aprovado em 20/03/2021. Publicado em 27/05/2021.

DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.47398.

  1. Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora do Programa de Pós- graduação em Educação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense.

    E-mail: filomena.silva@ifc.edu.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8275-7714. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9115883879758456.

  2. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto Federal Catarinense (IFC - Campus Camboriú). Licenciada em História. Professora de História da Educação Básica.

    E-mail: tatiane.martini@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4444-0924. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8274962591320761.

  3. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto Federal Catarinense (IFC) - Campus Camboriú. Bacharela em Direito. Técnica Administrativa em Educação no IFC - Campus Rio do Sul.

E-mail: tamirispssm@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6107-1257. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0356074764955643

Introdução


As mudanças resultantes das atuais políticas públicas brasileiras, entre elas a Reforma do Ensino Médio, têm impactado diretamente sobre a concepção de formação das juventudes e sobre o trabalho docente. A partir das normatizações mais recentes, decorrentes da Lei nº 13.415/2017 (BRASIL, 2017), cada estado da federação vem desenvolvendo ações e produzindo regulamentações distintas para sua implementação. Diante desse cenário, o propósito deste texto é analisar os encaminhamentos da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina (SED/SC) com vistas à implementação da reforma nas escolas da rede pública estadual e seus impactos sobre a formação dos estudantes e na formação continuada de professores. Tal análise se fundamenta em uma abordagem qualitativa de pesquisa que toma como referência estudos bibliográficos e análise documental.

No que diz respeito aos impactos legais produzidos pela Reforma do Ensino Médio, a Lei nº 13.415/2017 alterou, além de artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Lei do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB (Lei nº 11.494/2007); revogou a Lei nº 11.161/2005 e estabeleceu a obrigatoriedade da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Ensino Médio. Além disso, como desdobramentos da Reforma e da BNCC, as políticas de formação inicial e continuada dos professores sofreram profundas alterações na sua concepção, expressas na Resolução CNE/CP 2/2019, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação) e na Resolução CNE/CP Nº 1/2020 (BRASIL, 2020), que dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BNC- Formação Continuada).

Como podemos observar, as regulamentações nacionais que decorrem da Reforma do Ensino Médio impactam não só na formação dos jovens estudantes brasileiros, mas alcançam as políticas de formação inicial e continuada de professores e o trabalho docente. Os alinhamentos com a proposta reformista instituída pela Lei

nº 13.415/2017 comprometem-se com a formação pragmatista e flexível requerida pelo capital. As modificações em tais documentos representam, portanto, o fortalecimento do conjunto normativo que vêm servindo de subsídio para uma série de regulamentações por parte dos governos estaduais e das instituições formadoras de professores, notadamente em relação ao seu currículo, que passa a ser organizado em itinerários formativos.

No que se refere ao estabelecimento de itinerários formativos, conforme o art. 36 da LDB/1996, observamos que impactam na redução de, pelo menos, 600 horas da carga horária da Base Nacional Comum Curricular, que passa a ser de, no máximo, 1800 horas. Essa mudança retira do jovem estudante um percentual significativo da formação básica, que já era insuficiente antes da aprovação da Lei nº 13.415/2017. Apesar da Reforma do Ensino Médio prever a progressiva ampliação da carga horária anual, sendo estabelecido que até 2022 alcance pelo menos 1.000 anuais, a composição do currículo tende a configurar uma nova institucionalidade da escola, que “deixará de ser o lugar de formação de verdadeiros cidadãos e tornar-se-á um celeiro de deficientes cívicos” (SANTOS, 1999, s.p).

No tocante à modalidade, o § 11, do art. 17, da Resolução CNE/CEB nº 3/2018 (BRASIL, 2018a), que atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, estabelece que 20% da carga horária dos cursos diurnos e 30% dos cursos noturnos poderá ser cursada a distância. Para a Educação de Jovens e Adultos, este percentual poderá chegar a 80% da carga horária total do curso. Tal aspecto da legislação, em nossa análise, aprofunda as desigualdades educacionais do estudante da escola pública, da classe trabalhadora mais empobrecida, uma vez que a previsão de percentuais de atividades não presenciais, traz dificuldades para conciliar estudo e trabalho e pode produzir ainda mais desigualdades em razão da falta de acesso às tecnologias na utilização da modalidade a distância e de condições de infraestrutura física adequadas para o estudo domiciliar.

Além disso, a Resolução nº 3/2018 (BRASIL, 2018a) retoma a ideia de competências e habilidades, vinculada à repudiada teoria do capital humano que responsabiliza os sujeitos por seus êxitos e fracassos, desconsiderando as condições concretas de vida dos cidadãos. A resolução estabelece, em seu art. 5º, “II - projeto de vida como estratégia de reflexão sobre trajetória escolar na construção das dimensões pessoal, cidadã e profissional do estudante”, sem explicitar as questões

históricas e sociais que implicam nessas dimensões individuais.

Esses aspectos iniciais são tomados para, então, voltarmo-nos ao foco deste trabalho, que é o de descrever e analisar como a Reforma do Ensino Médio tem sido encaminhada e como tem se materializado nas 120 escolas-piloto da Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina.


A adesão à reforma do Ensino Médio em Santa Catarina


O percurso da Reforma do Ensino Médio em Santa Catarina possui como principais fontes as normatizações em nível nacional, mencionadas na introdução deste texto. Os materiais aqui analisados constituem-se, em boa medida, de notícias publicadas no site oficial da Secretaria de Educação de Santa Catarina (SED/SC), assim como em vídeos, web conferências e outros utilizados durante as reuniões técnicas e encontros formativos junto a gestores e professores da rede estadual, no período de 2016 a 2020.

Uma primeira informação que julgamos ser importante mencionar neste percurso é que a apresentação do Novo Ensino Médio em nível nacional, realizada em 22 de setembro de 2016, pelo então Ministro da Educação (MEC) Mendonça Filho e pelo Presidente Michel Temer, contou com a participação de Eduardo Deschamps, que ocupava, à época, simultaneamente, o cargo de Presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) e de Secretário de Estado da Educação de Santa Catarina até abril de 20185

A partir dessa informação, não é de se estranhar que a SED/SC tenha aderido imediatamente ao Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio, normatizado pela Portaria nº 649, de 10 de julho de 2018 (BRASIL, 2018c). Para orientar os estados na implementação da Reforma, o MEC realizou duas web conferências no ano de 20186, sendo a primeira no dia 13 de agosto e a segunda em 14 de novembro. Participaram


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5 A notícia da Secretaria Estadual de Educação de Santa Catarina, de 22 de setembro de 2016, dia da apresentação da Medida Provisória 746, está disponível em: http://www.sed.sc.gov.br/secretaria/imprensa/noticias/27540-brasil-tera-novo-modelo-de-ensino- medio. Já a notícia do Consed que comunica a saída de Eduardo Deschamps da Secretaria Estadual de Educação de Santa Catarina, em abril de 2018, está disponível em: http://www.consed.org.br/central-de-conteudos/secretario-deschamps-se-despede-da-educacao- nesta-segunda-feira-30

6 O link das reuniões ainda existe, porém, os vídeos foram retirados do site do Ministério da Educação: http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-basica/webconferencias

dessas reuniões virtuais gestores e coordenadores de Ensino Médio e do Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo integral – EMTI das 27 secretarias estaduais e distrital.

Com base nessas reuniões, as escolas catarinenses que se enquadravam nos critérios do MEC7e foram pré-indicadas pela SED/SC, caso aderissem à proposta de se constituírem escolas-piloto da Reforma do Ensino Médio em SC, deveriam enviar a documentação solicitada até 23 de novembro de 2018. Após a adesão e seleção das escolas, os gestores foram incumbidos de iniciar a normatização do Novo Ensino Médio (NEM), produzindo as condições necessárias para a sua implementação.

Diante dessa orientação, nos anos de 2019 e 2020, foram realizados encaminhamentos sistemáticos para a implementação do NEM nas 120 escolas-piloto da rede estadual catarinense, alcançando gestores das coordenadorias de educação e profissionais que atuavam nessas escolas. Apenas dois desses encontros foram realizados de forma presencial, sendo os demais por web conferência, conforme será detalhado nas seções seguintes.


A Reforma do Ensino Médio em SC: primeiros encaminhamentos para a regulamentação e implementação das escolas-piloto no estado


Em 24 de maio de 2019, técnicos da SED/SC realizaram uma web conferência envolvendo gestores e professores de escolas-piloto da Reforma do Ensino Médio no estado com o propósito de apresentar os marcos legais e as principais alterações decorrentes da Lei 13.415/2017. Na oportunidade, foram mencionadas as ações necessárias para viabilizar a implementação do NEM ao longo de 2019 e 20208. Foram elas: a elaboração de plano de implementação do NEM; a reelaboração de propostas curriculares; a realização de formação continuada, envolvendo a legislação e temas referentes à reforma; a definição da carga horária para, no mínimo, 1000 horas anuais; e atividades de socialização e multiplicação de “boas práticas”.

Na continuidade do processo, em 14 de agosto de 2019, a SED/SC realizou um evento presencial na cidade de Chapecó que objetivou discutir o planejamento do


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7 Os critérios de escolha das escolas elegíveis para adesão foram definidos pela Resolução nº 21, de 14 de novembro de 2018 (BRASIL, 2018d). Em Santa Catarina, foram utilizados também os critérios da Portaria 649/2018 (BRASIL, 2018c) para adesão das escolas, que são: a obrigatoriamente 30% de escolas EMTI; escolas que já possuíam jornada diária de cinco horas e que, preferencialmente, tivessem participado do Programa Ensino Médio Inovador – ProEMI.

8 Web conferência disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=U-jFqihkqrA

NEM – Novo Ensino Médio9.

O evento de 2019 foi denominado de Primeira Reunião Técnica10 e contou com a participação de técnicos da SED/SC, supervisores das Coordenadorias Regionais de Educação de Santa Catarina e gestores das escolas que aderiram ao NEM (SANTA CATARINA, 2019c).

Além da apresentação das bases legais do NEM, expressas pela Lei nº 13.415/2017 e pela Portaria nº 649/2018 e das 120 escolas11 catarinenses “contempladas” com o Novo Ensino Médio, foi apresentado no encontro o detalhamento dos procedimentos técnico-administrativos para composição da equipe Gestora do NEM e do coletivo de professores que atuariam nas Unidades Escolares. A equipe gestora seria constituída pelos seguintes profissionais: o Diretor da Escola; Assistentes de Educação (profissionais que atuam na secretaria escolar), membros da equipe de apoio pedagógico: Assistente Técnico Pedagógico ou Especialistas em Assuntos Educacionais (Orientador Educacional, Supervisor Escolar). Já os professores deveriam ser, preferencialmente, efetivos (SANTA CATARINA, 2019g).

Para a composição do quadro de pessoal diretamente envolvido na implementação do NEM em SC, indicou-se a realização de um reordenamento dos profissionais das escolas. Tal reordenamento aconteceria por meio dos seguintes trâmites: solicitação do servidor através do preenchimento de um formulário específico; emissão de um parecer da direção da escola de origem e de destino; e parecer da Coordenadoria Regional de Educação à qual pertenciam. Para legalizar a ação, seriam emitidas portarias autorizando o afastamento da escola de lotação, conforme respalda o Estatuto do Magistério de Santa Catarina (Lei nº 6.844/1986, art. 29, inciso V) (SANTA CATARINA, 2019g). Outro aspecto importante a ser mencionado refere-se ao fato de que a atuação dos professores, de acordo com a BNCC, passa a ocorrer por área do conhecimento. Em nossa análise, este é um encaminhamento bastante controverso que contribui não só na precarização do trabalho docente, mas na formação do estudante, que passa a ter professores ministrando conteúdos de


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9 Esta notícia está disponível no site da Secretaria Estadual de Educação, em: http://www.sed.sc.gov.br/secretaria/imprensa/noticias/30353-educacao-discute-novo-ensino-medio- com-gestores-de-escolas-estaduais-de-santa-catarina.

10 A apresentação utilizada nessa Primeira Reunião Técnica está disponível em: http://ceduphh.com.br/novo_ensino_medio/Arquivos/Novo_Ensino_Medio_Catarinense.ppt.

11 As 120 escolas-piloto representam 17% das escolas de Ensino Médio do Estado que, segundo a SED/SC, “servirão de espelhos” para as demais.

disciplinas para as quais não possuem formação específica. Também passa a ser considerado, para a seleção de professores o notório saber, previsto na legislação apenas para o itinerário formativo da educação profissional, mas que poderá ser estendida para os componentes curriculares da BNCC.

Já no que diz respeito ao reordenamento do quadro de pessoal das escolas, entendemos que essa ação constitui-se em uma estratégia que afeta a qualidade dos processos formativos e educativos de todas as instituições impactadas, particularmente aquelas que cederam os professores para atuar nas escolas-piloto do NEM. Cria-se entre os professores e pessoal administrativo e pedagógico das escolas que não aderiram ao NEM a expectativa de que terão as mesmas condições no futuro, o que pode não se materializar, particularmente em razão do elevado número de professores contratados em caráter temporário e da insuficiente quantidade de assistentes de educação e de profissionais que atuam nas equipes pedagógicas fragilizadas.

No que diz respeito ao financiamento, os participantes do evento foram informados de que a liberação dos recursos estaria vinculada ao cumprimento das ações determinadas pelo MEC e SED/SC, sendo 20% do valor no momento da adesão, 40% quando da aprovação da Proposta de Flexibilização Curricular (PFC) e o restante ao longo do segundo semestre de 2019 (SANTA CATARINA, 2019g). Podemos concluir que tanto o MEC quanto a SED/SC encontraram estratégias para atrelar a liberação de recursos ao alcance de metas, ampliando a política de responsabilização das escolas e adensando a perspectiva do estado regulador, indo ao encontro da concepção neoliberal da necessidade de “modernização, desburocratização, descentralização e combate à ‘ineficiência’ do Estado” (BARROSO, 2005, p. 726). Essa lógica abre o caminho para a privatização e fragiliza o serviço público estatal.

Ainda na reunião realizada em 2019, após as informações referentes ao financiamento, os gestores foram orientados a realizarem um mapeamento das demandas regionais da Educação Profissional, por meio da aproximação com entidades comerciais e industriais de cada município e de escolas técnicas e universidades/faculdades da sua região. Para subsidiar os gestores nessa tarefa, foram apresentados mapas contendo os “setores portadores do futuro” para a indústria e comércio em cada região catarinense (SANTA CATARINA, 2019g). Esta

orientação demonstra, sobretudo, a influência do empresariado catarinense na implementação da reforma e a intenção de utilizar o aparato estatal para formação de mão de obra para o setor privado.

Após esses encaminhamentos de ordem administrativa e financeira, apresentou-se aos participantes do evento uma primeira simulação de “modelo de oferta” do NEM em SC, conforme segue:


Quadro 1 - Modelo de oferta NEM



Escola Estadual (1800 h)

Parceiro (1200 h)

Carga horária anual total

1º ano

BNCC 800 h

Projeto de vida 200 h

1000 h

2º ano

BNCC 600 h

Trilha FIC / CT / Tecnológica (400 h)

1000 h

3º ano

BNCC 400 h

Trilha FIC / CT / Tecnológica (600 h)

1000 h

Fonte: Elaborado pelas autoras com base no Material da Primeira Reunião Técnica (SANTA CATARINA, 2019g).


Uma análise inicial dessa simulação de currículo do NEM em SC permite-nos inferir que além da redução considerável da carga horária da formação geral, teremos a influência de parceiros externos na parte flexível do currículo, impactando sobre a formação dos estudantes e sobre o trabalho docente. Já no primeiro ano, os estudantes cursam o componente curricular Projeto de vida, cuja configuração vem sendo realizada pelo Instituto Lungo12, conforme veremos adiante. No segundo e terceiro ano, iniciam-se as diferentes trilhas de formação, ofertadas sob influência ou em colaboração com parceiros. Ao analisarmos esse modelo de matriz curricular, reconfigurado em 2020, percebemos que a presença de “parceiros” revela uma:


[…] supervalorização da parte flexível, que significará uma grave diminuição da parte destinada à formação geral, ou seja, a restrição do direito à educação, que requisita acesso aos conhecimentos básicos de todas as ciências, em outras palavras, uma Educação Básica que não garante a base.” (SILVA; POSSAMAI; MARTINI, 2020, p. 6).


Além da apresentação dessa simulação de currículo, na reunião aqui em análise também foi apresentada uma possibilidade de implementação do mesmo,


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12 Caracterizado como pessoa jurídica de direito privado, inscrita como Associação Instituto Lungo, foi criada em 2020 e possui dois mantenedores: o Movimento Bem Maior e o Instituto MRV.

como podemos ver no quadro 2.

Quadro 2 - Execução de oferta NEM



Segunda

Terça

Quarta

Quinta

Sexta

1º ano

Escola Estadual

Escola Estadual

Escola Estadual

Escola Estadual

Parceiro

2º ano

Escola Estadual

Parceiro

Escola Estadual

Parceiro

Escola Estadual

3º ano

Parceiro

Escola Estadual

Parceiro

Escola Estadual

Parceiro

Fonte: Elaborado pelas autoras com base no Material da Primeira Reunião Técnica (SANTA CATARINA, 2019g).


Como podemos observar, a proposta apresentada indica a possibilidade de os estudantes realizarem parte da carga horária em instituição parceira, ou sob influência desta, por meio de cursos de Formação Inicial e Continuada e/ou assemelhados. Vale dizer que tal possibilidade está respaldada pela Resolução CNE/CEB nº 03/2018, que dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (BRASIL, 2018). Em nossa análise, esta configuração de materialização do currículo inviabiliza a formação integral e orgânica dos jovens, retirando-lhes o direito a uma sólida formação básica e sinaliza, mais uma vez, a forte influência do empresariado, não somente na formação dos jovens catarinenses, mas também sobre o próprio trabalho docente. Vale lembrar que a BNCC do Ensino Médio foi constituída sob influência desse segmento, por meio do “Movimento pela Base” e, segundo os quadros apresentados na Primeira Reunião Técnica, os itinerários formativos ofertados em Santa Catarina são igualmente afetados por esta perspectiva.

Apresentado esse modelo, as escolas-piloto foram incumbidas de elaborar uma Proposta de Flexibilização Curricular; um relatório de escuta dos estudantes; um diagnóstico de necessidades da escola e um mapeamento dos interesses dos discentes. Para cumprimento dessas ações, a SED/SC orientou algumas metodologias e estratégias, tais como: realização de reuniões, grupos focais, roda de conversa, enquetes; exposição de vídeos e slides sobre o Novo Ensino Médio; aplicação e adaptação do questionário de escuta dos jovens, disponível no site do MEC13; busca de apoio de universidades e parceiros locais, entre eles o SEBRAE. Os



13 O Guia de implementação do Novo Ensino Médio, elaborado pelo MEC, está disponível em: http://novoensinomedio.mec.gov.br/#!/guia. (BRASIL, 2018b)

diagnósticos realizados com estudantes do 8º e 9º anos das redes municipais, pais, professores e escolas de Ensino Médio que ofertam EMI, EMITI, EMIEP e Regular poderiam ser realizadas por amostragem (SANTA CATARINA, 2019g).

Depois desses encaminhamentos, o encontro foi encerrado com a apresentação das “mazelas do Ensino Médio” que, de acordo com os organizadores, justificaram a adesão de Santa Catarina ao NEM, entre as quais mencionamos os seguintes aspectos14: o distanciamento entre os saberes escolares e as situações vivenciadas na experiência cotidiana dos jovens; os currículos conteudistas fragmentados e desarticulados; o pouco espaço para a escuta dos estudantes e a formulação de seus projetos de futuro; os baixos índices de aprendizagem e de conclusão dos estudos; a alta evasão escolar e o baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).

Conforme podemos observar, em nenhum momento foram mencionados indicadores como: a má qualidade da estrutura física e didática das escolas; os determinantes sócio-históricos que impedem os jovens de adentrar e permanecer no Ensino Médio; os parcos investimentos historicamente destinados a essa etapa da educação; os planos de cargos e salários pouco atrativos e a precarização do trabalho docente; as cargas horárias exaustivas e as formas de contratação precária dos professores que impactam sobre a qualidade dos processos educativos e formativos; o percentual de professores não habilitados para a docência atuando na Educação Básica e a desvalorização social da profissão docente.

Cerca de um mês após a reunião na cidade de Chapecó, profissionais da rede estadual de ensino de Santa Catarina participaram do 2º Encontro da Frente de Trabalho Currículo e Novo Ensino Médio do Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), em Brasília, entre os dias 9 e 11 de setembro de 201915. O evento reuniu quatro representantes de cada uma das 27 unidades da federação e teve como propósito aprofundar a discussão acerca das diretrizes de implementação do NEM, fomentando a elaboração de um conjunto de metas visando dar suporte à sua implementação durante o ano de 2020. (SANTA CATARINA, 2019d). A


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14 Para indicar tais “mazelas”, foram utilizados como fonte dados e documentos elaborados pelo movimento “Todos pela Educação” e pelo Instituto Ayrton Senna.

15 A notícia está disponível no site da Secretaria Estadual de Educação de Santa Catarina, em: http://www.sed.sc.gov.br/secretaria/imprensa/noticias/30381-educacao-projeta-metas-de-suporte-as- escolas-para-o-novo-ensino-medio-em-2020.

participação ratifica o pleno alinhamento da SED/SC com o MEC.

Em outubro de 2019, com base no Guia de Implementação do Novo Ensino Médio do MEC (BRASIL, 2018b), na instituição de uma Comissão Executiva do NEM no estado e na realização de reuniões semanais, deu-se início ao processo de elaboração do Caderno de Orientações para implementação do NEM da rede estadual catarinense. Ainda naquele mês, a SED/SC produziu a “Web Série Novo Ensino Médio”16 com o propósito de apresentar os passos da implementação em Santa Catarina. Esta iniciativa conta com uma sequência de seis vídeos que tratam de temas referentes à implementação do Novo Ensino Médio17.

O primeiro episódio da web série tem o título “Fundamentos do Novo Ensino Médio”; o segundo episódio trata da “Flexibilização de Currículo e Escolas-piloto”; o terceiro vídeo aborda os “Itinerários Formativos”; o quarto versa sobre “Eixos Estruturantes”; o quinto e o sexto vídeos apresentam as “Metas para Implementação” (SANTA CATARINA, 2019b). O material é composto de vídeos curtos que objetivam alcançar estudantes e comunidade em geral, informando-os sobre a reformulação do Ensino Médio, de forma alinhada ao discurso oficial do MEC.

A análise dos vídeos nos permite afirmar que se constituem em uma espécie de propaganda que visa convencer os estudantes e a comunidade da relevância da reforma para os jovens, sem realizar nenhuma crítica relacionada à extrema flexibilização curricular imposta pela Lei nº 13.415/2017 e os riscos desta, sobretudo, para estudantes das escolas públicas. Sonega-se, portanto, o direito de refletir sobre os impactos da reforma sobre sua formação, particularmente no que diz respeito ao desenvolvimento da “[...] autonomia intelectual e moral, a capacidade de análise, de reflexão e de crítica, de se verem como sujeitos capazes de intervir na realidade, no mundo em que vivem” (SILVA, 2018, p. 51).

Em continuidade às ações desenvolvidas no ano de 2019, tem-se a realização de um segundo encontro presencial promovido pela SED/SC, ocorrido entre os dias 12 e 13 de novembro de 2019, em Florianópolis, denominado Primeiro Encontro Formativo do Novo Ensino Médio. No evento, cerca de 200 profissionais das 120


16 A notícia está disponível no site da Secretaria Estadual de Educação de Santa Catarina em: http://www.sed.sc.gov.br/secretaria/imprensa/noticias/30410-assista-a-webserie-sobre-o-novo-ensino- medio.

17 A Web série Novo Ensino Médio está disponível no Canal do YouTube “Educação SC” em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLNgFJiqZ-gFoYXb2TsmPKRt7tuWishrQu.

escolas-piloto do NEM/SC, entre eles coordenadores das 36 regionais de educação e coordenadores pedagógicos do NEM, passaram por formação sobre os conceitos, a nova estrutura curricular e a proposta pedagógica do NEM18 que deveria ser iniciada em 2020, com sua implementação (SANTA CATARINA, 2019h).

Segundo informações constantes no material utilizado, o encontro objetivou:


Subsidiar coordenadores pedagógicos regionais e escolares das escolas piloto, na implementação das ações de integração e flexibilização curricular do Novo Ensino Médio, proporcionando avanços na construção de um ensino médio mais atrativo e que atenda às necessidades dos nossos estudantes; Promover a apropriação da estrutura curricular do Novo Ensino Médio em Santa Catarina: organização curricular, modelo de eletividade e carga horária e; Planejar as próximas ações de âmbito regional e escolar, considerando as especificidades de cada região na elaboração de propostas curriculares. (SANTA CATARINA, 2019e).


De acordo com os objetivos do encontro, a SED/SC demonstrou um empenho bastante grande na implementação da Reforma do Ensino Médio no estado, buscando subsidiar gestores das coordenadorias regionais de educação e das escolas nesse processo. Além de conceituar e orientar as escolas quanto à elaboração das ementas e oferta dos componentes curriculares eletivos, o encontro, por meio de “atividades de integração” e “Troca de Experiências” em grupos formados pelos participantes, teve entre seus propósitos socializar e sistematizar práticas exitosas, que poderiam ser replicadas nas escolas, envolvendo planejamento por e entre áreas do conhecimento (SANTA CATARINA, 2019f).

Além dessas atividades, houve a socialização do planejamento da SED/SC para o ano de 2020 no que diz respeito ao NEM. Entre as ações mencionadas temos: implementar o NEM nas 120 escolas-piloto; replanejar, implementar, monitorar e avaliar o plano de implementação do NEM; assessorar e acompanhar a Proposta de Flexibilização Curricular – PFC nas 120 escolas e construir a versão final e aprovação do Currículo Base do Ensino Médio do Território Catarinense19.


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18 Esta notícia está disponível no site da Secretaria Estadual de Educação de Santa Catarina em: http://www.sed.sc.gov.br/secretaria/imprensa/noticias/30445-santa-catarina-tera-novo-ensino-medio- em-120-escolas-da-rede-estadual-em-2020.

19 Assinam este documento: Comissões do Regime de Colaboração da Base Nacional Comum Curricular de SC – BNCC/SC, Comissão Estratégica de Mobilização para Implementação da Base Nacional Comum Curricular – BNCC/SC, Conselho Estadual de Educação-CEE/SC, União dos Dirigentes Municipais de Educação – UNDIME/SC, União dos Conselhos Municipais de Educação – UNCME/SC, Federação Catarinense dos Municípios – FECAM/SC, Coordenação Estadual da BNCC/SC, Conselho Nacional de Secretários de Educação - CONSED/SED/SC e Secretaria de Estado

No evento, apresentou-se aos participantes o Caderno de Orientações para Implementação do Novo Ensino Médio. O documento contempla a estrutura do NEM com uma breve contextualização deste, a apresentação do Projeto de Vida, orientações acerca dos componentes curriculares eletivos, a organização do trabalho pedagógico; a orientação quanto à atuação por áreas do conhecimento; a sistemática de planejamento (por área e entre áreas do conhecimento e ainda reuniões de avaliação e replanejamento, mencionando, inclusive, as cargas horárias destinadas para tais atividades), avaliação, conselho de classe, estrutura curricular e matriz de referência; formação docente e uma breve contextualização dos itinerários formativos. Chama-nos a atenção as propostas de três matrizes curriculares neste documento, já que, conforme mencionado, fica a critério da escola optar por uma delas. A diferença entre elas está na carga horária e no número de componentes

eletivos, conforme podemos verificar nos quadros 3, 4 e 5.


Quadro 3 - Matriz A


1ª SÉRIE

2ª SÉRIE

3ª SÉRIE

800 horas de Base Nacional Comum Curricular

600 horas de Base Nacional Comum Curricular

400 horas de Base Nacional Comum Curricular

+ Carga horária flexível

200 horas parte flexível

400 horas parte flexível

600 horas parte flexível

Fonte: Elaborado pelas autoras com base no Caderno de orientações para implementação do NEM/SC (SANTA CATARINA, 2019a)


Quadro 4 - Matriz B


1ª SÉRIE

2ª SÉRIE

3ª SÉRIE

800 horas de Base Nacional Comum Curricular

600 horas de Base Nacional Comum Curricular

400 horas de Base Nacional Comum Curricular

+ Carga horária flexível

320 horas parte flexível

520 horas parte flexível

720 horas parte flexível

Fonte: Elaborado pelas autoras com base no Caderno de orientações para implementação do NEM/SC (SANTA CATARINA, 2019a).


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da Educação de SC.

Quadro 5 - Matriz C

1ª SÉRIE

2ª SÉRIE

3ª SÉRIE

800 horas de Base Nacional Comum Curricular

600 horas de Base Nacional Comum Curricular

400 horas de Base Nacional Comum Curricular

+ Carga horária flexível

800 horas parte flexível

1.000 horas parte flexível

1.200 horas parte flexível

Fonte: Elaborado pelas autoras com base no Caderno de orientações para implementação do NEM/SC (SANTA CATARINA, 2019a).


Em nossa investigação, identificamos que, ao final de 2019, as escolas-piloto possuíam acesso apenas ao currículo da matriz da primeira série20 do Ensino Médio liberado para consulta. Outro aspecto que consideramos importante mencionar é que a única diferença observada entre a carga horária da BNCC21 nas matrizes da primeira série do Ensino Médio das escolas-piloto do NEM e a das demais é a obrigatoriedade da Língua Estrangeira ser o Inglês. Além disso, há a diferença entre a carga horária da parte flexível e dos itinerários formativos. São disciplinas que compõem a parte flexível de todas as matrizes: Projeto de Vida (duas aulas semanais em todas as séries) e Língua Estrangeira (segunda língua). Outras três disciplinas aparecem apenas para a matriz 3 (de cinquenta horas semanais): Projeto de Intervenção e Pesquisa (quatro aulas semanais), Estudos Dirigidos (duas aulas semanais) e Arte, Cultura e Tecnologias/Informática (duas aulas semanais em todas as séries). Os componentes curriculares eletivos passaram por três reorganizações ao longo de 2020, com carga horária de duas aulas semanais e oferta semestral. O número de componentes curriculares a serem cursados pelo estudante depende da matriz que cada escola-piloto elege como mais adequada a sua realidade. No que diz respeito aos componentes curriculares a serem oferecidos pelas escolas, foram construídos em parceria com o Instituto Lungo e professores da rede estadual de ensino, conforme veremos na próxima seção deste artigo.

A estrutura do Caderno de Orientações para implementação do NEM possui



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20 Nomenclatura utilizada pela SED/SC nas matrizes disponíveis no sistema.

21 Disciplinas e número de aulas semanais (a/s): Língua Portuguesa e Literatura (3 a/s); Educação Física (2 a/s); Arte (2 a/s); Língua Estrangeira de acordo com a escolha do estudante nas escolas que não são piloto da Reforma do Ensino Médio (2 a/s); Química(2 a/s); Física (2 a/s); Biologia (2 a/s); Geografia(2 a/s); História (2 a/s); Filosofia (1 a/s); Sociologia (2 a/s); Matemática (3 a/s).

elementos muito relevantes para a análise e necessita de um estudo detalhado, que escapa aos limites deste artigo, que tem como propósito sistematizar o percurso realizado pela SED/SC na implementação da reforma do Ensino Médio. Contudo, um aspecto que julgamos relevante mencionar é o fato de que as informações nele contidas estão em pleno alinhamento ao disposto na Lei nº 13.415/2017, na Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Médio (2018) e nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio – Resolução CNE/CEB nº 03/2018. Além disso, o caderno contempla entre suas informações orientações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e, como não poderia deixar de ser, do Conselho Estadual de Educação (CEE).

Paralelamente aos encontros de apresentação, presenciais e virtuais, a SED/SC deu continuidade às ações de um Grupo de Trabalho22, constituído ainda em 2018, com o propósito de elaborar o Currículo Base do Ensino Médio do Território Catarinense. Tal documento, elaborado ao longo de 2020 e apresentado previamente nas formações virtuais oferecidas pela SED/SC, até a finalização da escrita deste texto, em março de 2021, encontrava-se em apreciação pelo Conselho Estadual de Educação (CEE). Participaram da elaboração deste documento gestores e professores efetivos, selecionados por meio do Edital nº 284/202023.


A implementação da Reforma do Ensino Médio nas escolas-piloto de Santa Catarina (SC) em 2020: impactos da lógica empresarial sobre a formação dos professores e estudantes


Em atenção às ações realizadas pela SED/SC em 2020, em meio à pandemia do Covid-19, observamos avanços bastantes significativos na implementação da Reforma do Ensino Médio nas escolas-piloto. Dizemos isso considerando que, ao acompanhar as notícias do site da SED/SC, identificamos a realização de ações de formação continuada dos/as professores/as, ofertadas virtualmente, por meio de parcerias envolvendo instituições públicas e privadas, majoritariamente


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22 A Portaria nº 331, de 5 de abril de 2018, que institui o Programa de Apoio à Implementação da Base Nacional Comum Curricular - ProBNCC prevê o pagamento de bolsas para coordenadores, redatores e articuladores.

23 O edital nº 284/2020 está disponível no site da Secretaria Estadual de Educação de Santa Catarina em http://www.sed.sc.gov.br/secretaria/imprensa/noticias/30508-sed-seleciona-profissionais-que- atuarao-em-seminarios-do-curriculo-do-ensino-medio.

comprometidas com a lógica do mercado, que focaliza o desenvolvimento do currículo do Ensino Médio na perspectiva do desenvolvimento de competências, nos Projetos de Vida e na inserção de uma cultura digital no processo formativo dos jovens. Tal realidade reflete a visão economicista de educação e a retomada da teoria do capital humano que, conforme sinalizam Frigotto e Motta (2017, p. 358),


Enfatiza os conhecimentos úteis que o estudante deve adquirir para impulsionar a produtividade dos setores econômicos, a fim de potencializar a competitividade nos mercados local e internacional, ou para criar condições de empregabilidade, isto é, desenvolver habilidades e competências que potencializem a inserção do indivíduo no mercado de trabalho.


O regime de acumulação flexível, apoiado nos conglomerados econômicos transnacionais, aposta na educação com vistas a constituir mentalidades que aceitem com naturalidade as desigualdades e o discurso meritocrático de responsabilização dos sujeitos. Por outro lado, “[...] a falácia de estimular o Ensino Médio para qualificar para o trabalho depara-se com a falta de emprego no mercado de trabalho para a quase totalidade desses jovens” (FRIGOTTO; MOTTA, 2017, p. 362). Nesse sentido, a oferta do componente curricular Projeto de Vida, presente nos três anos do Ensino Médio em Santa Catarina, visa fomentar uma educação empreendedora e as competências socioemocionais, a fim de formar jovens que, se vendo sem oportunidades de trabalho, criem seus próprios empregos, informais e sem direitos, assim, adaptando-se às condições precarizadas de trabalho.

Somadas às ações descritas até aqui, observamos que, em 2020, novos atores têm auxiliado a SED/SC a materializar a Reforma do Ensino Médio no estado. Destacamos a parceria firmada, de forma gratuita, com o Instituto Lungo que tem atuado durante todo o ano de 2020 na formação de professores, de forma remota, e na articulação e construção das ementas das disciplinas eletivas junto a professores da rede estadual que voluntariamente dispuseram-se a essa tarefa.

No que diz respeito à formação continuada, a Secretaria Estadual de Educação de Santa Catarina organizou ciclos de formação de forma virtual. O Primeiro Ciclo, realizado entre 02 de abril e 15 de maio, realizou 31 webinários24 e foi destinado a todos os professores da rede. Conforme verificamos, as atividades envolveram


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24 O Primeiro Ciclo de formação está disponível no site da Secretaria Estadual de Educação de SC em: https://sites.google.com/sed.sc.gov.br/scemformacao/1%C2%BA-ciclo-de- forma%C3%A7%C3%A3o/forma%C3%A7%C3%B5es-1%C2%BA-ciclo.

temáticas como o uso de plataforma virtual para as aulas não presenciais, discussões específicas às áreas do conhecimento e metodologias para o ensino não presencial (SANTA CATARINA, 2020a). O Segundo Ciclo de formação25, iniciado em 27 de agosto, realizou 28 webinários até o dia 05 de novembro de 2020, cujas temáticas foram direcionadas ao Ensino Fundamental (anos iniciais e finais) e ao uso de tecnologias na educação (SANTA CATARINA, 2020b).

Entre os ministrantes dessas formações virtuais, identificamos profissionais vinculados à SED/SC, à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), à Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB), à Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Também estiveram presentes participantes da elaboração do Currículo Base Catarinense para a Educação Infantil e Ensino Fundamental e integrantes vinculados a instituições como GetEdu, Nova Escola, Fundação Lemann, Instituto Península, Clayton Christensen Institute, Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB), UNESCO, UNICEF, Handicap Internacional e SESI (Serviço Social da Indústria)26.

A rede estadual catarinense seguiu, durante a pandemia, realizando formações on-line com o propósito de dar continuidade à implementação da Reforma do Ensino Médio. Em parceria com o Instituto Lungo, foram realizadas pelo menos dez formações, disponíveis no Canal do YouTube "Espaço de Formação e Experimentação em Tecnologias", que versaram sobre: Projeto de Vida, Gestão pedagógica em tempos de pandemia, Necessidades de inovação e compartilhamento de práticas, Componentes Curriculares Eletivos, Integração Curricular por áreas do conhecimento e Avaliação Formativa.

Conforme identificamos, o principal parceiro técnico da SED/SC tem sido o Instituto Lungo. A parceria, firmada a título de Acordo de Cooperação Técnica27, teve


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25 O Segundo Ciclo de formação está disponível no site da Secretaria Estadual de Educação de SC em:https://sites.google.com/sed.sc.gov.br/scemformacao/2%C2%BA-ciclo-de- forma%C3%A7%C3%A3o/forma%C3%A7%C3%B5es-2%C2%BA-ciclo.

26 Integrantes dessas e de outras instituições mediaram as formações. Segundo informações fornecidas durante os webinares, a GetEdu é uma empresa parceira do Google for Education, com atuação em todo mercado nacional, com foco, principalmente no setor público. O Grupo de Experimentações em Ensino Híbrido é organizado pela Fundação Lemann e pelo Instituto Península em parceria com a Clayton Christensen Institute. O Instituto Península, segundo informações de seu site oficial, é uma organização social fundada pela família Abilio Diniz em 2010 e tem como foco a melhoria da qualidade da educação brasileira e a sua atuação nas áreas de Educação e Esporte e é pautada na crença de que os principais agentes de transformação da educação são os professores. Já o Clayton Christensen Institute apresenta-se como uma think tank sem fins lucrativos e que oferece uma estrutura única para a compreensão de muitas das questões mais urgentes da sociedade, incluindo educação, saúde e prosperidade econômica.

27 O mais recente acordo de cooperação técnica pode ser acessado no Diário Oficial do Estado/SC - nº

como objetivo acordar a organização de um Ciclo de formação on-line para equipes, gestores regionais e escolares e para professores das escolas-piloto do Novo Ensino Médio da Rede Estadual de SC. Conforme mencionamos na nota de rodapé número oito, os dois mantenedores do Instituto Lungo, Movimento Bem Maior e Instituto MRV, compõem a rede de mantenedores do “Todos pela Educação” e que, por seus associados e figuras responsáveis, são análogos e representantes dos mesmos interesses.

Compreendendo que a formação de professores, tanto inicial quanto continuada, também se configura como um espaço de disputas (KUENZER, 2011), tal parceria entre a SED/SC e o Instituto Lungo suscita, imediatamente, algumas perguntas: por que esta instituição privada, criada em 2020, foi a escolhida pela SED/SC como assessoria técnica para conduzir a formação continuada dos professores das escolas Rede Estadual que implementam o Novo Ensino Médio? Quais foram os critérios para optar por uma instituição privada praticamente desconhecida no campo da formação de formadores? Quais motivações têm as instituições privadas na oferta gratuita de formação continuada dos trabalhadores da educação?

Um elemento indispensável para encontrarmos tais respostas é que precisamos “[...] superar a falsa consciência da suposta neutralidade das políticas e propostas de formação” (KUENZER, 2020, p. 669) e compreender que a formação continuada se coloca na esfera ideológica. Nessa direção, entendemos que a formação oferecida pela SED e seus parceiros aos professores das escolas-piloto do NEM em Santa Catarina está alinhada ao requerido pela BNCC do Ensino Médio e pela lógica presente na Lei 13.415/17. Além disso, é importante mencionar que tais parceiros, como o Instituto Lungo, vêm corroborando não só no desenvolvimento da trilha formativa do Projeto de Vida, através de orientações de estudos, vídeos e materiais pedagógicos, mas também na definição da estrutura curricular do Ensino Médio, por meio da reorganização dos Componentes Curriculares Eletivos. Esses componentes foram sistematizados em um Portfólio que contempla 25 disciplinas. A análise deste portfólio desses elementos e das condições materiais concretas de implementação necessitam ser analisadas em um estudo específico que se dedique



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21.361, publicado em 25/09/2020, p. 6.

exclusivamente ao currículo do NEM em SC.

A respeito do Instituto Lungo, consideramos importante mencionar que alguns consultores pedagógicos possuem vínculos anteriores com o Instituto Ayrton Senna e com a Fundação Lemann e participaram em outras oportunidades tanto da formação de professores quanto da produção de material para o programa Ensino Médio Integral em Tempo Integral (EMITI). Além disso, alguns desses consultores são proprietários ou colaboradores de outras empresas que oferecem serviços e produtos educacionais e/ou são do ramo de educação a distância.

Dando sequência a essa trajetória marcada pelas parcerias com instituições privadas, entre os dias 16 e 18 de novembro, a SED/SC promoveu o Seminário Internacional de Educação, junto com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), e que contou com o apoio do Instituto Ayrton Senna. O foco do seminário foi o desenvolvimento das competências socioemocionais, o desenvolvimento da cultura digital e relatos de experiências educacionais (americana, finlandesa, colombiana e portuguesa) durante a pandemia e pós-pandemia.


Considerações Finais


O acompanhamento e a análise da implementação da Reforma do Ensino Médio em Santa Catarina mostraram-se complexos, uma vez que essa vem se constituindo de inúmeras nuances. Entre as questões mais prementes, identificamos a existência de dificuldades por parte da SED/SC no cumprimento de cronogramas e metas, assim como mudanças de direção e de estratégias durante o percurso.

É importante mencionar que a adesão da SED/SC ao NEM, por meio da Portaria nº 649/2018 (BRASIL, 2018c) e sua implementação nas escolas-piloto, tem impactado fortemente sobre o trabalho de gestores e professores da desde 2019, quando foi deflagrado o processo de orientação às Coordenadorias Regionais de Educação e às 120 escolas-piloto que iniciaram a implementação do Novo Ensino Médio em 2020. Tais orientações ocorreram basicamente por meio de web conferências, reuniões técnicas e encontros presenciais com gestores e coordenadores regionais. Contudo, a pandemia de Covid-19 obrigou a SED/SC a modificar a forma de implementação em 2020 e, assim, o processo passou a ser amplamente publicizado, por meio das formações virtuais, que permitiram não só dar

sequência à implementação da Reforma, como também possibilitaram o acesso às informações por parte dos interessados em acompanhá-la, como pesquisadores, estudantes, professores, sindicatos e comunidade.

Durante a pandemia, a formação de professores teve foco no processo de flexibilização curricular, com temas que circundam a implementação da reforma, como: Projeto de Vida; gestão pedagógica em tempos de pandemia, necessidades de inovação e compartilhamento de práticas, componentes curriculares eletivos, integração curricular por áreas do conhecimento e avaliação formativa. O recém- formado Instituto Lungo tem sido um dos protagonistas nesse processo, além do Instituto Ayrton Senna e, mais recentemente, do SEBRAE.

A implementação da Reforma do Ensino Médio em Santa Catarina foi permeada, em nossa análise, pela grande responsabilização dos gestores das Coordenadorias Regionais de Educação e das Equipes Gestoras do NEM nas escolas, exigindo-lhes, inclusive, um empenho no convencimento dos professores para adesão à proposta. Tal convencimento tem sido produzido tanto pela mão do Estado, quanto pelas instituições parceiras.

Lamentavelmente, observamos uma espécie de silenciamento da resistência à implementação das escolas-piloto e à intencionalidade de estender o NEM para todas as escolas de Ensino Médio do estado até 2022. A falácia de que o processo foi feito a várias mãos esconde a real intenção da atuação dos parceiros que, em nossa análise, intencionam, por meio da ideologia à qual estão comprometidos, interferir na formação dos jovens com uma proposta educativa que se alinha aos interesses do empresariado. Isso ocorre por meio da interferência na elaboração dos currículos e na formação dos professores descomprometida com uma perspectiva crítica.

Finalizamos nossas reflexões neste artigo levantando alguns questionamentos em relação aos desdobramentos da implementação do NEM em Santa Catarina. São eles: corremos o risco de ter nos itinerários formativos do Ensino Médio catarinense instrumentos de materialização da ideia de formação precária e de mão de obra simples dos jovens para atender exclusivamente às demandas do setor produtivo? Em que medida os processos formativos e educativos desenvolvidos nas escolas desse nível de ensino sonegarão o direito à formação crítica dos jovens, negligenciando saberes que possam contribuir para a construção de uma sociedade justa para todos? Qual a compreensão dos professores acerca dos componentes

curriculares que compõem o NEM em SC, tanto da BNCC, quanto dos itinerários formativos? Qual a pretensão do componente curricular Projeto de Vida na formação dos jovens? Quais os significados que os professores atribuem à formação continuada recebida para a implementação do Novo Ensino Médio? Existe alguma clareza de que o forte debate acerca do desenvolvimento de competências socioemocionais constitui-se em mecanismo de desenvolvimento de uma postura acrítica da realidade? Quais as consequências de uma formação realizada nessa perspectiva sobre a necessária compreensão crítica das condições materiais concretas dos jovens na sociedade em que estão inseridos? Há a compreensão de que estamos diante de um processo de privatização da gestão pedagógica da escola pública e da mercantilização da educação, por meio da aquisição dos pacotes educacionais das empresas parceiras da reforma do Ensino Médio que resultará na precarização e alienação do trabalho docente?


Referências


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                                                                   . Resolução nº 3, de 21 de novembro de 2018. Atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. 2018a. Diário Oficial da União, Seção 1, Brasília, DF, n. 224, p. 21, 22 de nov. de 2018.


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Novo Ensino Médio e estabelece diretrizes, parâmetros e critérios para participação. Diário Oficial da União. Brasília, n. 132. Seção: 1, Página 72, 11 de julho de 2018c.


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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


REFORMA DO ENSINO MÉDIO EM PERNAMBUCO:

A NOVA FACE DA MODERNIZAÇÃO-CONSERVADORA NEOLIBERAL1



Resumo

Jamerson Antônio de Almeida da Silva2

O artigo analisa a implementação da reforma do ensino médio (lei 13.415/2017) na rede de ensino de Pernambuco e as consequências para a escolarização no âmbito do ensino médio. Utiliza categorias do marxismo na análise de documentos oficiais, teses e dissertações sobre o ensino médio neste estado. Os dados evidenciam que tal reforma expressa uma etapa da modernização conservadora neoliberal, gestada através de mudanças moleculares dirigidas por diferentes governos, desde a década de 1990, dando nova forma institucional a um modelo de oferta baseado no paradigma das aprendizagens flexíveis.

Palavras-chaves: Modernização Conservadora; Neoliberalismo; Gerencialismo; Reforma do Ensino Médio, BNCC do Ensino Médio; Lei 13.415/2017; Pernambuco.


REFORMA DE ESCUELA SECUNDARIA EN PERNAMBUCO: LA NUEVA CARA DE LA MODERNIZACIÓN-CONSERVADORA NEOLIBERAL


Resumen

El artículo analiza la implementación de la reforma de la escuela secundaria (ley 13.415 / 2017) en el sistema escolar de Pernambuco y las consecuencias para la escolarización en la escuela secundaria. Utiliza categorías del marxismo en el análisis de documentos oficiales, tesis y disertaciones sobre la escuela secundaria en este estado. Los datos muestran que dicha reforma expresa una etapa de modernización conservadora neoliberal, generada a través de cambios moleculares dirigidos por diferentes gobiernos, desde la década de 1990, dando una nueva forma institucional a un modelo de oferta basado en el paradigma de aprendizaje flexible.

Palabras clave: Modernización Conservadora; Neoliberalismo; Administración; Reforma De la Escuela Secundaria, Escuela Secundaria BNCC; Ley 13.415 / 2017; Pernambuco.


REFORM OF HIGH SCHOOL IN PERNAMBUCO: THE NEW FACE OF NEOLIBERAL MODERNIZATION-CONSERVATIVE


Abstract

The article analyzes the implementation of the reform of high school (law 13.415 / 2017) in the Pernambuco school system and the consequences for schooling in the scope of high school. It uses categories of Marxism in the analysis of official documents, theses and dissertations on high school in this state. The data show that such a reform expresses a stage of neoliberal conservative modernization, generated through molecular changes directed by different governments, since the 1990s, giving a new institutional form to a supply model based on the flexible learning paradigm.

Keywords: Conservative Modernization; Neoliberalism; Management; High School Reform, High School BNCC; Law 13.415 / 2017; Pernambuco.


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1Artigo recebido em 02/02/2021. Primeira avaliação em 11/03/2021. Segunda avaliação em 21/03/2021. Aprovado em 26/03/2021. Publicado em 27/05/2021.

DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.48.626

2Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil (BR). Professor Associado III do Núcleo de Formação Docente do Centro Acadêmico do Agreste. Membro permanente do Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGE/UFPE). Áreas de estudos: Política Educacional e Gestão da Educação. E-mail: jamersonufpe@gmail.com.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4198-8049. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8911040109047998.

Introdução


A rede estadual de ensino de Pernambuco vem passando por políticas sob forte influência de reformadores empresariais da educação desde 1999. A reforma do ensino médio, regulamentada pela Lei 13.415/2017, é um novo marco de afirmação institucional da hegemonia das corporações articulada ao longo de pelo menos duas décadas. Sua implementação neste estado da federação, não pode ser bem examinada, senão como parte da totalidade neoliberal, com fortes determinações externas e internas que, para os países de capitalismo dependente como o Brasil, impõe transformações estruturais do regime de acumulação e nas formas de regulação do Estado, com o consequente rebaixamento nos padrões civilizatórios do país (SAAD FILHO E MORAIS, 2018).

A agenda desta segunda onda neoliberal no Brasil, que se aprofundou a partir do impeachment irregular da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, vem impondo profundas alterações nos marcos constitucionais que definem a educação como direito social e dever do Estado, colocando-a no rol dos serviços a serem consumidos segundo a lógica do mercado capitalista, com drásticas consequências para formação humana das novas gerações e para o desenvolvimento de um projeto popular e soberano nação. Mas a dinâmica de adequação da educação pública à racionalidade empresarial segundo os parâmetros neoliberais e da acumulação flexível (HARVEY, 2005) remonta as políticas de “quase-mercado” iniciadas pelos governos da década de 1990 e que, contraditoriamente, assumiram diversas faces nos governos das décadas seguintes até o presente momento3.

Embora governado por partidos políticos do campo progressistas, desde o ano de 20074, o estado de Pernambuco vem se destacando entre os exemplos mais exitosos da modernização neoliberal na educação em nosso país e, no contexto da reforma do ensino médio, figura entre os primeiros estados da federação a iniciarem a implementação do chamado novo ensino médio. O acúmulo de diversas medidas


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3A respeito, ver: MORAIS (2013); BENITTES (2014); SANTIAGO (2014); SILVA et.all (2019);

BARBOSA (2020).

4 O estado de Pernambuco foi governado pela coligação PMDB/PFL, sob a gestão do governador JARBAS VASCONCELOS de 1999 a 2006. A coligação PSB/PC do B/PT governou o estado sob a liderança do governador EDUARDO CAMPOS, de 2007 a 2015. De 2016 até o presente permanece sob a direção da coligação PSB/PC do B, agora sob a liderança do governador Paulo Câmara.

moleculares visando a ampliação da jornada escolar no ensino médio, somadas às políticas de modernização gerencial parecem ter servido como lastro das transformações mais profundas que ganham nova forma institucional com a atual reforma.

Este artigo tem por objetivo analisar o processo de implementação da reforma do ensino médio (lei 13.415/2017) na rede estadual de ensino de Pernambuco e suas consequências para o processo de escolarização no âmbito do ensino médio. O texto analisa as determinações da lei em questão, os fundamentos que embasam o novo currículo de Pernambuco e as medidas voltadas à flexibilização curricular no âmbito da rede estadual de ensino. No aspecto metodológico, o artigo se apoia em análise documental e revisão bibliográfica, tanto da literatura especializada sobre assunto, quanto de teses e dissertações sobre o ensino médio em Pernambuco desenvolvidas no âmbito da pesquisa matriz5 coordenada pelo grupo de pesquisa GESTÃO - Pesquisa em Gestão da Educação e Políticas do Tempo Livre, situado no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco.


A reforma do ensino médio e suas diretrizes


A lei nº 13.415, instituída em 16 de fevereiro de 2017, buscou transformar as bases institucionais para oferta do Ensino Médio em todo o território nacional. Este ordenamento alterou um conjunto de leis que normatizam aspectos importantes da educação nacional, tais como: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96); a Lei 11.494/2007 (FUNDEB); o Decreto-Lei 5.452/1943; o Decreto-Lei 236/1967 (CLT); revoga a Lei 11.161/2005 (obrigatoriedade do ensino de espanhol) e institui a Política de Fomento à implantação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (BRASIL, 2016). A atual reforma do ensino médio justifica-se na necessidade de superar o “(...) descompasso entre os objetivos propostos por esta etapa e o jovem que ela efetivamente forma” (BRASIL, 2017, p. 08). O fracasso nessa etapa da educação básica seria reflexo de "(...) um currículo extenso, superficial e que não dialoga com a juventude, com o setor produtivo, tampouco com as demandas do


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5 SILVA, Jamerson A. A. O ensino médio em Pernambuco no contexto da lei 13.415/2017: um estudo das relações hegemônicas no âmbito da contrarreforma. Núcleo de Formação Docente, Centro Acadêmico do Agreste, Universidade Federal de Pernambuco, 2018.

século XXI” (Ibidem, p. 09).

A reforma incide, basicamente, em duas direções: a implantação da jornada de tempo integral e a flexibilização curricular. Com relação a ampliação da jornada, a lei 13.415/2017 determina que as redes de ensino devem ampliar sua carga horária anual de 1.000 para 1.200 horas-aula/ano e a jornada escolar diária deve atingir 7 horas diárias em 05 anos. Em relação à organização curricular, determina a oferta de diferentes percursos formativos, tendo por base os interesses dos estudantes e a vocação local. Somente duas disciplinas passam a ser obrigatórias nos três anos do ensino médio: Língua Portuguesa e Matemática. Artes, Educação Física, Sociologia e Filosofia devem ser obrigatoriamente incluídas, mas não por todo o percurso do ensino médio. A oferta de língua inglesa será obrigatória, podendo os sistemas de ensino ofertarem outras línguas, em caráter optativo para os estudantes.

A parte flexível do curso será destinada a cinco percursos formativos diferenciados, conforme a escolha dos estudantes, organizados da seguinte forma: Linguagens de suas tecnologias; Matemática e suas tecnologias; Ciências da natureza e suas tecnologias; Ciências humanas e Sociais Aplicadas; e Formação técnico-profissional. A lei regula ainda, que caberá aos respectivos sistemas de ensino a oferta de itinerários formativos, de acordo com suas condições concretas.

A referência nacional para a formulação dos currículos das redes estaduais é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento normativo que define "(...) o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da educação básica (...)". (BRASIL 2018, p.7). Considerando o regime de colaboração, aos respectivos estados da federação e o Distrito Federal cabe a tarefa de adequar seus currículos conforme as determinações da BNCC, que servirá de referência também para formação inicial e continuada de professores, matrizes de avaliação dos exames nacionais e elaboração de materiais didáticos.


Medidas para implementação da lei 13.415 em Pernambuco


Em cumprimento das determinações legais acima destacadas, a entrega do novo currículo para o ensino médio ao Conselho Estadual de Educação de Educação de Pernambuco foi feita em 27 de novembro de 2020. De acordo com documento

Currículo de Pernambuco: Ensino Médio (2020), o novo currículo foi formulado com ampla participação da comunidade escolar.

"(...) foi elaborado a partir de muitas escutas e muita colaboração, envolvendo todas as escolas de ensino médio da rede pública de Pernambuco, em diversos momentos de discussão, desde as primeiras versões, quando em 10 de maio de 2019 realizou-se o Dia D da Base do Ensino Médio envolvendo todas as escolas da rede estadual que ofertam o ensino médio. Ainda em relação a FGB foram realizados, em julho de 2020, três seminários regionais online, em função da pandemia do novo coronavírus, com 1.045 participantes, envolvendo todas as escolas da rede estadual que ofertam o ensino médio, além de representantes dos municípios de Bonito e Tuparetama que também ofertam esta etapa, e técnicos das áreas de conhecimento das Gerências Regionais de Educação (GRE)" (PERNAMBUCO 2020, p. 10).


Embora o documento não faça referência, a primeira medida para implementação da reforma do ensino médio na rede estadual de ensino de Pernambuco já estava em marcha desde o ano de 2018, quando do início do projeto piloto intitulado Projeto de Ampliação da Jornada Escolar em Escolas do Ensino Médio em Tempo Regular (PERNAMBUCO, s/d). Estudos de Nogueira (2020) examinam a realização do projeto que antecedeu o processo de elaboração do currículo de Pernambuco e antecipa suas tendências. Segundo entrevistas realizadas pela autora, o projeto foi implantado inicialmente em 20 escolas da região metropolitana, sendo rapidamente expandido para mais de 105 escolas:

“A partir desse processo houve as adesões, ou seja, as unidades de ensino aderiram ao programa, sendo que as 20 escolas iniciais que aderiram ao programa em 2018, não tinham a vantagem financeira que hoje as escolas possuem. Sabendo disso, há um interesse maior das escolas em fazer parte do programa, uma vez que poderão contar com o apoio financeiro em suas ações. Com isso, 105 escolas que tinham

o ensino regular se inscreveram no programa” (GESTOR SEDUC-PE

apud NOGUEIRA, 2020, p. 109).


Os dados acima põem em questão a afirmação de que a implantação da reforma do ensino médio em Pernambuco vem se dando de forma democrática. Outros depoimentos de gestores escolares e professores da rede de ensino acerca do projeto piloto são marcados por muitas "ressalvas" e "insuficiências" que, ao nosso ver, são fortes indícios de um processo verticalizado.

“A lei nos foi repassada através de uma reunião, ou seja, as mudanças que iriam ocorrer. (...), mas no meu ponto de vista, essas informações

são insuficientes, se levado em consideração o tamanho das mudanças” (GESTOR ESCOLAR 1 apud NOGUEIRA 2020 p.91).


“Nós diretores fomos convidados para uma reunião na GRE ano passado, e nós fomos informados acerca do projeto. Não fomos consultados, nem informaram quais critérios utilizam para escolher as escolas” (GESTOR ESCOLAR 4 apud NOGUEIRA, 2020, p.91).


O processo que levou à aprovação do currículo de Pernambuco não é objeto específico deste escrito, mas os primeiros registros a respeito são seminais para o exame das táticas e estratégias adotadas. Isso porque, o emprego sistemático de práticas apresentadas como participativas, vai conformando um senso comum sobre a própria concepção de gestão democrática no interior da rede de ensino.

À primeira vista, o processo de elaboração do currículo do novo ensino médio em Pernambuco expressa relativa representatividade, envolvendo "todas" as escolas da rede, além da representação sindical, como afirmam os dirigentes governamentais. Mas não se pode ignorar que, sendo o autoritarismo um vício de origem da tramitação e aprovação da lei da reforma e da Base Nacional Comum Curricular, a sua implantação nos estados provavelmente está relativamente contaminada. Diversos estudos registram que a tramitação da reforma do ensino médio se deu sob forte crítica ao seu caráter autoritário, uma vez que foi aprovada através de medida provisória e com baixíssima interlocução com os profissionais da educação e suas entidades científicas e sindicais, mas priorizando os organismos empresariais (COSTA, 2019). Na rede estadual de Pernambuco, os estudos que investigam o projeto piloto trazem fortes indícios de que, embora tenha havido algum envolvimento da comunidade escolar e acadêmica, a implementação da reforma do ensino médio segue a tradição gerencialista já bastante consolidada. Ao que tudo indica, o gerencialismo-populista (FREITAS, 2017) que se afirmou na esfera federal tem efeito cascata nos estados, como é o caso de Pernambuco. Neste estado, além do projeto piloto, a elaboração do currículo de Pernambuco e sua aprovação no respectivo Conselho Estadual se deu mediante procedimentos da tecnocracia neoliberal, mas que buscam produzir alguma dose de legitimação entre os professores e gestores escolares.

A campanha para implementação da BNCC realizada pelo Ministério da Educação, citada no documento de Pernambuco como parte de um processo democrático, vem sendo objeto do escrutínio crítico de diversos estudiosos em nível

nacional e internacionalmente. Para Freitas (2018), por exemplo, o dia "D" da BNCC foi uma estratégia de cooptação dos professores uma vez que visa promover o envolvimento deste na implementação da BNCC e não na sua concepção. "É a ideia de que os iluminados de cima planejam e os demais obedecem e participam apenas da execução. Os professores não tiveram autoria e a padronização proposta para a BNCC mata a própria autonomia dos professores nas escolas (FREITAS, 2018, p.1). Os estudos de Avelar e Ball (2017) também afirmam se tratar de uma base concebida segundo interesses de fora dos profissionais do magistério, fundamentada uma concepção gerencialista do processo educativo. Ensaio de Cássio (2017) sobre a participação dos professores no processo de elaboração da BNCC estandardizados

pelo MEC, assevera que:


"A magnitude dos números faria desta consulta um processo de participação social sem precedentes nas políticas públicas de educação. A análise de alguns dos seus resultados, contudo, mostra que a consulta cumpre um papel muito mais legitimador dos discursos oficiais sobre participação - um participacionismo - do que de produtor de efetiva participação social na construção da política curricular. Seus vícios metodológicos e a insuficiência na análise de seus resultados por parte do MEC afastam a consulta dos fins para os quais ela foi supostamente concebida" (CÁSSIO, 2017, p. 8).


Tudo isso nos revela uma tendência da modernização neoliberal que atrofia a democracia em função do sequestro pelas corporações empresariais, com o objetivo deliberado de proteger os processos de mercado da intervenção política e da responsabilidade social. Como afirma Alfredo Saad Filho, "Em uma democracia neoliberal, a participação popular tende a se limitar entre as nuances de neoliberalismo em um "mercado político esterilizado, policiado por uma grande imprensa plutocrática e normalmente alinhada com a direita radical" (SAAD FILHO, 2018, p. 245).


O novo currículo e as mudanças moleculares


Conforme anunciamos no início do texto, o novo currículo de Pernambuco institucionaliza uma série de mudanças moleculares de orientação gerencialista e neoliberal, que foram ganhando organicidade ao longo dos governos de direita e de esquerda no estado, desde os finais da década de 1990 (BARBOSA, 2020; ARAÚJO, 2020).

Além destes estudos que examinam as políticas educacionais dos períodos anteriores, em relação ao contexto da reforma do ensino médio, isto pode ser confirmado quando se observa as manifestações públicas dos dirigentes governamentais de Pernambuco e no exame do próprio documento do novo currículo. É corrente a ideia de que as inovações são uma adaptação do que já existia em funcionamento na rede estadual de ensino. A respeito, o Secretário de Educação de Pernambuco, Frederico Amâncio, em entrevista à revista Nova Escola6 afirmou:

"A visão da importância de desenvolver as diversas competências, indo além dos componentes curriculares, já é algo muito forte na formação do estudante em Pernambuco. Para nós foi muito fácil absorver o desenvolvimento das competências gerais, chamadas socioemocionais [na reformulação dos currículos da Educação Infantil e Fundamental]. (...) Fomos olhando os parâmetros e a Base. No Médio, também vai ser um pouco assim".


Essas informações também foram constatadas por Nogueira (2020) em entrevistas com outros dirigentes, os quais também afirmam não existir uma criação original no novo documento, mas sim a adaptação de uma matriz curricular já existente nas escolas semi-integrais e integrais.

“Sendo assim, a nova matriz curricular está alicerçada a partir da ampliação de componentes curriculares que já́ existem tradicionalmente e uma parte destinada para criação de novas disciplinas, desta forma o currículo passa a ser composto por “uma aula a mais de língua portuguesa, uma de matemática, [...] duas aulas de projeto de vida e empreendedorismo (componente obrigatório) e uma aula para eletiva” (GESTOR SEDUC-PE)”. (NOGUEIRA 2020, p.109).


Visão mais detalhada da fina sintonia entre a política para o ensino médio existente em Pernambuco e a lei 13.415/2017 é evidenciada no documento do Currículo de Pernambuco, elaborado com base nos Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio (2012). Do ponto de vista dos fundamentos, os documentos são estruturados a partir dos mesmos conceitos e referenciais teóricos. O currículo é definido como conjunto de conhecimentos, competências e habilidades traduzidas como expectativa de aprendizagens. Competência e habilidades são definidas como capacidade de mobilizar recursos cognitivos para enfrentar situações concretas


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6SEMIS, Lais. "O trabalho que o estado fez com o Ensino Médio foi uma estratégia vitoriosa". Nova Escola, 11 de fevereiro de 2019. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/15675/novo- ensino-medio-de-pernambuco-deve-ser-apresentado-em-2019-diz-secretario-de-educacao-do-estado.

(PERRENOUD, 2002). A educação integral em jornada ampliada é reafirmada, a partir da concepção de educação como "aprender a aprender" (DELORS, 2003) e como educação interdimensional (COSTA, 2008). Também são resgatados os conceitos de protagonismo juvenil, educação para direitos humanos e empreendedorismo. No novo documento são acrescentadas menções às competências gerais, flexibilização curricular, organização de componentes por área de conhecimento, transdisciplinaridade, ampliação da carga horária articulada às demandas das juventudes e da sociedade contemporânea (PERNAMBUCO, 2020). A respeito dos fundamentos que sustentam a concepção de educação (em) tempo integral na rede estadual de Pernambuco, ratifico uma posição que já emitimos em exame de uma política federal que faz a mesma opção teórica, embora com propósitos diferentes:

“No que se refere à concepção de educação integral no Mais Educação, identificamos a denominação “educação integral intercultural”, na qual constatamos uma forte influência da perspectiva pragmatista liberal, tendência marcante no movimento escolanovista, com incidência no ideário brasileiro, a partir da década de 1920. Como crítica à escola tradicional, esta perspectiva desloca a preocupação com o processo de ensino/aprendizagem do intelecto para o sentimento, tendo como principal lama “aprender a aprender”. Essa elaboração encontra-se presente também nos pressupostos defendidos pelo programa Mais Educação, embora ressignificando suas principais categorias de forma a se identificar com o que apontam Duarte (2001), Saviani (2011) e Freitas (2005): a perspectiva de um encontro entre um neoescolanovismo e um neotecnicismo, com o ideário neoliberal, em uma perspectiva pós-moderna. (SILVA E SILVA, 2012, p. 213-214).


Embora a rede estadual de Pernambuco seja considerada uma forte referência em termos de avaliação de larga escala e de políticas de responsabilização (accountability), curiosamente, na seção do novo documento destinada ao assunto não se encontra uma mínima referência ao tema. Como se a política de resultados fosse um mero detalhe técnico irrelevante para a rede de Pernambuco, a avaliação é definida numa perspectiva "crítico-reflexiva''. "Quando a avaliação é tratada numa perspectiva crítico reflexiva, de forma processual e não apenas de mensuração de "quanto se aprende", considera-se o estudante em sua singularidade, oferecendo-lhe a oportunidade de construção do conhecimento de forma integral" (Ibidem, p.24).

Entretanto, como também já demonstramos em outros escritos, na rede estadual de Pernambuco, a avaliação gerencial exerce uma sobredeterminação no controle do trabalho docente que constrange a crítica e limita as condições para o

desenvolvimento de uma formação verdadeiramente integral (SILVA e SILVA, 2016). Talvez por esses motivos, seja melhor tergiversar em termos críticos-reflexivos e pragmáticos, quando o assunto é avaliação gerencial neoliberal.


A restrição curricular na formação geral básica


As principais inovações da reforma curricular atual estão na distribuição da carga horária entre a Formação Geral Básica e os Itinerários Formativos. De acordo com a lei 13.415/2017, o currículo do ensino médio considera obrigatória a ampliação da carga horária desta etapa para 3.000 (três mil) horas até 2022. Em relação às Escolas Integrais tal mudança representa uma diminuição, já que nestas escolas a carga horária anual era de 1.200 horas e a carga horária total do curso era de 3.600 horas. Para as Escolas Regulares representa um aumento, uma vez que passam de 800 horas para 1.000 horas anuais e de 2.400 horas para 3.000 horas de carga horária total do curso.

Desta carga horária total 1.800 (mil e oitocentas horas) são destinadas a formação geral e 1.200 (mil e duzentas) horas correspondem aos itinerários formativos. No novo currículo a distribuição desta carga horária vai se dar ao longo de 03 (três) anos, com 1.000 horas a cada ano. No 1o. ano serão destinados 800 h para Formação Geral e 200h para os Itinerários Formativos; no 2o. ano, 600 horas Formação Geral e 400h para os Itinerários formativos e; no 3o. ano, 400h para Formação Geral e 600h para os Itinerários Formativos. A tabela abaixo ilustra a relação entre FGB e IF ao longo dos três anos do ensino médio:

Tabela 1 - Distribuição da carga-horária da Formação Geral e Itinerários Formativos



FGB

IF


1o. ano

800h

200h

Total 1.000h

2o. ano

600h

400h

Total 1.000h

3o. ano

400h

600h

Total 1.000h

FONTE: adaptado da Secretaria de Educação de Pernambuco.


Como se vê, existe uma relação de afunilamento que parte de uma carga horária maior de formação geral no primeiro e segundo anos para a formação diversificada e de aprofundamento, com ampliação de carga horária a partir do

segundo e no terceiro anos. Conforme o documento oficial, essa organização contribui para "(...) o fortalecimento da integração entre os saberes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio e dá condições para os sujeitos do Ensino Médio compreenderem as mudanças na arquitetura e as responsabilidades inerentes às escolhas que serão feitas, envolvendo a flexibilidade do currículo" (PERNAMBUCO 2020, p.58).

O modelo adotado para a formação geral é anual, por entenderem que este formato "(...) possibilita uma melhor organização dos professores nas escolas, bem como garante que os conhecimentos possam ser trabalhados de modo contínuo durante cada ano letivo" (Ibidem, 2020, p. 60). A distribuição da carga horária de cada componente curricular não consta no documento do currículo de Pernambuco e até a finalização deste artigo não tinha sido divulgada. Mas, a proposta de distribuição dos novos componentes curriculares apresentada no projeto piloto nos ajuda a entender em que direção estão seguindo as mudanças.

Tabela 2 - Distribuição dos novos componentes curriculares no Projeto Piloto


BASE LEGAL

COMPONENTE CURRICULAR

ATÉ 2018

PROPOSTA

1o Ano EM (no. aulas

semanais)

Reformado


FORMAÇÃO GERAL

Língua Portuguesa

5

6

240

Arte

1

1

40

Educação Física

1

1

40

Língua Estrangeira

2

2

80

Matemática

4

5

200

Química

2

2

80

Física

2

2

80

Biologia

2

2

80

História

2

2

80

Geografia

2

2

80

Filosofia

1

1

40

Sociologia

1

1

40

TOTAL FORMAÇÃO GERAL BÁSICA

25

27

1080

Fonte: adaptado da Secretaria de Educação de Pernambuco.


No projeto piloto o aumento na carga horária foi prioritário para os componentes curriculares Língua Portuguesa e Matemática (...) para que passem de 05 e 04 aulas semanais, respectivamente para 06 e 05 aulas semanais" (PERNAMBUCO, s/d, p.5). O aumento da carga-horária em Matemática é justificado pela necessidade de suprir possíveis deficits de séries anteriores, ou seja, "(...) tratar de noções de matemática

básica, que não tenham sido bem fundamentadas em séries anteriores (...)" (Ibidem,

p. 6). No caso de Língua Portuguesa, a justificativa foi promover "(...) um momento de estudo sobre a organização da composição textual, propondo atividades de produção escrita e leitura que favoreçam processos comunicativos dos interlocutores ao contexto proposto" (Ibidem).

Aqui se pode observar uma nítida hierarquização de componentes curriculares em função da atribuição de maior tempo a áreas que já possuíam uma carga horária muito superior às demais, como é o caso de Língua Portuguesa e Matemática em relação a História e Geografia e mais ainda em relação à Filosofia, Sociologia, Arte e Educação Física. Cabe aqui uma análise dos critérios e justificativas para tal seleção e organização de conhecimentos, considerando-se a obrigatoriedade e discricionariedade das escolhas. Nesta perspectiva, tanto a lei 13.415/2017 quanto a BNCC obrigam as redes estaduais estabelecerem prioridade para determinadas para os respectivos componentes curriculares. No entanto, mesmo tendo uma relativa autonomia para ampliar a carga-horária em favor de outra área de conhecimento, os dirigentes da rede de ensino de Pernambuco optaram por reforçar as matérias já prioritárias, tendo por justificativa a recuperação possíveis deficits da educação fundamental.

No que se pode inferir, para além de cumprir as normas estabelecida pelo poder central, no exercício da sua discricionariedade, os dirigentes da rede estadual de ensino de Pernambuco, utilizaram o critério dominante para seleção de conhecimentos considerados válidos, segundo a racionalidade empresarial, as quais coincidem com as disciplinas que são avaliadas nos testes de larga escala (IDEB e IDEPE). Tal escolha seria mais ou menos óbvia já que a tradição seletiva de conhecimentos considerados legítimos (APPLE, 1997) nesta rede de ensino, ao longo de quase duas décadas de modernização neoliberal, tem afirmado a maximização do conhecimento instrumental, apesar da forte retórica da educação integral interdimensional.

A tradição seletiva sob a hegemonia da visão gerencial sistêmica de educação tem por referência, de acordo com Freitas (2012), a ratificação de um currículo básico, assumindo que o que é valorizado pelo teste é bom para todos, já que é básico. Mas o que não é dito é que a focalização do básico leva a uma restrição curricular da formação da juventude mais pobre, deixando de fora exatamente aquilo que se

poderia chamar de boa educação. Privilegia-se, portanto, " (...) um corpo de habilidades básicas de vida, suficientes para atender aos interesses das corporações, limitadas a algumas áreas de aprendizagens restritas (usualmente leitura, matemática e ciências)" (FREITAS 2012, p.389), tendo por consequência o enfraquecimento das demais.

Neste caso, também se pode notar um jogo retórico que tenta nominar como básico o mínimo que se assegura através das condições das ofertas educacionais. Inspirada nos estudos de Pereira (2000), Algebaile (2009) esclarece que a noção de "mínimos sociais" está vinculado aos mínimos de subsistência, que sempre fizeram parte da pauta de regulações econômicas e sociais de diferentes modos de produção, mas que adquiriram particular evidência no contexto das relações capitalistas" (p.94). A demarcação de mínimos de subsistência aparece nas ações que se apresentam como resposta aos problemas associados à pobreza extrema e suscita os limites mais ínfimos da sobrevivência física e do convívio social, praticamente equivalentes a desproteção.

Já a noção de básico está relacionada com o que serve de base de sustentação indispensável e fecunda ao que a ela se acrescenta. Não se resume a provisão de condições sem as quais não se vive, mas é garantia de um conjunto de condições prévias sem as quais não se produz com relativa autonomia, determinado modo de vida. "O básico, portanto, não se define por limites biológicos, mas por parâmetros mais amplos, sociais, historicamente definidos, relativo aos horizontes de possibilidades que servem de referência aos projetos de vida" (Ibidem, p.95).

Desta forma, assim como é a tendência minimalista em quase toda a legislação educacional brasileira, a atual reforma do ensino médio utiliza-se da noção de básico como referência retórica do direito à educação, enquanto a noção de mínimo prevalece no que se refere às formas de asseguramento jurídico do direito. Neste sentido, a restrição curricular decorrente da reforma em tela, equivalem a negação da função preponderante da escola de promover a aquisição do que Michael Young (2007) denomina de conhecimento poderoso, entendido como aquele que fornece explicações confiáveis ou novas formas de pensar a respeito do mundo, conhecimento sistematizado que não está disponível em casa. Ele refere-se ao conhecimento especializado que, por isso mesmo, precisa de professores. Para diferenciá-lo do conhecimento não-escolar, o autor atribui à escola a função de transmissão do

conhecimento independente do contexto. Trata-se, portanto, do conhecimento teórico que:

"É desenvolvido para fornecer generalizações e busca a universalidade. Ele fornece uma base para se fazer julgamentos e geralmente, mas não unicamente, relacionado às ciências. É esse conhecimento independente de contexto que é, pelo menos potencialmente, adquirido na escola e é ele que me refiro como conhecimento poderoso (YOUNG 2007, p. 1296, grifo do autor)


Tal perspectiva analítica acerca da função da escola como instituição social especializada, se aproxima de outras abordagens como a de Saviani (2011), para o qual à escola cabe a função de apropriação do conhecimento historicamente acumulado pela humanidade, mas que sob as reformas empresariais em voga, esta tarefa está sendo cada vez descumprida. Assim, podemos afirmar que as mudanças operadas em Pernambuco revelam uma tendência ao empobrecimento da formação geral, exatamente, em relação às áreas de conhecimento que possibilitam a tomada de consciência de si e do mundo através do acesso às teorias filosóficas e sociais que, com carga-horária muito inferior, tenderão a ser abordada de maneira aligeirada e superficial.

Outra chave de análise das justificativas das opções assumidas pelos dirigentes de Pernambuco, também se expressam por objetivos não declarados, mas que se impõem como normas de fato, em função das condições materiais estabelecidas nas redes de ensino e da tradição instalada (ALGEBAILE, 2009). A disponibilidade de carga de trabalho dos professores é um desses aspectos imperativos. Por isso, a afirmação de que a organização anual para os componentes curriculares da formação geral "possibilita uma melhor organização dos professores nas escolas", pode ser interpretada também como uma medida de otimização da força de trabalho disponível na rede, tendo em vista a possibilidade de redução de custo. Esta tendência já tinha sido levantada por diversos analistas e parece tomar corpo na rede estadual de Pernambuco.


Itinerários formativos, fragmentação do conhecimento e desprofissionalização do magistério


Os Itinerários Formativos, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, "(...) são cada conjunto de unidades curriculares ofertadas pelas

instituições e redes de ensino que possibilitam ao estudante aprofundar seus conhecimentos e se preparar para o prosseguimento de estudos ou para o mundo do trabalho de forma a contribuir para a construção de soluções de problemas específicos da sociedade (BRASIL, 2018 apud PERNAMBUCO, 2020, p. 60-61). Eles seguem as mesmas áreas de conhecimento estabelecidas para a Formação Geral, acrescidas da área Formação Técnica e Profissional.

De acordo com o documento oficial, os itinerários devem ser organizados em torno de um ou mais dos seus eixos estruturantes: "Investigação Científica, Processos Criativos, Mediação e Intervenção Sociocultural e Empreendedorismo". Diferentemente da Formação Geral Básica, que é trabalhada anualmente, "(...) as unidades curriculares dos Itinerários Formativos terão a duração de um semestre" (Ibidem, p. 63, grifos do autor) e serão distribuídos em tipos diferentes, quais sejam: obrigatórias, optativas, eletivas e projeto de vida.

As unidades Obrigatórias e Optativas são direcionadas ao aprofundamento nas trilhas escolhidas pelo estudante. As Unidades Obrigatórias são aquelas (...) que têm o papel de aprofundamento dentro da área/temática de escolha dos estudantes para

o percurso do Ensino Médio" (Ibidem, 2020, p. 62). Portanto, elas são obrigatórias para todos estudantes que resolveram cursar uma determinada trilha. As unidades Optativas são também direcionadas ao aprofundamento de determinada trilha, mas suas ofertas estarão condicionadas ao catálogo de opções disponibilizado por cada escola.

As Unidades Curriculares Eletivas são constituídas por um cardápio ainda mais aberto e variado de componentes e atividades. São aquelas que (...) visam ampliar o universo de conhecimentos dos estudantes, em seus interesses mais diversos. Necessariamente não precisam estar diretamente relacionadas à área de conhecimento escolhida pelos estudantes” (Ibidem, p. 62).

A unidade curricular Projeto de Vida integra a parte dos Itinerantes Formativos, se organizando tal como os demais componentes, mas é obrigatória ao longo dos três anos do ensino médio. De acordo com o documento em tela a componente curricular busca:

"(...) despertar nos estudantes a reflexão sobre o seu projeto de vida incluindo elementos relativos ao autoconhecimento, ao conhecimento do outro e o papel que todos temos na sociedade em que vivemos. Conjuntamente com o estímulo para que o estudante possa refletir

sobre seu futuro e as decisões que precisa tomar para realização de seu projeto de vida em construção" (PERNAMBUCO, 2020, p. 63).


Para ampliar a possibilidade de escolha dos estudantes, o Currículo de Pernambuco para o Ensino Médio oferecerá pelo menos duas trilhas de aprofundamentos. A tabela abaixo, ilustra a distribuição da carga-horária ao longo dos três anos:

Tabela 3 - Distribuição dos Itinerários Formativos por ano no Ensino Médio


Distribuição das 1200h dos Itinerários Formativos

Descrição

1o Ano

2o Ano

3o Ano

CH em hora- aula*

Eletivas

60

160

100

320

Projeto de Vida

100

80

60

240

Aprofundamento

Obrigatórias

80

160

400

640

Optativas

-

80

160

240

TOTAL

240

12

18

1440**

*Um hora-aula equivale a 50 minutos.

**1440 horas-aulas equivale a 1200 horas.


De acordo com o documento, as Trilhas de Aprofundamento (optativas) só terão início no segundo ano, mas essa parte do currículo será iniciada no primeiro ano "(...) com as eletivas, Projeto de Vida e duas unidades curriculares do aprofundamento consideradas básicas, que vão alicerçar a formação dos estudantes até o final do ensino médio" (PERNAMBUCO, 2020, p.77), a saber: Investigação Científica e Tecnologia e Inovação. De acordo com o documento oficial, essas unidades curriculares são básicas porque "(...) dialogam com todas as áreas do conhecimento, permitindo que no primeiro ano do ensino médio o estudante conheça melhor os IF oferecidos e possa fazer sua escolha sobre o IF a cursar de forma mais segura" (Ibidem, p.77). No primeiro ano, portanto, a escolha dos estudantes será considerada em relação às 60 horas eletivas (provavelmente duas unidades curriculares de 30 horas), cuja finalidade é fazer a transição e preparar a escolha da “Trilha" de aprofundamento. As demais são obrigatórias. Aqui é percetível que a margem de escolha dos estudantes é reservada às unidades curriculares eletivas e optativas, as quais juntas somam 560 horas das 1440 horas dos itinerários formativos.

Os componentes eletivos ainda não foram divulgados pela rede de ensino, mas o que se pôde acessar no projeto piloto nos revela uma gama enorme de

possibilidades. Conforme as entrevistas realizadas por Nogueira (2020), “(...) as eletivas são muito abertas, por exemplo: nas 20 escolas já citadas, tivemos aproximadamente 60 disciplinas eletivas” (GESTOR SEDUC-PE, 2019 apud NOGUEIRA 2020, p. 118). Outro levantamento feito pela secretaria de educação chegou a sistematizar 47 componentes curriculares eletivos7. Cabe frisar que tais unidades curriculares tenderão a ser cursadas por estudantes em anos letivos diferentes, conforme atesta a experiência piloto.

As 640 horas das trilhas de aprofundamento e 240 horas de Projeto de Vida são obrigatórias. O status estabelecido para o componente curricular Projeto de Vida, é outra inovação do currículo de Pernambuco que merece exame específico. Sabe-se que no currículo do Ensino Médio da Rede Estadual de Pernambuco já funciona desde o ano de 2012 nas Escolas do Ensino Médio de Tempo Integral ou Semi-integral o componente denominado Projeto de Vida e Empreendedorismo. No âmbito das Diretrizes para o Ensino Médio (DCNEM, 2018) a reflexão e construção do projeto de vida dos estudantes é um princípio específico que deve permear toda a formação dos jovens nesta etapa de ensino. Porém, "(...) no processo de implementação do Programa Novo Ensino Médio e com a ampliação da carga horária de parte das escolas, o Projeto de Vida passou a compor a Matriz Curricular nessas unidades escolares incorporando também estudos sobre Empreendedorismo" (PERNAMBUCO 2020, p. 77). Isso porque, se julga "(...) fundamental que ele seja vivenciada particularmente em uma etapa de ensino tão importante para as juventudes uma vez que são marcadas por processos sociais de escolhas em diversos campos da sua existência, sejam em nível pessoal, espiritual, profissional, nas suas respectivas relações consigo mesmo e com os coletivos sociais de que fazem parte (Ibidem, p.78). Quanto ao perfil dos professores que atenderão ao novo ensino médio, o documento de Pernambuco aponta que "(...) devem ir ao encontro do perfil de


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7 COMPONENTES ELETIVOS (2018): A História e a Cultura Pernambucana, A literatura e a produção teatral, Arte por toda parte, Arte-Educação com enfâse em teatro, Audiovisual e Direitos Humanos, Como vencer desafio, Cultura Corporal, Cultura de Paz dos Círculos Restaurativos, Cultura e Patrimônio, Cultura Pernambucana, Dança, Dança contemporânea e Cultura Popular, Direito e Cidadania, Diversidade Étnica e Cultural, Educação Ambiental e Sustentabilidade, Educação Financeira, Espanhol Básico, Esportes, Francês Instrumental, Fundamentos da Matemática, Fundamentos da Robótica, Geo Game (jogos geográficos), Gestão Ambiental, Iniciação Esportiva, Jogos e, Física, Libras, Mapeamento participativo e trilha ecológica Matemática e Poliedro, Matemática e Reciclagem, Matemática Financeira, Meio ambiente, Microscopia, Média e Tecnologia, Oficina de Perfume, Oratória e Métodos de Aprendizagem, Programa de Saúde, Projeto Familiar, Raciocínio Lógico, Raízes da Cultura Brasileira, Reduzir o consumo, Reutilizar materiais e Reciclar sempre (Horta, Compostagem e educação ambiental), Robótica. (NOGUEIRA 2020, p.113-114).

professor do contexto atual em que se observam mudanças sociais, culturais, tecnológicas, econômicas, entre outras, as quais demandam profissionais com competências que extrapolam o ato de transmitir conteúdos, estejam abertos às inovações e as constantes aprendizagens (...)" (Ibidem, p.23). Mudanças essas que exigem adequações como as que se constatou no projeto piloto, em que os professores das disciplinas de menor status com carga-horária disponível e formação em áreas afins são encaminhados para ministrar os componentes curriculares Projeto de Vida e Eletivos, conforme apontam os estudos de Nogueira (2020). Neste sentido, o documento do projeto piloto expressa claramente o perfil flexível exigido do professor da parte diversificada:

Seja um/a orientador/a de estudo, de caminhos e possibilidades; b) Que colabore e se encante com a aprendizagem dos estudantes; c) Que crie situações teórico-práticas para a materialização dos objetivos; d) Que utilize diferentes recursos didático-pedagógico- tecnológicos; e) Que tenha a flexibilidade como seu aliado no panejamento e replanejamento de suas aulas; f) Que valorize as potencialidades dos estudantes (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO, 2018, p. 9).


Os itinerários formativos é o momento da formação em que os jovens são conduzidos a fazerem a escolha de uma área de conhecimento a ser aprofundada. Uma crítica corrente a essa ideia diz respeito à escolha precoce por uma área especializada de estudos, em uma fase da vida na qual o jovem ainda não tem maturidade para tanto, sendo necessário que se tenha o maior contato possível com diferentes áreas. Neste sentido, a proposta de Pernambuco expressa uma clara tendência ao estreitamento do contato dos jovens com as áreas de ciências humanas e sociais, bem como com as disciplinas que foram diluídas na área de linguagens e suas tecnologias, como são o caso de artes e educação física. Além disso, a flexibilização através de inovações metodológicas (investigação científica, processos criativos, mediação e intervenção sociocultural e empreendedorismo) indica uma forte tendência à relativização dos processos pedagógicos que garantam aquisição do conhecimento historicamente acumulado (SAVIANI, 2011) ou conhecimento poderoso (YOUNG, 2007), em favor do conhecimento tácito ou adquirido pela experiência, tal como fundamentam as teorias pedagógicas inspiradas no pragmatismo.

A consequência destas opções apontadas pela literatura aponta para uma formação menos qualificada na preparação dos jovens das escolas públicas para

disputarem uma vaga no ensino superior (KUENZER 2017; FRIGOTTO 2017; CUNHA 2017), restando a estes a incerteza de ingresso no mercado de trabalho precário, flexível e intermitente, trajetória para a qual a pulverização de componentes eletivos e do Projeto de Vida são referências equivalentes aos mínimos educacionais vendidos como básicos.

Em relação a redução de custos com salários de professores, a flexibilização do tempo, do espaço e dos profissionais suscitada pelos itinerários formativos é ainda mais nítida. De acordo com os estudos de Nogueira (2020) em relação ao projeto piloto, escolha de professores para ministrar as eletivas se deu observando critérios de familiaridade com o componente curricular e a respectiva área de formação. Isso nos leva a levantar a hipótese de que os itinerários formativos são uma porteira para a precarização, intensificação e desprofissionalização, legalmente institucionalizada pela lei 13.415/2017.


Conclusões


A flexibilização curricular instituída pela lei 13.415/2017 encontrou um lastro orgânico e consistente na rede estadual de Pernambuco, onde mudanças moleculares realizadas ao longo de décadas, sob uma forte influência de reformadores empresariais, já se transformou em senso comum entre gestores, professores, sindicatos, empresários, partidos conservadores e progressistas.

Nesta rede de ensino, a reforma do ensino médio impulsiona os dirigentes governamentais a escreverem mais um capítulo do processo de modernização conservadora neoliberal da educação. O termo modernização conservadora é utilizado por teóricos que analisam as características da sociedade brasileira, onde a conciliação entre as oligarquias tradicionais e as elites modernas, levam sempre a transformações pelo alto que atualizam, modernizam o velho, dando nova face às velhas relações sociais de produção da vida, reproduzindo as profundas desigualdades econômicas, políticas e sociais (FERNANDES 2009; OLIVEIRA 2011; VIANNA, 2008). Conservar-mudando é a fórmula que estabelece uma linha de continuidade na tradição política brasileira, se expressando também nas políticas educacionais e no âmbito de todas as políticas sociais.

O novo currículo de Pernambuco (2020) é mais uma síntese da fórmula

conservar-mudando no âmbito educacional, onde velhas ideias ganham nova retórica e os contornos institucionais são atualizados, mas as relações de produção e distribuição do conhecimento historicamente acumulado permanecem desiguais e cada vez mais subsumidas aos interesses das corporações empresariais capitalistas. As determinações históricas de tais transformações correspondem às mudanças orgânicas e estruturais no regime de acumulação do capitalismo dependente as quais suscitam a de formação de trabalhadores, cuja força de trabalho poderá ser consumida de forma mais ou menos predatória, ao longo das cadeias produtivas. O objetivo principal, portanto, é a preparação das novas gerações para o trabalho simples num mercado sustentado pelo trabalho flexível, precário e

intermitente (FRIGOTTO, 2017; KUENZER, 2017).

Nesta perspectiva, a reestruturação em curso em Pernambuco aperfeiçoa e consolida a institucionalização do ensino médio nos marcos da aprendizagem flexível, que é a expressão pedagógica da flexibilização do regime de acumulação. A flexibilização se expressa na seleção e organização dos conteúdos do conhecimento da formação básica, restringindo e hierarquizando os componentes curriculares segundo os parâmetros dos testes e avaliação em larga escala. Flexibilização que se aprofunda ainda mais nos itinerários formativos, através de uma miscelânea de ofertas com denominações distintas (eletivas, optativas, obrigatórias, aprofundamento), mas com características comuns: curta duração, descontinuidade e fragmentação.

A flexibilização também se expressa nos aspectos metodológicos através da atualização de velhas abordagens espontaneístas, abertas, não-diretivas, etc., não- conteudistas, pomposamente renomeadas como "investigação científica, processos criativos, intervenção sociocultural e Empreendedorismo". Na contramão da promessa de uma educação integral, o que se tem é uma ampliação da jornada associada ao aligeiramento, a superficialidade e a simplificação no trato com o conhecimento. Contraditoriamente, tem-se uma ampliação da jornada escolar com uma nítida desqualificação da formação, atualizando a tradição da educação pública brasileira de ampliação para menos da escola para os pobres (ALGEBAILE, 2009).

Neste sentido, é totalmente plausível a hipótese explicativa de que a reforma do ensino médio tem por objetivo provocar uma contenção do acesso ao ensino superior em função da crise da expansão do setor privado em função do estrangulamento do financiamento governamental. Desta forma, a desqualificação da

formação geral torna-se fator decisivo para fragilizar as condições dos filhos das classes trabalhadoras disputarem uma vaga nos cursos de maior status do ensino superior.

Finalmente, em relação ao corpo docente, a nova organização curricular expressa uma clara diminuição da necessidade de professores para áreas que historicamente apresentam deficits (notadamente as ciências naturais e exatas), revelando mais como políticas para atender interesses de reduzir custo do que para objetivos propriamente educativos. Ademais, o novo currículo também expressa forte tendência à refuncionalização, precarização e intensificação do trabalho dos professores, na medida em que diminui sobremaneira a importância da teoria em nome de conteúdos mais instrumentais. Nesse caso, promove-se a abertura para a desprofisionalizaçao do magistério, já que conteúdos instrumentais podem ser comprados nos mais diversos “supermercados do conhecimento”.


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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


A REGULAMENTAÇÃO E AS PRIMEIRAS AÇÕES DE IMPLEMENTAÇÃO DA REFORMA DO ENSINO MÉDIO PELA LEI Nº 13.415/2017 NO PARÁ1



Resumo

Alice Raquel Maia Negrão2 Dinair Leal da Hora3

Este texto analisa a regulamentação e as primeiras ações de implementação da Reforma do Ensino Médio de 2017 no Pará, através da pesquisa documental, análise de conteúdo e das categorias gestão, tempo integral, currículo, financiamento e relação público-privada, concluindo que, contrário aos interesses sociais, a atuação conjunta da Secretaria e do Conselho Estadual de Educação não conseguiu regulamentar uma proposta de Ensino Médio capaz de ampliar a qualidade socialmente referenciada à última etapa da Educação Básica.

Palavras-chave: Política Educacional. Reforma do Ensino Médio. Lei nº 13.415/2017.


REGLAMENTO Y PRIMERAS ACCIONES PARA IMPLEMENTAR LA REFORMA DE LA ESCUELA SECUNDARIA POR LEY N ° 13.415 / 2017 EN PARÁ

Resumen

Este texto analiza la normativa y las primeras acciones para implementar la Reforma de la Escuela Secundaria 2017 en Pará, a través de la investigación documental, el análisis de contenido y las categorías gestión, tiempo completo, currículo, financiamiento y relaciones público-privadas, concluyendo que, en contra A los intereses sociales, la acción conjunta de la Secretaría y el Consejo Estatal de Educación no ha logrado regular una propuesta de educación secundaria capaz de ampliar la calidad socialmente referenciada a la última etapa de la Educación Básica.

Palabras clave: Política educativa. Reforma de la escuela secundaria. Ley n ° 13.415/2017.


REGULATION AND FIRST ACTIONS TO IMPLEMENT THE REFORM OF HIGH SCHOOL BY LAW No. 13.415/2017 IN PARÁ


Abstract

This text analyzes the regulations and the first actions to implement the 2017 High School Reform in Pará, through documentary research, content analysis and the categories management, full-time, curriculum, financing and public-private relations, concluding that, contrary to social interests, the joint action of the Secretariat and the State Council of Education has failed to regulate a proposal for secondary education capable of expanding the quality socially referenced to the last stage of Basic Education.

Keywords: Educational Policy. High School Reform. Law No. 13.415/2017.


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1 Artigo recebido em 15/11/2020. Primeira avaliação em 29/01/2021. Segunda avaliação em 26/03/2021. Aprovado em 23/04/2021. Publicado em 27/05/2021.

DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.47155

2 Mestre em Currículo e Gestão da Escola Básica pelo Programa de Pós-Graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica vinculado ao Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Educação Básica da Universidade Federal do Pará. Professora da Educação Básica no município de Abaetetuba do Estado do Pará e Especialista em Educação pela 3ª Unidade Regional de Educação, vinculada à Secretaria de Estado de Educação do Pará. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0786-5368

E-mail: aliceraquelmaia@yhaoo.com.br; Lattes: http://lattes.cnpq.br/9825226112946201

3 Pós-doutorado em Administração Escolar e Economia da Educação pela USP – Universidade de São Paulo e em Sociologia das Organizações Educacionais pela UMINHO – Universidade do Minho / Portugal. Doutora em Educação pela UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas. Professora Permanente do Programa de Pós- Graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica da Universidade Federal do Pará e do Programa de Pós- Graduação em Educação na Amazônia - Doutorado em Rede. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3278-3914;

E-mail: tucupi@uol.com.br /dinairleal@ufpa.br;Lattes: http://lattes.cnpq.br/2705119184820662


Introdução


Este texto analisa documentos referentes ao início da implementação da Reforma do Ensino Médio pela Lei nº 13.415/2017 no Pará, com a intenção de responder: que conteúdo e como se configuraram a regulamentação e as primeiras ações de implementação da reforma no estado, no período de 2016 a 20194?

No intuito de “[...] apreender o real a partir de suas contradições e relações entre singularidade, particularidade e universalidade, captando as categorias que possibilitam a sua apreensão numa totalidade” (RÊSES, 2015 apud RÊSES, SOUSA, SILVA, 2016, p. 29), o estudo tem por base o enfoque teórico histórico-dialético, como instrumento lógico de interpretação da realidade, cuja definição epistemológica, advém do método do materialismo histórico.

O recurso à pesquisa documental (MINAYO, 2002), se justifica por objetivar identificar em documentos primários, dados brutos do contexto sócio histórico e informações que servissem como subsídio à identificação da estrutura e da dinâmica da sociedade na relação de classes e da incidência das forças produtivas imersa ao conteúdo e configuração das ações iniciais da Reforma no Pará. Para tanto se busca, mediante a análise de conteúdo (BARDIN, 2006), definir categorias (gestão, tempo integral, currículo, financiamento e relação público-privada) subsidiadas por contribuições teóricas que têm se ocupado do estudo e de análises da Reforma em curso.

Os documentos que são aqui analisados originam-se de produção da Secretaria de Estado de Educação (SEDUC/PA) e assessoria privada, em ação conjunta ao Conselho Estadual de Educação (CEE/PA)5, os quais apresentam diretrizes, princípios e estratégias de ação destinadas à gestão escolar pública, enquanto orientações a serem cumpridas pelas escolas de Ensino Médio da rede


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4 Destaca-se que as análises empreendidas ao período de 2016 a 2019, fazem referência ao início do processo de alinhamento ocorrido no Estado do Pará por meio de ações em consonância a posicionamentos em favor dos determinantes previstos desde a MP nº 746/2016 e que deram de forma contínua com a sua conversão na Lei nº 13.415/2017.

5Importante ressaltar que na composição do órgão têm-se na Presidência do Conselho: Representante de Diretores do Ensino Médio Particular (Presidente) e Representante do Governo do Estado (Vice- presidente); na Câmara de Educação Básica-CEB: Representante de Diretores do Ensino Fundamental Particular (Presidente); Representante de Professores do Ensino Básico Particular (Vice-Presidente) biênio 2019-2021 (PARÁ, 2019, on-line).

estadual, em particular às Escolas – Piloto dos Programas do Governo Federal no Pará (EMTI, ProBNCC e ProNEM)6.

Essa seleção compõe-se da Matriz Curricular do Ensino Médio em Tempo Integral (PARÁ, 2017a), do Caderno 6 denominado “Orientações para Gestores Escolares sobre a organização da rotina do Tempo Integral identificado como Tempo Estendido” (PARÁ, 2017b), do Caderno 7, nomeado “Subsídios para o alinhamento entre as áreas de conhecimento” (PARÁ, 2017c), do Regimento das Escolas Estaduais de Educação Básica (PARÁ, 2018), e do Documento “Programa Novo Ensino Médio no Pará: orientações para o registro da PFC7 na plataforma PDDE interativo” (PARÁ, 2019a).

Além destes, foram utilizados a Portaria da Seduc/PA nº 851 de 2018 (PARÁ, 2018b), que instituiu a Coordenação Estadual de Currículo e da BNCC, integrando tanto a Comissão de Apoio à implementação da BNCC como a do Programa Novo Ensino Médio no Pará, fortalecendo as ações do poder executivo, o Relatório das Ações da Comissão ProBNCC EM do Pará (PARÁ, 2019b), o Documento de Orientação à adesão das Escolas-Piloto ao ProNem/PDDE (PARÁ, 2019c) e o Relatório das Ações da Comissão de Apoio à implementação do ProNem “Novo Ensino Médio no Pará: Desafios, Possibilidades e Proposições para Rede Estadual - 1 e 2” (PARÁ, 2019d) enquanto fontes de dados a subsidiar as análises acerca do objeto problematizado.

As apreensões estão distribuídas em unidades que buscam destacar, à luz das categorias apontadas, o produto das interlocuções obtidas a partir da análise dos documentos que referendam os compromissos do Governo Estadual com o processo gradativo de adesão e alinhamento às ações do Governo Federal voltadas à implementação da Reforma no Pará logo após a promulgação da MP nº 746/2016, evidenciando a correlação de forças que se faz presente na efetivação da implementação.


A Reforma do Ensino Médio pela Lei nº 13.415/2017 no Pará: regulamentação e primeiras ações de implementação


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6 Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (Programa EMTI), o Programa de Apoio à Implementação da Base Nacional Comum Curricular (Programa ProBNCC) e o Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio (Programa ProNem).

7 Proposta de Flexibilização Curricular, exigida pelo Documento de implementação da reforma como condição para transferência de recursos às unidades de ensino para o desenvolvimento das ações que constituem o Novo Ensino Médio.


A problematização sobre o objeto em estudo está situada no campo das políticas educacionais, na acepção da ação política, em que se lança um olhar crítico sobre a ação pública em seu conjunto, como centro de gravidade da esfera política.

O conceito político de reforma então passa a ser compreendido enquanto [...] “uma ocasião de batalha tecnocrática entre peritos, confronto ideológico entre intelectuais ou um ato de pedagogia pública, ou seja, um debate sobre o substantivo concretizado com a gramática no plural” (FRIGÉRIO, 2002, p. 197). E que ainda pode assumir outra conotação, quando pode ser concebida como uma tecnologia de gestão, se refletir o clima e anseios sociais e políticos subjacentes à promoção dos princípios da equidade, da igualdade de oportunidades (SILVA, 1996).

No presente estudo, as políticas públicas são mencionadas tanto como um construto de pesquisa (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 1989) quanto como nos sentidos político e administrativo. No sentido político, trata-se de um processo de decisão, em que há conflitos de interesses entre as decisões e/ou omissões do governo, e as opiniões da sociedade.

O sentido administrativo, por sua vez, refere-se a um conjunto de programas e atividades realizado pelo governo, bem como a ações e decisões tomadas em âmbito nacional e estadual, com a participação de entes públicos e/ou privados, de forma direta ou indireta. Há que se destacar que, no atual contexto, tal sentido tem relaxado no propósito de assegurar direitos de cidadania para vários grupos da sociedade ou para determinado segmento social, cultural, étnico ou econômico no Brasil, correspondentes aos direitos assegurados na Constituição Federal de 1988.

A implementação das políticas, é entendida como “[...] uma ação e um processo que compreende tudo o que acontece, tratando-se de alcançar os objetivos da política” (PRESSMANN; WILDAWSKY, 1973, p. 75 apud ROTULO, 2004, p. 1), e que

se estabelece, segundo Mainardes (2006, p.49), como a “política em uso”, ou seja, trata-se, desde as primeiras ações de implementação e seus desdobramentos, quanto as categorias de análise, enquanto esforços visando ao estabelecimento definitivo da política de Reforma do Ensino Médio no Pará.

A regulamentação abordada aqui se refere ao estabelecimento de um conjunto de medidas legais e dispositivos regulamentares que rege um assunto, sob forma de lei a ser cumprida pela Administração Pública. Ou seja, são atos normativos do Poder

Executivo, cuja finalidade é desdobrar ou detalhar um ato normativo superior, como é o caso da Lei nº 13.415/2017, referente à Reforma em questão.

Nesta perspectiva, observa-se que a regulação e a regulamentação perpassam por um conjunto de intencionalidades de diferentes sujeitos (governamentais e/ou não) que vêm guiando todo o processo de implementação da Reforma do Ensino Médio nos estados brasileiros, dentre esses, no Estado do Pará.

A formulação e a implementação das políticas do Ensino Médio, nesse prisma, não ocorrem isoladas das relações políticas, econômicas e sociais, posto que fazem parte de estratégias e ações que incidem sobre a formação dos sujeitos eminentemente expostas às perspectivas da produção em nível internacional, refletidas no contexto nacional e local, principalmente em âmbitos como a gestão, o tempo integral, o currículo, o financiamento e a relação público-privada.

A regulamentação da Reforma do Ensino Médio pela Lei nº 13.415/2017, no Pará, encontra-se em fase inicial de regulamentação cuja introdução se estabeleceu mediante algumas medidas e ações desenvolvidas pela gestão pública governamental, através da atuação da SEDUC em conjunto ao CEE ao longo dos anos de 2016 a 2019, e que foi contestada pelos movimentos sociais, por apresentar influências da regulação, eivada, cada vez mais pela presença do privado sobre o público na determinação das políticas educacionais (ATAS DO FEE/PA, REGISTROS DO SINTEPP/PA 2016; 2017), evidenciando a ação do Estado a serviço de uma classe - a classe detentora dos meios de produção.

Dentre essas ações, a tentativa de aprovação da 1ª Proposta da Seduc/PA, referente à alteração curricular do Ensino Médio em adequação ao Ideb, anulada após Movimento de Ocupação do CEE/PA por movimentos sociais se constituiu pela elaboração do Mapa Estratégico com assessoria da empresa privada FALCONI consultora de Gestão por Resultados; elaboração do Formulário de Sondagem de Aptidões, visando à formulação dos itinerários formativos; emissão do Relatório da Seduc/PA referente ao 1º Planejamento, visando à Reestruturação do Ensino Médio em adequação à Reforma, à pesquisa de Sondagem de Aptidões e à demanda dos arranjos para seleção dos itinerários formativos da Educação Profissional, apresentado no Seminário Internacional Desafios Curriculares do Ensino Médio: Flexibilização e Implementação, promovido pelo Instituto Unibanco (FEE/PA; SINTEPP, 2016; 2017).

Nessa constituição se entende a própria composição do CEE, uma vez que, não por acaso, à frente da Presidência e Vice-presidência do Conselho e da Câmara de Educação Básica encontram-se representantes do Governo do Estado e do âmbito privado. Entende-se que numa intrínseca relação entre o setor público e a iniciativa privada, no Pará, o setor público vem sendo regulado pelo privado, o que vem interferindo nas tomadas de decisão acerca da regulamentação da reforma no estado, bem como na condução do processo de implementação da política de educação na rede estadual de ensino, cuja implementação vem se estabelecendo com foco na Gestão para Resultados, que assemelha a condução das políticas educacionais de Ensino Médio no Pará a uma lógica de gestão privada aplicada à educação (VALE; PEREIRA, 2018), uma vez que a metodologia de gestão da empresa assessora a gestão para essa perspectiva – resultados, conforme Contrato de Consultoria nº 060/2017, celebrado entre a SEDUC/PA e o Instituto de Desenvolvimento Gerencial

S.A (FALCONI), cujo objeto tratou de Serviço de Consultoria para Fortalecimento do Sistema de Gestão da Secretaria de Estado de educação por meio da Implementação da Gestão para Resultados nas Escolas de acordo com a Portaria nº 004769-2018- SAGEP de 07/05/2018, disposto no IOEPA nº 33613, de 09/05/2018, p. 51 e Cronograma de formação geral para implementação do sistema de gestão para resultados no Estado do Pará (PARÁ, 2018).


    1. Gestão


      O pressuposto de que a educação se destina à promoção humana e que está voltada ao compromisso social (FERREIRA; AGUIAR, 2000), exige práticas de gestão alicerçadas a esse compromisso, e desponta o alerta de que a gestão das políticas para o ensino médio está imersa a desafios voltados à garantia do direito à educação que demandam esse horizonte na perspectiva das análises e das práticas

      Segundo Paro (2016, p. 38) a concepção de gestão entendida como “a mediação para alcançar determinados fins”, encontra-se no cerne desse contexto, pois em contraponto ao conceito tradicional de gestão ou administração como normas ou medidas que se tomam no âmbito das atividades-meio sem levar em conta a própria atividade-fim, operam precedidas por intencionalidades que perpassam por fins de interesses distintos para além do âmbito de atuação da gestão escolar. Nesse sentido, há de se considerar que “[...] os textos das políticas são produtos de múltiplas

      influências e agendas, e sua formulação envolve intenções e negociação dentro do estado e dentro do processo de formulação da política” (MAINARDES, 2006, p. 53).

      No Estado do Pará, após sucessivos movimentos realizados pela Seduc, a alteração da legislação estadual só ocorreu com a modificação do Regimento das Escolas Estaduais de Educação Básica (PARÁ, 2018); embora as primeiras ações tenham iniciado após a adesão da Seduc a Programas do Governo Federal: Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral – EMTI (2017), Programa de Apoio à Implementação da Base Nacional Comum Curricular – ProBNCC e Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio – ProNem (2018).

      A promulgação da Lei nº 13.415/2017, favoreceu a alteração de um conjunto de normatizações para a rede estadual de ensino paraense. O Regimento das Escolas Estaduais de Educação Básica do Pará de 2010 foi atualizado, e sua versão alterada foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE nº 33.748, de 28 de novembro de 2018), passando a estabelecer diretrizes à (re) organização de todas as etapas da Educação Básica, e, portanto, também do Ensino Médio.

      O Regimento se configura como importante instrumento de organização do sistema de ensino paraense, tanto para os estabelecimentos públicos quanto privados. Sua natureza não é apenas disciplinar, mas também administrativa e pedagógica, configurando-se como um modelo de regimento único, legal e unificado a ser cumprido pelo sistema educacional de ensino paraense.

      A Secretaria Estadual de Educação do Pará realizou ações internas, entre 2017 e 2018, referentes à implementação de estudos para reestruturação da política educacional da Educação do Campo, Quilombola e Indígena, com o objetivo de identificar alternativas à oferta da última etapa da Educação Básica nessas localidades, em adequação à Lei nº 13.415/2017, com estudos que levaram em conta o fundamento curricular com base em competências e foco nos direitos de aprendizagem, tomando como base a estrutura e prescrições da BNCC, segundo Atas do Fórum Estadual de Educação (FEE/PA, 2017; 2018).

      A Seduc também produziu um conjunto de outros documentos configurados em seu conteúdo por orientações vinculadas aos Programas do Governo Federal (EMTI, ProBNCC e ProNem), caracterizando, assim, o fio condutor e indutor da política de reforma pelas primeiras ações a serem executadas no estado mediante produção de matrizes documentais.

      A elaboração da Matriz Curricular do Ensino Médio em Tempo Integral e da coletânea teórica constituída por cadernos de subsídio que tratam da organização do Tempo Integral enquanto Tempo Estendido e curricular, em 2017; a publicação da Portaria Seduc/PA nº 851/2018, que nomeia a Coordenação Estadual de Currículo e a Coordenação Estadual da BNCC EM, vinculada à Comissão de Apoio à implementação tanto da BNCC como do Novo Ensino Médio, e o relatório da Comissão Estadual ProBNCC EM, em 2018; a elaboração do documento de orientação às escolas-piloto do Programa Novo Ensino Médio, além do relatório da Comissão Estadual sobre as ações de implantação do Programa Novo Ensino Médio, e do documento orientador à elaboração das Propostas de Flexibilização Curricular – PFC’s, em 2019.


    2. Tempo Integral


      O conceito de educação integral e tempo integral é uma reflexão complexa, visto que pode ser entendido por diferentes perspectivas, intenções e concepções. Segundo Gadotti (2009), o tempo integral trata-se da qualidade sócio cultural, a qual diferencia-se da noção comum daquela aferida pelos índices educacionais. A qualidade almejada pela escola de tempo integral busca o ensino e aprendizagem de alunos e professores, comprometida com o entorno da comunidade, em melhores condições de serviços, a partir da educação ativa e cidadã para os sujeitos da escola e comunidade.

      O tempo integral embora esteja associado ao tempo da jornada escolar, vem sendo foco de discussões a respeito da qualidade dessa extensão diante do caráter educativo da formação integral no espaço-tempo escolar.

      A oferta do tempo escolar não é apenas uma questão de ampliação da jornada escolar, mas está associada à qualidade socialmente referenciada de educação. Entende-se que “esses lugares e tempos são determinados e determinam uns ou outros modos de ensino e aprendizagem e não só conformam o clima e a cultura das instituições educativas, mas também educam” (VIÑAO-FRAGO, p. 99, tradução dos autores, apud PESSANHA; DANIEL; MENEGAZZO, 2004, p. 65).

      A concepção de educação integral deve estar como pano de fundo para referendar o tipo e fundamento epistemológico da ampliação da jornada escolar. De acordo com Moll (2008) a educação integral é debate complexo e polissêmico, não

      obstante segundo Paro (2009), a educação de tempo integral é uma concepção de educação que se justifica pelo aumento do tempo escolar e reproduz uma forma educativa já oferecida na escola de turnos, porém “[...] não se quer pensar somente uma educação em tempo integral como uma bandeira de luta, mas articular essa extensão a uma concepção de educação integral” (PARO, 2009, p.13), associada a formação integrada do conhecimento, ou seja imersa a um sentido profundo da humanização de todo ser humano, sedimentada a uma política curricular do ponto de vista da educação omnilateral (RAMOS, 2003).

      O estado do Pará aderiu ao Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI) em 2017, mediante assinatura do Termo de Compromisso à adesão dos estados, além de responder às seguintes exigências: limitação a um número mínimo garantido de escolas e de matrículas por estado, sendo que, no caso do Pará, essa limitação considerava inicialmente a adesão de até 16 escolas e em atendimento a até 7.200 estudantes; eleição das escolas-piloto que apresentassem requerida infraestrutura estipulada pelo Programa; e atendimento às atribuições recomendadas à equipe de governança local.

      Após a adesão ao Programa (EMTI), a Seduc/PA passou a responder às orientações do MEC e seus desdobramentos, por meio das seguintes normatizações: Portarias nº 1.145/2016, nº 727/2017, que tratam da instituição da política de fomento e da orientação à adesão das primeiras escolas-piloto do Programa EMTI; Portarias nº 1.023/2018 e nº 1.024/2018, que orientaram a inclusão das escolas-piloto na avaliação de impacto e questões do financiamento via adesão de recursos do FNDE; e Portaria nº 2.116/2019, que regulamenta e amplia a oferta de Ensino Médio em Tempo Integral, com vistas à implementação da proposta pedagógica de tempo integral em escolas de Ensino Médio das redes públicas dos estados e do Distrito Federal, além daquilo que determina a Resolução CNE/CEB nº 03/2018, acerca das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) (BRASIL, 2018a).

      Em 10 de dezembro de 2018, a Seduc em conjunto com o CEE/PA, consegue aprovar tanto o Projeto de Regularização do Ensino em Tempo Integral, iniciado a partir de 2017, bem como a Matriz Curricular do Ensino Médio de Tempo Integral, por meio da Resolução nº 732/2018, publicada no DOE nº 33.759, de 13 de dezembro de 2018.

      A Matriz Curricular do Ensino Médio de Tempo Integral do Pará (PARÁ, 2017a) é um documento cujo conteúdo apresenta a distribuição dos componentes curriculares e suas respectivas cargas horárias evidenciando ampliação da jornada escolar. Está constituído em duas partes, a primeira pela Base Comum Curricular, dispondo as áreas de conhecimento (Ciências da Natureza e da Matemática, Linguagem e Humanas); e a segunda, pela Parte Diversificada e Flexível, composta por oficinas curriculares: experiências físicas, químicas e biológicas, atividades esportivas e motoras, atividades artísticas e de participação social, e outras relacionadas à Língua Portuguesa e Matemática.

      A referida proposta constitui-se de um total de 3.300h de carga horária da Base Nacional Comum, distribuídas entre 1.200h de carga horária por ano (1º, 2º e 3º Ano do EM), e 1.200h da carga horária total da parte diversificada e flexível, sendo ambas com módulos de 50 minutos. Ao todo, a Matriz Curricular prevê o total de 4.500h, distribuídas em 1.500h por ano (1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio), destacando-se a maior parte da distribuição de sua carga horária direcionada aos componentes e oficinas curriculares de Língua Portuguesa e Matemática.

      Na Matriz, os componentes curriculares (Língua Portuguesa e Matemática) adotam 6 (seis) horas-aula semanais a cada um, além de que são incluídas, como itinerários formativos, atividades de Matemática/Experiências Matemáticas e Atividades de Linguagem e Hora da Linguagem. Na parte diversificada e flexível da Matriz Curricular, apresentam-se, como possibilidade, seis Oficinas Curriculares, com 2h semanais, somando 66h por ano (1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio), culminando, ao todo, em 200h ao final dos 3 anos da etapa.

      Com base em Paro (2009) entende-se que a matriz curricular do ensino médio de tempo integral do Pará se dissocia da concepção de tempo integral integrada à formação humana integral, pois ao trazer em suas determinações itinerários formativos configurados por oficinas curriculares que se alinham à proposta da BNCC EM (2018), com foco na hierarquização de saberes centralizados em Língua Portuguesa e Matemática, reitera processos de seleção e exclusão escolar, marcas históricas do Ensino Médio, e portanto, vai de encontro à literatura aqui dialogada.

      Neste documento (PARÁ, 2017a), a hierarquização de saberes direciona-se à preparação dos estudantes aos exames nacionais, por meio de um tipo de alinhamento à Lei nº 1.415/2017 no movimento de padronização e ênfase à

      performance escolar em contraponto a uma educação integral, que tem o objetivo de construir relações na direção do aperfeiçoamento humano, por mediações, relações e interações, matéria-prima da constituição da vida pessoal e social, Guará (2006).

      Em 2017, a Seduc, com apoio de assessoria privada, elaborou uma coletânea teórica, para subsidiar a implementação da Matriz (EMTI) do Pará, que foi encaminhada às Escolas-Piloto do programa EMTI como indutora da política da recente Reforma do Ensino Médio. Trata-se de um único documento de caráter oficial minimamente metódico, procedimental, descolado da realidade das escolas de Ensino Médio do Pará. Nele integram os Cadernos 6 (PARÁ, 2017b) e 7 (PARÁ, 2017c).

      O Caderno 6 é constituído por orientações sobre a organização da rotina do Tempo Integral, identificado como Tempo Estendido. É composto por um conjunto de informações referentes ao tempo escolar, e é identificado como subsídio que auxilia a “reorganização inteligente do tempo na escola” (PARÁ, 2017b, p. 4).

      O Caderno 7, contém subsídios ao alinhamento entre as áreas de conhecimento do currículo considerando a organização e execução prevista pela Resolução CNE/CEB nº 03/2018. Orienta que a organização curricular deve considerar o tempo destinado aos projetos de ensino-aprendizagem, a partir do alinhamento dos tempos pedagógicos nos diferentes espaços escolares e não escolares, enfatizando experiências de boas práticas, advindas de outras regiões do país com foco na hierarquização de saberes por meio das competências e habilidades (PARÁ, 2017c).

      Esses documentos apresentam referenciais teóricos que definem a concepção de educação em tempo integral sob a lógica do estado, a ser viabilizada por uma proposta que se resume a tempo estendido com ampliação da jornada escolar, fundamentado, portanto em uma concepção limitada e insuficiente ao que requer a proposta da Educação em Tempo Integral, camuflando a realidade das precárias condições de recursos a sua implementação em suas proposições e que pode favorecer processos de responsabilização e privatização, perspectivas que caminham juntas (FREITAS, 2018).

    3. Currículo


      O currículo compreendido a partir das Diretrizes Curriculares do Ensino Médio homologadas em 2012, se constitui como “um conjunto das experiências formativas que atribuem sentido e relevância ao conhecimento escolar, organizado de forma integrada a partir das dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura” (SILVA, 2016, p.10), ao contrário da concepção presente pela Lei nº 13.415/2017, na qual é concebido a partir de uma lógica fragmentada em opções formativas que privam os sujeitos do acesso a uma formação básica comum (SILVA; SCHEIBE, 2017; ARAUJO, 2019).

      No Pará, a regulamentação do currículo do Ensino Médio Regular está normatizada de forma mais ampla, no Regimento das Escolas Estaduais de Educação Básica (PARÁ, 2018). Tal como analisado, o Regimento é o documento de referência que ainda carece de ser complementado e/ou regulamentado por outros documentos orientadores ainda não concretizados até 2019.

      As principais alterações sobre o currículo do Ensino Médio Regular no Regimento (PARÁ, 2018) estão na Seção III, art. 37, que trata do Ensino Médio. Nos parágrafos 1º a 3º, é possível identificar as alterações no texto do documento ligadas à organização dos currículos do Ensino Médio, com vistas a adequá-los à BNCC e aos cinco itinerários formativos da Reforma.


      Art. 37. As escolas da Rede Estadual de Ensino organizarão seus currículos do ensino médio observando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os itinerários formativos específicos, a serem definidos pelo Conselho Estadual de Educação do Pará, com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento ou de atuação profissional: I – Linguagens; II – matemática; III – ciências da natureza; IV – ciências humanas; e V - Formação técnica e profissional. § 1º As escolas da Rede Estadual de Ensino, mediante autorização expressa e observada a organização determinada pela Seduc, poderão compor os seus currículos com base em mais de uma área prevista nos incisos I a V do caput. § 2º Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para a sua formação nos aspectos cognitivos e socioemocionais, conforme diretrizes definidas pelo Ministério da Educação. § 3º A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular observará o que determina a legislação em vigor, assim como as regras definidas pelo Conselho Estadual de Educação do Pará (PARÁ, 2018).

      As ações de mudança no conteúdo do Regimento (PARÁ, 2018) revelam, quanto à organização do Ensino Médio no Pará, que o currículo obedecerá às normatizações estabelecidas pela Lei nº 13.415/2017 e pelas DCNEM (2018) regulamentadas pelo Parecer CNE/CEB nº 2/2018, e homologadas pela Resolução CNE/CEB nº 03/2018, embora não se apresente de forma clara e evidente ao cumprimento das 1.800 horas, uma vez que, de acordo com o art. 37, “as escolas da Rede Estadual de Ensino organizarão seus currículos do Ensino Médio, observando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os itinerários formativos específicos a serem definidos pelo Conselho Estadual de Educação do Pará”; ainda que, segundo o que regulamenta o § 3º: “a carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular observará o que determina a legislação em vigor, assim como as regras definidas pelo Conselho Estadual de Educação do Pará”; e ainda que se disponha, no § 4º:


      os currículos do Ensino Médio das escolas da Rede Estadual de Ensino contemplarão uma parte diversificada, que considere a diversidade, as características locais e especificidades regionais, integrada à Base Nacional Comum Curricular a ser articulada a partir do contexto histórico, econômico, social, ambiental e cultural, de conformidade com as normas emanadas pelo Conselho Estadual de Educação (PARÁ, 2018).


      Nos parágrafos 5º, 6º, 7º e 8º, identifica-se o mesmo, uma vez que os estudos das Línguas Inglesa e Portuguesa, além de Matemática, deverão ser obrigatórios nos três anos na referida etapa. Discorre-se, ainda, sobre a possibilidade de os estudantes cursarem, concomitantemente, mais de um itinerário formativo, caso haja oferta. Não se garante, portanto, a oferta igualitária de todos os itinerários a todas as escolas.


      § 5º Os currículos de ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pela Seduc. § 6º Nos termos da legislação em vigor, o ensino de língua portuguesa e matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio. § 7° A Seduc, mediante disponibilidade de vagas na rede, possibilitará ao aluno concluinte do ensino médio cursar, em anos letivos subsequentes ao da conclusão do ensino médio ou concomitantemente, caso haja compatibilidade de horários, outro itinerário formativo de que trata o caput. § 8º A oferta de formação a que se refere o inciso V do caput, nos termos das normas estaduais em vigor, poderá considerar: I - a inclusão de experiência prática de trabalho no setor produtivo ou em ambientes de simulação, estabelecendo parcerias e fazendo uso, quando aplicável, de

      instrumentos estabelecidos pela legislação sobre aprendizagem profissional; e II - a possibilidade de concessão de certificados intermediários de qualificação para o trabalho, quando a formação for estruturada e organizada em etapas com terminalidade (PARÁ, 2018).

      Relativamente à oferta de formação e ao estabelecimento das parcerias, sobre as certificações, o documento deixa claro que a relação público-privada será flexibilizada, uma vez que, no art. 37, § 8º, consta:


      a oferta de formação a que se refere o inciso V do caput, nos termos das normas estaduais em vigor, poderá considerar: I – a inclusão de experiência prática de trabalho no setor produtivo ou em ambientes de simulação, estabelecendo parcerias e fazendo uso, quando aplicável, de instrumentos estabelecidos pela legislação sobre aprendizagem profissional, e; II – a possibilidade de concessão de certificados intermediários de qualificação para o trabalho, quando a formação for estruturada e organizada em etapas com terminalidade (PARÁ, 2018).


      Assim, é evidenciada a intencionalidade de se flexibilizar e favorecer o repasse de recursos públicos à gestão de empresas privadas e seus determinantes com reação ao tipo de concepção que aproxima as finalidades do Ensino Médio ao mercado e ao grande capital. Além disso, são lacunas que não estabelecem os mecanismos de controle social sobre os serviços prestados, deixando-os expostos à possibilidade de fragilizar ainda mais o pacto federativo no repasse do ônus público ao serviço público.

      Quanto aos itinerários de formação técnica e profissional, aponta, nos parágrafos 9º, 10º e 11º (PARÁ, 2018), para diferentes formas de “aproveitamento de créditos”, assim como dispõe a Lei nº 13.415/2017, quanto à oferta de cursos técnicos, em casos excepcionais, oriundos do Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, ficando a critério da Seduc o sistema de créditos ou disciplinas com terminalidade específica, observada a BNCC e exclusiva prioridade da Seduc, podendo haver mecanismos de reconhecimento de conhecimentos, saberes, habilidades e competências, mediante diferentes formas de comprovação.


      § 9º Em casos excepcionais, havendo interesse público, mediante autorização do Conselho Estadual de Educação, poderá ocorrer a oferta de formações profissionais experimentais em áreas que não constem do Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos e sua continuidade dependerá de renovação de autorização pelo Conselho Estadual de Educação, no prazo de três anos, e da inserção de referida formação no Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, no prazo de cinco anos, contados da data de sua oferta inicial. § 10 A critério da Seduc, o ensino médio poderá ser organizado de todas as formas legalmente admitidas, incluindo o sistema de créditos ou

      disciplinas com terminalidade específica, observada a Base Nacional Comum Curricular, a fim de estimular o prosseguimento dos estudos.

      § 11 Para efeito de cumprimento de exigências curriculares do ensino médio, a exclusivo critério da Seduc, observadas as normas emanadas do Conselho Estadual de Educação do Pará, poderá haver mecanismos de reconhecimento de conhecimentos, saberes, habilidades e competências, mediante diferentes formas de comprovação (PARÁ, 2018).


      Ao que se refere à regulamentação da educação a distância, o Regimento (PARÁ, 2018), determina, na Secção VII, art. 70, Inciso II – Ensino Médio, nos termos do § 11, art. 36 da Lei nº 9.394/96 que, “para efeito de cumprimento das exigências curriculares do Ensino Médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer competências e firmar convênios com instituições de educação a distância com notório reconhecimento, mediante as seguintes formas de comprovação”, incluído pela Lei nº 13.415, de 2017.

      O Regimento (PARÁ, 2018) se trata de um instrumento normativo estratégico que representa a primeira etapa de regulamentação da Reforma no Pará, pois versa sobre a orientação dos primeiros ajustes da reorganização do sistema de ensino em adequação às determinações da Lei nº 13.415/2017. Além disso, ao contrário de apresentar uma proposta emancipadora em respostas às especificidades de seu território, passa a se alinhar à política de transferência da gestão educacional e do currículo da Educação Básica para o setor privado, favorecendo a sua atuação no mercado educacional e incluindo a intensificação da participação do empresariado na condução e na implementação da oferta da educação pública paraense, gerenciando o serviço educacional pago pelo Estado.

      A regulamentação do Ensino Médio presente no Regimento (PARÁ, 2018) apresenta o alinhamento à mesma concepção de currículo, por ser fundamentada na fragmentação da educação presente na Reforma em curso, a qual pode possibilitar possíveis impactos (negativos) na vida dos jovens paraenses, estes os mais afetados pelas desigualdades sociais e educacionais.

      No mesmo direcionamento, além de indicar o empreendedorismo, o Documento de Orientação das PFC’s (PARÁ, 2019a) sugere que as escolas-piloto agrupem as propostas de itinerários formativos das quatro áreas de conhecimento em dois blocos, sendo: Atividade de Flexibilização 1 – Ciências e Matemática (que contemplará as áreas das Ciências da Natureza e da Matemática) e Atividade de Flexibilização 2 – Linguagens, Culturas e Práticas Sociais (que contemplará as áreas

      de Linguagens e Ciências Humanas), servindo como documento indutor da política de restrição presente nas prescrições da Reforma do Ensino Médio e da BNCC., e portanto implica favorecer a possibilidade de um reducionismo da formação para uma perspectiva de transformação, pois ao contrário a desfavorece e alija.

      Essas primeiras normatizações, a regulamentação do currículo pela referida reforma no Pará está fundamentada em uma concepção que se preocupa em ampliar o tempo de permanência na escola e reforçar a hierarquia do saber, mas não no planejamento de espaços adequados para a realização das diversas atividades previstas. Isso revela uma orientação frágil, desarticulada e não emancipadora, que, ao invés de integrar, acaba por reproduzir a estrutura disciplinar, sem praticamente nenhuma alteração das estruturas do próprio fazer educativo favorecendo o aprofundamento das desigualdades educacionais.


    4. Financiamento e relação público-privada8


O fundo público e o financiamento das políticas sociais, no Brasil, são basilares para que o Estado Brasileiro possa garantir direitos (SALVADOR, 2012). Contudo, nem sempre a validação dessa vinculação pelo Governo Federal a municípios e estados significa que os gastos serão feitos de forma a garantir a justiça social e a expandir os benefícios e serviços de forma universal, buscando erradicar as desigualdades sociais. Além disso, a regressividade tributária no financiamento das políticas sociais pela União é um limitador da capacidade redistributiva do orçamento público e que vêm sendo restrita com a EC nº 95/2016.

Nesse âmbito, considerando os recursos financeiros destinados pelo Governo Federal aos programas de implementação da Reforma do Ensino Médio (EMTI, ProBNCC e ProNem), destaca-se que segundo o MEC (BRASIL, 2019), em 2018, ao Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI) foram destinados R$ 1,5 bilhão, sendo R$ 2.000,00 por aluno/ano, com previsão de atender


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8 Importa destacar que o texto, ao tratar das categorias gestão, tempo integral e currículo, traz em seu âmago possibilidades e apontamentos críticos à interferência direta e/ou indireta da relação público- privada, a qual, neste item 1.4 será tratada junto ao financiamento, no sentido de visibilizar o fato de que para além da interferência nas demais categorias, os dados dos documentos em análise apontam que no Pará, o financiamento vem evidenciando à ampliação dos repasses de recursos à instituições privadas em detrimento ao repasse às unidades escolares de natureza pública identificadas como Escolas-Piloto, àquelas que fazem parte dos Programas do Governo Federal (EMTI, ProBNCC e ProNem) no estado e portanto a categoria público-privada está entrelaçada a todas as demais categorias em xeque.

aproximadamente 500 mil novas matrículas em tempo integral. No que se refere à destinação de recursos ao estado do Pará, em 2019, foi destinado R$ 1.747.415,87, referente à parcela daquele ano. No entanto, isso não significa que tais recursos tenham sido suficientes, ou mesmo que chegaram, de fato, às escolas, mesmo às escolas-piloto.

O Relatório ProBNCC EM (PARÁ, 2019b), considerando dados divulgados no Documento do MEC (BRASIL, 2019, p. 5), indica que “o total do montante de recursos destinados ao Programa ProBNCC via Plano de Ações Articuladas - PAR foi de R$ 57.907.776,54”. Sobre os recursos destinados ao Programa ProBNCC para a Educação Básica, em 2018, para o PAR foram empregados R$ 58 milhões, além de R$ 30 milhões (novo recurso, de 2019), além da destinação de um valor para bolsas, na casa de R$ 17 milhões. A partir desses dados, o MEC divulgou que o total de recursos à Educação Básica, mais especificamente ao Programa ProBNCC, será de R$ 105 milhões de reais.

Para o ano de 2019, foram destinados recursos ao ProBNCC Ensino Médio no Pará, orçados em R$ 61 milhões via PAR (até 19 de fevereiro de 2019, eram R$ 58 milhões disponíveis para os estados), R$ 3 milhões para novas adesões, e R$ 8 milhões para bolsas, sendo 27 bolsas por estado, a fim de compor as equipes de implementação, contabilizando o total de R$ 69 milhões de recursos repassados.

No Pará, os recursos financeiros repassados às escolas-piloto vinculadas ao ProNem foram regulamentados pelo que preconiza a Resolução FNDE nº 21/2018 (BRASIL, 2018b) e as orientações do Quadro Sinóptico da Implementação do Programa Novo Ensino Médio, normatizado pelo MEC, FNDE, Diretoria de Ações Educacionais (DIRAE), Coordenação-Geral de Apoio à Manutenção Escolar (CGAME) e Coordenação de Monitoramento e Apoio à Gestão de Programas (COMAG).

Destaca-se que os recursos financeiros não foram destinados a todas as escolas de Ensino Médio Paraense e sim, somente àquelas que foram consideradas aptas e identificadas na lista de escolas elegíveis, disponibilizada por meio do Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle do MEC – SIMEC, e pela Secretaria de Educação Básica do MEC – SEB/MEC, os quais foram, no final de 2018, homologadas pela Seduc/PA no mesmo sistema de monitoramento on-line. De tal forma, as condições iniciais à implementação da Reforma do Ensino Médio no Pará

foram estabelecidas de forma restrita, pela destinação do repasse de recursos públicos.

Segundo o Documento de Orientação à adesão às Escolas-Piloto do ProNEM/PDDE (PARÁ, 2019c), ao serem garantidos recursos via PDDE, o MEC encaminhou, à Seduc, a relação das escolas paraenses habilitadas no SIMEC, ao que se procedeu a habilitação de todas as escolas elegíveis disponíveis pelo relatório (lista) disponibilizado pelo MEC, iniciando, ainda no final de 2018, o processo de mobilização das USE’s e URE’s no direcionamento à adesão das primeiras escolas- piloto ao ProNem, na Plataforma do PDDE Interativo.

De acordo com o quadro de status das escolas habilitadas ao ProNem no Pará, de 2018 a 2019, das 590 escolas de Ensino Médio, 288 foram consideradas elegíveis e aptas ao processo de adesão pelo MEC/Seduc/PA (PARÁ, 2019e), sendo 56 das 139 no polo Guajará, 37 das 65 no Baixo Amazonas, 30 das 60 no Guamá, 27 das 60

no Rio Caeté, 25 das 58 no Carajás, 27 das 50 no Tocantins, 28 das 44 no Rio Capim,

19 das 34 no Araguaia, 9 das 30 no Marajó, 7 das 21 em Tucuruí, 11 das 19 no Xingu e 8 das10 no Tapajós.

Assim, em relação ao ProNem, segundo o Documento “Programa Novo Ensino Médio do Pará (PARÁ, 2019e), dos 144 municípios do estado, 106 apresentavam pelo menos uma escola-piloto financiada pelo PDDE e, do total de 830 unidades escolares que ofertavam o Ensino Médio, 590 pertenciam à rede estadual de ensino, distribuídas nos 144 municípios até 2019. No entanto, cabe ressaltar que do total de municípios paraenses, a maioria (57) apresenta apenas 1 escola de Ensino Médio, enquanto 30 municípios apresentam 2 escolas, 13 municípios apresentam 3 escolas, outros 13

municípios apresentam 4 escolas, 5 municípios apresentam 5 escolas e, por fim, 26 municípios apresentam 6 ou mais escolas (PARÁ, 2019d).

De acordo com o Relatório do SIMEC, 302 escolas foram consideradas não aptas à adesão, sendo que 284 aderiam ao PDDE Interativo e apenas quatro decidiram não aderir. Destas, 210 escolas ofertantes do ensino regular foram selecionadas a serem escolas-piloto do ProNem. Esse número aumentou, posto que a Seduc passou a somar, a ele, 26 escolas do Programa de Educação em Tempo Integral (EMTI), totalizando 236 escolas-piloto selecionadas à implementação da Reforma do Ensino Médio no Pará, sendo 51 situadas na capital e 185 no interior, até 2019 (PARÁ, 2019d).

Os recursos financeiros, fracionados em três parcelas, foram destinados às despesas de custeio e capital, calculados com base no número de matrículas do Ensino Médio registado no último Censo Escolar da Educação Básica, sendo que os valores se referiram a um montante fixo de R$ 20.000,00 por escola, somado ao valor per capita de R$ 170,00 por aluno (BRASIL, 2018c), o que corresponde ao adicional de 10% sobre o valor variável às escolas que apresentaram, dentro da margem de vulnerabilidade social, carga horária anual inferior a mil horas, conforme o censo do último ano, as quais ofereceram modalidades de educação escolar indígena, quilombola ou educação do campo, essas sendo as únicas de seus municípios e que apresentaram menos de 130 alunos matriculados, conforme Resolução FNDE nº 21/2018 (BRASIL, 2018b).

De acordo com dados extraídos do Documento do Programa Novo Ensino Médio do Pará (PARÁ, 2019d), em 2019 houve apenas o repasse dos recursos financeiros de duas das três parcelas, considerando o disposto no Quadro Sinóptico da Implementação do Programa Novo Ensino Médio.

O referido repasse foi condicionado e fracionado, sendo a 1ª parcela referente a 20% do valor total a ser repassado, cuja transferência ocorreu somente após a validação das escolas que aderiram ao sistema PDDE Interativo, pela SEB/MEC. A 2ª parcela, correspondente a 40% do valor total, foi repassada sob a condição da elaboração do Plano de Acompanhamento da Proposta de Flexibilização Curricular PAPFC pela Seduc/PA, assim como da aprovação da PFC pelas escola-piloto, através do envio à SEB/MEC, respeitando as orientações prescritas no Documento do Programa Novo Ensino Médio no Estado do Pará: orientações para o registro das Propostas de Flexibilização Currículo – PFC’s, na Plataforma PDDE Interativo (PARÁ, 2019a). Esta ação perdurou até o final do ano de 2019. A 3ª parcela, correspondente a 40% do valor total, ficou adiada para o ano seguinte, uma vez que a sua transferência foi condicionada à apresentação de nova Matriz Curricular alinhada à BNCC, assim como do quadro de horário de aula e do projeto pedagógico reelaborado e a ser enviado para validação pela SEB/MEC.

Segundo o Relatório das Ações Desenvolvidas para a Implantação do Novo Ensino Médio (PARÁ, 2019d), para o total das 22 URE’s, correspondentes a 86 municípios e 210 escolas inseridas no Programa Novo Ensino Médio, a Seduc informou que o investimento destinado ao Programa foi de R$ 5.853.864,00, referente

à 1ª parcela, tratando-se de investimentos provenientes do BIRD especificamente às escolas-piloto do ProNem.

Neste documento também é importante destacar que, dos 144 municípios paraenses, apenas 86 receberam a fração que corresponde à primeira parcela. O valor destinado em termos de URE’s variava, tendo como menor valor aquele destinado a quatro escolas-piloto, referente a R$ 62.899,60, o que corresponde à 9ª URE – Maracanã, e como maior valor aquele destinado a 40 escolas-piloto, referente a R$ 885.971,40, o que corresponde à 19ª URE- Belém. Em contraponto, identificou- se nos Relatórios do Cenpec9 (CENPEC, 2019), recursos financeiros repassados do Pará (2018 e 2019) a este consórcio do setor privado, no total R$ 449.498,00 a frente das ações do EMTI e ProNem.

No estado do Pará, no mesmo período (2018 e 2019), houve o aumento de 65,63% de recursos destinados às instituições privadas. Esse dado é verificado no Parecer Público do Tribunal de Contas do Estado, sob o Processo nº 2019/51266-0, referente ao Parecer Complementar das Contas do Governo - Análises das Contrarrazões - Exercício 2018, Belém/Pará - agosto/2019 (PARÁ, 2019e).

Destaca-se, também, que dos repasses orçamentários destinados à educação, em relação aos programas temáticos do Poder Executivo, dos 21 (vinte e um) programas temáticos do Poder Executivo, 05 (cinco) concentraram 85% do montante de recursos previstos, distribuídos da seguinte maneira: Educação Básica (38%), Saúde (21%), Governança para Resultados (15%), Segurança Pública (6%) e Infraestrutura (5%). Desse modo, o montante de recursos destinados aos 16 (dezesseis) programas restantes corresponderam a 15% do total dos programas temáticos a cargo do Poder Executivo. Ou seja, 15% foram para o Programa de Governança para Resultados, e apenas 5% para o fomento à infraestrutura escolar.

Com base na expressão utilizada por Krawczyk (2009), compreende-se o recurso como um subfinanciamento inadequado não apenas visando ações da elaboração, execução e monitoramento do plano de implementação do ProNem, mas


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9 O Consórcio Desenvolvimento Integral no Pará teve início em 2018, formado pelo CENPEC Educação e pela Fundação Carlos Alberto Vanzolini (FCAV), visando assessorar a Seduc/PA no aprimoramento e na consolidação das políticas e das práticas de educação integral para o Ensino Médio na rede estadual de ensino, apoiar o redesenho e a reorganização da matriz curricular do Ensino Médio em tempo integral, o projeto promove ações de formação e monitoramento, cria estratégias, conteúdos e materiais de apoio à equipe de gestão e ao corpo pedagógico. O projeto faz parte do Programa de Melhoria da Qualidade e Expansão da Cobertura da Educação Básica no Estado, financiado pelo BID (CENPEC, 2019, p. 18).

às próprias insuficiências estruturais das escolas, haja vista o quadro reduzido de profissionais (seja da docência, seja referente à equipe multiprofissional), entre outras problemáticas ligadas à precariedade do trabalho docente e da estrutura escolar, e que ainda não foram efetivamente superadas no Pará.

Desta feita, ancorado em Araujo (2019), se entende que a Reforma vem promovendo um processo de crescente desqualificação do Ensino Médio e buscando transformar a Educação Básica em mínima, fazendo-a crescer para menos, aprofundando as desigualdades educacionais, hierarquizando as escolas e preconizando ainda mais a formação oferecida pelas escolas públicas das redes estaduais e que a médio prazo, tende a embargar o futuro dos jovens pobres (ARAUJO, 2019, p. 108).

A implementação da Reforma do Ensino Médio, ao não propor formas de atendimento a todas as demandas necessárias à melhoria da qualidade da educação paraense, com vistas a diminuir as desigualdades educacionais, tende a produzir, na mesma medida, a fragilização da rede, por meio da distribuição desigual de recursos, sem de fato produzir um conjunto articulado de ações que, como apontado desde o último Plano Nacional de Educação, extrapola os repasses de recursos parciais destinados à implementação de programas pontuais, sem atender, efetivamente, às demandas complexas e articuladas do sistema.

A implementação das escola-piloto ao Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio nas Regionais do Pará revela o quanto este estado vem agindo estrategicamente na aproximação do Ensino Médio ao projeto educacional do empresariado, organizado em rede sob modelos de governança, atuando junto ao governo estadual na introdução da Reforma em curso e da BNCC por meio da relação público-privada.

Na política educacional, a relação público-privada, na perspectiva de Thompson (1981), trata-se da relação em processo e é “parte constitutiva das mudanças sociais e econômicas”. Para Peroni (2016), não é uma questão de determinação, mas de relação e processo.

Na educação do Pará essa relação vem se estabelecendo pela constituição de governanças em rede, a partir das orientações do MEC, CONSED, UNDIME junto a outras organizações de natureza privada. De acordo com Oliveira et al (2020) e com base nos estudos de Ball (2008), as redes sob modelos de governança se

configurarem enquanto capital de risco. Tais redes se apresentam como um investimento potencialmente lucrativo (BALL, 2008, p. 752-753) e necessitam elaborar aquilo que denominam de boas práticas, as quais se tornam produtos de um mercado educacional em disputa.

De acordo como o Documento do Programa Novo Ensino Médio no Estado do Pará (PARÁ, 2019d), para que o foco da flexibilização curricular esteja articulado com a implementação dos itinerários formativos, a governança, prescrita no art. 14 da Portaria nº 1.024/2018 (BRASIL, 2018d), refere-se à definição de papéis a serem assumidos para além do gestor escolar, da coordenação pedagógica, dos coordenadores de áreas e dos professores, por colaboradores da unidade escolar.

De tal forma, as redes que atuam sob os modelos de governança possuem e atribuem papéis e funções distintas, entre os agentes que as compõem, além de atuarem através de métodos e técnicas capazes de fazer avançar o seu projeto educacional, produzindo, na mesma medida, processos de dependência do estado a essas redes. Uma das estratégias que têm sido utilizadas por essas redes, no Brasil, é a produção de plataformas daquilo que denominam de soluções colaborativas, conforme dispõem Oliveira et al (2020).

A inserção de um projeto educacional do empresariado organizado em rede, no Pará, vem se intensificando paulatinamente no sistema de ensino público que compõe o território paraense, quando se identificam processos de ampliação da adesão aos programas do Governo Federal que complementam a Reforma em curso, como por exemplo o aumento do número de escolas-piloto ao ProNem e das orientações da Seduc a respeito da Elaboração das PFC’s, o que se mostra efetivo na restrição de possibilidades de autonomia administrativa, pedagógica e mesmo financeira das escolas, favorecendo processos de precarização da oferta da educação pública no Pará.

No Pará, a partir de 2016, intensificou a necessidade de o governo estadual estabelecer laços colaborativos na assessoria da condução das políticas educacionais para Educação Básica, inclusive ao Ensino Médio. Esses laços foram sendo cada vez mais consolidados no Pará em 2019, através do Movimento EDUCA PARÁ, a partir do qual passou-se a reafirmar o estabelecimento de parcerias necessárias para desenvolver a agenda da aprendizagem, que tem como foco principal a garantia do direito de aprender a cada estudante, através da atuação de empresas, cujos

parceiros representam vínculos aos interesses privados na educação, com atenção especial ao Ensino Médio: Instituto Natura, Parceiros da Educação, Instituto Unibanco/Jovem de Futuro, Fundação Lemann, Fundação Itaú Social e mais recentemente através do Consórcio Desenvolvimento Integral no Pará que integra o - Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária CENPEC (CENPEC, 2019).

Assim, após a apresentação de um conjunto de ações governamentais em parceria com o setor privado (Instituto Unibanco, Tuneduc, BIRD), identifica-se que, no estado do Pará, elas se delineiam como estratégias da mudança da perspectiva da gestão democrática para a gestão de resultados própria da lógica empresarial, como uma forma de adequar a rede de ensino à Reforma do Ensino Médio Paraense. Sendo assim, embora não apresente explicitamente os objetivos da lógica neoliberal, o governo do estado assumiu tal perspectiva de forma estratégica, aderindo aos programas federais e, por meio da Seduc, em parceria com o CEE, agindo no movimento de alteração da perspectiva de gestão democrática para a gestão de resultados, solicitando que as URE’s, USE’s e escolas nelas inseridas encaminhassem Planos de Metas e formação por gestão de resultados, de acordo com as orientações de entes privados.

É importante destacar, também, a atuação da empresa privada Falconi, que agiu na implementação da gestão para resultados no Pará, de 2015 a 2018, e que, assim como as demais instituições privadas supracitadas, interferiu no direcionamento das políticas educacionais de Ensino Médio Paraense, estabelecendo comissões internas na escola, a fim de fortalecer, adequar e ampliar a relação público-privada com a Gestão por Resultados, não apenas na assessoria aos programas e projetos, como o ProEMI/Jovem de Futuro e o Mundiar, mas na implementação da Reforma empreendida sobre a última etapa da Educação Básica/Novo Ensino Médio, que desde 2012 é aquela que recebe maior atenção do governo local, justificado em função dos baixos índices educacionais, a partir do que o discurso oficial defende a lógica de que o setor privado é portador das melhores estratégias, com expertise e ações gerenciais no alcance de índices numéricos que são tomados como principal indicativo de qualidade da educação (VALE, 2017).

A regulamentação e as primeiras ações de implementação da Reforma, por meio da relação público-privada, vem interferindo na alteração de documentos oficiais

a esse fim, também na elaboração e promoção de ações de formação, de monitoramento, de estratégias, conteúdos e materiais de apoio à equipe de gestão e ao corpo pedagógico e, mais recentemente, atuando diretamente na orientação do redesenho e da reorganização da matriz curricular do Ensino Médio paraense. Além da interferência já presenta na forma de gestão dos programas de governo (ProEMI, Jovem de Futuro, MUNDIAR), o que muda a perspectiva de gestão democrática para a gestão por resultados e, portanto, passa a incidir sobre os processos organizativos do Ensino Médio no Pará.


Conclusão


Neste artigo, procurou-se evidenciar, de forma articulada, as categorias de gestão, tempo integral, currículo, financiamento e a relação público-privada, as quais vêm materializando o cenário de implementação da Reforma Paraense mediante um movimento articulado entre as categorias, porque a partir dos recursos obtidos pelo governo estadual e da legislação em vigor, o setor privado passa a ditar os rumos da educação pautada em uma perspectiva de mercado, com disputas por distinto projeto de sociedade tendo o Ideb como principal parâmetro de qualidade.

Identificamos que a regulamentação para a Reforma do Ensino Médio no Pará segue tendência ao alinhamento com o que prevê a Lei nº 13.415/2017, reproduzindo as suas implicações e contradições através das limitadas normatizações estabelecidas pela Matriz Curricular do Ensino Médio de Tempo Integral (PARA, 2017a) e pelo Regimento das Escolas Estaduais de Educação Básica do Pará de 2018.

As análises evidenciam contradições entre o projeto de Ensino Médio referenciado pela perspectiva de formação integral e a fragmentação presente na regulamentação e implementação inicial da Lei nº 13.415/2017 no Pará, mediante a perspectiva de luta de interesses e projetos distintos de educação, que perpassam por lutas de classes, pela diminuição do papel do Estado, e pela consolidação dos ditames do capital à restrição da formação das juventudes por determinações estruturantes da Reforma em curso.

O conteúdo da regulamentação presente nas orientações normativas de âmbito curricular volta-se às determinações restritivas e regressivas à democratização do Ensino Médio público paraense, pois, de frágil proposta de educação integral com

ênfase à ampliação da jornada escolar retomando o ensino por competências expressando a correlação antagônica entre os fundamentos da educação integral e os esforços e interesses à manutenção da estrutura social à serviço do mercado.

Entende-se, que mesmo diante de um conjunto de ações, o Pará não conseguiu configurar e nem realizar alterações normativas representadas em uma profunda reforma do Ensino Médio Estadual pautada na qualidade social da educação para todos, ou mesmo alterações efetivas nas 236 escolas-piloto, sendo 210 do ProNem e

26 do Programa EMTI. De tal forma, também não se conseguiu elaborar e regulamentar uma proposta curricular ao Ensino Médio voltada às especificidades do seu território, comprometendo a autonomia das instituições educacionais e valendo- se de estruturações jurídicas contrárias aos interesses sociais.

O Regimento (PARÁ, 2018) expressou a concepção fragmentada de educação que está presente na Lei nº 13.415/2017, a qual pode ocasionar impactos negativos na vida dos jovens paraenses, principalmente os mais afetados pelas desigualdades sociais. Apesar de ter sido o documento que mais se aproximou da regulação da Lei nº 13.415/2017, no Pará, até 2019, ao apresentar orientações da carga horária referente ao cumprimento da BNCC, deixou lacunas quanto à normatização da ampliação de 2,4 mil para 3 mil horas, ainda não claramente regulamentadas no estado, o que não é materializado nos processos organizativos do Ensino Médio das 210 escolas-piloto do ProNem. No entanto, o referido Regimento regulamentou, a possibilidade de os sistemas de ensino reconhecerem competências e firmarem convênios com instituições de educação a distância com notório reconhecimento, como prescrito na Lei nº 13.415/2017.

As PFC’s, que representam instrumentos-meio da Seduc para orientar as escola-piloto, visam dar celeridade à definição de itinerários formativos, induzindo a organização das escolas na constituição não de quatro, mas de duas grandes áreas, com a seguinte fusão: Linguagens e Humanas, e Matemática e Ciências da Natureza, além de itinerários formativos alinhados ao empreendedorismo e de um projeto de vida associado ao protagonismo juvenil da concepção privada, prescritos em documentos oficiais destinados às escolas-piloto em 2019.

Entre 2016 e 2019, de acordo com os documentos analisados neste estudo, a prioridade das primeiras ações mais pontuais voltaram-se à perpetuação dos moldes dos programas e projetos implantados na Educação Básica, assentados nas parcerias

público-privadas, o que acaba por se tornar o modelo das políticas educacionais, ditando que rumos deve seguir o Ensino Médio Público.

Verificou-se, aqui, a atuação do Estado alinhada à lógica do mercado, concatenado com suas necessidades e utilizando-se de suas orientações para regular os serviços prestados à sociedade e subjugação de uma classe sobre a outra, de modo que as políticas públicas desenvolvidas sejam organizadas na lógica de produção do capital, direcionadas, portanto, a atenuar as exigências dos cidadãos e a atender satisfatoriamente as demandas exigidas pelo mercado, tendo a parceria com o privado como estratégia relevante na condução das políticas, pois assim se exige o fortalecimento do capital.

Percebeu-se, ainda, que a condução do Ensino Médio no Pará enquadra-se em uma perspectiva orientada pela descentralização, forjada na ideia de políticas sociais consideradas distintas de serviços exclusivos do Estado, a partir do que se explicita a transferência de suas responsabilidades sociais para o âmbito privado, o que ocasiona um reordenamento na transferência de responsabilidade da ação de oferta dos serviços sociais, deslocando-a do órgão estadual para a esfera privada, instaurando, assim, uma forma de regulação com o realinhamento do Estado, vinculado à lógica de mercado.

Assim, denota-se que no período histórico de 2016 a 2019, a regulamentação e as primeiras ações de implementação da Reforma no estado, se configuram enquanto instrumentos – meio de uma experiência pautada pelo incentivo do Estado em fortalecer a ação da iniciativa privada em realizar a oferta do serviço educacional sobre a esfera pública, no âmbito da execução dos serviços sociais como fim, em que a atuação propugna-se a ser vista como a ampliação da qualidade do serviço e de potencialidade para fortalecimento dessa prática, aspecto em que subjazem fortes elementos de estratégia do capital quanto ao atendimento das necessidades das demandas sociais.


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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


A REFORMA DO ENSINO MÉDIO E A FORMAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA NO RIO DE JANEIRO1


Natália Silva Pereira2


Resumo

Neste trabalho buscaremos explicitar o incipiente processo de construção e regulamentação da Reforma do Ensino Médio e da Base Nacional Comum Curricular na rede estadual do Rio de Janeiro. Assim como, demonstrar o processo de reformulação administrativa e pedagógica, em curso há mais de 10 anos no Ensino Médio do Rio de Janeiro. Para tanto, partiremos do materialismo histórico- dialético por entender que esse processo deve ser compreendido, a partir do âmbito concreto da realidade educacional, inserida numa totalidade de múltiplas determinações.

Palavras-chave: Reforma do Ensino Médio, Rede Estadual do Rio de Janeiro, Privatização.


LA REFORMA DE LA ESCUELA SECUNDARIA Y LA FORMACIÓN DE LA CLASE TRABAJADORA EN RÍO DE JANEIRO


Resumen

En este trabajo trataremos de explicar el incipiente proceso de construcción y regulación de la Reforma del Bachillerato y del Currículo Base Común Nacional en la red estatal de Rio de Janeiro. Además de demostrar el proceso de reformulación administrativa y pedagógica, en marcha desde hace más de 10 años en la escuela secundaria de Río de Janeiro. Para ello partiremos del materialismo histórico-dialéctico porque entendemos que este proceso debe entenderse, desde el ámbito concreto de la realidad educativa, insertado en una totalidad de múltiples determinaciones.

Palabras clave: Reforma de la escuela secundaria, Red del Estado de Río de Janeiro, Privatización.


THE HIGH SCHOLL REFORM AND THE TRAINING GIVEN TO THE WORKING CLASS IN RIO DE JANEIRO


Abstract

In this paper we aim to develop a is explaining the incipient process of construction and regulation of the Reform of High School, and of the Curriculum Common National Base in the state education network of Rio de Janeiro. As well as demonstrating the process of administrative and pedagogical reformulation, underway for more than 10 years in Rio de Janeiro High School. For that purpose, we will start from dialectical and historical materialism since we understand that this process of educational reality must be understood in depth, realizing the concrete educational reality, inserted in a totality of multiple determinations.

Keywords: High School Reform, state education network of Rio de Janeiro, Privatization.


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1 Artigo recebido em 26/11/2020. Primeira avaliação em 15/02/2021. Segunda avaliação em 10/02/2021. Aprovado em 22/03/2021. Publicado em 27/05/2021.

DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.47349.

2 Natália Silva Pereira. Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense (PPGE- UFF). Professora de Sociologia na Rede Estadual do Rio de Janeiro – SEEDUC–RJ. E-mail: profnatalia1@outlook.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9520-5655. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9127386637857736

Introdução


Este trabalho se propõe a empreender um estudo crítico da proposta de Re- forma3 do Ensino Médio e a fazer uma análise das principais mudanças que ela pro- põe. A Reforma foi instituída a partir da Medida Provisória (MP) nº 746/2016 e, pos- teriormente, foi aprovada na forma de Lei nº 13.415/2017, alterando a Lei de Diretri- zes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9394/1996, com profundos impac- tos sobre a organização, financiamento e currículo atual do ensino médio.

Propõe-se investigar o incipiente processo de construção e regulamentação da Reforma do Ensino Médio e da Base Nacional Comum Curricular do Ensino Mé- dio (BNCCEM)4 na rede estadual do Rio de Janeiro, assim como demonstrar como o processo de reformulação do Ensino Médio no âmbito administrativo e pedagógico já é um processo com mais de 10 anos na rede estadual do Rio de Janeiro.

Embora algumas definições quanto a sua estrutura e quanto à organização curricular decorram de políticas estabelecidas no âmbito nacional, sua oferta cabe a cada estado da federação. Segundo o parágrafo primeiro do artigo da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio: “A organização das áreas de que trata o caput e das respectivas competências e habilidades será feita de acordo com crité- rios estabelecidos em cada sistema de ensino” (MEC, 2018, p. 12). Assim, cabem aos estados brasileiros a organização dos currículos e dos itinerários formativos, as escolhas dos materiais didáticos e a preparação dos professores.

O Rio de Janeiro já vive um processo de gerenciamento e diversificação pedagógica, com grande participação de instituições vinculadas às classes dominantes, há mais de 10 anos. Um processo que se aprofunda, com a aprovação da lei da Reforma do Ensino Médio.

A despeito disso, oficialmente, existem poucos avanços na tramitação para que a Reforma e a BNCC sejam implementadas oficialmente, visto que até novembro de 2020, ainda não tinha sido apresentada pela Secretaria Estadual de


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3 Para Behring e Boschetti (2009), a reforma é um termo utilizado entre a classe trabalhadora para designar as conquistas e direitos alcançados no conflito com o capital em outras épocas históricas. Quando se utiliza este termo no final do século XX, acreditamos que o teor, bem como os efeitos, impactos e a direção sócio-histórica já não são mais os mesmos. Concluímos, assim, que não podemos enquadrar este fenômeno como reforma, trata-se mesmo de uma contrarreforma.

4 Portaria MEC n° 1.348, de 14 de dezembro de 2018.

Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC) nenhuma proposta de Novo Currículo para debate e aprovação no Conselho Estadual de Educação. Entretanto, é importante destacar que as resoluções e portarias estaduais apresentam novas orientações para o ensino médio alinhadas com as orientações presentes na Reforma e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Para dar conta desse objetivo, nosso foco é compreender essa política públi- ca na formação da juventude brasileira, tendo em vista o projeto econômico que fra- ções hegemônicas da classe dominante buscam efetivar com a Reforma do Ensino Médio.

Vale ressaltar que é importante fazer essa análise à luz da política econômica pró-capital5 adotada no Brasil desde a década de 1990 e aprofundadas com as con- trarreformas aplicadas recentemente. Elas colocam em marcha acelerada uma nova dinâmica privatista organizada por meio da agenda dos setores dominantes nas áreas sociais. Exemplos dessa dinâmica são a Emenda Constitucional 95, que con- gela os gastos públicos na área social por vinte anos, as contrarreformas previden- ciária e trabalhista, que retiram uma série de conquistas dos trabalhadores brasilei- ros e as atuais propostas de reformas tributária e administrativa, que atacam o servi- ço público e avançam no desmonte do Estado brasileiro.


A reforma do ensino médio


Inicialmente por meio da MP 746/2016 e, depois, aprovada na forma da lei 13.415/2017, esta importante mudança na legislação educacional ignorou a necessidade de tramitação pelas vias normais, o que realça seu caráter autoritário.

Diferente do currículo atual, organizado por meio de aproximadamente doze disciplinas obrigatórias em três séries, a nova lei organiza o ensino médio em cinco itinerários formativos: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Formação Técnica e Profissional. O currículo, segundo a lei, deve ser preenchido em 60% pela BNCC. Já os 40% restantes serão destinados aos


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5 As discussões sobre a política econômica pró-capital perpassam pelo ajuste neoliberal nos anos 1990 com o governo Fernando Henrique Cardoso, e seguem no controverso pós-neoliberalismo instituído pela ideologia do neodesenvolvimentismo nos governos do Partido dos Trabalhadores e, mais recentemente, pelas propostas de reformas estruturais nos governo de Temer e Bolsonaro.

chamados itinerários formativos. As únicas disciplinas obrigatórias nos três anos do ensino médio passarão a ser Língua Portuguesa, Matemática e o Inglês como língua estrangeira. O artigo 36 da LDB é alterado e currículo do ensino médio passa a ser norteado pela BNCC e pelos itinerários formativos, que “deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino” (BRASIL, 2017).

O processo de criação de uma Base Nacional Comum Curricular remete à Constituição Federal de 1988. Esse processo foi retomado com o Plano Nacional de Educação (2014-2024) e, finalmente, aprovado como uma das metas do PNE. A primeira versão da BNCCEM foi divulgada no final de 2015, a segunda versão foi publicada em 2016 e, em 2017, a terceira versão foi apresentada, mas sem o Ensino Médio, o que ocorreu apenas em abril de 2018.

O documento aponta para uma formação por competência atendendo à demanda empresarial, que pretende uma educação voltada para as dimensões do saber-fazer, da aplicação do conhecimento com foco na flexibilidade. Isto é, a perspectiva empresarial na educação pretende formar um indivíduo cuja constituição psicológica e cognitiva se volte também para uma perspectiva de valorização da flexibilidade.

Outra mudança de grande impacto na legislação educacional, foi a atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) – uma normativa federal que as redes de ensino devem seguir – via Portaria MEC n° 1.210. O objetivo dessa atualização foi alinhar as diretrizes ao texto da Reforma e da BNCC, dando origem a um documento de característica híbrida.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) de 2012 (Parecer CNE/CEB 05/2011 e Resolução CNE/CEB 02/2012) tinham como fundamento a formação integral do estudante e, como base, os eixos cultura, trabalho, ciência e tecnologia. Estes pressupostos foram misturados às novas perspectivas educacionais adequadas às reformas e que pensam o currículo a partir das competências e, portanto, secundarizam o acesso ao conhecimento. Além disso, as novas diretrizes também trazem outra grande transformação para o ensino médio: a possibilidade de parte de sua carga horária ser ofertada na modalidade à

distância e em parceria com o setor privado, sendo até 20% no Ensino Médio regular e 30% no ensino noturno.

Dessa forma, a realização de parcerias público-privadas deixa de ser somente uma possibilidade para ser prevista em lei. A lei também altera o artigo 10 da Lei nº 11.494/2007, que regulamenta o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério (FUNDEB), a maior fonte de financiamento da educação básica. Na nova redação da lei, os recursos do FUNDEB poderão ser utilizados para financiar oferta de serviços educacionais por agentes não públicos, caso da educação técnica, e ainda, para a realização de convênios visando a oferta de cursos à distância.

O Ministério da Educação (MEC) também publicou, em dezembro de 2018, a Portaria nº 1.432, de 28 de dezembro de 2018, que estabelece referenciais para elaboração dos itinerários formativos previstos na lei da reforma e nas DCNEM, os quais devem ser seguidos pelas Secretarias Estaduais de Educação. Esses referenciais propõem os seguintes eixos estruturantes para a organização dos itinerários: investigação científica, processos criativos, mediação e intervenção sociocultural e empreendedorismo.


Os interesses dominantes na reformulação do ensino médio


A influência dos regimes de acumulação nas políticas sociais e educacionais não é novidade. O metabolismo do capitalismo é de reinvenção a cada crise, bus- cando outras estratégias de produção do valor e de acumulação do capital. Neste intento, são implementadas contrarreformas em diferentes esferas da sociedade.

No atual contexto de profunda crise estrutural, vivemos uma contraofensiva do capital contra o trabalho que atinge em cheio a juventude. Estamos sob a agenda globalmente estruturada do capital, na qual os serviços públicos e as políticas soci- ais se tornam excelentes oportunidades de negócio.

Entretanto, a educação não somente se torna uma excelente oportunidade para os negócios como também para a difusão de um ethos favorável aos interesses dominantes, sendo utilizado o caráter de socialização da educação para induzir às

chamadas competências e habilidades adequadas ao capitalismo. É a partir desses complexos interesses que se operacionaliza a Reforma do Ensino Médio.

A escola, nesse contexto, é um instrumento central nesse objetivo visando o aumento da capacidade técnica necessária para a produção e, também, para captu- rar a subjetividade de trabalhadores para que não questionem as relações de explo- ração e de dominação burguesa. Para isso, a escola pública deve ser esvaziada de sentido. Esse é um importante passo para administrar a questão social e criar condi- ções favoráveis à expansão do capital.

Gawryszewski (2017) procura compreender os processos de reformulação do ensino médio a partir do referencial marxiano sobre as crises do modo de produção capitalista e refletindo sobre o contexto de crise econômica – iniciada em 2008 nos países centrais, com impacto maior no Brasil a partir de 2015. O autor entende que estes processos, assim como uma série de contrarreformas estruturais feitas sob o discurso da retomada da competitividade da economia brasileira, são parte do "es- forço de recomposição burguesa para auferir nova escala de extração de mais-valia” (GAWRYSZEWSKI, 2017, p. 99).

A reformulação do ensino médio é relevante porque ele é tomado como espa- ço de formação de um “trabalhador flexível, com base em competências e dotado de subjetividade conformada à intensificação da precarização do trabalho e do desem- prego estrutural”. (GAWRYSZEWSKI, 2017, p. 83).

Assim, esse novo modelo de formação combateria a “baixa produtividade da força de trabalho brasileira” que, por sua formação inadequada, não atenderia às demandas de mercado. Para esse aumento de produtividade, a vinculação das es- colas às empresas é essencial para adequar a formação desejada, garantindo um aumento da produtividade e da passividade, tão necessária à preservação da coe- são social. Andrade e Gawryszewski (2018) também ressaltam que, inseridas numa sociedade de classe, as “vitórias” da classe dominante são derrotas da classe domi- nada.

É válido lembrar ainda, que o peremptório aumento da produtividade do trabalho no âmbito das grandes empresas e o seu consequente e progressivo acúmulo de riquezas tende a apresentar consequências severas para a classe trabalhadora, já que, como sinalizou Marx (2017, p. 877), “a acumulação de miséria [é] correspondente à acu- mulação de capital. Portanto, a acumulação de riqueza num polo é,

ao mesmo tempo, a acumulação de miséria, o suplício do trabalho […] no polo oposto. (ANDRADE; GAWRYSZEWSKI, 2018, p. 118).


Leher, Paollo e Motta (2017) afirmam que a Lei nº 13.415/2017 tem o intuito de organizar e conformar a formação na educação básica às necessidades de força de trabalho no país. Boa parte da força de trabalho brasileira irá desempenhar um trabalho simples, que tem como consequência o empobrecimento da formação pre- tendida. Para os autores, essa situação é muito semelhante à formação do nível médio preconizada pela Lei nº 5.692/1971, vigente na ditadura empresarial-militar, que teve o intuito de reduzir a demanda por matrículas nas universidades públicas ao estimular o trabalho simples e formar um exército industrial de reserva apto para pressionar os salários para baixo6.

Além de promover um ajuste da mão de obra às demandas do capital por meio da educação, a Reforma limita a socialização ideológica da juventude. Daí a tentativa de extinguir a formação em Artes, Sociologia, Filosofia e expressões corpo- rais. “É a negação da imaginação inventiva, utilizando uma expressão cara a Flores- tan Fernandes” (LEHER, PAOLO, MOTTA, 2017, p. 19).

Ainda que não se retire do poder público a possibilidade de oferecer ativida- des de capacitação, o que assistimos a um conjunto de ações que estimulam o em- presariado a assumir, cada vez mais, seu papel como principal avaliador e imple- mentador de ações mais coerentes com as reais necessidades do setor produtivo.

Dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais7 mostram que, em 2011, 1.152 municípios brasileiros mantinham algum convênio ou apoio (sem vínculo contratual) com o setor privado na área de educação. O interesse do capital por es- sas iniciativas se dá não só porque socializa as crianças à sua maneira, mas, tam- bém, porque abre nichos enormes de negócios. Tais como, a venda de materiais didáticos por empresas de televisão, grandes editoras, empresários da educação, materiais de apoio, softwares, pacotes de avaliação externa a partir dos descritores do IDEB, entre outros.


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6 Parte deste intento de barateamento da força de trabalho esteve presente nas justificativas que sustentaram o PRONATEC (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) por meio da difusão da tese de que o Brasil viveria um apagão de mão de obra.

7Disponibilizada pelo IBGE (2012).

Uma expressão desse crescimento da participação do setor privado na edu- cação brasileira é a criação, em 2006, do Movimento Todos pela Educação (TPE)8. Embora, em seu sítio, o TPE se defina como um movimento da sociedade civil brasi- leira, apartidário e plural, ele se materializa como um organismo comprometido com as estratégias de hegemonia da classe burguesa, lutando para afirmar uma perspec- tiva restrita de educação para os trabalhadores brasileiros dentro de um novo con- formismo. Nesse movimento, a chamada responsabilidade social tem grande impor- tância na difusão ideológica dessa forma inovadora de obtenção de consenso. As- sim, os empresários organizados no TPE demonstram compreender que a configu- ração da sociedade brasileira na atualidade exige ações mais articuladas e requinta- das quando comparadas ao passado.

Outro movimento mais recente e com grande influência no debate acerca da Reforma é o Movimento Pela Base (MPB)9, criado em abril de 2013, a partir do se- minário internacional “Liderando Reformas Educacionais”, que ocorreu nos EUA e foi organizado e patrocinado pela Fundação Lemann. Esse movimento tem tido centra- lidade na divulgação e organização do debate sobre a Base Nacional Curricular Co- mum.

O Movimento Pela Base, composto por grandes grupos econômicos brasilei- ros multinacionais e fundações empresariais, tem aglutinado, em torno da BNCC, empresas de consultoria educacional nacional e internacional e instituições de go- vernos e políticos de esferas parlamentares e executivas, em estados e municípios. Além disso, estabeleceu alianças com o CONSED (Conselho Nacional de Secretá- rios de Educação), a UNDIME (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educa- ção) e o próprio MEC (Ministério da Educação), signatários das três versões da BNCC.

Assim, o que se desenha é que o documento “Base Nacional Curricular Co- mum” sintetiza interesses plurais de grandes grupos empresariais, dentre os quais muitas multinacionais e grande parte de matriz nacional.


8 O TPE constitui-se como um dos espaços e iniciativas em que o capital financeiro e industrial atua na educação. Apesar de ser uma organização autônoma, seu vínculo com a classe do empresarial define seus objetivos, que só podem ser perseguidos a partir de sua atuação dentro do estado.

9 Disponível em http://movimentopelabase.org.br/

Como integrantes do Movimento que constroem a Base, figuram diretamente ou indiretamente através de fundações “familiares” empresariais e/ou supraempresa- riais: Itaú, Natura, AbInbev, Grupo Globo, Odebrecht, Braskem, Credicard, Procter & Gamble, Shell, Consórcio LIDE, Suzano Celulose, Samsung, Playstation, Avon, Du- dalina, Englishtown, Citibank, Nestlé, Odontoprev, Oracle, Droga Raia, Boeing, Sou- za Cruz, Telefônica, entre vários outros.

A estas empresas, juntam-se também organizações não governamentais que atuam na educação, em especial na educação pública, como as amplamente conhe- cidas Fundação Cesgranrio, Instituto Ayrton Senna, Fundação Lemann, Fundação Roberto Marinho, Instituto Natura, Instituto Unibanco, Itaú Social e o Movimento To- dos pela Educação.

Alguns autores10 que analisaram o texto da reforma alertam para as veias da privatização abertas a partir dela. Eles consideram, especialmente, a experiência privatista que ocorre em outros países latino-americanos com a difusão das chama- das chartesschool (escolas públicas com gestão privada)11 e o contexto da Emenda Constitucional 95 que reduz os recursos públicos para educação12, além do discurso privatista do governo quando sinaliza que uma das alternativas poderá ser a busca de soluções no universo privado.

Freitas (2017) observa que o processo de empresariamento da educação não se restringe apenas à ampliação do mercado educacional, mas inclui também novos arranjos de privatização que, por dentro, abarcam a reformulação curricular da edu- cação básica nos estreitos marcos da administração da “questão social” e do “capital humano”.

Ocorre, assim, um processo de empresariamento dentro e fora do Estado que atrela de forma crescente as políticas – inclusive as políticas sociais – à gestão do capital, pensadas e produzidas para a reprodução ampliada do capital. Os aparelhos privados de hegemonia assumem o papel central na ampliação da participação dos setores dominantes, fazendo a disputa na sociedade civil e ocupando cargos no Es-



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10FREITAS (2017), LEHER e MOTTA (2017).

11A Fundação Itaú Social atua difundindo um modelo educacional alinhado com as chamadas escolas Charter. A respeito, ver Sardinha (2013).

12Trata-se de um ajuste feito nas contas públicas organizado pela fração mais poderosa do capital atualmente: o setor financeiro.

tado restrito. O processo de empresariamento ocorre combinado ao empobrecimen- to e à fragmentação da formação da juventude, pensada a partir de demandas ime- diatas do mercado de trabalho.

Nesse sentido, é relevante o que nos diz Antunes (2018) quando aponta uma nova morfologia do trabalho, expressa na diminuição do desemprego em escala glo- bal, ao passo que aumenta a quantidade de empregos precários. Uma vez que o trabalhador é impulsionado a relações inseguras, ficando à mercê da pura dinâmica do mercado.

Toda esta arquitetura é o fio condutor que permite a “dragagem” de altas ci- fras às consultorias privadas que, na trama de uma complexa sociedade civil, con- forme proposição de Gramsci, atua como aparelho privado de hegemonia ao difundir por meio do consenso concepções de ensino e modelos concatenados aos interes- ses dos dominantes, especialmente das frações que organizam o Estado maior do capital.

A partir dessas reflexões retomamos o questionamento de Motta e Frigotto (2017): “a urgência da reforma do Ensino Médio” ou desta “educação para o século XX” não seria um mecanismo para administrar a “questão social”? Vale ressaltar como os autores entendem esse conceito.

Compreendemos “questão social”, na perspectiva da teoria social crí- tica, como parte constitutiva das relações sociais capitalistas, indis- sociável das configurações assumidas pelo capital-trabalho e pelas expressões ampliadas das desigualdades sociais, imprimindo rela- ções de poder. A teoria social crítica contrapõe a concepção conser- vadora de que a “questão social” e suas expressões — pobreza, de- sigualdade social, desemprego etc. — são fenômenos autônomos, de responsabilidade individual ou coletiva ou governamental, e que, com isso, poderiam ser corrigidos, também, por ações individuais ou coletivas ou amenizados por meio de políticas públicas focadas na camada mais “vulnerável” da população. (MOTTA; FRIGOTTO, 2017, p. 363).


Assim, administrar a questão social seria a forma de controle e prevenção de ameaças ao status quo. Uma forma de evitar que a pobreza extrema ameaçasse as instituições existentes principalmente a partir do ingresso da classe operária no ce- nário político comprometendo a coesão social (IAMAMOTO, 2004)

Frigotto e Motta (2017) alertam que a temática da pobreza é uma das princi- pais preocupações dos organismos internacionais já há algumas décadas, orientan-

do os países mais pobres a implementarem políticas públicas, em especial focadas e relacionadas à escolaridade. A educação ganha centralidade em inúmeros relató- rios do Banco Mundial, mas sua notoriedade está na sua afirmação como mecanis- mo de redução da pobreza e das desigualdades. Em documentos recentes, a insti- tuição sugere “políticas que ampliem as oportunidades econômicas, aprimorem o capital humano e a resiliência e reconheçam os ativos dos pobres”. (BIRD, apud MOTTA, FRIGOTTO, 2017).

Além disso, uma das disputas centrais sobre o projeto de ensino médio é de natureza curricular13. Este projeto curricular representa, em primeiro lugar, os inte- resses mercadológicos nacionais e globais e, em segundo lugar, o combate e o en- fraquecimento de um projeto que valorize a formação humana e geral sólidas, que considere a realidade das juventudes brasileiras e que entenda a relação ensino- aprendizagem a partir de uma perspectiva crítica e emancipadora. O projeto apre- sentado pela reforma e pela BNCC tem o intuito de construir uma nova racionalidade para o currículo escolar, que atenda a racionalidade neoliberal e defenda uma visão da educação como “grande negócio global” (BALL, 2014).

O MEC afirma que a BNCC não é um currículo, mas sim uma base educacio- nal que orientará as redes municipais e estaduais a construírem seus currículos. Po- rém, estudiosos do campo curricular discordam. Segundo NETO (2020, p. 290):

De qualquer forma, na racionalidade neoliberal, somos cientes de que aquilo que o Ministério da Educação tem denominado de BNCC –Base Nacional Comum Curricular, conceituada pelo ele próprio como uma base para construção dos currículos nas redes municipal e estadual, e que nós, os estudiosos do currículo, defi- nimos como sendo um currículo prescrito, oficial, apresenta- do em forma de competências, na verdade, trata-se de um proje- to hegemônico, centrado na primazia do mercado, nos valores pu- ramente econômicos, nos interesses dos grandes grupos sociais, financeiros e empresariais, além de organismos internacionais e mul- tilaterais.


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13 Estamos nos referenciando na concepção de currículo de Goodson (1997), que parte da ideia de currículo como construção social e seleção particular de experiências, saberes, conhecimentos e cultura-repertórios, estes, em geral, transformados pelos processos de escolarização em conteúdos, saberes ou conhecimentos escolares.

As intenções, a visão de mundo e o projeto social que esse projeto curricular expressa são traduzidas em termos – quase “mantras” – como “competitividade, fle- xibilização, ajuste, globalização, privatização, mercado, desregulamentação, qualifi- cação, consumidor, treinamento, técnica” (NETO, 2020, p. 290), cada vez mais pre- sentes nos documentos e discursos dos representantes governamentais e das enti- dades da classe dominante.

Por sua vez, nas legislações e normativas, termos que carregam ideias opos- tas como “igualdade, direitos sociais, justiça social, cidadania, espaço público, de- mocracia” (NETO, 2020, p. 290) perdem espaço, assim como a preocupação com a formação humana geral, crítica e emancipadora.

Para o projeto de educação neoliberal, que visa a construção desta nova raci- onalidade a que nos referimos anteriormente, o currículo é um espaço central. Se- gundo Neto (2019, 1272):

É pelo currículo que vemos um grande tensionamento, ou seja, um jogo em disputa e, nesse cenário, é preciso que nos atemos a pro- blematizar qual é a nossa aposta, qual é o nosso lado no jogo, enfim, que crítica e resistência construímos ao currículo que chamam de base que nos é apresentado sem qualquer discussão democrática.


Krawczyk (2014), baseada em uma grande pesquisa em diversas redes esta- duais de ensino, salienta que o ensino médio vem vivenciando uma renovação da racionalidade pedagógica e organizacional com o consequente surgimento de diver- sas modalidades e formas de organização e de trabalho pedagógico. O processo que a reforma regulamenta e aprofunda, pois já vinha sendo parcialmente experi- mentado a nível estadual, revela o papel privilegiado que uma fração do empresari- ado assumiu nessa renovação.


A reestruturação da rede estadual do Rio de Janeiro: um laboratório da reforma do ensino médio.


O cronograma apresentado na Lei nº 13.415/2017 previa, em seu artigo 12º, que um ano após a aprovação da BNCC, os sistemas de ensino deveriam montar o cronograma das mudanças e, no ano seguinte, deveria ter início o processo de implementação. Ou seja, o ano de 2019 deveria ter sido o ano de elaboração e o ano de 2020 o início da implementação em todo Brasil, processo que não ocorreu.

O avançar do debate da reforma foi contraditório e desigual entre os estados. Somente em 2020 algumas redes avançaram no processo de debate curricular e, até dezembro de 2020, apenas o estado de São Paulo teve seu novo desenho de Ensino Médio debatido e aprovado pelo seu Conselho Estadual de Educação e homologado.

O estado do Rio de Janeiro chegou a instituir em abril de 2018, via resolução 5635, uma comissão estadual de implementação da BNCC, no âmbito da educação básica, porém a comissão pouco funcionou e, especialmente, após mudança de governo, nunca mais se reuniu. Em 2019, a secretaria firma acordo com Ministério da Educação se comprometendo a iniciar o processo de implementação em 2021. A secretaria divulgou via comunicação interna (CI SEEDUC/COMED SEI Nº46) a implementação de escolas-piloto, processo que foi suspenso após troca do secretário de educação.

Consequentemente, o processo da implementação da Reforma e da Base, vem ocorrendo por atos da secretaria de educação. Até novembro de 2020 não houve a apresentação de um novo currículo a ser debatido com a sociedade, tampouco apresentado ao Conselho Estadual de Educação.

Apesar disso, reitero o apontamento feito anteriormente, isso não significa que a adequação do projeto educacional do Estado do RJ a esse novo projeto educacional não venha ocorrendo, visto que, há mais de uma década que o processo de gerenciamento, empresariamento e de preparação da juventude da classe trabalhadora para o desenvolvimento de competências voltadas às demandas do mercado vem ocorrendo no Rio de Janeiro.

No estado do Rio de Janeiro, o gerenciamento e a reorientação pedagógica tiveram início no primeiro governo Sérgio Cabral, em 2007, no mesmo contexto em que ocorreu a reforma gerencial do estado, a partir da proposição de distintos arranjos de ensino médio e diversos programas educacionais na mesma rede de ensino.

Em 2010, o governo firmou acordo com o BIRD (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento) que incluiu um alto empréstimo para implementação do Programa de Renovação e Fortalecimento da Gestão Pública (Pró-Gestão). O argumento central do Pró-Gestão é a ineficácia e ineficiência da

gestão pública em razão da própria natureza do Estado. Assim, os modelos de gestão privada que buscassem atividades inovadoras melhorariam a qualidade do serviço público e a lógica de trabalho do servidor público para que passassem a ter condições de atender os desafios do mundo contemporâneo (CHAVES, 2019).

Com a adoção da lógica gerencial, a partir do Pró-Gestão, a SEEDUC-RJ implementou o Programa de Educação do Estado (PEE), cujo objetivo central, dentro da perspectiva do planejamento estratégico, seria a mudança estrutural da educação pública estadual do Rio de Janeiro, com o objetivo de alcançar uma educação de “qualidade”, capaz de fazer o estado do Rio de Janeiro alcançar os primeiros lugares nos rankings de índices educacionais – os quais, é preciso destacar, são construídos a partir de avaliações externas.

Dentro dessa perspectiva de intensificar uma reforma na gestão pública estadual, a SEEDUC-RJ buscou no setor privado organizações que seriam referência na gestão de processos e pessoas, uma vez que o problema estaria na falta de gestão para administrar recursos financeiros e de pessoal com eficiência.

A implementação do gerenciamento na educação no Rio de Janeiro foi principalmente justificada em nome da qualidade da educação, sem nenhuma definição clara sobre o que se entende por qualidade. Contudo, a partir da análise de documentos, conseguimos identificar que, primeiramente, ela está relacionada a resultados em avaliações externas, pois o Programa de Educação do Estado definiu como meta estar entre as cinco primeiras colocações no ranking do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Além disso, está relacionada à aproximação do campo educacional às demandas de mercado, o que perpassa pela inclusão de valores meritocráticos, pelo culto à produtividade, garantia de controle do trabalho, mensuração de resultados e formação do professor vinculada à essa lógica.

Assim, a partir de um discurso vazio, em nome da melhoria da qualidade e do bem da educação, está a busca de criação de um consenso, em torno da ideia de que o melhor para a escola pública é ter uma boa gestão baseada no modelo do mundo corporativo. Ações de limitação da autonomia didático-metodológica do professor e da escola e um deslocamento do ambiente público e coletivo para o

privado foram sendo implementadas, a partir da parceria com o grupo Falconi Consultores de Resultados14.

Coube à empresa definir a concepção de educação, seus objetivos, os conteúdos a serem aplicados e até a avaliação a ser aplicada. O discurso “técnico” cotidianamente repetido por tecnocratas, contribui para incorporação do ethos dominante no dia a dia escolar, despolitizando as discussões ao afirmar a implementação de um modelo baseado na meritocracia. Um modelo que premia poucos e pune muitos, tanto alunos quanto professores, além de corroborar e divulgar a tese de que um dos problemas da educação é a falta de estímulo dos professores causada, principalmente, pela estabilidade.

Ao mesmo tempo em que esse processo da reforma gerencial no âmbito da SEEDUC-RJ era realizado, iniciou-se o estabelecimento de parcerias público- privadas na oferta de educação profissional, essas parcerias que se tornaram um programa, inicialmente chamado de Programa Dupla Escola. Ao longo dos anos este programa se complexifica e cria inúmeros arranjos pedagógicos de oferta de ensino médio na rede estadual do Rio de Janeiro. O Programa de Educação do Estado de 2011 já enfatizava o intuito de realizar parcerias público-privadas incluindo organizações da sociedade civil, o que auxiliaria na captação de recursos e na melhoria da qualidade.

A partir desse novo contexto e da PROPAR (Lei nº 5.068, de 10 de julho de 2007, e revisada em 15 de julho de 2015, pela Lei 7.043), iniciam-se as parcerias com as empresas privadas. Primeiramente, em algumas escolas de educação profissional, mas, rapidamente, tornando-se projetos de grande alcance, mais uma vez ancorados em discursos técnicos que enaltecem o compromisso e generosidade da empresa com a educação.


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14 “A FALCONI teve origem na Fundação Cristiano Ottoni, na Universidade Federal de Minas Gerais, que, na década de 80, iniciou o movimento Qualidade Total com a ajuda dos japoneses da Juse (Japanese Union of Scientists and Engineers). Em 1998, com a necessidade de ampliar a sua atuação e atender à enorme demanda de empresas que procuravam por consultoria em gestão e necessitavam de novos patamares de resultados, foi criada a Fundação de Desenvolvimento Gerencial (FDG). A partir de 2003, a FDG passou a atuar somente em projetos sem fins lucrativos, prestando serviços a instituições carentes. Nesse momento, foi fundado o INDG, organização que se tornou líder em consultoria de gestão com foco em resultados no Brasil. A partir de outubro de 2012, a empresa passou a se chamar FALCONI Consultores de Resultados”. (Disponível em Nossa História

- Falconi apud CHAVES, 2019).

O Programa Dupla Escola foi criado em 2012 pela Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC-RJ), a partir de escolas de formação profissional em parceria com setores privados que faziam parte de um projeto experimental desde 2009.

Há duas experiências pioneiras de parceria que começaram em 2009. A primeira foi a criação do Núcleo Avançado em Educação (NAVE) junto ao Colégio Estadual José Leite Lopes, em parceria com o Instituto Oi Futuro. A segunda foi o Núcleo Avançado em Tecnologia de Alimentos e Gestão do Cooperativismo (NATA), junto ao Colégio Estadual Comendador Valentim dos Santos Diniz, em parceria com o Instituto Pão de Açúcar (GPA) e a Cooperativa Central de Leite (CCPL). Nestes projetos piloto, o ensino médio passou a ser oferecido em horário integral e voltado à formação profissional, no período de três anos. (PEREIRA, 2014). Além dessas, em 2011, a Seeduc-RJ deu início à parceria com a empresa Thyssenkrupp CSA, no Colégio Estadual Erich Walter Heine, em Santa Cruz, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro, visando à formação de técnicos em administração (PEREIRA, 2014).

Esse modelo se expandiu em larga extensão, chegando em 2014 já com mais de 20 escolas em diferentes modalidades de ensino médio. Além disso, o Programa Dupla Escola deu origem ao Programa de Educação Integral do Estado do Rio de Janeiro, o PROEIRJ, instituído pelo Decreto n° 45.368, de 10 de setembro de 2015. O PROEIRJ, conforme os documentos da Seeduc-RJ, contempla diversos modelos educacionais que visam atender as múltiplas expectativas dos “jovens do século XXI”. Segundo Oliveira:

O Programa prevê quatro transformações principais sobre os proces- sos educativos e as instituições escolares envolvidas: (1) a reformu- lação e a diversificação do currículo do Ensino Médio; (2) a jornada escolar em tempo integral; (3) mudanças nos objetivos educacionais do Ensino Médio, das escolas envolvidas no Programa e da educa- ção em geral; (4) a opção pelas parcerias público-privadas como ca- minho para viabilização da educação integral. (OLIVEIRA, 2017 p. 61).


O programa se divide em duas dimensões: a “Dupla Escola” e a “Solução Educacional”. A dimensão que continuou sendo chamada de “dupla escola” compre- ende o modelo profissionalizante e intercultural. A educação profissionalizante abar- cava todas as modalidades previstas pela legislação (a integrada, a concomitante e a subsequente), de acordo com o que constava no decreto federal nº 5.154, de 23

de julho de 2004, cujo conteúdo foi transferido para o texto direto da LDB por meio da Lei n° 11.741/08 (BRASIL, 2008). Por sua vez, as modalidades de escolas inter- culturais compreendem as escolas de ensino médio regular que visam o desenvol- vimento da proficiência em língua estrangeira e a valorização de aspectos culturais e interculturais, muitas vezes envolvendo parcerias com consulados.

A dimensão chamada de “solução educacional para o ensino” se desdobra no Ensino Médio de Referência e no Ensino Médio Nova Geração. Ela foi desenvolvida pelo Instituto Ayrton Senna (IAS), com a finalidade de promover uma “educação in- tegral”, que conjugasse habilidades cognitivas com habilidades socioemocionais. O foco era um modelo de escola que, em larga escala, respondesse à educação para o século XXI e que oferecesse as competências, atitudes e valores hoje considera- dos indispensáveis ao trabalho, ao convívio e ao aprendizado permanente. O mode- lo de Solução Educacional é o responsável por validar componentes inovadores do currículo, tais como as disciplinas Projetos de Vida e Educação Financeira, nas es- colas da Seeduc-RJ (CHAVES, 2019).

Em 2017, dentro do programa de educação integral, via resolução SEEDUC nº 5508, de 1º de fevereiro de 2017, estabelece-se um novo modelo de ensino mé- dio profissionalizante: são as escolas com tempo integral focado no ensino profissio- nalizante e em empreendedorismo. As 30 escolas iniciais do programa, passaram para 82 no ano letivo de 2018, e para 149 escolas em 2019.

Conforme informação disponibilizada no site da SEEDUC-RJ15, os estudantes dessas escolas têm 50% de carga horária adicional de matemática, português e in- glês, além de quatro disciplinas voltadas ao empreendedorismo, por exemplo, “como montar seu próprio negócio”. O programa também se estabelece em parceria com a iniciativa privada. De acordo com o Sebrae RJ, principal parceiro da SEEDUC-RJ na implantação desse modelo de ensino médio, o empreendedorismo parece ser a me- lhor maneira de absorver os jovens que estão fora do mercado formal de trabalho em tempos de crise. Essa iniciativa está alinhada com o programa de fomento à im- plementação de escolas em tempo integral nas redes públicas dos estados e do Dis- trito Federal criado pelo Ministério da Educação (Portaria nº 1.145, de 10 de outubro de 2016).

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15 Ver em http://www.rj.gov.br/web/seeduc/exibeconteudo?article-id=3083148

Em 2019, foi aprovada na Assembleia Legislativa a Lei nº 8.367/19 que institui um turno único de, no mínimo, sete horas diárias nos colégios da rede pública esta- dual do RJ. Segundo o texto, o governo do estado deverá instituir, gradualmente, o turno único em todo o ensino básico e priorizar as unidades de ensino localizadas em áreas com baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH). Ressalta-se que a lei não determina qualquer prazo.

No ano de 2020, uma série de novas iniciativas de modelos foram implemen- tadas com matrizes curriculares muito diversas. Mesmo sem qualquer tramitação oficial da Reforma e da BNCC no estado, as novas propostas citam as mesmas co- mo referência. A Resolução SEEDUC nº 5812, de 27 de dezembro de 2019 fixou diretrizes para implantação das matrizes curriculares para a educação básica nas unidades escolares da rede pública. Além da Constituição e da LDB, a resolução está referenciada em algumas leis entre elas, destacam-se a Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 e a Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprovou o Plano Nacional de Educação – PNE, além da Deliberação CEE-RJ nº 344, de 22 de julho de 2014, que define as Diretrizes Operacionais para a organização curricular do En- sino Médio na rede pública de ensino do estado do Rio de Janeiro.

Nas disposições gerais, entre os objetivos do currículo e outras orientações, o artigo segundo indica que os currículos, além do desenvolvimento de saberes cognitivos correspondentes, conhecimentos e habilidades relativas às áreas de co- nhecimento, devem, de forma deliberada e intencional, ser organizados junto ao projeto pedagógico, ao desenvolvimento de saberes não cognitivos, predominante- mente, referentes a valores, atitudes e emoções, assim como às habilidades, com pensamentos, sentimentos e comportamentos.

Complementarmente, no quarto artigo do primeiro capítulo da Resolução apresenta os agrupamentos de saberes que sintetizam e combinam as aprendizagens cognitivas e não cognitivas são eles: Autoconhecimento, Colaboração, Comunicação, Criatividade, Responsabilidade, Pensamento Crítico, Resolução de Problemas e Abertura para o novo.

O artigo 36º, orienta que a organização curricular deve ter como eixo dois ma- cro componentes:

  1. . Áreas de Conhecimento, para desenvolver e dar sentido, predomi- nantemente, à aprendizagem cognitiva, integrando as disciplinas da Base Nacional Comum;

  2. . Núcleo Articulador, que desenvolve, predominantemente, a aprendizagem não cognitiva dos estudantes, mediante o desenvolvi- mento do protagonismo e a realização de projetos. (RIO DE JANEI- RO, 2019b).


Em apresentação realizada durante audiência pública da ALERJ, a Subsecre- tária de Planejamento e Ações da SEEDUC Ana Paula Velasco, afirmou que cerca de 56% das escolas da rede pública teriam turmas de ensino médio com ensino in- tegral em 2020, o que corresponderia a 583 unidades, 2159 turmas, com capacidade de 75.567 alunos.

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Ensino Médio em Tempo Integral com Ênfase em Línguas

Ensino Médio do Modelo em Tempo Integral Intercultural

Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos

Ensino Médio do Modelo em Tempo Integral Integrado com a Educação Profissional

Ensino Médio do Modelo em Tempo Integral com Curso de Formação Inicial e Continuada (FIC)

Ensino- aprendizage m do Ensino Médio Regular;

Ensino Médio do Modelo em Tempo Integral Vocacionado ao Esporte

Ensino Médio do Modelo em Tempo Integral Técnico em Administração Concomitante

Ensino Médio Técnico em Administração com ênfase em Empreendedorismo

Educação Profissional Técnica Concomitante e Subsequente

Ensino Médio Inovador;

Ensino Médio Inovador;

Ensino Médio Modular

Ensino Médio do Modelo em Tempo Integral Articulado com a Educação Profissional

Ensino Médio Curso Normal

Ensino Médio do Modelo em Tempo Integral Cívico-Militar

Atualmente, são 16 modelos de ensino médio



De todos estes modelos, o Ensino Médio do Modelo em Tempo Integral Cívi- co-Militar e Ensino Médio do Modelo em Tempo Integral com Curso de Formação Inicial e Continuada (FIC) foram os implementados em mais escolas na gestão do governo Witzel, com o secretário Pedro Fernandes à frente16.


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16 O governador Witzel (PSC) foi afastado pelo Superior Tribunal de Justiça por irregularidades em contratos na saúde. Sendo assim, o vice-governador Cláudio Castro (PSC) assumiu o governo do estado. Pedro Fernandes secretário de educação até setembro 2020, foi preso na operação Catarata II, acusado de fraude na Fundação Estadual Leão XIII envolvendo programas assistenciais.

A implementação de escolas cívico-militares é um processo nacional. Uma das principais iniciativas do governo Bolsonaro no campo educacional foi a militari- zação de escolas via Decreto nº 10.004, de setembro de 2019, e regulamentada pe- la Portaria nº 2.015, de novembro de 2019 que instituiu o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares.

Além dessa proposta do governo federal, existem outras iniciativas municipais e estaduais, como é o caso do Rio de Janeiro. Embora o governo do estado não te- nha aderido ao projeto federal, por conflitos políticos entre o então governador Wil- son Witzel e o presidente Jair Bolsonaro, um dos eixos principais da secretaria são as escolas estaduais cívico-militares. O Projeto de Lei 1667/2019 apresentado na ALERJ pretende instituir o modelo cívico-militar na rede pública de ensino do estado do Rio de Janeiro e prevê parceria e congêneres com os órgãos militares e/ou ór- gãos de segurança pública. A modalidade já vem sendo implementada com base na Resolução SEEDUC nº 5812, que apresenta como premissa desse modelo o fomen- to dos valores e princípios militares, baseados na disciplina, hierarquia, respeito mú- tuo, cooperação e civismo. No ano de 2020, foram criadas 12 novas escolas vocaci- onadas ao ensino cívico-militar, localizadas em 11 municípios do Rio de Janeiro.

Outro modelo implementado em muitas escolas ao longo de 2020 é o Ensino Médio do Modelo em Tempo Integral com Curso de Formação Inicial e Continuada (FIC). Essa modalidade é apresentada como escolas de tempo integral que, além das disciplinas do ensino médio regular, oferecem disciplinas de caráter profissiona- lizante que auxiliariam a inserção dos alunos no mercado de trabalho. Não é um curso técnico de nível médio, mas uma formação profissionalizante.

Na descrição da Resolução SEEDUC nº 5812, a formação dos estudantes ocorrerá por meio de cursos livres, de qualificação e técnicos, a partir da implemen- tação de trilhas educativas compostas por cursos de qualificação profissional. A cer- tificação seguirá os critérios de cada curso, uma vez que o objetivo é oferecer aos alunos as oportunidades para desenvolver as competências necessárias à qualifica- ção profissional, ampliando suas possibilidades de inserção no mercado de trabalho. Nas escolas cívico-militares, por exemplo, Matemática tem 18 tempos ao lon-

go dos três anos letivos e Língua Portuguesa (considerando interpretação e reda- ção) possui 24, enquanto Sociologia e Filosofia tem 3 tempos, diferente da maioria

das outras modalidades de ensino médio, em que essas disciplinas têm uma carga horária de 6 tempos conquistados na greve de 2016. Além dessas disciplinas, esta modalidade oferece Temática Militar, Projeto de Vida e Estudos Orientados.

No Modelo de Tempo Integral Vocacionado ao Esporte, as disciplinas da par- te específica são Projeto de Vida e Dupla Carreira, Estudos Orientados, Treinamento Esportivo 1, Treinamento Esportivo 2 e Eletivas.

Para dar mais um exemplo dessa diversidade, no Modelo de Tempo Integral com Ênfase em Línguas, o núcleo articulador oferece as disciplinas: Integração Glo- bal e Intercâmbio Virtual, Núcleo de Integração Linguística – Inglês, Núcleo de Inte- gração Linguística – Espanhol, Projeto de Vida e Empreendedorismo.

Diferentemente das disciplinas no núcleo comum, que têm todo um campo de saber, uma história, um acúmulo ao longo do tempo, essas novas disciplinas apa- rentam ser vagas e sem mostrar, de maneira clara, o que irão oferecer, e ainda, po- dem ser ministradas por professores de qualquer disciplina. Majoritariamente, estão relacionadas a aspectos atitudinais, a saberes não cognitivos e atreladas às compe- tências socioemocionais. Exemplo de disciplinas, atualmente, já bastante presentes nas escolas são Projeto de Vida, Estudos Orientados e Gestão de Projetos. Alguns dos discursos recorrentes quando se refere a essas disciplinas são aprender a aprender, corresponsabilizar-se, gerir seu processo de aprendizagem, além de citar aquilo que afirmam ser os quatro pilares fundamentais da educação, segundo a UNESCO: Aprender a Conhecer; Aprender a Fazer; Aprender a Conviver e Aprender a Ser.

Acerca da presença privada na oferta da educação pública, atualmente, a Se- cretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro têm parcerias com inúmeras em- presas e instituições vinculadas à iniciativa privada, assim como instituições de ou- tros países como Instituto Ayrton Senna, Instituto Net Embratel Claro, imageInstituto Oi Futuro, Instituto Grupo Pão de Açúcar, Lojas Americanas, Lafarge, Senac-RJ, Senai- RJ, Sebrae-RJ, Peugeot, Citroen, Fundação de Estudos do Mar (FEMAR), Ministé- rio de Educação, Cultura e Esporte da Espanha, Superintendência do Condado de Prince George dos Estados Unidos, Universidade Normal de Hebei (China), Consu- lado Geral da França no Rio de Janeiro e o Centro Cultural Brasil-Turquia (CCBT).

Após mais de dez anos da criação da primeira escola integral em parceria pú- blico privada, a amplitude e diversidade de modelos de ensino médio é enorme. É importante salientar que todas essas mudanças estão de acordo com aquilo que ori- enta a Reforma e outras leis que a cercam.


Considerações finais


Após mais de dez anos da criação da primeira escola integral em parceria pú- blico privada, a amplitude e diversidade de modelos de ensino médio é enorme. É importante salientar que todas essas mudanças estão de acordo com aquilo que ori- enta a Reforma e outras leis que a cercam.

As pautas conservadoras, privatistas e de formação aligeirada vem ganhando cada vez mais espaço. Esse desenvolvimento de diferentes modalidades de ensino médio dentro do estado demonstra que a atual demanda burguesa para formação da classe trabalhadora é diversa e a dualidade estrutural da educação brasileira se re- produz dentro da escola pública com discursos de inovação. Aproxima cada vez mais as escolas das demandas imediatas do mercado, com formações diferentes para demandas variadas e oferece, dentro de uma mesma rede, escolas de estrutu- ra e qualidades desiguais. Diz-se que a preocupação não é simplesmente com a formação de saberes, conhecimentos e habilidades relativas a algumas áreas de conhecimento, mas que o intuito é o desenvolvimento não cognitivo, de valores, ati- tudes e emoções, pensamentos, sentimentos e comportamentos. Controlar não só o que e como fazer, mas até mesmo como sentir e agir tanto no âmbito público como privado.

Com um intuito declaradamente neutro da melhoria da qualidade, essas mo- dalidades educacionais implementam os interesses das classes dominantes através das elaborações dos APHs, ocupam espaços no Estado restrito e implementam polí- ticas públicas que negam aos filhos da classe trabalhadora uma educação de direito de todos, com qualidade e laica.

Essas propostas estão alinhadas com as sucessivas leis federais, que há al- guns anos já indicavam esse caminho da diversificação e do empresariamento, e que tem profunda relação com as transformações vividas pelo capitalismo brasileiro

nas últimas décadas. Essa investida da burguesia sobre a educação, além dos inte- resses econômicos, perpassa também pela dimensão ético-política, buscando a apreensão da subjetividade do jovem para um “novo mundo do trabalho” que precisa de um novo homem/trabalhador.

Assim, são características deste processo o princípio da flexibilização curricu- lar, a crítica ao conteudismo e a disciplinarização, o “protagonismo” do aluno, o de- senvolvimento de competências e atitudes, além da forte presença privada tanto na gestão quanto no desenvolvimento pedagógico através das diversas parcerias. Por fim, podemos também observar o intuito de elaborar uma formação continuada de profissionais flexíveis, modulada, de acordo com as demandas de mercado e oferta- das via convênios com instituições.

O Rio de Janeiro, ainda está no início do processo oficial de tramitação da adequação da sua rede à reforma do ensino médio e à BNCC. Entendemos que esse fato possivelmente tem relação com a troca de governo em 2018 e com a crise política que o estado vivencia com seus últimos governadores presos. O atual governador eleito Wilson Witzel está afastado por denúncias de corrupção e com processo de impeachment tramitando na assembleia legislativa, e o ex-secretário de educação Pedro Fernandes também foi preso por suspeita de corrupção. Outro fato que acreditamos ter contribuído para esse avançar um pouco lento é o momento pandêmico que estamos vivenciando, que paralisou muitas discussões e fez a SEEDUC ter como prioridade a organização do ensino remoto.

Porém, vemos não só pelas últimas legislações acerca das novas modalidades de ensino médio, bem como, pelas novas legislações sobre o ensino remoto, que a reforma e a BNCC caminham a passos largos na rede estadual do Rio. Esse processo de reorganização gerencial e pedagógica não se inicia na rede a partir da aprovação da reforma, ele é anterior. Isso nos possibilita afirmar que a rede do Rio foi um dos laboratórios da reforma do ensino médio.

No entanto, após a aprovação da legislação, na mesma medida que aumenta a pressão para acelerar a adequação, a legitimação desse processo também cresce. Assim o empresariamento, a transferência de recursos públicos à iniciativa privada, as orientações administrativas e pedagógicas atreladas às demandas de mercado, o conservadorismo, voltados para a formação de indivíduos flexíveis e apassivados,

como modelo de educação adequado ao processo de reestruturação produtiva segue presente nas políticas públicas para o Ensino Médio do Rio de Janeiro.

De todo modo, como dinâmica política viva, salientamos que há contraposição de forças existentes. Isto é, como um processo em curso, também encontrará resistência de estudantes, professores juntos com suas entidades representativas, e dos estudiosos defensores da educação pública. Dessa forma, seguir acompanhando, denunciando e resistindo é imprescindível.


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Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, e o Decreto-Lei n° 236, revoga a Lei n° 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral.


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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


REFORMA DO ENSINO MÉDIO: SUBORDINAÇÃO DA FORMAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA AO MERCADO DE TRABALHO PERIFÉRICO1


Dante Henrique Moura2 Elizeu Costacurta Benachio3


Resumo

O artigo discute a reforma do ensino médio materializada pela Lei nº 13.415/2017. Desenvolvido na forma de pesquisa bibliográfica e documental, na primeira parte contextualizamos a reforma, explorando seus aspectos gerais e, na segunda, discorremos sobre a nova organização curricular proposta para o ensino médio. Concluímos que a reforma fragmenta o ensino médio fragilizando-o enquanto etapa final da educação básica, afetando o direito a uma educação plena para os estudantes de origem trabalhadora e alinha as finalidades do ensino médio aos interesses produtivos do mercado de trabalho.

Palavras-chave: Ensino Médio. Reforma do Ensino Médio. Lei nº 13.415/2017.


REFORMA DE LA ESCUELA SECUNDARIA: SUBORDINACIÓN DE LA FORMACIÓN DE LAS CLASES LABORALES AL MERCADO LABORAL PERIFÉRICO


Resumen

El artículo analiza la reforma de la educación secundaria materializada por la Ley N ° 13.415 / 2017. Desarrollado en forma de investigación bibliográfica y documental, en la primera parte contextualizamos la reforma, explorando sus aspectos generales y, en la segunda, discutimos la nueva organización curricular propuesta para el bachillerato. Concluimos que la reforma fragmenta la educación secundaria, debilitándose como etapa final de la educación básica, afectando el derecho a la educación integral de los estudiantes de origen laboral y alineando los propósitos de la educación secundaria a los intereses productivos del mercado laboral.

Palabras clave: Escuela secundaria. Reforma de la escuela secundaria. Ley n ° 13.415 / 2017.


HIGH EDUCATION REFORM: SUBORDINATION OF WORKING CLASS TRAINING TO THE PERIPHERAL LABOR MARKET


Abstract

The article discusses the reform of secondary education materialized by Law No. 13,415 / 2017. Developed in the form of bibliographic and documentary research, in the first part we contextualize the reform, exploring its general aspects and, in the second, we discuss the new curricular organization proposed for high school. We conclude that the reform fragments secondary education, weakening it as the final stage of basic education, affecting the right to a full education for students of working origin and aligning the purposes of secondary education to the productive interests of the labor market.

Keywords: High School. High School Reform. Law No. 13,415 / 2017.


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1Artigo recebido em 05/12/2020. Primeira avaliação em 21/01/2021. Segunda avaliação em 02/02/2021. Aprovado em 04/03/2021. Publicado em 27/05/2021.

DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.47479

2 Doutor em Educação pela Universidade Complutense de Madri - Espanha. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte.

E-mail: dantemoura2014@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1720357515433453 ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8457-7461.

3 Mestre em Educação pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte. Professor da rede estadual do Rio Grande do Sul. E-mail: elizeubenachio@gmail.com.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/6879991137271590. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6580-6409.

Contextualizando a reforma


O ensino médio, última etapa da educação básica, conforme artigo 35 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) visa:


I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. (BRASIL, 1996).


Logo, o ensino médio tem, ao mesmo tempo, caráter de preparação básica para o mundo do trabalho, para a cidadania e para a continuidade de estudos em nível superior. A necessidade da qualidade dessa etapa formativa é, portanto, uma questão central no campo educacional, visto que o ensino médio conclui a formação básica e obrigatória do estudante, compreendendo um conjunto de finalidades articuladas com as da educação básica. Exerce, assim, um papel significativo e de grande relevância na vida desses sujeitos que se preparam para a vida adulta, na perspectiva da cidadania e da atuação no mundo do trabalho.

A organização da educação brasileira evidencia, ao longo da história, que o ensino médio tem se constituído como alvo de constantes reformas pela busca de uma identidade que em cada momento político-histórico se entendeu como uma forma de aperfeiçoamento dessa etapa final da educação básica. Esse entendimento traz consigo concepções de homem, de trabalho e de sociedade que, pelo caráter político do processo de organização da educação, se faz refletir na forma como as políticas educacionais são concebidas, elaboradas e implementadas.

Artigo de Silva e Scheibe (2017) situa as disputas em torno do ensino médio que se seguiram à aprovação da LDB até a atualidade, analisando as argumentações que embasaram as finalidades e concepções dessa etapa da educação básica nesse período, incluindo as que embasam a reforma que ora discutimos. O referido estudo evidencia que a atual reforma segue uma linha argumentativa recorrente que “[...] está sustentada na defesa da necessidade de adequação do ensino médio a requisitos

postos pelo mercado de trabalho e/ou por necessidades definidas pelo setor empresarial” (SILVA e SCHEIBE, 2017, p. 21).

Nesse sentido, no atual cenário político-educacional o ensino médio passa por mais uma reforma, materializada pela Lei nº 13.415/2017, em articulação com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM4) (BRASIL, 2018a) e com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC5) (BRASIL, 2018b), documentos estes que, articuladamente, traçam novos rumos ao ensino médio e à educação profissional. Além dos documentos mencionados, cabe também considerar as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional e Tecnológica, aprovadas pelo Parecer CNE/CP nº 7, de 19 de maio de 2020, e vigentes conforme a Resolução CNE/CP nº 1, de 05 de janeiro de 2021.

Para Silva (2018, p. 7) “o ensino médio, desde a aprovação da LDB em 1996, vem passando por um processo de acirrada disputa quanto às suas finalidades”. Nesse contexto, a autora destaca que a presente reforma retoma velhos discursos e justificativas que embasaram as reformas em torno do ensino médio nos anos 1990, buscando organizar essa etapa da educação básica na perspectiva do desenvolvimento de competências e habilidades voltadas ao atendimento das demandas do mercado de trabalho.

Ressaltamos que não se trata de negar a importância do desenvolvimento de competências e habilidades dos estudantes em sua constituição profissional e cidadã. Ocorre que:


Nos dispositivos que orientam as proposições curriculares com base em competências, prepondera, assim, uma concepção de formação humana marcada pela intenção de adequação à lógica do mercado e à adaptação à sociedade por meio de uma abstrata noção de cidadania. (SILVA, 2018, p. 11).


Isso debilita a concepção de uma formação humana integral do estudante, que integre os princípios do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura com vistas ao seu desenvolvimento pleno e a sua inserção autônoma na sociedade.

A reforma também traz a influência e interesses do setor empresarial da educação, uma vez que seu arcabouço legal prevê a possibilidade de realização de


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4 Atualizadas após a Lei nº 13.415/2017 e aprovadas mediante Parecer CNE/CEB nº 3, de 8 de novembro de 2018.

5 Instituída pela Resolução CNE/CP nº 4, de 17 de dezembro de 2018.

parcerias com instituições privadas de ensino para a oferta da educação profissional. Isso evidencia um movimento de “[...] mercantilização da educação básica, que passa a compor não apenas a definição das finalidades e concepções, que orientam os processos formativos escolares, mas também o financiamento público para a oferta privada da educação” (SILVA e SCHEIBE, 2017, p. 27).

Do ponto de vista do mercado de trabalho periférico a reforma é coerente com o tipo de educação que propõe e o tipo de trabalhador que pretende formar para atender aos interesses desse mercado.

A lógica da flexibilidade pressupõe trabalhadores adaptáveis às constantes mudanças do trabalho, de modo que se o trabalhador transitará por inúmeras ocupações ao longo de sua trajetória laboral, não há razão para investir em uma formação especializada (KUENZER, 2017). “A integração entre teoria e prática se dará ao longo das trajetórias de trabalho, secundarizando a formação escolar, tanto de caráter geral como profissional” (KUENZER, 2017, p. 339). Assim, “se há combinação entre trabalhos desiguais e diferenciados ao longo das cadeias produtivas, há também demandas diferenciadas (e desiguais) de formação de trabalhadores, que podem ser rapidamente atendidas pelas estratégias da aprendizagem flexível [...]” (KUENZER, 2017, p. 340).

Resumindo esse contexto:


A aprendizagem flexível, como organização curricular e como metodologia, é uma das formas de atender à finalidade de formação desses profissionais, cuja força de trabalho poderá ser consumida de forma mais ou menos predatória, ao longo das cadeias produtivas, segundo as necessidades da produção puxada pela demanda. (KUENZER, 2017, p. 342).


Nesse sentido, a pretexto de melhorar a qualidade do atual ensino médio, a referida reforma teve seu início6 através da Medida Provisória nº 746 (MP nº 746/2016), posteriormente transformada no Projeto de Lei nº 34/2016, que deu origem à Lei nº 13.415/2017.

A MP nº 746/2016 propôs alterações na LDB, centrando-se especialmente em três ações: a organização curricular do ensino médio, a ampliação progressiva da


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6 Cabe ressaltar que apesar da reforma que culminou na Lei nº 13.415/2017 ter iniciado em 2016 através da MP nº 746/2016, a referida MP resgatou muitas proposições já defendidas desde 2012 quando se criou uma comissão especial destinada a promover estudos e proposições para a reformulação do ensino médio e que originou o Projeto de Lei nº 6.840/2013, o qual não chegou a ser votado, mas cujas proposições foram retomadas em 2016 com a MP nº 746/2016.

jornada escolar dessa etapa da educação básica e a criação da Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral.

Para compreender o contexto que embasou a elaboração da MP e que buscou justificar tais proposições, convém examinarmos algumas das razões apresentadas pela comissão da MP no Congresso Nacional segundo um documento (EM nº 00084/2016/MEC), chamado Exposição de Motivos, encaminhado à presidência da república.

Esse documento apresenta um conjunto de argumentos que busca justificar a necessidade de reformar o ensino médio. Dentre os principais argumentos apresentados, destacam-se o(a): I) baixo rendimento dos estudantes nas disciplinas de Português e Matemática, segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB); II) estrutura curricular do ensino médio com 13 disciplinas, caracterizada como extensa, superficial e fragmentada; III) necessidade de melhorar o desempenho do ensino médio brasileiro tomando como modelo os países mais bem colocados no mundo, que compõem a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e IV) baixo índice (16,5%) de estudantes pós- médio que ingressam no ensino superior e percentual (8%) de estudantes que cursam educação profissional (BRASIL, 2016).

Evidentemente que o ensino médio precisa melhorar a sua qualidade necessitando, para tanto, da ação do Estado com vistas a garanti-lo de forma pública, gratuita e de qualidade para todos, de modo a promover o alcance das finalidades supracitadas. Entretanto, questionamos os argumentos apresentados, bem como a forma autoritária como tal proposta foi estruturada e apresentada através de uma MP, com pouco ou nenhum diálogo com a comunidade acadêmica e escolar “[...] contrariando o movimento histórico pautado pela ampla discussão na sociedade civil e entre esta e o governo, que caracterizou o processo de construção e aprovação das diretrizes curriculares até então em vigor” (KUENZER, 2017, p. 333-334).

Conforme Ferretti e Silva (2017, p. 396) “ainda que estivesse presente nas audiências públicas um número expressivo de críticos da MP, suas argumentações não foram ouvidas, conforme atestam o PL de Conversão nº 34/2016 e a Lei nº 13.415/2017”, evidenciando assim o caráter autoritário e antidemocrático da referida reforma.

Dito isso, a análise dos argumentos apresentados, colocando a melhoria da qualidade do ensino médio especialmente no plano curricular, nos obriga a problematizar sobre outras questões prioritárias do campo educacional e que não são objetos da presente reforma. Falamos da infraestrutura das redes de ensino e suas instituições. Sem menosprezar a questão curricular, entendemos que não se faz uma educação de qualidade sem as condições adequadas que garantam a qualidade dos processos educativos.

Nesse sentido, Moura e Lima Filho (2017) destacam que ao centrar a reforma na dimensão curricular se está invertendo as prioridades para a alegada busca da qualidade do ensino médio. Segundo esses autores:


Ao centrar o foco na organização curricular, negligencia a questão central, que afeta a educação básica (EB) pública do País. A falta de infraestrutura que garanta o funcionamento qualificado das escolas públicas, destacando-se: ausência de instalações físicas adequadas, bibliotecas, laboratórios, espaços para a prática esportiva e de atividades artístico-culturais; inexistência de quadro de professores e demais trabalhadores da educação contratados por concurso público; planos de carreiras e de formação, salários dignos e condições de trabalho adequadas. (MOURA e LIMA FILHO, 2017, p. 119-120).


Entendemos que essas condições são prioritárias e sem as quais é impossível pensar em melhorias para o ensino médio. Aliás, prega-se a necessidade de tornar o ensino médio mais atrativo aos estudantes, elegendo-se como principais problemas, por exemplo, o fato de o estudante ter que cursar 13 disciplinas e o baixo rendimento dos estudantes em avaliações de larga escala. Porém, não se considera como problema, objeto da reforma, a ausência ou precariedade, nas instituições escolares, das condições supracitadas. Embora possam existir aspectos de ordem curricular a serem melhorados, é preciso considerar, como afirma Araújo (2018, p. 226-227), que “[...] o currículo não é o único determinante da qualidade da educação ou atrativo da escola”. Essa compreensão, entretanto, parece não ser relevante no contexto da presente reforma.

Questões como a falta de professores habilitados para todas as áreas do conhecimento, a falta de incentivo à qualificação (especialização, mestrado, doutorado), excesso de carga horária, sobrecarga de trabalho, desdobramento docente em mais de uma instituição, baixos salários, etc, aliadas à falta de recursos materiais e espaços adequados nas escolas são situações objetivas que influenciam, direta ou indiretamente, na qualidade do processo educativo e que podem servir como

fatores de desmotivação discente. Por que não atentar primeiramente para essas questões, criando e/ou fortalecendo políticas dessa natureza, que certamente desencadeariam processos educacionais de melhor qualidade? Ao invés disso, conforme afirma Ferretti (2018, p. 27) “a Lei parece insistir na perspectiva de que o conjunto dos problemas presentes no Ensino Médio público poderá ser resolvido por meio da alteração curricular, [...]”, negligenciando outros problemas de maior envergadura no âmbito da escola e que deveriam ser priorizados, bem como os necessários investimentos nas questões mencionadas.

Ao se falar em investimentos, é imprescindível trazer ao centro da discussão o contexto fiscal brasileiro pós Emenda Constitucional nº 95 (EC nº 95/2016), que instituiu o novo regime fiscal para os gastos da União, com vigência por 20 anos, a partir de 2017, visto que:


As regras do novo regime não permitem, assim, o crescimento das despesas totais e reais do governo acima da inflação, nem mesmo se a economia estiver bem, o que diferencia o caso brasileiro de outras experiências estrangeiras que adotaram o teto de gastos públicos. Somente será possível aumentar os investimentos em uma área desde que sejam feitos cortes em outras. As novas regras desconsideram portanto, as taxas de crescimento econômico, como também as demográficas pelos próximos 20 (vinte anos), o que [...] poderá levar ao sucateamento das políticas sociais, especialmente nas áreas da saúde e educação, pondo em risco por completo a qualidade de vida da população brasileira. [...] o novo regime fiscal revela uma clara opção por uma antidemocracia econômica, inviabilizando a expansão e até mesmo a própria manutenção de políticas públicas para reservar dinheiro público e garantir o pagamento das obrigações assumidas pelo governo federal brasileiro perante os credores da dívida pública. (MARIANO, 2017, p. 261-262).


Diante desse contexto de contingenciamento de gastos e ao não assumir um compromisso com o aumento de investimentos, o pretenso discurso de melhoria do ensino médio propagado pela reforma torna-se questionável, falacioso, configurando- se como mais uma medida do conjunto de ações derivadas do projeto antissocial (do qual a EC nº 95/2016 é parte) que ascendeu ao poder com a deposição da presidenta Dilma Rousseff, em 2016. Tais medidas, conforme explicam Moura e Lima Filho (2017,

p. 111), fazem parte de uma racionalidade “cujo objetivo é reconfigurar o Estado brasileiro no sentido de torná-lo ainda ‘mais mínimo’ no que se refere às garantias dos direitos sociais e ‘mais máximo’ para regular os interesses do grande capital nacional e internacional, especialmente o financeiro/especulativo”.

Quanto aos motivos apresentados para justificar a reforma, merece destaque o fato de seus idealizadores usarem resultados de avaliações em larga escala como parâmetro para apontar deficiências no ensino médio público e assim justificar a necessidade de mudanças.

Um dos critérios utilizados, conforme já mencionado pela Exposição de Motivos à MP/ 2016, é a comparação do Brasil com os países componentes da OCDE mais bem colocados no mundo em avaliações de larga escala realizadas. Uma dessas avaliações é o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), de periodicidade trienal, coordenado pela OCDE, que avalia o desempenho de estudantes de 15 anos nas áreas de Leitura, Matemática e Ciências.

Para Ramos (2018, p. 449) as políticas de avaliação educacional em larga escala constituem “uma tendência internacional de padronização de desempenhos dissociada dos fundamentos da política educacional como responsabilidade do estado”. A autora ainda acrescenta que “enquanto se priorizam as políticas de avaliação em larga escala, se negligencia o que é fundamental, isto é, a própria política pública de educação básica” (RAMOS, 2018, p. 449).

Nesse sentido, consideramos que esse tipo de avaliação em larga escala é insuficiente para analisar diferentes redes e instituições de ensino, visto que possuem um conjunto de características próprias que não poderiam ser tratadas e avaliadas da mesma forma através de uma avaliação padronizada. Ao fazer isso, ignora aspectos intrínsecos ao processo pedagógico, importantes para um diagnóstico mais preciso das diferentes realidades avaliadas. No entanto, tais indicadores não podem ser menosprezados, visto que são tomados como parâmetros pelo governo para a elaboração de políticas educacionais.

Conforme dados do relatório Brasil no PISA 2015: análises e reflexões sobre o desempenho dos estudantes brasileiros (OCDE/INEP, 2016, p. 34), o perfil dos estudantes brasileiros avaliados pelo PISA, de acordo com a rede de ensino a que pertencem, localização das escolas e área de localização, tem as seguintes características:

Tabela 1 - Percentual de estudantes brasileiros no PISA 2015 por dependência administrativa, localização e área


Variáveis

Categoria

Percentual de Estudantes

Dependência Administrativa

Federal

1,60%

Estadual

73,80%

Municipal

11,40%

Privada

13,30%

Localização

Urbana

95,40%

Rural

4,60%

Área

Capital

23,30%

Interior

76,70%

Fonte: OCDE/INEP/2016


Como se pode perceber, a significativa maioria dos estudantes brasileiros avaliados no PISA pertence à rede estadual, em instituições situadas no meio urbano, em cidades do interior dos estados, ou seja, essa maioria não se concentra nas redes federal ou privada, nem nas capitais. Logo, os resultados dessa avaliação refletem uma realidade mais próxima desses nichos nos quais é realizada, em que existem grandes carências estruturais.

Nesse contexto, será prudente equiparar o Brasil com os países da OCDE mais bem posicionados em avaliações de larga escala, como o PISA? Será prudente tomar esses países como modelo ao Brasil, colocando-os em igualdade de condições, apenas promovendo uma reforma curricular para alcançar tal propósito?

Analisando os países com melhores resultados nas áreas avaliadas (Ciências, Leitura e Matemática), dos quais apresentamos os países com médias maiores ou iguais à média dos países da OCDE, e o Brasil, temos os seguintes dados:


Tabela 2 - Médias em Ciências, Leitura e Matemática - PISA 2015


Ciências

Leitura

Matemática

Finlândia (531)

Canadá (527)

Coréia do Sul (524)

Canadá (528)

Finlândia (526)

Canadá (516)

Coréia do Sul (516)

Coréia do Sul (517)

Finlândia (511)

Portugal (501)

Portugal (498)

Portugal (492)

Estados Unidos (496)

Estados Unidos 497)

_

Espanha (493)

Espanha (496)

_

OCDE (493)

OCDE (493)

OCDE (490)

Brasil (401)

Brasil (407)

Brasil (377)

Fonte: OCDE/INEP/2016

Os dados evidenciam que os países Finlândia, Canadá, Coréia do Sul, Portugal, Estados Unidos e Espanha constituem um grupo cuja média nas três áreas avaliadas supera (com exceção dos Estados Unidos e Espanha em Matemática) a média geral dos países da OCDE a qual, por sua vez, supera a média do Brasil em todas as áreas avaliadas.

Das muitas diferenças de condições educacionais entre o Brasil e os países mencionados, destacamos aqui, para exemplificar, conforme dados do relatório Brasil no PISA 2015: análises e reflexões sobre o desempenho dos estudantes brasileiros, (OCDE/INEP, 2016, p. 219), a relação entre professor e número de alunos, condição relevante para a qualidade do ensino. Sobre esse quesito, temos os seguintes dados, conforme o Gráfico 1.


Gráfico 1 - Razão estudantes/professor por país e unidade da Federação – PISA 2015


image

Fonte: OCDE/INEP/2016


Observa-se que há uma relação inversa entre o número de alunos por professor e as médias obtidas. Os seis países supracitados com as melhores médias são países que apresentam um menor número de alunos por professor, bem à frente do Brasil e da maioria dos estados brasileiros, os quais apresentam uma razão alunos/professor que chega a ser até mais de quatro vezes maior em relação a esses países.

É muito diferente para um professor estar em uma sala de aula com uma turma de dez ou quinze alunos ou com uma turma de trinta alunos ou mais. Não se pode responsabilizar o professor que procura fazer o melhor possível, mesmo em condições adversas, uma vez que tais circunstâncias evidentemente influenciam na qualidade

do processo de ensino-aprendizagem, afetando também os resultados. Essas situações, aliadas à falta de uma política de valorização e qualificação do professor, excesso de carga horária, falta de recursos nas escolas, etc, constituem algumas das principais condições que anteriormente tratamos como prioritárias para se alcançar a alegada qualidade do ensino médio e que não são objetos da reforma em questão.

Em contrapartida, a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT) desponta como alternativa aos resultados apresentados. De acordo com o relatório Brasil no PISA 2015: análises e reflexões sobre o desempenho dos estudantes brasileiros, (OCDE/INEP, 2016), temos os seguintes resultados, em comparação com as demais redes e com as médias do Brasil e dos países da OCDE, conforme a Tabela 3.


Tabela 3 - Médias por dependência administrativa, OCDE e Brasil - PISA 2015



Ciências

Leitura

Matemática

Rede Federal

517

528

488

Rede Estadual

394

402

369

Rede Municipal

329

325

311

Rede Particular

487

493

463

OCDE

493

493

490

Brasil

401

407

377

Fonte: OCDE/INEP/2016


Observa-se que na área de Ciências a rede federal supera as demais redes, o Brasil e a média da OCDE, ficando também (conforme tabela 2) à frente da Coréia do Sul (516), Portugal (501), Estados Unidos (496) e Espanha (493). Na área de Leitura supera as demais redes, o Brasil, a média OCDE e todos os países que ficaram à frente da OCDE: Canadá (527), Finlândia (526), Coréia do Sul (517), Portugal (498), Estados Unidos 497) e Espanha (496). Na área de Matemática, está à frente dos Estados Unidos (470) e Espanha (486) e apenas dois pontos abaixo da média da OCDE.

Dessa forma, ao se adotar os resultados do PISA como parâmetro para apontar a baixa qualidade do ensino médio brasileiro e assim justificar a necessidade de se realizar uma reforma tomando como modelo os países da OCDE mais bem colocados nessa avaliação, é curioso e questionável que não se tome a rede federal como modelo educacional, que já existe e apresenta excelência de resultados, superando, inclusive, a média da OCDE e de muitos dos países mais bem avaliados. Para Moura

e Lima Filho (2017, p. 120-121) “é contraditório que autoridades públicas e representantes do capital, que utilizam tais indicadores para fazer crítica à educação pública e apologia à privada, omitam dados altamente positivos alcançados por alunos de escolas públicas, a partir dos mesmos indicadores”.

Matéria do jornal Folha de São Paulo publicada em 14 de janeiro de 2018, com base em dados do Ministério da Educação, destaca o excelente desempenho dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia no Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM/2016, liderando em 14 Estados brasileiros (FOLHA DE SÃO PAULO, 2018).

Não faltam, portanto, evidências de resultados positivos no ensino médio alcançados pela rede federal, fruto de uma organização diferenciada que, apesar de necessitar de muitas melhorias, apresenta melhores condições em termos estruturais e de pessoal. Tais condições favorecem os bons resultados e constituem um modelo de educação que poderia ser expandido para as demais redes de ensino.

Estudo apontado por Ramos (2018) para problematizar as diferenças de desempenho das diferentes redes de ensino em avaliações de larga escala destaca que os melhores desempenhos são verificados em escolas que apresentam um conjunto de características e condições. São destacados os seguintes fatores: papel do professor, aliado a um significativo trabalho pedagógico; variedade de atividades desenvolvidas em sala de aula; cultura discente de comprometimento com os estudos; integração da escola com a comunidade; ambiente de aprendizagem, infraestrutura física, estrutura de sala de aula, recursos didáticos e de multimídia; tempo de dedicação aos estudos, aliado a uma maior convivência com os professores, com acesso à biblioteca, sala de informática e atividades complementares; tempo de dedicação dos professores, com destaque para a dedicação exclusiva à docência e em uma mesma escola; realização de atividades diversificadas e significativas em sala de aula; ações de formação continuada dos professores. Para Ramos (2018, p. 455) “esses parâmetros não são novidade, pois se olharmos a realidade das escolas da rede federal, todos eles tendem a ser contemplados”, razão pela qual esta rede apresenta bons resultados nas avaliações realizadas.

Cabe observar que o ensino médio praticado na rede federal, sobretudo pelos Institutos Federais, é expressivamente o ensino médio integrado (EMI), possibilitado a partir de 2004 pelo Decreto nº 5.154/2004 o qual dispõe em seu artigo 4º, parágrafo

1º, inciso I, sobre a forma de articulação integrada entre o ensino médio e a educação profissional técnica de nível médio, cujo curso é realizado com matrícula única em uma mesma instituição.


Da nova estrutura do ensino médio


Para modificar a considerada rigidez curricular no ensino médio, considerado exaustivo e desinteressante para o estudante, e substituí-lo por um modelo diversificado e flexível, a Lei nº 13.415/2017 estabeleceu alterações na LDB, dentre as quais, a estabelecida pelo artigo 4º:


O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber: I - linguagens e suas tecnologias; II - matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV - ciências humanas e sociais aplicadas; V - formação técnica e profissional. (BRASIL, 2017).


Dessa forma, o ensino médio passa a ser estruturado em duas partes: uma fixa, definida pela BNCC, e outra flexível, formada por cinco itinerários formativos sendo estes constituídos pelas quatro áreas mencionadas mais o itinerário formação técnica e profissional.

Com isso, defende-se que o estudante terá acesso à formação geral, constituída pela BNCC, e posteriormente poderá escolher dentre os itinerários formativos aquele(s) que irá se aprofundar em sua formação. Isso, segundo os idealizadores da reforma, diminui o excesso de disciplinas a serem cursadas pelo estudante, possibilitando-lhe a escolha pela área (itinerário formativo) com a qual se identifica de acordo com o seu projeto de vida.

Nessa racionalidade, o texto da BNCC, ao justificar a nova organização curricular, enfatiza termos e expressões como “protagonismo juvenil”, “projeto de vida”, “juventudes”, “escola que acolhe as juventudes”, etc. Defende-se que considerar as muitas juventudes existentes implica organizar uma escola que acolha as diversidades, garantindo aos estudantes serem protagonistas de seu próprio processo de escolarização, assegurando-lhes uma formação em consonância com o seu projeto de vida (BRASIL, 2018b).

Para Krawczyk e Ferretti (2017, p. 41) a referida reforma “[...] não é propriamente uma reforma educacional, mas parte de um processo de desregulamentação, precarização e desagregação do ensino médio e de outros espaços públicos”.

Assim, ao situar o ensino médio nessa perspectiva de flexibilização busca-se desresponsabilizar o Estado quanto à oferta de uma educação de qualidade para todos. Ao mesmo tempo, naturaliza e promove a desigualdade ao adequar a oferta educacional a diferentes e deficitárias realidades escolares sob o argumento de atender à diversidade. Da nova organização curricular proposta decorrem problemas que trataremos a seguir.

Quanto à carga horária, a Lei nº 13.415/2017, artigo 1º, altera o artigo 24 da LDB estabelecendo que:


A carga horária mínima anual de que trata o inciso I do caput deverá ser ampliada de forma progressiva, no ensino médio, para mil e quatrocentas horas, devendo os sistemas de ensino oferecer, no prazo máximo de cinco anos, pelo menos mil horas anuais de carga horária, a partir de 2 de março de 2017. (BRASIL, 2017).


Dessa forma, propõe-se um aumento para a carga horária anual do ensino médio que, considerando-se a totalidade proposta (1400 horas), representa um aumento de 600 horas anuais (passando de 800 para 1400), perfazendo assim um aumento total de 1800 horas, que somadas às 2400 horas já existentes totaliza 4200 horas para o ensino médio.

Em uma primeira análise, esse aumento da carga horária poderia ser considerado como um aspecto positivo para o desenvolvimento de um ensino médio com mais qualidade, uma vez que proporcionaria mais tempo para um maior aprofundamento das diferentes áreas do conhecimento.

No entanto, o artigo 3º da Lei nº 13.415/2017, acrescendo o artigo 35-A na LDB, estabelece que “a carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a mil e oitocentas horas do total da carga horária do ensino médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensino” (BRASIL, 2017). Assim, ao estabelecer um teto de 1800 horas para o cumprimento da parte comum do currículo, a reforma privilegia a parte flexível do currículo (itinerários formativos) deslocando a maior parte da carga horária do ensino médio para essa parte da formação. Isso representa uma drástica diminuição da carga horária referente

à formação geral, que é base para todos os estudantes, seguida da supervalorização dos itinerários formativos, que é uma formação específica, podendo ser apartada do contexto da formação geral, bem como ocorrer por etapas com terminalidade, comprometendo o conceito de educação básica obrigatória e de ensino médio como sua última etapa.

Nesse contexto, concordamos que:


Ao reduzir o Ensino Médio para 1800 horas obrigatórias, na prática está reduzindo a Educação Básica. Minimiza-se o Ensino Médio e retira-se a relevância de matérias importantes para a formação da juventude, tais como Sociologia, Filosofia, História, Geografia, Física, Química, Biologia, Educação Física e Artes, ou seja, disciplinas que favorecem o desenvolvimento do pensamento crítico-racional e das amplas capacidades humanas necessárias ao comportamento autônomo e cidadão. (ARAÚJO, 2018, p. 224).


Ao restringir o acesso à formação geral, a reforma contraria preceitos constitucionais da educação como estabelecido pelo artigo 205 da Constituição Federal onde se defende a educação como direito de todos e dever do Estado, que visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).

Quando um estudante, tendo cursado uma carga horária referente à parte comum, de até 1800 horas (há possibilidade de ser menos que isso, a critério dos sistemas de ensino, visto que esta é a quantidade máxima), e opta, por exemplo, pelo itinerário formação técnica e profissional, ou outro, dedicará a maior parte da carga horária do ensino médio para uma formação específica, e isso lhe privará do aprofundamento nos conhecimentos das demais áreas, tão importantes ao seu desenvolvimento pleno.

Em contrapartida, defendemos um modelo de formação não fragmentada, que garanta ao estudante uma formação ampla, e aqui destacamos o EMI ofertado pela RFEPCT, de modo especial pelos Institutos Federais (IFs) e que tem demonstrado resultados positivos, conforme discutido anteriormente neste texto. Importante ressaltar que algumas redes estaduais também empreendem esforços no sentido da materialização e oferta do EMI, embora sem as mesmas condições materiais concretas de funcionamento existentes na rede federal. Conforme dados do Censo da Educação Básica 2019 (BRASIL, 2020), do total de 7.465.891 matrículas do ensino

médio, o ensino integrado apresenta 623.178 matrículas representando, portanto, aproximadamente 8% desse universo.

Araújo (2016) apud Ferretti e Silva (2017, p. 395), referindo-se ao EMI praticado nos Institutos Federais, ilustra bem essa concepção ao afirmar que:


A nossa experiência de Ensino Médio Integrado tem revelado alguns aspectos positivos: primeiro, que ela tenta articular, num mesmo espaço escolar, a formação geral com a formação profissional, sem sonegar o direito à cultura, sem sonegar a arte, sem sonegar a sociologia, sem sonegar a formação ampla.


Esse é um modelo de formação fundamentado em uma concepção que busca integrar trabalho, ciência, tecnologia e cultura (BRASIL, 2007) e assim proporcionar uma formação ampla, não fragmentada, tanto para o estudante que após a conclusão do ensino médio for para o mundo do trabalho, quanto para o que prosseguir em sua vida acadêmica no ensino superior. Assim, independentemente de sua trajetória posterior ao ensino médio, é importante que o sujeito tenha o conhecimento das diferentes áreas do conhecimento; que compreenda o princípio educativo do trabalho; que compreenda a totalidade social na qual está inserido; enfim, que tenha os conhecimentos que lhe possibilitem participar social, cultural, política e economicamente da sociedade.

Cabe destacar que o EMI situa-se no campo de uma educação politécnica sem, contudo, confundir-se com ela. Sobre a educação politécnica, Ramos (2010) assim a descreve:


O ideário da politecnia buscava romper com a dicotomia entre educação básica e técnica, resgatando o princípio da formação humana em sua totalidade; em termos epistemológicos e pedagógicos, esse ideário defendia um ensino que integrasse ciência e cultura, humanismo e tecnologia, visando ao desenvolvimento de todas as potencialidades humanas. (RAMOS, 2010, p. 44).


Nesse sentido, o EMI não deve ser compreendido como a materialização de uma formação politécnica plena, mas uma forma de educação que caminha nessa direção. Segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2012, p. 15) “[...] podemos qualificar o ensino médio integrado como uma proposta de “travessia” imposta pela realidade de milhares de jovens que têm direito ao ensino médio pleno e, ao mesmo tempo, necessitam se situar no sistema produtivo”. Essa travessia, conforme Moura, Lima Filho e Silva (2015), tem o EMI como condição necessária para uma nova realidade

na qual as condições materiais e objetivas da sociedade permitam aos jovens concluir a educação básica e, a partir de então, pensar na sua vida profissional. Assim, o objetivo a médio e longo prazo não é a universalização do EMI, mas a consolidação da politecnia, sendo o EMI uma forma de transição para essa realidade idealizada.

Quanto ao fato da reforma proposta não priorizar essa concepção educacional e, ao invés disso, propor e patrocinar uma reforma nos moldes já descritos, revela o descompromisso com uma educação de nível médio de qualidade, impactando a educação básica e acarretando, conforme aponta Araújo (2018, p. 220), problemas como “o aprofundamento de processos de exclusão dos jovens em situação de maior vulnerabilidade, o aprofundamento das desigualdades sociais, a maior desqualificação da educação básica, principalmente para os mais pobres, e a desvalorização dos profissionais da educação”.

Sob o argumento de atender a diversidade, a BNCC (2018b, p. 463) estabelece que “considerar que há muitas juventudes implica organizar uma escola que acolha as diversidades, promovendo, de modo intencional e permanente, o respeito à pessoa humana e aos seus direitos”. No entanto, embora necessário atender a diversidade, isso não deve ser justificativa para a criação de processos educacionais fragmentados, ao que concordamos com Moura e Lima Filho (2017, p. 122) para os quais “[...] o reconhecimento das diferentes juventudes não deve estabelecer dicotomias no processo de formação, como sinaliza a concepção dos diferentes itinerários formativos da reforma, [...]”.

Outro aspecto a ser problematizado diz respeito à forma de oferta da parte flexível do currículo constituída pelos itinerários formativos. O artigo 12 das DCNEM estabelecem que “a oferta de itinerários formativos deve considerar as possibilidades estruturais e de recursos das instituições ou redes de ensino” (BRASIL, 2018a). Sendo assim, as escolas terão que estruturar seus cursos dentro das condições e possibilidades existentes e isso não será nenhuma garantia de que todos os itinerários sejam ofertados. Nesse sentido, para Krawczyk e Ferretti (2017, p. 38-39) “[...] o aluno não poderá escolher uma formação sólida geral nem necessariamente terá a possibilidade de escolher entre os cinco itinerários formativos, já que sua oferta dependerá das propostas e condições concretas de cada estado e de cada rede”.

As DCNEM, artigo 12, inciso V, § 6º, estabelecem ainda que “os sistemas de ensino devem garantir a oferta de mais de um itinerário formativo em cada município,

em áreas distintas, permitindo-lhes a escolha, dentre diferentes arranjos curriculares, atendendo assim a heterogeneidade e pluralidade de condições, interesses e aspirações” (BRASIL, 2018a). Cabe ponderar que a expressão “mais de um” pode ser apenas “dois” e, nesse caso, os estudantes que desejarem alguma das outras três áreas não ofertadas não terão a tão propalada liberdade de escolha.

Sobre isso, Ferretti (2018, p. 29) afirma que “os alunos farão, no máximo, escolhas entre os itinerários formativos estipulados pelo sistema público de ensino [...]”. Araújo (2018, p, 226) corrobora essa compreensão afirmando que “[...] a flexibilidade não é para os alunos, uma vez que cabe aos sistemas de ensino fazerem as opções dos itinerários a serem ofertados nas diferentes escolas”. Outro agravante é que os “mais de um” itinerários são exigidos para cada município e não para cada escola de ensino médio, o que não impõe nenhuma obrigatoriedade de oferta por todas as escolas, dificultando a vida dos estudantes que moram longe da(s) escola(s) ofertante(s).

Também merece destaque a possibilidade de admissão de profissionais com o chamado notório saber, conforme artigo 6º da Lei nº 13.415/2017, que altera o artigo 61 da LDB para inserir essa nova categoria de profissionais da educação.

Para Krawczyk e Ferretti (2017, p. 40) o notório saber, ainda que a Lei o restrinja ao itinerário formação técnica e profissional, “[...] não só desqualifica o trabalho docente como destrói sua identidade, isto é, o conjunto de caracteres próprios e, em parte, exclusivos, do professor”. Isso porque “um professor é aquele que possui uma perspectiva pedagógica, social e cultural suficientemente ampla para poder desempenhar o papel de educador” (KRAWCZYK E FERRETTI, 2017, p. 40). Para Silva (2018, p. 3) a proposição do notório saber “[...] institucionaliza ainda maior precarização do trabalho docente e significa o comprometimento da educação profissional”.

Preocupa, portanto, a possibilidade de banalização do ofício docente por profissionais sem a devida formação didático-pedagógica e específica para tal, e ainda acrescentamos a possibilidade futura desses profissionais lecionarem também em outras áreas, diante da falta de professores.

Também constitui objeto da reforma, como já mencionado, as escolas de ensino médio em tempo integral. O artigo 13 da Lei nº 13.415/2017 enuncia que “fica instituída, no âmbito do Ministério da Educação, a Política de Fomento à

Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral”. Tal política encontra respaldo legal na meta 6 do Plano Nacional de Educação (PNE), a qual objetiva “oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos(as) alunos(as) da educação básica” (BRASIL, 2014, p. 6).

Faz-se necessário entender que a oferta de educação em tempo integral não pode, em hipótese alguma, ser compreendida simplesmente como expansão da jornada do aluno na escola. Pressupõe, sobretudo, uma reestruturação escolar que, mais uma vez, passa pelo crivo da necessidade de investimentos, dificultados no atual contexto político-econômico.

Examinando as estratégias que compõem o escopo da referida meta proposta pelo PNE, encontramos a previsão de ações tais como:


“Ampliação progressiva da jornada de professores em uma única escola”, “construção de escolas com padrão arquitetônico e de mobiliário adequado para atendimento em tempo integral”, “reestruturação das escolas públicas, por meio da instalação de quadras poliesportivas, laboratórios, inclusive de informática, espaços para atividades culturais, bibliotecas, auditórios, cozinhas, refeitórios, banheiros e outros equipamentos, bem como da produção de material didático e da formação de recursos humanos para a educação em tempo integral”, “salas de recursos multifuncionais da própria escola”. (BRASIL, 2014, p. 6-7).


Ainda que a Lei nº 13.415/2017 em seu parágrafo único do artigo 13 estabeleça o repasse de recursos para os Estados e o Distrito Federal, o faz delimitando o tempo de financiamento para dez anos por escola que aderir à referida política de fomento, deixando a dúvida sobre como essas escolas continuariam o seu financiamento uma vez expirado o referido prazo. Além disso, estabelece no artigo 14, § 2º, que a transferência de recursos respeitará a disponibilidade orçamentária para atendimento, conforme definição do Ministro de Estado da Educação (BRASIL, 2017) e observará, conforme artigo 20, os limites de movimentação, de empenho e de pagamento da programação orçamentária e financeira anual (BRASIL, 2017). Isso também gera incertezas quanto à garantia desses recursos em tempos de plena vigência da EC nº 95/2016, ainda que assegure em seu artigo 14 a obrigatoriedade das transferências de recursos da União aos Estado e ao Distrito Federal.

A Lei, ao tratar da referida política de fomento às escolas de ensino médio em tempo integral, não explicita as ações elencadas pelo PNE, supracitadas. Assim, sem

uma reforma estrutural consistente das instituições escolares, que garanta os recursos necessários, é difícil pensar na viabilidade de uma educação em tempo integral, sobretudo com a qualidade pretendida.

Para Ferretti (2018, p. 28), “[...] as condições existentes nas redes públicas de ensino brasileiro, do ponto de vista tanto da infraestrutura das escolas quanto das condições de trabalho e da carreira dos docentes, bem como de oferta de alimentação adequada aos alunos, mostram ser tal meta de difícil execução”. Por sua vez, Araújo (2018, p. 223) caracteriza a educação integral como “[...] apenas uma ‘farsa’, uma desculpa para que se introduza aquilo que se coloca como fundamental, ou seja, a redução da educação básica, a desprofissionalização docente e a subordinação do ensino médio às demandas específicas do mercado”.

Reafirmamos o entendimento de que a educação em tempo integral não pode se dar sem a garantia de um conjunto de condições que garanta uma formação produtiva para o estudante, sob pena de transformar a escola em um “depósito de alunos” e reduzir a concepção de formação integral a mera expansão do tempo cronológico do aluno na escola. Professores preparados e valorizados, com uma jornada de trabalho adequada e trabalhando em uma única escola; demais profissionais da educação; salas de aula, bibliotecas, materiais didáticos, laboratórios, refeitórios, alimentação, espaço para a prática esportiva e lazer; setores de atendimento à saúde do estudante; setor e profissionais capacitados para atendimento de portadores de necessidades especiais; transporte escolar, etc. Eis algumas condições mínimas necessárias para uma escola ofertar educação em tempo integral.

Por fim, diante de tantos entraves de ordem financeira à educação vale destacar a importante conquista representada pela aprovação da nova Lei do Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb) (Lei nº 14.113/2020), tornando-o permanente e com recursos destinados integralmente à educação pública, representando um alento ao financiamento da educação pública de nosso país.


Considerações finais

Ao finalizar este artigo tecemos algumas considerações, as quais não são de caráter final, assim como todo o texto, mas reflexivo e provocativo à continuidade das

discussões, visto que o assunto abordado é processual e complexo, demandando assim análises e reflexões contínuas.

A reforma do ensino médio, através de uma narrativa7 crítica à baixa qualidade dessa etapa da educação básica e de sua estrutura, considerada exaustiva e desinteressante ao estudante, buscou flexibilizá-la através da criação de cinco áreas de aprofundamento denominadas itinerários formativos. Defende-se, com isso, o protagonismo do estudante e a possibilidade de escolha dentre as áreas do conhecimento disponíveis. Essa possibilidade de escolha, entretanto, distancia-se da realidade uma vez que o próprio arcabouço legal da reforma condiciona essa oferta às condições concretas e critérios das instituições e redes de ensino.

Além disso, propõe um aumento progressivo da carga horária limitando, todavia, a carga horária referente à parte comum do currículo que trata da formação geral conforme a BNCC, a 1800 horas, evidenciando assim uma maior valorização da parte flexível, ou itinerários formativos.

Entendemos que essa flexibilização fragmenta a formação do estudante, pois ao limitar a carga horária para a formação geral, restringe o acesso à construção de conhecimentos de disciplinas consideradas importantes para a formação plena do indivíduo. Em contrapartida, privilegia a carga horária para a parte flexível onde o estudante terá uma formação específica, podendo, conforme sua organização, não contemplar uma formação mais abrangente e integrada.

Dessa forma, se estaria fragilizando o ensino médio enquanto etapa final da educação básica, afetando o direito do estudante a uma educação plena. Por isso, defendemos o EMI, a exemplo do modelo praticado nos Institutos Federais e também por escolas das redes estaduais, o qual proporciona um aprofundamento na área escolhida pelo estudante, porém, sem prejuízo da formação em todas as demais áreas do conhecimento.

Demonstramos, através de dados oficiais, resultados positivos do ensino médio na rede federal, superando a rede privada e a média de países da OCDE, contrapondo-se aos argumentos dos idealizadores da reforma que apontam a má qualidade do ensino médio público, tomando como modelo os países de melhor desempenho em avaliações em larga escala como o PISA.


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7 Essa narrativa apresentada pelos idealizadores da reforma, entretanto, carece de fundamentação em pesquisas científicas que a sustentem.

Com relação tanto à implementação dos itinerários formativos quanto de escolas de ensino médio em tempo integral destacamos as dificuldades estruturais das escolas que impõem a necessidade de investimentos, considerados prioridades, sem os quais toda a pretensão de qualidade torna-se uma miragem vazia.

Nesse contexto, o novo regime fiscal instituído pela EC nº 95/2016, que congela os gastos primários da União por vinte anos, representa grave empecilho aos investimentos em educação, e por isso não se deve perdê-lo de vista sempre que inovações demandarem aumento de financiamento.

Os próprios dispositivos legais analisados deixam claro que a implementação da reforma se dará considerando as condições estruturais e de recursos das escolas, o que sinaliza para as dificuldades e precariedade das mesmas na implementação de tais alterações. Na hipótese, provável, do não oferecimento de todos os itinerários formativos pelas instituições escolares de ensino médio, torna-se falacioso o discurso amplamente divulgado pela propaganda oficial da reforma, expressando a concepção de seus idealizadores, que os estudantes terão liberdade para escolher dentre cinco áreas do conhecimento.

Com base nos dispositivos analisados e na bibliografia consultada, considerando as condições concretas e objetivas das instituições escolares, é possível perceber que a presente reforma retoma e agudiza uma lógica educacional presente em reformas educacionais anteriores em que se buscava alinhar as finalidades do ensino médio às demandas do setor produtivo.

Com isso, destaca-se a influência que segmentos empresariais, coerentes com o modo de produção capitalista vigente na sociedade, exercem na definição das políticas educacionais, com destaque aqui para a presente reforma do ensino médio. Observa-se a defesa de princípios privatistas da educação, de um currículo mínimo sob o argumento de atender à diversidade, e de uma formação de caráter instrumental e profissionalizante que se volta à formação de sujeitos produtivos para o mercado de trabalho.

De modo algum estamos negando a importância e a necessidade da preparação dos jovens para o trabalho, porém, quando essa finalidade é tomada como prioritária em detrimento de uma formação humana integral do sujeito, sonegando o direito do estudante a uma formação plena, isso impede a construção de uma educação de qualidade para todos, sobretudo para os jovens de origem trabalhadora

que, por sua vez, trazem latente a necessidade de uma inserção mais imediata no mundo do trabalho.

Por esse conjunto de circunstâncias apresentadas ao longo deste artigo, fica evidente que esta reforma apresenta-se camuflada em um discurso de melhoria da qualidade do ensino médio para todos, mas na realidade situa-se em um contexto de precarização da educação pública e de alinhamento do ensino médio ao atendimento de demandas e interesses ditados pelo mercado de trabalho.


Referências


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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


O BANCO MUNDIAL E A REFORMA DO ENSINO MÉDIO NO GOVERNO TEMER: UMA ANÁLISE DAS ORIENTAÇÕES E DO FINANCIAMENTO EXTERNO1


Márcia Fornari2 Roberto Antonio Deitos3


Resumo

Este artigo tem como objetivo discutir alguns aspectos da política de financiamento externo para a implementação da Reforma do Ensino Médio no Brasil no Governo Temer, e as condicionalidades expressas no contrato de empréstimo do Ministério da Educação com o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD)/Banco Mundial (BM). Buscamos desenvolver reflexões sobre as políticas educacionais para o Ensino Médio no Brasil, especificamente em relação à Reforma do Ensino Médio, empreendida pela Lei nº 13.415/17 e ancorada em financiamento externo, realizado junto ao Banco Mundial.

Palavras-chave: Ensino médio no Brasil; Banco Mundial; Orientações e Financiamento Externo.


EL BANCO MUNDIAL Y LA REFORMA DE LA ESCUELASECUNDÁRIA EN EL GOBIERNO DE TEMER: ANÁLISIS DE DIRECTRICES Y FINANCIAMIENTO EXTERNO


Resumen

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Este artículo tiene como objetivo discutir algunos aspectos de la política de financiamiento externo para la implementación de la Reforma de la Escuela Secundaria en Brasil en el Gobierno de Temer, y las condicionalidades expresadas en el contrato de préstamo del Ministerio de Educación con el Banco Internacional de Reconstrucción y Fomento (BIRF)/Banco Mundial. Buscamos desarrollar reflexiones sobre las políticas educativas para la educación secundaria en Brasil, específicamente en relación con la reforma de la educación secundaria, emprendida por la Ley federalnúmero 13.415/17, y anclada en el financiamiento externo, realizada con el Banco Mundial.

Palabras clave: Escuela secundaria en Brasil; Banco Mundial; Lineamientos y Financiamiento Externo.


THE WORLD BANK AND THE REFORM OF HIGH SCHOOL IN TEMER’S GOVERNMENT: AN ANALYSIS OF GUIDELINES AND EXTERNAL FUNDING


Abstract

This article discuss some aspects of the external financing policy for the implementation of the High School Reform in Brazil in Temer’s Government, and the conditionalities expressed in the loan contract of the Ministry of Education with the International Bank for Reconstruction and Development (IBRD) / The World Bank. We seek to develop reflections on educational policies for secondary education in Brazil, specifically in relation to the reform of secondary education, undertaken by Federal Law No. 13,415 / 17 and anchored in external financing, carried out with the World Bank.

Keywords: High school in Brazil. World Bank. Guidelines and External Financing.


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1Artigo recebido em 26/11/2020. Primeira avaliação em 06/04/2021. Segunda avaliação em 16/04/2021. Aprovado em 30/04/2021.Publicado em 27/05/2021.

DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.47181

2Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste. Pedagoga e professora da Rede Estadual de Educação do Paraná.

E-mail: marciaffornari@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7799-0629. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6591245756701583

3Doutor em Educação pela Universidade de Campinas (Unicamp). Professor do Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste.

E-mail: rdeitos@uol.com.br. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-9150-6354. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4743456433918126

Introdução


A análise parte da problemática representada pela seguinte questão: quais as principais medidas adotadas pelo Estado para implementação da reforma do Ensino Médio no que se refere às políticas de financiamento? Buscamos desenvolver reflexões sobre essa indagação a partir de questões relacionadas às políticas educacionais para o Ensino Médio no Brasil, especificamente, em relação à Reforma do Ensino Médio, aventada pela Lei nº 13.415/17, de 16 de fevereiro de 2017, e ancorada em financiamento externo, realizado junto ao Banco Mundial (BM). 4

Objetivamos descrever a condicionalidade do projeto de obtenção de financiamento externo, celebrado entre a República Federativa do Brasil e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD/BM), cujos recursos serão destinados ao Projeto de Apoio à Implementação do Novo Ensino Médio (Lei nº 13.415/2017). Em tal situação devemos considerar que “[...] o processo de financiamento externo engendra relações e determinações econômicas, políticas e ideológicas, nacionais e internacionais, alimentando as trocas comerciais e o processo de acumulação de capital” (DEITOS, 2005, p. 207).

Para fazer a análise das políticas de financiamento externo para a implementação da Reforma do Ensino Médio, pela Lei nº 13.415/2017, e as condicionalidades expressas no contrato de empréstimo com o BM para a Reforma do Ensino Médio no Governo Temer, elencamos os documentos “Relatório 120606 REV Avaliação do Sistema de Gestão Socioambiental – Programa de Apoio à implementação do Novo Ensino Médio – Programa por resultados, do Banco Mundial” (2017) e o “Acordo de Empréstimo” firmado entre o Ministério da Educação (MEC) e o BIRD/BM.

Ressaltamos que, ao selecionar as fontes, temos ciência de que os contextos atuais das políticas educacionais brasileiras incorporam a lógica das políticas pensadas globalmente. No entanto, não queremos incorrer em análises equivocadas, pois

[...] considerar as proposições políticas internacionais como determinantes da educação brasileira significaria colocar o país como


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4Artigo resultante de parte do estudo contido na dissertação intitulada: A política de financiamento do Banco Mundial para a reforma do ensino médio no governo Temer. 2020. 139f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE) Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Campus de Cascavel/PR.

refém das recomendações internacionais, não reconhecendo os interesses da burguesia interna – e os interesses específicos de suas frações – na implantação de determinado conjunto de políticas. Situaríamos, assim, os governos, os legisladores e os profissionais da educação como meros implementadores de proposições internacionais. (EVANGELISTA, SHIROMA, 2019, p. 114).


Compreendemos que o processo de financiamento externo para políticas nacionais se realiza num processo de recíproco movimento. Ou seja, os interesses internos das forças, organizações, sejam sociais, econômicas e políticas articulam- se com interesses externos, numa dinâmica contraditória e articulada com os interesses mundiais do capital que se move e se reproduz nos interesses do capital nacional. Esse, por sua vez se expressa nas personificações em instituições, classes, frações, grupos, projetos e indivíduos.

Para a ampliação da visão que buscamos, examinamos as condicionalidades financeiras que operacionalizam as prescrições normativas, curriculares e educacionais para o Ensino Médio.


O financiamento externo da reforma do ensino médio pelo Banco Mundial


O Banco Mundial, além de engendrar o processo de acumulação de capital com receituários econômicos aos países periféricos, também oferece o financiamento externo, “[...] realizando o ajuste estrutural preconizado pelos organismos financeiros internacionais e pelos governos e classes dominantes nacionais que se materializam, se reproduzem e se beneficiam nesse processo”. (DEITOS, 2005, p. 207).

A operação de crédito externo, representado pelo Acordo de Empréstimo para apoiar a implementação do Novo Ensino Médio entre o Brasil e o BIRD/Banco Mundial, faz parte da política de reformas educacionais articuladas pela correlação de forças nacionais e internacionais, com vistas à agenda de crescimento e produtividade, via formação da força de trabalho, organizada e sistematizada pelos organismos nacionais e internacionais e viabilizada pelo Estado por meio de dispositivos legais e normatizações.

O Brasil, particularmente, tem atendido as condicionalidades operacionais requeridas pelo BM. Essas condicionalidades estão sustentadas em diagnósticos, recomendações e pressupostos que indicam uma agenda de reformas estruturais no

país, das quais a reforma educacional torna-se elemento central para a formação da força de trabalho, com vistas ao desenvolvimento do capital humano e da capacidade produtiva. Nesse sentido, é importante compreendermos que


[...] o trabalho é referido às capacidades produtivas detidas pelos seres humanos a fim de executar atividades, especialmente econômicas. Assim, em muitas ocasiões, o fator de produção trabalho é referenciado como capital humano (Jones, 1996; Romer, 1990; Schultz, 1961). O capital humano é tão relevante na geração de riqueza que Schultz (1961, p. 16) escreveu que “as pessoas são um importante componente da riqueza das nações”. (CHAVES; CORREA SILVA; CARVALHO SILVA, 2019, p. 50).


A formulação da Lei da reforma do Ensino Médio foi justificada a partir da lógica das políticas por resultados em que os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), criado em 2007, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), e as pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) foram cruciais para justificá-la:


Essa lei se baseou em um cenário que:


Tais dados estão expostos na Tabela 1, com dados do Ideb, 2017.


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Fonte: INEP, 2020


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5Conteúdo extraído do Parecer 11/2017/CGEI/DICEI/SEB/SEB, (2018, p.1). Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg- getter/documento?dm=7718175&ts=1553280307794&disposition=inline Acesso em: 23 nov. 2017.

Com base nos dados apresentados na tabela acima, justificou-se a necessidade de implementar uma reforma no Ensino Médio brasileiro “[...] abrangente, estruturada e inovadora em sua abordagem” (BRASIL, MSF nº 19, 2018, p. 18), que não somente possibilite a superação das lacunas da aprendizagem, mas que capacite os jovens para atenderem às demandas profissionais futuras.

A política de financiamento externo do “Novo Ensino Médio”, homologado pela Lei nº 13.415/2017, em 16 de fevereiro de 2017, define um conjunto de mudanças sobre a oferta dessa etapa da Educação Básica para as redes de ensino. Ela resultou no Acordo de empréstimo do MEC com o BIRD/BM, no valor de 250 milhões de dólares, cujos recursos devem ser destinados ao “Projeto de Apoio à Implementação do Novo Ensino Médio”, a tramitação do acordo de empréstimo no Senado Federal ocorreu por meio da Mensagem nº 19, de 2018 (BRASIL, MSF nº 19, 2018).


Aspectos econômicos e financeiros da política de financiamento do Acordo de Empréstimo entre o BIRD/BM e MEC, para reforma do ensino médio


O “Acordo de empréstimo” financia parte da reforma do Ensino Médio e está dividido em dois componentes para atender “[...] quatro frentes: (i) a revisão dos currículos; (ii) a flexibilização curricular nas escolas; (iii) o planejamento e a operação logística da oferta dessa flexibilização; e (iv) a ampliação do tempo para escolas em tempo integral”. (BRASIL, 2019, p. 6).

Dessa forma, o componente 1 (8812-BR) “Implantação do novo Ensino Médio”, com US$ 221 milhões, financia, principalmente, a revisão dos currículos e a ampliação do tempo para escolas em tempo integral, sendo a política de fomento às escolas em tempo integral aquela que é destinada a maior parte dos recursos, outrossim utiliza o Programa para Resultados do BIRD/BM. De natureza igual, o componente 2 (8813-BR), de “Assistência Técnica”, com US$ 29 milhões, financia, principalmente, as frentes da flexibilização curricular nas escolas e do planejamento e da operação logística da oferta dessa flexibilização.

De acordo com o Parecer 11/2017 (2018, MEC) – parte integrante do avulso da MSF nº 19 de 2018(BRASIL, 2018) na contextualização do Projeto –, a Lei nº

13.415/2017 tem como objetivo “[...] flexibilizar o currículo do Ensino Médio, visando tornar o ensino mais atrativo, articulado com as atuais necessidades do mundo do trabalho, passando também pela promoção da educação integral para melhoria da qualidade e redução do abandono” (BRASIL, 2018, MSF 19, p. 19).

Sobre a relação de custo-benefício, o Parecer 11/2017 (SEB/MEC), dispõe que o montante total do empréstimo será de US$ 250 milhões, distribuídos no prazo de 5 anos e estruturado em dois componentes:


Componente 1 – Prevê a alocação de US$ 221 milhões para o objetivo dual de apoio à implementação dos novos currículos do Ensino Médio e fomento à implementação da modalidade de ensino em tempo integral; Componente 2 – totaliza a alocação de US$ 29 milhões a serem destinados a assistências técnicas que visam fortalecer a capacidade institucional do MEC e das secretarias e distrital de educação, reforçando sua competência para a execução das atividades abarcadas no novo Ensino Médio. (BRASIL, 2018, MSF 19, p. 108).


Cabe destaque o fato de que os dois componentes indicados no acordo de empréstimo possibilitam parcerias com o setor privado, seja pelas parcerias com Fundações e Institutos para assessorar e implementar currículo, seja na organização e flexibilização da oferta dos itinerários formativos, assim como no percentual correspondente à educação a distância.

O “Custo-Benefício” do Projeto prevê o crescimento de concluintes no Ensino Médio de jovens com 19 anos, aumento das notas do Ideb dos estados na 3ª série do Ensino Médio e ainda acréscimo na capacidade institucional dos estados.

O Parecer 11/2017 CGEI/DICEI/SEB/SEB (BRASIL, MSF nº 19) justifica a escolha do empréstimo junto ao Banco Mundial com base no interesse econômico social da operação, uma vez que consideram que a equipe do Banco Mundial é altamente qualificada e com forte expertise em projetos de alta complexidade, por ter capacidade técnica e de referências internacionais. Isso, segundo o documento, otimiza os processos de contratação de assistência técnica, pois os métodos indicados pelo Banco fortalecerão a execução do projeto com maior eficiência, bem como a vinculação do orçamento a resultados, conforme o Programa por Resultados (PforR), firmado com o Banco (BIRD/BM) com o propósito de que, na transição de governo, não ocorra a descontinuidade da política pública, pois o acordo com o Banco induz à continuidade da reforma durante cinco anos (2018 a 2022).

De acordo com o Projeto de Resolução nº 24/2018, do Senado Federal, aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos, a operação de crédito deve ser realizada, de acordo com dados do Quadro 1, nas seguintes condições:


Quadro 1 - Resumo da operação de crédito


I – devedor: República Federativa do Brasil;

II – credor: Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD;

IIII – valor: até US$ 250.000.000,00 (duzentos e cinquenta milhões de dólares dos Estados Unidos da América);

IV – modalidade: empréstimo flexível com margem fixa;

V – prazo de desembolso: o prazo final para os desembolsos encerrar-se-á em 31 de dezembro de 2023, salvo se o credor conceder extensão desse prazo após a anuência do Ministério da Fazenda;

VI – cronograma estimativo de desembolso:

  • US$ 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de dólares dos Estados Unidos da América) em 2018;


  • US$ 59.000.000,00 (cinquenta e nove milhões de dólares dos Estados Unidos da América) em 2019;


  • US$ 56.000.000,00 (cinquenta e seis milhões de dólares dos Estados Unidos da América) em 2020;


  • US$ 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de dólares dos Estados Unidos da América) em 2021


  • US$ 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de dólares dos Estados Unidos da América) em 2022;


VII – amortização: prestação única vencível em 15 de dezembro de 2037;

VIII – juros: calculados com base na taxa LIBOR de seis meses mais uma margem fixa de 1,65% (um inteiro e sessenta e cinco centésimos por cento) ao ano, a serem pagos em 15 de junho e 15 de dezembro de cada ano;

IX – conversão: o devedor poderá solicitar conversão de moeda e de taxa de juros em qualquer momento durante a vigência do contrato, conforme disposto contratualmente;

X – comissão de compromisso: 0,25% (vinte e cinco centésimos por cento) ao ano sobre o saldo não desembolsado do empréstimo;

XI – taxa de abertura de crédito: 0,25% (vinte e cinco centésimos por cento) ao ano sobre o montante total do empréstimo, financiada com recursos da própria operação de crédito.

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da MSF nº 19 de 2018, do Senado Federal.


As condições financeiras descritas no “Acordo de Empréstimo”, firmado entre o Brasil e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD, nº 8812/ 8813-BR, de 24 de maio de 2018, estipulam que,


2.01. O Banco concorda em emprestar ao Mutuário, nos termos e condições estabelecidos ou referidos no Presente Acordo, a quantia de duzentos e cinquenta milhões de dólares (US$ 250 milhões) para auxiliar no financiamento, dos quais: (a) a quantia de duzentos e vinte e um milhões de dólares (US$) alocados ao Programa descrito na Parte 1 do Anexo 2 do presente acordo (Programa), que constitui parte integrante da Operação (Empréstimo do Programa); e (b) a quantia de vinte e nove milhões de dólares (US$ 29 milhões) que serão destinados a Parte 2 do Anexo 2 deste Acordo (Projeto) [...] (BRASIL,MSF nº 19, 2018, p. 59).


Cabe destacar que os recursos do componente 1 serão utilizados para a cobertura de despesas com amortização ou encargos da dívida externa, conforme estabelecido na Lei nº 13.473/2017, Artigo nº 89, da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2017 (BRASIL, 2017, p. 114).

Os documentos oficiais do MEC e do BIRD estabelecem as condicionalidades e o cronograma de aplicação dos recursos de acordo com os subcomponentes. Na Tabela 2 estão explicitados os componentes e as atividades que cada um deles abrange, com os respectivos valores estabelecidos para cada um ao longo dos anos de duração do acordo assinado.


Tabela 2 - Cronograma de aplicação dos recursos do Acordo de Empréstimo


Componente



US$ milhões



Ano I

Ano II

Ano III

Ano IV

Ano V

Total

Componente 1 – Implantação do novo Ensino Médio

$ 41,0

$ 50,0

$ 50,0

$ 40,0

$ 40,0

$ 221,0

Subcomponente 1.1 – Apoio aos novos currículos do Ensino Médio

$ 32,0

$ 34,0

$ 34,0

$ 21,0

$ 21,0

$ 142,0

Subcomponente 1.2 Fomento à Implementação de escolas de Ensino Médio em tempo integral

$ 9,0

$ 16,0

$ 16,0

$ 19,0

$ 19,0

$ 79,0

Componente 2 – Assistência Técnica: Fortalecimento da capacidade institucional do MEC e das secretarias estaduais e

distrital de educação para implementação do novo Ensino Médio

$ 4,0

$ 6,0

$ 6,0

$ 7,0

$ 6,0

$ 29,0

Total

$ 45,0

$ 56,0

$ 56,0

$ 47,0

$ 46,0

$ 250,0

Fonte: Brasil, MSF, nº 19/2018, (2018, p.109).


Quanto à execução financeira, o projeto do Acordo dispõe que serão utilizados recursos próprios do MEC/Governo Federal no valor 1.327 bilhões de

dólares6 e o recurso concedido pelo empréstimo com o BIRD no valor de 250 milhões distribuídos, conforme tabelas abaixo.


Tabela 3 - Execução Financeira do Acordo de Empréstimo


Ano

Empréstimo

Contrapartida

Total

2018

$ 45.000.000,00

$ 153.000.000,00

$ 198.000.000

2019

$ 56.000.000,00

$ 235.000.000,00

$ 291.000.000

2020

$ 56.000.000,00

$ 269.000.000,00

$ 325.000.000

2021

$ 47.000.000,00

$ 333.000.000,00

$ 380.000.000

2022

$ 46.000.000,00

$ 337.000.000,00

$ 383.000.000

TOTAL

$ 250.000.000,00

$ 1.327.000.000,00

$ 1.577.000.000,00

Fonte: Brasil, Secretaria do Tesouro Nacional –(MSF nº 19 de 2018, p. 31)


Tais recursos estão dispostos conforme cronograma de execução financeira, segundo seus componentes e subcomponentes, descritos abaixo:

Tabela 4 - Cronograma de execução financeira



US$ milhões

Ano I

Ano II

Ano III

Ano IV

Ano V

Total

Componente 1 – Implantação do Novo Ensino Médio

$194,0 ($41,0)

$285,0 ($50,0)

$319,0 ($50,0)

$373,0 ($40,0)

$377,0 ($40,0)

$1.548.000 ($221,0)

Subcomponente 1.1 – Apoio

à implementação dos novos currículos do Ensino Médio

$ 37,0 ($32,0)

$ 51,0 ($34,0)

$ 51,0 ($34,0)

$ 56,0 ($21,0)

$ 60,0 ($21,0)

$ 255,0 ($142,0)

Subcomponente 1.2 – Fomento à implementação de escolas de Ensino Médio

em Tempo Integral

$157,0 ($ 9,0)

$234,0 ($16,0)

$268,0 ($16,0)

$317,0 ($19,0)

$317,0 ($19,0)

$1.293.000.000 ($79,0)

Componente 2 - Assistência Técnica: Fortalecimento da capacidade institucional do MEC e das Secretarias Estaduais e distrital de educação para

implementação do Novo

Ensino Médio


$ 4,0 ($4,0)


$ 6,0

$ 6,0


$ 6,0

$ 6,0


$ 7,0

($ 7,0)


$ 6,0

$ 6,0


$ 29,0 ($29,0)


Total7

$198,0

($45,0)

$291,0

($56,0)

$325,0

($56,0)

$380,0

($47,0)

$383,0

($46,0)

$1.577.000.000

($250,0)



image

6Com relação à contrapartida do Brasil – constante no acordo de empréstimo no valor de 1.327 bilhões de dólares, em 2018 – destacamos que o empréstimo se referia a R$ 3,29 por dólar, ou seja, o valor corresponde hoje, em 03/07/2020, a mais de 7 bilhões de reais.

7Os valores considerados são estimativas preliminares do total necessário para execução do projeto. Os valores entre parênteses são a parcela que será financiada pelo Banco Mundial.

Fonte: SEB/MEC - (MSF nº 19/2018, p. 168).

Para o financiamento externo, as condições financeiras de operação, acordados entre o governo brasileiro e o Banco Mundial, foram as seguintes:


a) valor do empréstimo: US$ 250.000.000,00; b) valor da contrapartida: US$ 1.327.000.000,00; c) juros: Libor 6m + 1,65%; d) comissão de abertura: 0,25%; e) comissão de compromisso: 0,25%;

f) taxa de administração: não aplicável; g) carência: 5 anos; h) prazo total: 24,5 anos; i) demais custos: não aplicável (BRASIL, STN, 2017, p. 1).


Como podemos verificar, o “Acordo de empréstimo” assume a forma de circulação de capital portador de juros. Isso quer dizer que aprofunda o endividamento público, aumentando a dívida externa do Brasil. Para Harvey (2018,

p. 34), dívidas “[...] são reivindicações sobre a produção futura de valor”.

A “Comissão de Financiamentos Externos” – (COFIEX) estima ainda que o custo efetivo da operação de empréstimo será de 4,36%a.a, com a duração de, aproximadamente, 13,87 anos, considerando a data de referência de 13 de julho de 2017 e as projeções de mercado para Libor 6m. (Nota Técnica nº 27/CODIP/SUDIP/STN/MF - DF).

Para a aprovação da operação de crédito, fez-se necessário constar nos autos do “Acordo de Empréstimo” o “Projeto de apoio à implementação do Novo Ensino Médio”, elaborado e aprovado pelo MEC, do qual elencamos alguns elementos para análise. Ressaltamos que esse documento é parte integrante do “Acordo de Empréstimo”, celebrado entre o Brasil e o BIRD/BM.


Aspectos políticos e ideológicos da política de financiamento do Acordo de Empréstimo entre o BIRD/BM e MEC, para reforma do ensino médio


O Projeto de apoio à implementação do Novo Ensino Médio apresenta argumentos e justificativas compatíveis com as recomendações descritas nos relatórios do Banco Mundial, expostas no capítulo anterior, como, por exemplo, a análise da situação do Ensino Médio no Brasil em relação aos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), afirmando que o Brasil apresenta um “nível de qualidade muito abaixo”. Essas justificativas dão conta de que os índices baixos do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) e do Ideb estão aquém das metas que o Ensino Médio brasileiro deve

alcançar até 2022 em relação aos índices da OCDE, assim como a necessidade de adequar a questão de distorção idade/série de conclusão da Educação Básica.

Do mesmo modo que os relatórios do BM, o MEC declara, em seu projeto, que a qualidade da educação é determinante da produtividade do trabalho, e um dos principais “motores do crescimento econômico”. (MEC, 2017, p. 5).

A análise proposta pelo Projeto do MEC afirma que, por mais que a produtividade possa não ser objetivo único da educação, “[...] não pode ser desvinculada da escolarização. Intuitivamente, espera-se que, frente ao aumento da escolarização, haja um ganho de produtividade”. (MEC, 2018, p.18).

Em comparação com outros países, “[...] seja da América Latina ou do resto do mundo, a grande evolução da escolaridade média no Brasil não apresentou correlação positiva com a produtividade média do trabalho”. (MEC, 2018, p. 18).

O Projeto de apoio à Implementação do Novo Ensino Médio indica que um desafio para a superação da baixa qualidade e da baixa escolarização no Brasil, possivelmente, seja o descolamento entre a produtividade média do trabalho e a escolarização “[...] essa situação é preocupante, ameaça o desenvolvimento do país e a sustentabilidade dos investimentos públicos na educação”. (MEC, 2017, p. 18).

Nessa perspectiva, o documento apresenta a necessidade de superação desses desafios com a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), “deixando de ter 13 disciplinas mandatárias e passa a contar com apenas 3”, (Português, Matemática e Inglês) que, por sua vez, deverão guiar a implementação dos currículos e dos objetivos de aprendizagem.

Também se expressa nesse documento à flexibilização da estrutura do Ensino Médio, incluindo o formato dos itinerários formativos por áreas do conhecimento ou pelo da educação profissional e técnica, além disso, com ampliação da carga horária de 4 para 5 horas aula por dia e para 7 horas no formato do Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI) (MEC, 2018).

Desse modo, o projeto apresenta o engodo de que o os jovens serão protagonistas e terão autonomia para escolher o itinerário conforme seus “sonhos e vocações”. No entanto, há que se considerar a dificuldade dos estados e das escolas em reorganizarem os sistemas de ensino para atender esse formato, sendo que a Lei nº 13.415/2017 prevê a possibilidade para que as escolas possam ofertar apenas dois e, em alguns casos, apenas um dos itinerários em cada escola, levando

em conta o número de estudantes e a infraestrutura. Da mesma forma, a ampliação da carga horária interfere diretamente nas questões de sobrevivência dos jovens trabalhadores. Resta-nos a questão: como o Novo Ensino Médio irá estimular o protagonismo e a autonomia, dos jovens nessas condições?

As justificativas do MEC indicam que essas medidas terão como consequência a redução das taxas de abandono e evasão escolar. “Com isso, o EM pode se aproximar mais da realidade dos estudantes à luz das novas demandas profissionais do mercado de trabalho”. (MEC, 2017, p. 19).

A Gestão do MEC descreve que o Projeto estabeleceu diretrizes gerais, como forma de responder ao que supõem ser melhorias de aprendizagem, o que corresponde: “(i) o aumento da produtividade para crescimento sustentável; e (ii) a sustentabilidade financeira do investimento público na educação”. (MEC, 2017, p. 21). O governo identificou como diretrizes para esse contexto os seguintes aspectos:


  1. universalizar o atendimento no Ensino Médio; 2. elevar a aprendizagem e a permanência no Ensino Médio; 3. expandir as matrículas em tempo integral no Ensino Médio; 4. reduzir as desigualdades regionais e sociais nos resultados educacionais; 5. criar e aprimorar mecanismos de responsabilização, pactuação de resultados e cooperação entre os entes federados, de forma a elevar a eficiência dos investimentos públicos em educação. (MEC, 2017, p. 21).


Tais diretrizes indicam que o Projeto está alinhado às recomendações do Banco Mundial, tendo-o como agente financeiro e salvaguarda da competência técnica, equipe altamente qualificada para consultorias, estudos e avaliações por meio de assistência técnica e da expertise do BM em projetos de alta complexidade. O Banco Mundial também faz referência aos termos explícitos nos documentos do MEC, no que diz respeito ao aumento da sustentabilidade das ações e eficiência dos gastos.

Após a aprovação do “Acordo de empréstimo”, o Banco Mundial publicou, em 2017, o relatório “Avaliação do Sistema de Gestão Socioambiental – Programa de Apoio à implementação do Novo Ensino Médio – Programa por resultados, do Banco Mundial”, tendo em vista a abordagem de gerenciamento de riscos e o “Programa por Resultados”, juntamente à assistência técnica com o objetivo de fortalecer e capacitar as Secretarias Estaduais de Educação do Brasil para implementar o “Novo

Ensino Médio” e aumentar o Ideb das escolas em tempo integral. Frente à cooperação estabelecida, o órgão expressa:


‘Temos orgulho de apoiar essa reforma educacional histórica no Brasil’, disse Martin Raiser, diretor do Banco Mundial para o Brasil. A reforma ajudará a reduzir as desigualdades existentes nos resultados educacionais e a construir o capital humano necessário para o crescimento inclusivo.8 (BM, 2018, s/n, grifo do autor).


Para o BM, a reforma do Ensino Médio ajudará a reduzir as desigualdades dos resultados educacionais, aumentando a centralidade que assumiu a questão da avaliação aferida por meio do resultado das avaliações em larga escala enquanto sinônimo de qualidade da educação. Desta forma, para além das questões indicadas pelo BM sobre a necessidade de “construir o capital humano necessário para o crescimento inclusivo” (BM, 2018), precisamos questionar: O mercado de trabalho terá vagas de trabalho, empregos, para atender a esse exército de reserva de capital humano?

O Programa de Implementação do BM, via financiamento do “Projeto de Investimento”, compreende duas áreas de resultados: na primeira se estabelece a reforma curricular - BNCC e os “itinerários formativos”, conforme relatado no fragmento destacado a seguir:


O Programa contribuirá para a concepção e implementação dos itinerários formativos flexíveis dentro da base curricular. Em segundo lugar, o Programa contribuirá para uma mudança nas práticas pedagógicas em relação às competências, melhor uso do tempo e habilidades socioemocionais, que inclui a capacitação de professores. Além disso, o Programa apoiará a reorganização dos espaços escolares. Finalmente, o Programa apoiará melhorias na capacidade do Ministério da Educação e das Secretarias Estaduais de Educação para o planejamento, a implementação e o monitoramento do Novo Ensino Médio. (BM, 2017, p. 52).


A segunda área corresponde à expansão do número de escolas em tempo integral, com o objetivo de ampliar para 25% dos estudantes do Brasil até 2024, ou seja, o “Programa de Fomento ao Ensino Médio em Tempo Integral – PFEMTI”, prevê a adição de 1088 escolas ao Ensino Médio em tempo integral. Essas mudanças visam a promover a diversificação do currículo, o desenvolvimento de competências-chave e, consequentemente, a diminuição das taxas de abandono e

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8Comunicado à imprensa nº 2018/090/LAC - Disponível em: http://www.worldbank.org/pt/news/press- release/2017/12/14/brazil-program-for-results-supports-upper-secondary-education-reform. Acesso em 7 de setembro de 2018.

repetência, tornando o Ensino Médio mais relevante e atraente para os jovens brasileiros, isso fica expresso no trecho abaixo destacado do documento:


Entre os resultados esperados pelo programa, estão a implementação do Novo Ensino Médio, com equidade regional e socioeconômica; melhorias na qualidade e relevância do aprendizado no Ensino Médio; o aumento das taxas de conclusão escolar; e maior produtividade em prol do crescimento sustentável.9 (BM, 2018, s/n).


Quanto aos repasses e monitoramento do uso de recursos do “Programa de Fomento à Expansão do Ensino Médio”, o BM determina que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) será o responsável e o fará por meio do Sistema Integrado de Monitoramento do Ministério da Educação (SIMEC).

O Projeto demonstra a preocupação do Banco com o alinhamento às demandas do mercado de trabalho, evidenciando que a Secretaria de Educação Básica (SEB) do SEB/MEC convocou reuniões com entidades representativas interessadas em apoiar e tratar do aperfeiçoamento dos resultados da avaliação do Programa. Essa reunião contou


[...] com a presença e participação de representantes das diretorias de programas educacionais e ambientais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), do Serviço Social da Indústria (SESI), e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Os participantes concordaram com os principais pontos apresentados na Avaliação e propuseram a realização de um mapeamento da rede disponível de oferta dos itinerários formativos e alinhamento da oferta com a demanda do mercado de trabalho local e foram informados de que o Programa prevê a realização das seguintes atividades de assistência técnica: (i) estudo sobre potenciais parcerias para oferta dos itinerários formativos; (ii) mapeamento dos modelos de oferta do ensino técnico para cada estado; e (iii) apoio para o desenvolvimento de currículo técnico alinhado à oferta do mercado de trabalho. (BM, 2017, p. 15).


Atualmente, as parcerias público-privado têm sido um tema recorrente quando se pensa em medidas para alavancar o desenvolvimento do país e o aumento da produtividade pelo setor educacional convergindo com as prescrições sugeridas pelo Banco Mundial. O BM, por sua vez, tem reconhecido nos seus relatórios as parcerias público-privado como sinônimo de qualidade no campo educacional, argumentando que essas parcerias têm aumentado a eficiência do gasto público.


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9Comunicado à imprensa nº 2018/090/LAC. Disponível em: http://www.worldbank.org/pt/news/press- release/2017/12/14/brazil-program-for-results-supports-upper-secondary-education-reform. Acesso em 7 de setembro de 2018.

Peroni e Caetano (2015) destacam que com a redefinição das políticas educacionais cada vez mais globais, em vez de locais ou nacionais,


[...] as recentes orientações do Banco Mundial e com a ampliação do acesso à educação pública pelo Estado, a importância do setor privado passa a ser primordial na execução das políticas educacionais. Dito de outra maneira, as virtudes do setor privado podem chegar aonde o Estado não chega. Portanto, a redefinição do papel do Estado ocorre especialmente na execução e na condução das políticas educacionais à medida que o Estado, ao ofertar a educação básica, repassa a execução e consecução da educação para o setor privado mercantil. (PERONI, 2015, p. 92).


Para assegurar a operacionalização do “Programa de apoio ao Novo Ensino Médio”, o “Acordo de empréstimo” permite a utilização do componente 2 como possibilidade de parcerias com o setor privado para a oferta da assistência técnica. A própria Lei nº 13.415/2017 permite tais parcerias para a oferta do ensino técnico e profissional, consolidando a relação público e privado, ao considerar que parte da carga horária do itinerário formativo técnico e profissional estabeleça parcerias com empresas privadas, em forma de estágios, cursos de complementação de carga horária, cursos com notório reconhecimento; assim como em ambientes simulados formações experimentais, aprendizagem profissional, qualificação profissional e programa de aprendizagem.

As questões assinaladas compreendem a organização de arranjos e combinações de cursos articulados à fase prática em ambiente real de trabalho no setor produtivo ou em ambientes simulados, considerando as vivências práticas de trabalho, constante de carga horária específica, no setor produtivo ou em ambientes de simulação (DCNEMs 2018)

Sobre a questão das parecerias público-privado, Sandri e Silva (2019, p. 36) apontam que,


[...] no Brasil, as diversas instituições que representam o empresariado brasileiro atuam na direção de legitimarem, por meio de políticas públicas, projetos considerados essenciais para os ganhos de produtividade empresarial. Portanto, o empresariado, ao transferir seus projetos às políticas públicas, transformam-nas em ações estatais de perspectiva e com resultados restritos ao grupo de interesse, isto é, resultados privados, portanto, negam o sentido público de ser para todos.

Nesse contexto, para Peroni e Caetano (2015, p. 15),


As ações empresariais no campo da educação desenvolvem práticas que promovem a síntese entre interesse individual e interesse geral. Essas ações não interferem nos interesses econômicos nem se opõe ao Estado, ao contrário, atua através e com o Estado, modificando a cultura organizacional, visando que o Estado aprenda com as “qualidades” do setor privado: a flexibilidade, inovação, eficiência e eficácia, ou seja, os valores do mercado.


Ademais, os mesmos autores ainda observam que


[...] o setor privado mercantil está cada vez mais organizado para dar direção às políticas públicas, sendo parte de uma ofensiva histórica do capital, com especificidades neste período particular do capitalismo. (PERONI, CAETANO, 2015, p. 348b).


Ao levarmos em conta os diversos pontos destacados, uma hipótese a ser considerada é que a proposta de Ensino Médio, desenhada pela Lei nº 13.415/2017 e pelo Acordo de Empréstimo, está se materializando no cenário da lógica da circulação do capital, pela criação de endividamento. Desse modo, não podemos esquecer que


[...] a dívida nos aprisiona em certas estruturas de produção futura de valor. A dívida é o meio predileto do capital de impor sua forma particular de escravidão. Isso se torna duplamente perigoso quando o poder dos credores subverte e tenta aprisionar a soberania do Estado. (HARVEY, 2018, p. 201).


É nesse sentido que o processo de endividamento engloba todas as áreas setoriais e estruturais de um determinado país. Isso significa que tanto os processos econômicos e produtivos quanto os processos estatais – tais como definição de políticas fiscais, econômicas e financeiras e o financiamento e endividamento que envolve as políticas sociais – entram e fazem parte de um mesmo processo socioeconômico, financeiro e de endividamento como mecanismo privilegiado de especulação e acumulação.

As políticas sociais – em especial, nesse caso, as políticas educacionais – são tratadas como “mercadorias-reformas”, ou seja, as reformas educacionais acabam sendo negociadas como mercadorias e sustentam os mecanismos crescentes de endividamento e do perverso ajuste social. É aqui que entra o financiamento do “Novo Ensino Médio”, delineado a partir da implementação da Lei nº 13.415/2017, nesse contexto pela política educacional do PFEMTI – Programa de

Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral – articulado a partir de propostas educacionais expressas no “Programa de Apoio à Implementação do Novo Ensino Médio – Programas por Resultados” (BM, 2017) BID/BIRD –, efetivadas pelo Ministério da Educação.

Algumas considerações


Notamos que as orientações do Banco Mundial e a política de financiamento do Novo Ensino Médio se incorporam e estão mutuamente entrelaçadas. O Programa de Fomento ao Ensino Médio em Tempo Integral desempenha papel fundamental na articulação do financiamento externo. Isso ocorre pelo acordo de empréstimo com o BIRD para apoiar a implementação do “Novo Ensino Médio”.

Entendemos que a incorporação das recomendações e orientações de organismos multilaterais nas políticas educacionais têm tornado a educação um componente chave para o processo de controle social e ideológico e funcional aos interesses hegemônicos do capital, sustentando e reproduzindo os interesses socioeconômicos internos articulados com os interesses externos.

Observamos que a implementação do “Novo Ensino Médio” e as propostas oriundas da Lei apontam que o Estado e o BM se coadunam sob o discurso de que o sistema educacional brasileiro é ineficiente, e que a educação demonstra baixa qualidade ao considerarem os resultados das avaliações em larga escala, com outros países da OCDE, justificando as reformas das políticas educacionais instituídas no Governo Temer, de mesmo modo, reproduz o discurso falacioso da necessidade de busca por qualidade e gastos eficientes na educação.

Do ponto de vista do financiamento, a hipótese levantada é de que a “Reforma do Ensino Médio” se justifica na “reforma – mercadoria”. O acordo de empréstimo torna a reforma uma mercadoria, ao passo que o valor emprestado para implantação da reforma entra num processo de financeirização em que, além do pagamento do principal, há o pagamento de juros e encargos da dívida, ou seja, a dívida torna-se, por meio pagamento de juros, um movimento que amplia o volume da dívida e a especulação financeira, intensificando a reforma como mercadoria- dinheiro (HARVEY, 2018; FATTORELLI, 2013) e o valor do empréstimo realizado ao Brasil e a ser pago ao BIRD poderá corresponder em até três vezes o valor total inicial recebido.

Do ponto de vista dos ajustes estruturais e das condicionalidades do financiamento (ou endividamento externo) pelo BIRD, a execução dos valores correspondentes ao valor do empréstimo para a “Reforma do Ensino Médio” também indicamos a mesma hipótese, a “reforma - mercadoria” revela-se ao passo que a reforma perpassa pelos interesses hegemônicos representados pela sociedade civil (organizações de interesse público e de interesse privado, que disputam espaços no contexto das políticas públicas representado por Institutos, Organizações, e Associações). Esses são representados na comercialização dos Livros Didáticos para o “Novo Ensino Médio”, na contratação de assessoria técnica para capacitações e para a flexibilização do currículo, na contratação de empresas para ofertar a educação a distância – EaD, assim como pela via dos arranjos curriculares dos itinerários formativos e, sobretudo, pelas parcerias com o setor privado.

Contudo, a análise dos documentos normativos, com vistas a acompanhar o processo de implementação da reforma e o processo indicado pelos documentos oficiais publicados, permitem-nos compreender que a principal indicação da política de financiamento, estabelecido pelo “Acordo de empréstimo” do Brasil com o BIRD, está relacionada a três possíveis elementos centrais que sustentam a reforma. Esses seriam: a avaliação, o financiamento e a formação, quer dizer atender a lógica das políticas de avaliação por resultados em larga escala que visam à melhoria do resultado do Ideb e do Pisa, enquanto medida de qualidade da educação; atender a lógica da política de financiamento externo (financiamento externo e parcerias público-privado); assim como pela via do endividamento púbico; igualmente pela lógica da formação da força de trabalho (itinerários formativos e BNCC), com vistas ao desenvolvimento do capital humano e o aumento da produtividade, correspondendo aos interesses econômicos dos grupos hegemônicos, tanto internos como externos.

Dessa forma, o “Estado determina a educação compulsória para garantir uma força de trabalho letrada e prontamente adaptável às necessidades cambiantes dos processos de trabalho em evolução do capital”. (HARVEY, 2018, p. 121).

Constatamos, no decorrer da pesquisa, que a reforma do ensino médio atende à lógica do sistema capitalista, mas não às expectativas da classe trabalhadora no que diz respeito à melhoria da qualidade da oferta da educação aos estudantes. Frente a isso, Ciavatta (2020) esclarece que

[...] as condições de vida são adversas, as relações de trabalho são dominadas pelo poder hegemônico do capital, a educação não está universalizada em acesso e em qualidade para toda a população; a ideologização crescente da educação subsumida ao consumo e ao mercado de trabalho torna ambíguo o conceito de qualidade da educação, e é incipiente a participação da população na reivindicação de um sistema educacional público, gratuito e de qualidade para todos. (CIAVATTA, 2020, p.27).


É importante notar que essa constatação ocorre ao analisarmos as orientações estratégicas presentes nas diretrizes gerais do projeto de implantação do “Novo Ensino Médio”. O contexto histórico das reformas educacionais indica que a preocupação do Estado não é específica deste governo. A historicidade das reformas demonstra que esses elementos são tidos como basilares nas políticas educacionais para o Ensino Médio, porém nos defrontamos com vários fatores políticos, econômicos, ideológicos e o contexto socioeconômico dos estudantes das escolas públicas, que interferem e influenciam na efetivação das estratégias propostas pelo “acordo de empréstimo” para a reforma do ensino médio, tornando o dualismo da educação brasileira cada vez mais antagônico e perverso.

Compreendemos que o movimento reformista é palco de disputas políticas, econômicas e sociais, as quais, com base nos documentos oficiais indicados nesta pesquisa, defendem a formação da força de trabalho para atender ao mercado de trabalho, elemento chave para manutenção do capital, no espaço político.

Pretendemos evidenciar que as recomendações e orientações dos relatórios do BM estão sendo atendidas na estrutura dos documentos oficiais elaborados pelo MEC, enquanto indutoras da reforma, mais especificamente pela política de financiamento externo.

Constatamos nas justificativas dos documentos que a formação dos jovens, com base na Teoria do Capital Humano, é um fator apresentado como decisivo para o aumento da produtividade e desenvolvimento econômico do Brasil. Nessa perspectiva, o problema estaria na escola, na qualidade da educação pública e, principalmente, na formação de competências necessárias para atender a lógica do mercado de trabalho.

As condicionalidades expressas no “acordo de empréstimo” para implementação do “Novo Ensino Médio” implicam em várias adequações que direcionam mudanças estruturais para a sua operacionalização como, por exemplo,

a possibilidade de ofertar parte do currículo em EaD, adequações dos currículos à BNCC, a oferta dos itinerários formativos que incide na formação dos professores e na sua lotação nos estabelecimentos de ensino. Isso incide, também, no direcionamento da formação dos estudantes, uma vez que os sistemas estaduais e as Secretarias Estaduais de Educação poderão ofertar um único itinerário formativo conforme as demandas do contexto local e as possibilidades dos sistemas de ensino, assim como a ampliação do Tempo Integral, responsável pela maior fatia do financiamento externo.

Diante dessas considerações, podemos afirmar que a reestruturação do Ensino Médio pela Lei nº 13.415/2017, retrata uma política de Estado alinhada às transformações do mercado de trabalho e da atual fase do modo de produção capitalista, atrelando as demandas do setor produtivo à formação da força de trabalho, submetendo a educação pública aos pressupostos financeiros da política de financiamento externo, por organismos multilaterais e criando as condições funcionais e ideológicas para a base formativa dos jovens inseridos ensino médio.

Tornando a educação


[...] uma peça do processo de acumulação de capital e de estabelecimento de consenso que torna possível a reprodução do injusto sistema de classes. Em lugar de instrumento de emancipação humana, agora é mecanismo de perpetuação e reprodução desse sistema. (MÉSZÁROS, 2008, p. 15).


Tendo em conta que as análises partem de uma política em movimento, consideramos que a “[...] história do presente é sempre obscurecida pelo sentido de sua transformação que, como costuma acontecer, somente nos é dado depois que o futuro/presente se realiza. Mas isso não pode nos levar à imobilidade” (CIAVATTA, 2020, p. 15).

Contudo, a análise indica que as principais medidas adotadas pelo Estado para implementação da reforma do Ensino Médio, no que se refere às políticas de financiamento para a sua implantação, perpassam as questões financeiras, aumentando o endividamento público, e fomentam as condições funcionais e ideológicas para o processo educacional almejado. Elas também fazem parte do ajustamento da educação às demandas da produção e do trabalho, utilizando-se de pressupostos ideológicos, econômicos e financeiros que implicam em adequações da educação para fomentar a perspectiva da flexibilização, do desenvolvimento

econômico, do aumento da produtividade, da adequação das relações de trabalho com as demandas do mercado de trabalho, desconsiderando a questão da subsistência e da humanização dos sujeitos.

Desse modo, esperamos que os dados aqui apresentados e as suas análises, com as conclusões a que chegamos, possam servir de apoio aos estudos sobre a reforma do ensino médio no governo Temer e em vigor no governo atual. Do mesmo modo, esperamos que outros pesquisadores, diante dos fatos apresentados e da situação ainda em curso, possam se interessar em dar seguimento aos estudos aqui propostos, cuja etapa que realizamos pode servir de base para novas empreitadas nesse campo de estudos.


Referências


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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


TEMPO POLÍTICO, NOVO ENSINO MÉDIO E CONHECIMENTO1


Henrique da Silva Lourenço2


Resumo

O texto explora o movimento reformista e o lugar do conhecimento no Novo Ensino Médio. A partir de documentos da Fundação Lemann, ANPEd, CONSED e outros, apresenta inferências derivadas da Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977) e do Ciclo de Políticas (BALL e BOWE, 1992). Tais inferências relacionam-se a três categorias: nova Filantropia e o aluno desejado, teor super prescritivo e foco na vida cotidiana do aluno. Os resultados indicam uma instrumentalização do currículo e um esvaziamento de sua dimensão processual, bem como uma hipervalorizarão da prática como elemento curricular.

Palavras-chave: Base Nacional Comum Curricular; Ensino Médio; Currículo; Conhecimento.


TIEMPO POLÍTICO, NUEVA ESCUELA SECUNDARIA Y CONOCIMIENTO


Resumen

El texto explora el movimiento reformista y el lugar del conocimiento en la Nueva Escuela Secundaria. Basado en documentos de la Fundación Lemann, ANPEd, CONSED y otros, presenta inferencias derivadas del Analises de Contenido (BARDIN, 1977) y del Ciclo de Políticas (BALL y BOWE, 1992). Tales inferencias se relacionan con tres categorías: nueva Filantropía y el alumno deseado, contenidos super prescriptivos y atención en la vida diaria del alumno. Los resultados indican una instrumentalización del currículo y un vaciamento de su dimensión procedimental, así como una sobrevaloración de la práctica como elemento curricular.

Palabras-clave: Base Curricular Nacional Común; Escuela Secundaria; Currículo; Conocimiento.


POLITICAL TIME, NEW HIGH SCHOOL AND KNOWLEDGE


Abstract

The text explores the reformist movement and the place of knowledge in the New Secondary School. Based on documents from the Lemann Foundation, ANPEd, CONSED and others, it presentes inferences derived from the Content Analysis (BARDIN, 1977) and the Policy Cycle (BALL and BOWE, 1992). Such inferences are related to three categories: new philanthropy and the desired student, superprescriptive contente e focus on the student`s daily life. The results indicate na instrumentalization of the curriculum and an emptying of it´s procedural dimension, as well as na overvaluation of pratice as a curricular element.

Keywords: Common Curricular National Base; High school; Curriculum; Knowledge.


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1 Artigo recebido em 20/01/2021. Primeira avaliação em 20/02/2021. Segunda avaliação 20/03/2021. Aprovado em 08/04/2021. Publicado em 27/05/2021.

DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.169269-1.

2 Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-CAMPINAS) e pesquisador do Grupo de Avaliação, Políticas e Sistemas Educacionais (GRAPSE). Também integra o grupo Políticas Públicas, Gestão e Formação de Professores – vinculado a Universidade Paulista (UNIP). Estuda avaliação, gestão, políticas curriculares e Ensino Médio.

E-mail: lourenco.hs@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1799-792X. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6272727812264853.

Introdução


A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) regula a educação nacional baseando-se em direitos fundamentais definidos na Constituição Federal de 1988. O Ensino Médio, de acordo com a LDB, corresponde a etapa final da Educação Básica, nos termos do artigo 35, caput, redação original e vigente. Com a Medida Provisória (MP) nº 746 de 2016, convertida na Lei nº 13.415 de 2017, instaurou-se intenso movimento reformista que deu origem ao Novo Ensino Médio. Alguns dispositivos foram acrescidos à LDB e outros tiveram sua redação alterada. É o caso de previsões acerca da carga horária mínima, projeto de vida e componentes curriculares diferenciados, representados por itinerários formativos.

Este Novo Ensino Médio está intrinsicamente relacionado a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (BNCCEM), aprovada e homologada apenas no final de 2018. Por isso mesmo, a Lei nº 13.415 estipulou que a BNCCEM seria responsável por definir direitos e aprendizagens, estabelecendo quatro áreas do conhecimento – é o que diz a redação do artigo 35-A da LDB. Trata-se de arranjos curriculares, itinerários ou percursos formativos, destacados no artigo 36 da LDB e incisos, organizados de acordo com o contexto local e as possibilidades dos sistemas de ensino: linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas e formação técnica e profissional.

Assim, os sistemas de ensino podem organizar áreas e itinerários de acordo com seus próprios critérios, integrar áreas ou itinerários, permitir que alunos cursem mais de uma área de formação e, ainda, firmar parcerias com instituições de Educação à Distância (EaD), segundo o artigo 36 da LDB e parágrafos. Às escolas, todavia, cabe orientar alunos sobre suas escolhas curriculares no âmbito do projeto de vida.

No bojo do movimento reformista do Ensino Médio, a formação dos jovens alunos adquire acentuado caráter individualizante. A individualização é aqui compreendida como elemento supostamente livre da subjetividade “estatal introdirigida”, que redefine a escola (SIBILA, 2012, p. 94). Essa concepção, se consubstancia por meio do projeto de vida e de competências socioemocionais viabilizadas pela Base. Dessa forma, intensifica-se o lugar de cada um em meio a

“ética empresarial”, especialmente no que se refere à empregabilidade, construção da carreira e de rotas de inserção nas dinâmicas de consumo.

Mas afinal, como será o Novo Ensino Médio? O que de fato ocorrerá nas escolas e salas de aula? Talvez, sem correr muito risco de errar, essas são as perguntas mais frequentes feitas por pais, mães, avós, avôs, alunos, alunas, diretores, coordenadores e professores.

As questões são muitas e podem encontrar respostas em diversos trabalhos como: a-) Ferretti (2018), que problematiza a noção de qualidade do Novo Ensino Médio; b-) Krawczyk e Ferretti (2017), que analisam os impactos das mudanças nas conquistas do Ensino Médio nas últimas décadas; c-) Silva (2018), que associa o Novo Ensino Médio e a BNCC ao “empoeirado” discurso das competências; d-) Costa e da Silva (2019), que apontam para a fragilização do direito à educação, por força do binômio Novo Ensino Médio-BNCC; e-) Kuenzer (2017), que analisa o Novo Ensino Médio à luz do regime de acumulação flexível; f-) Silva (2015), que analisa as políticas para o Ensino Médio e a iminência da BNCC, apresentando pressupostos teóricos para se pensar em base comum e conteúdos mínimos; g-) Quadros (2020), que ajuda compreender a influência de empresários na política educacional, especialmente nas atuais reformas.

Este trabalho, contudo, opta por analisar as reformas em curso para, então, problematizar o lugar do conhecimento na BNCCEM e, consequentemente no Novo Ensino Médio. Para tanto, adota a concepção de conhecimento poderoso (YOUNG, 2011), bem como a perspectiva do currículo como processo e práxis (SACRISTÁN, 2000; 2012). De modo incidental, se apoia em autores que estudam Ensino Médio e Educação e Trabalho (FERRETI, 2018; FERRETI e SILVA, 2017; SILVA, 2018; SILVA, 2019; LEÃO, 2017; AGUIAR, 2018; MOTTA e FRIGOTTO, 2017; KUENZER,

2017; KRAWCZYK, 2014).

Neste sentido, com base em categorias de análise extraídas de documentos referentes ao processo de definição da BNCCEM, apresentam-se inferências provenientes de Análise de Conteúdo (BARDIN, 1997). Tais inferências foram elaboradas a partir de documentos coletados em pesquisa de Iniciação Científica (IC)3. A documentação foi obtida em sítios eletrônicos de diversas instâncias de


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3 Pesquisa desenvolvida no Curso de Pedagogia da Universidade Paulista (UNIP), sob orientação do autor do presente artigo. Os dados foram parcialmente coletados pela orientanda, Amanda Barsottini da Rocha, e analisados posteriormente pelo orientador. Trata-se de análises derivadas do contato com

atuação educacional, inseridas no Contexto de Influência e de Produção de Texto, no âmbito do Ciclo de Políticas estipulado por Stephan J. Ball e Richard Bowe (1992).

Especificamente, tais instâncias educacionais correspondem ao: I. Conselho Nacional de Educação (CNE); II. Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED); III. União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME); VI. Fundação Lemann; V. Instituto Ayrton Senna; VI. Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd); e VII. Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae).


O que está acontecendo com o Ensino Médio?


Nos últimos quatro anos, em nível nacional, há um intenso processo de reformas no Ensino Médio, estrutural e curricular, que afeta sistemas de ensino subnacionais. São reformas arrogantes, como mencionou Süssekind (2018), adotando as concepções de Boaventura Souza Santos. Tais reformas são vendidas como modernizantes e essenciais para tornar a etapa mais atraente, alinhando-a aos interesses dos alunos por meio de um currículo flexível (FERRETTI, 2018).

No limite, adotam a flexibilidade como elemento fundamental relacionado a mecanismos de customização e empregabilidade que permitem a composição de arranjos formativos (SILVA, 2019; SILVA 2017). Para alterar o padrão formativo e imprimir forte aspecto flexível, a BNCC é entendida como o coração das reformas do Ensino Médio, representando um modelo de organização curricular diretamente relacionado à melhoria de indicadores de qualidade e de dados relativos ao fluxo escolar, principalmente em relação à reprovação-evasão.

No entanto, a BNCC sozinha não dá conta de tantas frentes. Segundo Ferretti (2018), apostar unicamente em uma nova organização curricular é um erro perigoso, que esconde objetivos paralelos associados a interesses econômicos e transnacionais. A razão é simples: o currículo e sua organização não resolvem os problemas reais enfrentados no cotidiano, principalmente porque não dão conta de aspectos como a infraestrutura das escolas e ausência de plano de carreira para professores com melhor remuneração e fixação em uma única escola. Eles também


a Professora Dra. Cláudia Valentina Assumpção Galian (Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – FEUSP) e da participação no III Seminário Nacional Sobre a BNCC: uma outra base é possível, sediado na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

não consideram a realidade dos jovens alunos que abandonam a escola para trabalhar e auxiliar a família. Portanto, os desafios do Ensino Médio não se resolvem com arranjos e políticas curriculares, pois são também provenientes da realidade social, econômica e política (KRAWCZYK, 2011).

É preciso, nesse contexto, um olhar histórico sobre a etapa. Convém compreender que não houve ao longo do tempo um processo contínuo de democratização do acesso, garantidor da permanência dos alunos (KRAWCZYK, 2003; KRAWCZYK, 2009; KRAWCZYK, 2011). O baixo número de matrículas e a evasão marcam a história do Ensino Médio. Na prática, foi a última etapa da Educação Básica a ser acessada por brasileiros que, em décadas passadas, sequer chegavam a cursá-la. Contudo, é importante considerar que o Brasil avançou. Hoje em dia, 91,3% dos jovens com idade de 15 a 17 anos estão no Ensino Médio, segundo dados do INEP (2018)4, embora restem, no âmbito regional e local, muitos desafios à universalização-permanência dos alunos e a efetivação da meta 3 do Plano Nacional de Educação (PNE) – Lei Nº 13.004 de 2014.

Contraditoriamente aos fatos, na formação dos cursos de Pedagogia em universidades públicas e privadas, destinam-se ainda poucas energias ao estudo da etapa. As razões dessa desvalorização podem ter explicação no próprio campo de produção do conhecimento. Para se ter uma ideia dessa fratura, lembramos um dos principais eventos científicos da educação nacional, promovido pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisas Educacionais (ANPEd), com mais de quatro décadas de tradição, em que não há um grupo específico dedicado ao Ensino Médio. As discussões acerca da etapa, alocadas incialmente no Grupo de Trabalho 1 (GT1), com o tempo, começaram a ser absorvidas pelo Grupo de Trabalho 9 (GT9) - “Trabalho e Educação”. Até os dias de hoje, os GTs da ANPEd iniciam-se pelo de número 2 e não há um grupo destinado especificamente à etapa.

Apesar das contradições apontadas, o interesse pelo Ensino Médio vem aumentando com o avanço do processo reformista. Em movimento recente, sociedade civil, movimentos sociais e pesquisadores estão retomando discussões prévias e tensionando os paradigmas do campo de estudo. Esse fato nos recoloca diante de


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4 Brasil. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Relatório do 2º Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano Nacional de Educação – 2018. – Brasília, DF: Inep, 2018. 460 p.: il. ISBN 978-85-7863-061-4 (impresso). – ISBN 978-85-7863-062-1 (on-line) 1. Educação - Brasil 2. Plano Nacional de Educação. I. Título. CDU 37(81).

importantes reflexões a respeito do Ensino Médio, principalmente acerca de sua dualidade histórica, elemento considerado por Krawczyk (2009; 2011; 2014): voltar-se a uma formação propedêutica ou a uma formação para o trabalho?

Por isso mesmo, definir políticas públicas para o Ensino Médio “não é tarefa fácil” (KRAWCZYK, 2014, p. 23). Ao contrário do que se poderia pensar, com a aprovação do Novo Ensino Médio e da BNCCEM, essa discussão não foi resolvida, mas suprimida e desvalorizada. O clima de urgência reformista atropelou as discussões como apontam os autores Motta e Frigotto (2017) e Ferretti e Silva (2017), destacando que o processo não congregou ampla discussão dos grupos interessados e possuidores de visões divergentes. Semelhantemente, Aguiar (2018) dá luz ao caráter autoritário na condução da reforma do Ensino Médio via MP capitaneada pelo Governo Michel Temer.

No entanto, a urgência reformista não pode ser tomada como fenômeno unicamente atrelado à transição de governo Dilma Rousseff para Michel Temer. De modo geral, é fundamental considerar que os líderes do executivo vem assumindo funções do legislativo, no Brasil e no mundo. O desequilíbrio na premissa constitucional da divisão dos poderes é evidenciado por Giorgio Agamben (2004), que descreve as ações excepcionais do executivo ao suspender a ordem jurídica e os mecanismos de controle do poder. Tais ações de exceção viraram regra (medidas provisórias, decretos e outros), e se manifestam como paradigma político de governo destinadas a suprimir o tempo das discussões e a representação democrática do povo.

Especificamente, em paralelo a essa perigosa tendência legislativa e totalitária do executivo, gesta-se há muito tempo um crescente sentimento de crise relativo à etapa, associado a um clima de urgência reformista. Isso significa que ainda antes do atual movimento de reforma, havia um anseio imperativo de mudança a qualquer custo. Esse anseio é perceptível no trabalho de Krawczyk (2014) que trata da ideia de crise associada ao Ensino Médio. Também é perceptível no trabalho de Silva (2015) que destaca a mobilização em torno de uma base comum nacional para Ensino Médio, influenciada pela Meta 7 e estratégia 3.2 do PNE.

Fato é que esse sentimento de urgência e essa tendência legislativa do executivo, promoveram a supremacia do tempo político em detrimento do tempo necessário – no sentido dado por Krawczyk (2014). O tempo necessário envolve

debates e a construção de consensos para superar dualidades e definir identidades. Por outro lado, o tempo político é resultante de espaços e possibilidades de atuação política, no âmbito da disputa por interesses e pela consolidação de agendas de governo. Nesse particular, a controversa transição Dilma-Temer possibilitou o avanço do tempo político. Agendas impositivas suprimiram o tempo necessário, emergiram “soluções rápidas e até mágicas” no âmbito de uma “hiperatividade legal” (KRAWCZYK, 2014, p. 22).

Suprimindo-se o tempo necessário, a crise no Ensino Médio permanece e se intensifica. Grupos opostos entram em disputa sem levar em conta as premissas históricas, na tentativa de fazer prevalecer interesses (discursos). O que de fato está acontecendo com o Ensino Médio é uma ação política planejada e corresponde a uma imposição de discursos, aproveitando-se do tempo político delirante.


As vozes na escuridão


O tempo político (re)produziu vozes que definiram os rumos do Novo Ensino Médio, não sendo elas as vozes necessárias no tempo, as que buscam consensos e saberes. São vozes oriundas do campo político, alinhadas às ações de exceção e alheias à produção histórica de referenciais de estudo e diálogo, que acabaram por alimentar o texto curricular da BNCC. Agora, oportunamente, assediam sistemas de ensino, escolas e salas de aula.

Anos antes da intensificação do movimento reformista no Ensino Médio, em 2014, essas vozes também eram ouvidas. Era possível, desde aquela época, identificar os donos das vozes, aqueles que gritavam mais alto evocando mudanças: os institutos e fundações educacionais. Krawczyk (2014) se atentou a essas vozes e destacou a atuação do setor empresarial no âmbito das secretarias estaduais de educação, por meio de fundações e institutos como Lemann e Ayrton Senna. Tais instituições, atualmente denominadas de nova filantropia (AVELAR e BALL, 2017) ou filantropia capitalista (ADRIÃO, 2017), buscam definir políticas educacionais com o apoio do Estado. Atuam, assim, em conjunto com governos ligados às demandas empresariais, por meio de projetos que alimentam experiências supostamente “viáveis para reprodução em larga escala [...], passíveis de se tornarem políticas públicas” (KRAWCZYK, 2014, p. 25). Despertam, na contemporaneidade, elevado interesse

acadêmico na medida em que estão interessadas em promover e influenciar as políticas do setor público (AGUIAR, 2018, ADRIÃO, 2017, AVELAR e BALL, 2017; BALL, 2014; FREITAS, 2014).

O Novo Ensino Médio é fruto desse trabalho de articulação e participação política da nova filantropia. As vozes presentes no texto da BNCC são as mesmas observadas em 2014, exemplificando a atuação linear e constante por parte de tais entidades. Dessa maneira, é possível perceber que o atual período reformista não emergiu com a fratura do Estado Democrático de Direito, no controverso processo de impeachment de 2016, mas ganhou corpo e se intensificou, aproveitando-se do tempo político instaurado.

Para Ferretti e Silva (2017), a reforma do Ensino Médio por MP evidenciou a retirada da sociedade civil do debate reformista. Com a supremacia do tempo político e a retirada da sociedade civil das discussões, grupos de matriz filantrópica interessados na reforma foram empoderados. Para auxiliar na compreensão sobre a urgência reformista e o protagonismo de grupos ligados ao impeachment, os autores partem dos conceitos de Estado ampliado e de intelectual orgânico de Antonio Gramsci. Constatam, desse modo, que a agilidade imposta e a liderança de grupos associados à troca de poder no executivo, suprimiram discussões naturalmente pertinentes aos movimentos sociais e às comunidades de pesquisa em Ensino Médio e Educação e Trabalho, restando manifesta a responsabilidade do governo em apressar e emparelhar a reforma, favorecendo a adesão de pessoas e órgãos privados, atendendo interesses específicos.

Tais interesses e vozes podem ser sentidos adotando-se a abordagem do Ciclo de Políticas (BALL e BOWE, 1992), que se mostra relevante e possibilita compreender as disputas de poder em blocos de participação-influência na elaboração da BNCCEM, determinando a produção do texto e a atuação de cada instância ou grupo. Admite-se aí a observação da variedade de intenções e disputas que influenciam o processo de formação do discurso e a interpretação ativa do cotidiano dos profissionais, baseando-se em contextos para caracterização do processo político (MAINARDES, 2006). Revela-se ao pesquisador, a natureza complexa e controversa das políticas, enfatizando relações macropolíticas (governos, instâncias educacionais, legisladores) e micropolíticas (atores das redes e instituições educacionais).

Dois contextos destacam-se: Contexto de Influência e Contexto de Produção de Texto. O Contexto de Influência refere-se ao processo de construção de discursos, a partir de grupos interessados em influenciar e definir as finalidades sociais da educação e o que significa ser educado (MAINARDES, 2006). Por outro lado, o Contexto de Produção de Texto está condicionado ao Contexto de Influência, e envolve a elaboração do discurso que irá representar a política em textos e pronunciamentos legais-oficiais (MAINARDES, 2006). Tais textos são produtos de seu tempo e local de produção, resultantes de disputas e acordos determinados nos grupos que atuaram em sua produção.

Deste modo, amplia-se a capacidade de percepção da disputa político-cultural (APPLE, 2011; MOREIRA e SILVA, 2011), tendo em vista que a abordagem do Ciclo de Políticas ajuda a compreender o projeto de cultura comum que pautou a base dos currículos. Por ser um campo de disputas da sociedade, o currículo não está alheio às estratégias de governo e as estratégias de seleção cultural construídas em conjunto com grupos interessados, na medida em que produz sentidos em uma relação intrínseca entre saber e poder (MOREIRA e SILVA, 2011). Para Jean-Claude Forquin (1993, p. 10), “o pensamento pedagógico contemporâneo não pode se esquivar de uma reflexão sobre a questão da cultura e dos elementos culturais dos diferentes tipos de escolhas educativas”, ainda que o tema esteja envolto por tensões semânticas relativas ao emprego da palavra cultura.

Neste trabalho, os Contextos de Influência e de Produção do Texto foram observados a partir do processo de elaboração e definição da BNCCEM, documento curricular que viabiliza o Novo Ensino Médio. Os dados documentais coletados e analisados referem-se a três instâncias de atuação educacional e expressam a representação, a performance e a atuação de cada um deles, conforme tabela abaixo:


Tabela 1 – Atuação das instâncias educacionais no processo de definição da BNCC


I. CNE, CONSED e UNDIME

Representação: Instâncias Educacionais que favorecem o papel do pacto federativo e potencializam a implementação de políticas públicas nacionais.

Performance: Alinharam-se ao Executivo Federal e sua sanha legislativa. Promoveram a escrita do documento com ação privilegiada do CNE – seja para vetar, seja para apoiar discursos.

Atuação na BNCC: Produção do texto;

II. Fundação Lemann e Instituto Ayrton Senna


Representação: Grupos do capitalismo filantrópico ligados a interesses público-privados, a formação de novos quadros profissionais flexíveis e a privatização na educação.

Performance: Assumiram posição privilegiada perante o Executivo Federal – não demonstram incomodo com o processo de impeachment e com a atuação legislativa de exceção do governo.

Atuação na BNCC: Produção do discurso que subsidiou o texto;

III. ANPAE e ANPEd

Representação: Comunidades tradicionais de pesquisa em educação com debates em variadas áreas.

Performance: Associaram-se à defesa da profissão docente e do direito de aprender, com posição marcadamente crítica às propostas da BNCC e do Novo Ensino Médio – destacam a supressão do diálogo plural e democrático.

Atuação na BNCC: Não conseguiram influenciar o discurso e o texto.

Fonte: próprio autor.


Este artigo, todavia, aprofunda unicamente a participação da nova filantropia. A atuação das outras instâncias educacionais será exemplificada em trabalhos futuros.


Categorias de análise: expressão de vozes


Os documentos coletados nas instâncias educacionais foram obtidos na internet por meio do Google. Ao todo, 40 documentos foram coletados nos sítios eletrônicos das instâncias educacionais observadas (FUNDAÇÃO LEMANN, 2018a; FUNDAÇÃO LEMANN, 2018b; CONSED, 2018; ANPEd, 2018; e outros). Trata-se de

material referente ao processo de definição e homologação da BNCCEM.

Tais documentos, além de expressarem a atuação das instâncias educacionais nos Contextos de Influência e Produção do Texto da BNCCEM, possibilitam identificar três (3) grandes mensagens: Nova filantropia e o aluno que queremos; Teor super prescritivo; e Foco na vida cotidiana do aluno. Trata-se de categorias que permitem problematizar o lugar do conhecimento na BNCCEM e, consequentemente no Novo Ensino Médio. Foram, todavia, elaboradas para sistematizar o sentido das comunicações analisadas, possibilitando a produção de inferências ou deduções com base na presença de índices ou indicadores (temas, palavras, personagens etc.). Por isso, representam elementos do texto que merecem ser agrupados, por permitirem a “fragmentação da documentação” (BARDIN, 1977, p. 36).

É possível pensar nas categorias como “espécies de gavetas” (BARDIN, 1977,

p. 37) que ajudam a classificar elementos, dando significado às mensagens e

permitindo a sistematização objetiva dos conteúdos comunicacionais. Como se vê, não se resumem a mera descrição dos conteúdos, pois estão diretamente ligadas à confecção de inferências ou deduções – preponderantes neste tipo de análise. Tais inferências surgem após o tratamento dos dados via procedimentos objetivos e sistemáticos e permitem deduzir de maneira razoavelmente lógica conhecimentos sobre o meio e emissor da mensagem.

Neste texto, as categorias apresentadas derivam da Análise de Conteúdo. O objetivo deste tipo de investigação, realizada em documentos, é entender o conjunto de significações voluntariamente codificadas pelo emissor. Sua principal contribuição é evitar “os perigos de uma interpretação espontânea” (BARDIN, 1977, p. 28). Abaixo, em destaque, apresentam-se as categorias adotadas e respectivas inferências:


  1. Nova Filantropia e o aluno desejado:

    Nas últimas décadas, no âmbito das emergentes relações entre Estado, governo, economia e sociedade civil, destaca-se um novo grupo de influência sob as políticas educacionais, denominado nova filantropia ou redes de governança (AVELAR e BALL, 2017). Trata-se de redes com múltiplos interesses, que vão desde a realização de doações-investimentos, passando pela promoção de uma cultura performática, chegando ao ponto de influenciar a política e a utilização dos recursos públicos.

    A nova filantropia atua no âmbito das políticas públicas, influenciando diretamente no provimento ao direito a educação. Atuando politicamente, busca promover discursos, congregar mudanças estruturais e alterar o padrão de influência exercido na educação. No limite, viabiliza formas de adequação e de parcerias público-privadas, pautando-se em um novo arranjo de base filantrópica.

    Para Adrião (2017), tais instâncias de atuação na educação estão ancoradas em grandes grupos detentores do capital. Conforme descreve Ball (2014), esses grupos e atores observam na política educacional oportunidades de negócios com o setor público. Deste modo, a educação pública passa a ser entendida como uma grande oportunidade de negócios, palco de atuação de diversas corporações de capital privado vinculados ao que se denominou de edu-business.

    Neste particular, há uma série de interconexões que envolvem políticas e negócios, ideologia e prática neoliberal, fluxo de ideias e oportunidades (BALL, 2014). Essas interconexões ou redes permitem visualizar uma interação prática entre um

    padrão de neoliberalismo, que critica a educação do setor público (roll-back), e um padrão de neoliberalismo que observa oportunidades emergentes de estabelecer negócios nos serviços públicos (roll-out). Correspondem a estruturas alternativas que estão observando gulosamente o setor público. São denominadas de “Estado Sombra” (WOLCH, 1990, apud BALL, 2014) e se manifestam via investidores e empresários educacionais que assumem papéis, no passado, limitados ao Estado e ao setor público. Deste modo, é preciso um olhar crítico levando em consideração interesses e futuras práticas que emergiram por parte de grupos filantrópicos, representantes do empresariado (FERRETTI, 2018).

    Tais grupos, atentos a reconfiguração do capitalismo e as pressões impostas ao perfil do trabalhador, defendem pautas relacionadas ao empreendedorismo, empregabilidade, individualização do percurso formativo e protagonismo juvenil. Silva (2019), em texto extremamente oportuno, enfatiza a empregabilidade como princípio curricular no Ensino Médio. Para o autor, citando Pierre Dardot e Christian Laval (2016), há uma “exigência de competitividade” como princípio político das mais variadas reformas curriculares. Isto porque existem formas de “investimento econômico sobre os indivíduos, em geral, e sobre as políticas educativas, em particular, engendrando novas técnicas de regulação (e auto regulação) que promovem a competitividade” (SILVA, 2019, p. 434).

    Segundo Kuenzer (2017), pretende-se atender as demandas do setor produtivo, formando profissionais flexíveis às necessidades das empresas. O foco flexível da formação enfraquece a dimensão intelectual, pois atende ao desenvolvimento de atividades práticas, por força de qualificações rápidas que deem suporte as transformações do mercado de trabalho, assegurando a produtividade.

    Deste modo, a formação do Novo Ensino Médio tem por base qualificações “desiguais e diferenciadas”, voltadas ao trabalho em grupo e abertas às formas de trabalho precário, baseado em metas (KEUNZER, 2017, p. 341). Aglutinam-se, portanto, no processo de formação em nível médio, interesses relacionados ao sucesso de empresas e suas estratégias de produção flexível. Dos alunos, espera-se esforço e capacidade de adaptação, atitudes e valores que recebem destaque, independente das condições de trabalho que serão submetidos no futuro, precárias ou não (KUENZER, 2017).

    Estes elementos retiram a dimensão reflexiva da formação e dão uma dimensão prática ao conhecimento. Direcionam a escolarização para empregabilidade e desenvolvimento aligeirado de mão de obra, sem qualquer qualificação ou especialização que seja de fato direcionada a realidade do mercado de trabalho.

    O grande desafio da BNCCEM se revela: a inserção precária e prematura dos jovens na dinâmica do aprender fazendo, na dinâmica cada vez mais precária do mercado de trabalho. Entram em cena as habilidades e competências destinadas a “trabalhar” a maneira de pensar, agir e se direcionar, garantindo que as ordens do mercado serão seguidas e jamais questionadas. A conquista do primeiro emprego, idealizada pelo projeto de vida, torna-se uma meta a ser alcançada, dando-se destaque ao empreendedorismo e a competitividade como principais habilidades requeridas (SILVA, 2019 p. 435).

    Os projetos de vida são aqui muito importantes, pois ligam-se à proliferação de “surtos individualizatóriosnas políticas curriculares (SILVA, 2019), ajudando a promover uma formação focada no indivíduo para adequá-lo à experiência produtiva de mercado e de consumo. Essa individualização crescente alinha-se também à mudança na própria concepção de infância e, por extensão, de juventudes. Segundo Cristina Corea (2000), lida em Paula Sibilia (2012), tais etapas da vida não são entendidas como apostas estatais para o futuro, na medida em que a desresponsabilização contemporânea do Estado impõe o esforço individual como meta transcendental para o sucesso escolar, inviabilizando projetos coletivos de formação – verdadeiro salve-se quem puder que afeta a função social da instituição escolar e reforça o protagonismo mercantil-individualizante.

    Esse padrão formativo se enquadra na perspectiva da instrumentalização do currículo, apresentada por Young (2011). Isso significa que o currículo tem se adequado às metas econômicas, políticas e sociais, para servir de instrumento garantidor de finalidades alheias à intelectualização e promoção do conhecimento. No caso particular, a organização curricular acaba por reforçar a ausência do Estado como condutor de vidas, via escolarização, vinculando qualquer promessa de futuro unicamente ao indivíduo e ao mercado.

    Apesar de o conhecimento ser inquestionável no âmbito curricular, as políticas curriculares contemporâneas marginalizam essa questão, tornando a função social da escola, que deveria ligar-se ao conhecimento e à intelectualização dos alunos,

    esvaziada de sentido. O currículo passa a servir de alavanca para objetivos alheios à escolarização como melhoria da economia, ou ainda, motivação emocional dos alunos. Para Galian (2016, p. 1005), os conteúdos selecionados para serem ensinados, no âmbito da organização disciplinar dos currículos, são cada vez mais contaminados por uma dimensão instrumental em reforço “a aplicabilidade imediata do conhecimento”, que limita “a compreensão de mundo àquilo que se mostra necessário para aceitar a ordem social vigente”, para então acatar o que “está dado”. No entanto, como adverte Young (2011), quando o currículo se desvia da intelectualização, instrumentalizando-se para focar e resolver problemas emocionais, sociais e econômicos, a probabilidade é que a escola altere substancialmente sua função social e que tais problemas não sejam resolvidos, pois a origem deles situa-se

    fora das escolas e demanda, oportunamente, outro tipo de ação política.


  2. Teor super prescritivo:

    Um currículo instrumentalizado, com foco na formação de trabalhadores flexíveis e alinhado à retomada da economia, precisa de um super texto prescritivo – afinal, afasta-se dos saberes especializados para se aproximar de habilidades e competências que interessam ao mercado. Tal formatação curricular precisa, portanto, de um texto oficial altamente impositivo que subverta a dinâmica da prescrição de conteúdos mínimos e comuns. Para isso, foca em habilidades ligadas ao saber fazer, competências socioemocionais, bem como, atribui importância às competências cognitivas de um universo limitadíssimo de disciplinas como português, matemática e língua estrangeira, verificáveis via sistemas de avaliação de desempenho.

    Isto quer dizer que o trabalho docente se volta à promoção de habilidades cotidianas, que o aluno deve adquirir para alcançar determinadas competências. Mas, também significa um currículo orientador da atuação político-pedagógica das escolas, tensionando a autonomia das instituições no âmbito da gestão democrática e da avaliação institucional – colocando contra a parede a LDB e seu artigo 15 e incisos. O cotidiano da escola, dessa forma, se vê regulado por competências, atitudes e valores dissociados da realidade, do projeto político-pedagógico, dos fatores extraescolares e do conhecimento especializado.

    O currículo, entendido como proposta processual, descentralizada e sujeita a interpretação da prática (SACRISTÁN, 2012), é colocado xeque. Valoriza-se o

    currículo oficial e suas prescrições, supondo que ele tenha mais força que o conjunto de interações cotidianas vividas pelos sujeitos. No limite, opera-se um ataque à autonomia dos indivíduos e não sua promoção. Ataca-se, inevitavelmente, também o docente em sala de aula e o coletivo da escola no âmbito institucional.

    Este tipo de currículo altamente prescritivo, que vai além de estabelecer conteúdos mínimos, está particularmente associado a períodos autoritários, como destacou José G. Sacristán (2012). Na Espanha, segundo o autor, períodos autoritários estão relacionados ao aumento excessivo da prescrição curricular, justamente para fazer valer os objetivos hegemônicos da política e do tempo político

    – eliminação da diferença e da oposição. Em sociedades democráticas e heterogêneas como a nossa, é preciso atribuir autonomia e processualidade ao currículo, principalmente no âmbito da atuação dos professores.

    Entretanto, autonomia curricular não significa ausência de regulação. Não significa ausência de bases mínimas – é necessário evitar tal racionalidade dicotômica. No arcabouço jurídico nacional, por exemplo, certos dispositivos encontrados na LDB, PNE e Constituição Federal, referem-se a expressões como base comum curricular e conteúdos mínimos. Admitem ou sugerem, tais dispositivos, prescrição curricular mínima e básica. Essa prescrição moderada serve para contemplar a dimensão da equidade e assegurar possibilidade mínima de os alunos acessarem conteúdos prescritos previamente.

    O que parece excessivo, todavia, corresponde ao senso de controle e monitoramento da vida social manifesto no currículo. Isto se dá por meio de duas frentes: 1-) Um controle do trabalho da equipe escolar, que direciona o cotidiano de ensino e gestão, e 2-) um controle da formação, promovendo competências cognitivas e emocionais nos indivíduos. Na BNCCEM, a formação dos jovens alunos tem acentuado enfoque em competências emocionais, e representa uma escola do acolhimento e adaptação. Essas competências emocionais concorrem, em padrão de importância, com as competências cognitivas, tendo em vista que os indivíduos devem ter acesso não “apenas às competências cognitivas, mas também as emocionais” (FERRETTI, 2018, p. 34).

    Outro aspecto curricular valorizado e vinculado à prescrição é a avaliação – em outras palavras, a dimensão do currículo avaliado e os sistemas de avaliação de redes reafirmam seus poderosos papéis. Acabam por sujeitar as instituições escolares e

    suas equipes, como efeito da super prescrição cotidiana, ao monitoramento do desempenho e avaliação de rendimento. No entanto, quando sistemas de avaliação ligados a elementos de controle e atores externos a escola assumem o protagonismo pela qualidade, a ideia processual de currículo é quase toda suprimida, com exceção da fase inicial (a prescrição) e da fase final (a avaliação do currículo). Todas as outras fases processuais intermediárias perdem força: a interpretação do currículo, o currículo na prática cotidiana e os efeitos subjetivos do currículo.

    Com as reformas curriculares contemporâneas, a busca por qualidade na Educação Básica intensifica suas apostas nos sistemas de avaliação e responsabilização. A avaliação de redes ganha ainda mais protagonismo, assumidamente influenciada por parâmetros transnacionais como língua nativa (português), matemática e língua estrangeira moderna (nomeadamente o inglês). Neste sentido, o movimento reformista do Ensino Médio apresenta-se frente a uma missão-cruzada: reverter o péssimo desempenho nacional na avaliação internacional PISA (Programme for International Student Assessment), assim como no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) (FERRETTI e SILVA, 2017).

    O desempenho em avaliações de sistemas, entretanto, restringe-se a um rol limitado de disciplinas protagonistas e corresponde à hierarquização dessas disciplinas. Essa hierarquização é prejudicial à intelectualização dos alunos, no sentido dado por Young (2011). O autor faz uma defesa radical do currículo prescrito centrado em disciplinas, mas não estabelece hierarquia entre elas e os saberes. Ele estabelece, ao contrário, que as disciplinas são consideradas comunidades especializadas, responsáveis por introduzirem os alunos em universos de saberes razoavelmente generalizáveis e confiáveis, muito diferente de centrar o currículo em duas ou três disciplinas, ignorando as demais5.

    Segundo Motta e Frigotto (2017, p. 364-365), valoriza-se a visão seletiva e hierarquizante de qualidade da educação defendida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – “[...] ler, escrever, contar e ter noções básicas de ciências”. Trata-se de uma visão que não intelectualiza, uma visão instrumentalizada do currículo, pautada em uma conjunção harmoniosa entre


    image

    5 Galian (2016), ajuda a esclarecer a disputa de poder entre as disciplinas destacando que as ciências naturais, por exemplo, são reconhecidas socialmente, enquanto artes e humanidades são restringidas por uma série de mecanismos no âmbito do currículo real como redução de carga horária.

    educação, crescimento econômico e desenvolvimento social. A definição de qualidade pretendida torna-se ainda mais afinada à construção de indicadores que exaltam limitado rol de disciplinas, com foco em:


    [...] melhorar o desempenho no IDEB e no PISA, flexibilizando o currículo de forma a facilitar as escolhas das disciplinas que os jovens das classes populares teriam menor dificuldade e, com isso, provavelmente, melhorar o desempenho nas avaliações em larga escala [...] (MOTTA e FRIGOTTO, 2017, p. 364-365).


    Silva (2015, p. 369), adotando as contribuições de Theodor W. Adorno, destaca que esse tipo de experiência formativa aprisiona o indivíduo à “condição de semiformação”. O que se assiste, quando a prescrição é elevada como no caso da BNCCEM, é “uma formação de indivíduos sem indivíduos”. A super prescrição e o acentuado aspecto avaliativo do currículo, nessa linha, não estão comprometidos com os alunos-indivíduos, porquanto prestam-se unicamente para viabilizar a instrumentalização curricular colocando o currículo à serviço do setor produtivo.

    Outra consequência importante do currículo altamente prescrito é a confusão entre pedagogia e currículo, descrita por Young (2011). Para o autor, é preciso separar a atuação pedagógica daquilo que seria a prescrição curricular. Dessa forma, o currículo prescrito inaugura a dimensão processual e é um documento oficial que não se confunde com a prática pedagógica. No entanto, quando o currículo é altamente prescrito acaba por justamente neutralizar a dimensão processual, pois atenta contra a ação pedagógica e vai além das determinações do arcabouço jurídico nacional. Dessa forma, o currículo afasta-se da equidade e da ideia de conteúdos mínimos e passa a atender interesses alheios à realidade escolar. Assim, as práticas pedagógicas ficam sujeitas a comandos e determinações que as diminuem.

    Para Young (2011), o currículo prescrito deveria conter o conjunto de códigos que as comunidades especializadas decidiram, resumindo-se a isso, ainda que tais códigos não representem dogmas. Deveria, portanto pretender intelectualizar os alunos, passando conceitos teóricos e apresentando o mundo especializado- intelectual. A pedagogia, por outro lado, teria funções distintas: a pedagogia é tarefa dos professores, escolas e sistemas (via formação e valorização da carreira). Ela é também tarefa que deve se manter autônoma à prescrição, tendo dimensão prática e reflexiva, centrada em recursos pedagógicos destinados ao ensino e à promoção de

    atitudes e valores, considerando a experiência dos alunos para alcançar conceitos teóricos – garantindo, assim, o direito a aprendizagem.


  3. Foco na vida cotidiana do aluno:

O texto da BNCCEM, altamente prescritivo e centrado em uma formação flexível, ambiciona, como mencionado por Ferretti (2018), vender uma ideia de mudança: adequar o currículo às juventudes e tornar a etapa mais atraente. Para apresentar sua proposta, ancora-se em argumentos destinados a repaginar a etapa. São eles: projeto de vida, itinerários formativos, empregabilidade, empreendedorismo, competências socioemocionais e a dimensão prática do conhecimento.

Contraditoriamente, ao invés de se apresentar como catalizador de melhorias e direitos, o Novo Ensino Médio tende a aumentar as desigualdades (FERRETTI, 2018). As motivações reformistas, derivadas do neoliberalismo e do regime de acumulação flexível, não sinalizam para uma mudança social e se voltam à “mera instrumentalização dos trabalhadores e seus filhos” (FERRETTI, 2018, p.35).

A formação passa a contemplar “um processo de semiformação de caráter pragmático” (FERRETTI, 2018, p.35), voltada à manutenção do sistema produtivo e suas demandas. Esse padrão formativo, previamente anunciado por Silva (2015), refere-se à tradição curricular ocidental percebida como treinamento, confinada a uma “semiformação”, que inviabiliza a reflexão e a crítica sem atingir abstração conceitual. Em síntese, a formação pretendida se relaciona à fixação de conceitos e ao treino, reforçada pela dimensão da aplicação prática do conhecimento. Deste modo, relaciona-se à resolução de tarefas cotidianas, de caráter pragmático, atendendo às demandas do mundo do trabalho, das indústrias e do mercado (SILVA, 2015).

Trata-se de operacionalizar o conhecimento de forma pragmática. Neste sentido, é possível retomar aqui o clássico texto A crise na educação, de Hanna Arendt (2016). Nele, a autora apresenta problemas relacionados à concepção de aprendizado ao longo da vida, forma dominante de conceber o aprendizado na modernidade. Para a autora, o aprendizado se tornou algo prático, ou seja, que se aprende fazendo – torna-se necessário “[...] substituir, tanto quanto possível, o aprender pelo fazer” (ARENDT, 2016, p.232):


Considera-se pouco importante que o professor domine a sua disciplina porque se pretende compelir o professor ao exercício de uma atividade de constante aprendizagem para que, como se diz, não

transmita um saber morto, mas, ao contrário, demonstre constantemente como se adquire esse saber.


Os professores são convidados à lógica da dimensão prática da aprendizagem e devem unicamente assistir ao progresso das crianças como seres autônomos. Essa lógica sujeita as aprendizagens a um saber-fazer (ARENDT, 2016). Assume protagonismo, ainda mais evidente, a ideia de que não se pode aprender aquilo que não é prático e que não se pode colocar em prática – indicando a existência de um saber morto ou petrificado, ligado aos conceitos teóricos, e de um saber vivo, ligado aos anseios do setor produtivo.

Assim, as instituições de ensino embrenham-se ainda mais nos processos de acumulação flexível e intensificam a formação para a “arte de viver” (ARENDT, 2016,

p. 232), relativa ao comportar-se bem em sociedade que nos remete novamente a ideia de sociedade administrada de Herbert Marcuse, apresentada por Silva (2015). Diante desse modelo formativo e de escola, o trabalho docente será inevitavelmente expropriado e entendido como ferramenta essencial de adaptação às normas, capaz de habilitar massas escolarizadas ao trabalho cada vez mais subjugado. Para Arendt (2016), sob esta fórmula, o aprendizado se torna inoperante para a vida adulta e tende a excluir o aluno do mundo daqueles que dominam e transitam nas comunidades de saber – deixando-os sem acesso ao conhecimento dos poderosos trabalhado por Young (1971).

A BNCCEM reforça a concepção prática do conhecimento, ao passo que precariza ainda mais o trabalho e o cotidiano do professor. Não obstante, chama atenção que discursos relacionados à autonomia dos jovens e significância das aprendizagens são considerados progressistas e bem-intencionados. Tais discursos pretendem libertar os alunos do autoritarismo dos adultos e povoam o campo da pedagogia e da psicologia (ARENDT, 2016). No entanto, em muitos casos, foram apropriados por governos neoliberais e reforçam o projeto educacional pouco reflexivo para a educação de grandes contingentes populacionais, atendendo padrões supranacionais (LIBÂNEO, 2014).

No limite, corresponde a uma formação não comprometida com a intelectualização dos jovens alunos, no âmbito do conhecimento poderoso proposto por Young (2010; 2011). O sentido da expressão conhecimento poderoso é diferente do sentido da expressão conhecimento dos poderosos, embora haja entre os dois conceitos uma relação harmoniosa. Conhecimento dos poderosos refere-se à seleção

de saberes mediante relações de poder, marcadas pela origem social, que instituem e apresentam o conhecimento como dado e exigido (YOUNG, 1971). Conhecimento poderoso, por sua vez, é o conhecimento acessado por alunos mediante à aprendizagem de conceitos teóricos e especializados, provenientes das disciplinas. Os conceitos teóricos são elementos estrangeiros aos alunos e somam-se às experiências cotidianas e subjetivas. Tais conceitos lhes permitem transitar entre áreas específicas do saber, aprender novos conceitos teóricos e expressar saberes razoavelmente generalizáveis e confiáveis – o aluno passa a conviver e se movimentar por comunidades de saber, intelectualizando-se.

Aceitar a importância do conhecimento poderoso é empoderar a escola como instituição que apresenta o mundo estrangeiro. Representa aceitar que o conhecimento poderoso é um conhecimento especializado e adquirido na escola, instituição responsável pelos saberes especializados. Permite aos alunos acessar conhecimentos que eles não conseguiriam ter em casa ou na comunidade, para além de suas realidades e experiências. No entanto, entender a importância do conhecimento poderoso, na luta por definir conhecimentos e democratizar o acesso ao conhecimento dos poderosos, não representa desvalorizar conceitos e experiências cotidianas que servem como ponto de partida para o trabalho pedagógico. Pensar em conhecimento poderoso significa emancipar jovens de camadas populares, dando-lhes oportunidades de tráfego por comunidades especializadas de saber, viabilizando uma formação voltada aos saberes e propensa a ser crítica.


Considerações finais


A análise do Contexto de Influência e de Produção de Texto, no processo de definição e homologação da BNCCEM, permite especular acerca do lugar secundário ocupado pelo conhecimento e pela intelectualização dos alunos no Novo Ensino Médio. O assédio político exercido pela filantropia capitalista impôs um padrão altamente prescritivo ao documento curricular, pautando-o em habilidades e competências (cognitivas e socioemocionais). Materializou-se, então, a proposta de aprendizagem flexível para garantir o desenvolvimento de competências voltadas à ideia de aprender ao longo da vida (KUENZER, 2017).

Significa dizer que a aprendizagem deve ser prática e se relacionar ao cotidiano promovendo-se uma dimensão flexível da aprendizagem, compromissada com processos alheios à escola e sua função social. Nesse cenário, é possível considerar a influência de aspectos ligados a instrumentalização curricular. O currículo prescrito, atendendo a essa lógica instrumentalizada, passa a ser utilizado como instrumento de pautas econômicas, emocionais e sociais. O acesso ao conhecimento poderoso, ligado aos conceitos teóricos de cada disciplina e das comunidades de especialistas, torna-se cada vez mais distante dos objetivos curriculares. Instrumentalizada e articulada a interesses produtivos, a BNCCEM consolida-se como aparato de uma suposta retomada econômica, frente paralela de outros palcos de reacomodação do capital no Brasil: reforma trabalhista, flexibilização da terceirização da atividade-fim, limitação do teto de gastos sociais e extinção do Ministério da Cultura.

Paralelamente, se manifestam no currículo elementos ligados à individualização dos percursos formativos e relacionados à ideia de empregabilidade como tecnologia curricular (SILVA, 2019); querem representar a escolha sofisticada e autônoma, mas constituem-se em caminho solitário e muitas vezes condicionado às limitadíssimas opções disponibilizadas pelas redes de ensino – segundo o artigo 36 da LDB, caput, os arranjos curriculares serão ofertados de acordo com o contexto local e a possibilidade de cada sistema de ensino. A concepção sugerida é de customização do percurso formativo, livre da imposição curricular clássica do Estado: cada aluno deve ser capaz de adquirir um rol de competências emocionais e sociais e, então, superar por conta própria obstáculos e fracassos escolares.

Assim, a dimensão processual do currículo perde força com a super prescrição associada à instrumentalização. Os danos a processualidade curricular geram, por sua vez, entraves à autonomia dos sujeitos envolvidos. Reforça-se o projeto de escola assumidamente inclinado à dimensão prática do conhecimento e a adaptação, na medida em que o conhecimento é valorizado em suas dimensões cotidianas.

Nessa linha, o papel da escola e do currículo contemporâneo, instrumentalizado, super prescritivo e ligado a uma concepção prática (saber-fazer) de aprendizagem, não presta mais contas ao direito dos sujeitos de aprender. Todas essas mudanças e processos ignoram a escola como aglutinadora de saberes exteriores e estrangeiros à vida dos alunos. Como consequência, a escola de nível médio não presta mais contas ao direito de acessar conceitos teóricos que são

estrangeiros aos alunos, posto que oriundos da produção intelectual de comunidades humanas organizadas.

Em questão está o lugar do conhecimento no Novo Ensino Médio e, consequentemente, a definição do que seria direito de aprender e de qual seria a função social da escola. Por essa razão, as reformas do Ensino Médio na contemporaneidade vinculam a escola à manutenção do sistema produtivo e remodelam a compreensão social acerca do trinômio escola-direito-educação. Garantem, no limite, uma formação certificada pelo Estado e pautada em visões complementares acerca das aprendizagens: uma “visão restrita” de aprendizagens, referente a aquisição de competências mínimas, que garante a “sobrevivência social” e, também, uma “visão ampliada” relacionada à “aprendizagem ao longo da vida” e ao “acolhimento da diversidade” (LIBÂNEO, 2012, p.25).


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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


A PROFISSIONALIZAÇÃO GENERALIZADA NA REFORMA DO ENSINO MÉDIO1


Heloise Paula Costa2 Vagno Emygdio Machado Dias3


Resumo

Este artigo visa discutir a respeito da concepção de educação profissional na Reforma do Ensino Médio, no intuito de compreender o sentido da inserção da profissionalização no currículo do ensino médio regular. A metodologia consiste em discussão teórica, análise documental das normativas para o ensino médio e pesquisa de campo de abordagem qualitativa. Como proposta de intervenção, descreve e analisa os dados obtidos com o desenvolvimento de um curso de formação, destinado à discussão a respeito da profissionalização e da especialização no ensino médio regular, realizado com os profissionais da educação de uma escola estadual em Poços de Caldas/MG.

Palavras-chave: Educação Profissional e Tecnológica. Reforma do Ensino Médio. Profissionalização.


PROFESIONALIZACIÓN GENERALIZADA EN LA REFORMA DE LA ESCUELA SECUNDARIA


Resumen

Este artículo tiene como objetivo discutir el concepto de educación profesional en la Reforma de la escuela secundaria, a fin de comprender el significado de la inserción de la profesionalidad en el plan de estudios de la escuela secundaria regular. La metodología consiste en la discusión teórica, el análisis documental de las normas para la investigación de la escuela secundaria y de campo con un enfoque cualitativo. Como una propuesta de intervención, describe y analiza los datos obtenidos con el desarrollo de un curso de capacitación, dirigido a discutir la profesionalización y especialización en la escuela secundaria regular, realizada con profesionales de la educación de una escuela estatal en Poços de Caldas / MG.

Palabras-clave: Educación profesional y tecnológica. Reforma de la escuela secundaria. Profesionalización.


THE GENERALIZED PROFESSIONALIZATION IN HIGH SCHOOL REFORM


Abstract

This article aims to discuss the concept of professional education in the Reform of High School, in order to understand the meaning of the insertion of professionalism in the curriculum of regular high school. The methodology consists of theoretical discussion, documentary analysis of the norms for high school and field research with a qualitative approach. As an intervention proposal, it describes and analyzes the data obtained with the development of a training course, aimed at discussing the professionalization and specialization in regular high school, conducted with education professionals from a state school in Poços de Caldas / MG.

Keywords: Professional and Technological Education. High School Reform. Professionalization.


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1 Artigo recebido em 16/11/2020. Primeira Avaliação em 20/01/2021. Segunda avaliação em 20/01/2021. Aprovado em 08/03/2021. Publicado em 27/05/2021. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.47185.

2Mestre em Educação Profissional e Tecnológica (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de

Minas Gerais, Campus Poços de Caldas. Professora na Rede Estadual de Educação de Minas Gerais (SEE/MG, Brasil). Área de atuação: Filosofia; Educação. E-mail: costa.heloise@gmail.com;

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4789-4315. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6326044225922447

3Doutor em Educação (Universidade Federal de São Carlos - UFSCar). Professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais, Campus Poços de Caldas. Área de atuação: Fundamentos de Sociologia e Fundamentos da Educação. E-mail: vagno.dias@ifsuldeminas.edu.br; ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9102-4283, Lattes: http://lattes.cnpq.br/1362568409116110.

Introdução


A recente reforma do ensino médio iniciou-se com a promulgação da Medida Provisória (MP) 746/2016, posteriormente convertida na Lei 13.415/2017, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (Lei 9.394/1996), impactando a discussão a respeito da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), iniciada no âmbito do Plano Nacional de Educação/2014-2024 (PNE), que a partir dos preceitos estabelecidos pelas novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), homologadas em novembro de 2018, norteiam o ensino médio no território brasileiro.

As normativas da Reforma do Ensino Médio estabelecem que os currículos sejam elaborados pelos sistemas de ensino e estejam condicionados às competências e habilidades definidas na BNCC. As mudanças mais evidentes em relação ao currículo são: o aumento na carga horária de 2.400 horas nos três anos para 3.000, a ser efetivado até o ano letivo de 2022; a divisão do currículo em formação geral básica (até 1.800 horas nos três anos) e itinerários formativos (até

1.200 horas nos três anos). Os itinerários formativos podem ser divididos em duas categorias: itinerários de especialização (abrange as quatro grandes áreas: linguagens; matemática; ciências da natureza e ciências humanas e sociais aplicadas) e itinerário da profissionalização (abrange o quinto itinerário da formação técnica e profissional).

Ao considerar que a Reforma do Ensino Médio propõe a implantação de itinerários formativos que visam à especialização e à profissionalização em escolas de ensino médio regular, tradicionalmente voltadas para a formação geral, o eixo central deste artigo se situa na investigação das formas pelas quais as normativas que fundamentam a Reforma, abordam a profissionalização no ensino médio regular. Uma vez que as instituições mais afetadas pela Reforma são as escolas de ensino médio regular, buscou-se compreender qual é a perspectiva dos docentes a respeito da inserção da profissionalização e especialização nesta etapa e modalidade de ensino. Como forma de consolidar a proposta do Programa de Pós- graduação em Educação Profissional e Tecnológica4 (PROFEPT), foi desenvolvido


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  1. Atrelada à pesquisa, o PROFEPT prevê o desenvolvimento de um produto educacional que seja aplicado/aplicável como forma de intervenção/resolução a um problema de pesquisa. Disponível em: https://profept.ifes.edu.br/regulamentoprofept/regu. Acesso em 20 abr. 2020.

    um Curso de Formação5 para professores, com objetivos de: 1) aproximar os docentes que atuam na rede estadual da problemática da inserção da profissionalização no ensino médio regular e 2) identificar como os profissionais da educação concebem a profissionalização no ensino médio, no que concerne à formação profissional dos jovens nas escolas estaduais e ao impacto da Reforma no trabalho docente.

    Cabe ressaltar que, diante da atualidade da Reforma do Ensino Médio, a análise feita nesta pesquisa se fixa no limiar da ocorrência dos acontecimentos, buscando delimitar as consequências do estreitamento entre educação e aspectos de caráter econômico. A seguir, indicamos diversos aspetos da profissionalização do ensino médio regular.


    A Reforma do Ensino Médio e a Pedagogia das Competências


    A Reforma do Ensino Médio trouxe diversas questões no sentido de compreender as motivações da reformulação e a extensão das mudanças em curso. As principais mudanças que fundamentam a Reforma do Ensino Médio envolvem duas dimensões: a curricular e a ideológico-discursiva. A dimensão curricular abrange: a estrutura dos currículos condicionada à BNCC, a expansão da carga horária do ensino médio, a divisão do currículo em uma parte destinada à formação geral e uma aos itinerários formativos. A dimensão ideológico-discursiva, diz respeito à incorporação na educação formal - via Reforma - dos valores, conceitos e finalidades do mundo produtivo e o consequente estreitamento entre a formação dos jovens e as demandas do mercado de trabalho6.

    As justificativas utilizadas pelos reformadores do ensino médio circundam em torno de quatro fatores: 1) o baixo índice de desempenho dos estudantes nas avaliações externas; 2) a extensa estrutura curricular; 3) a necessidade de diversificação e flexibilização do currículo; e 4) o baixo percentual de concluintes do


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  2. Da intervenção realizada no curso de formação e como proposta de produto educacional, desenvolveu-se a apostila Curso de Formação Docente - Educação Profissional e Tecnológica na Reforma do Ensino Médio: uma proposta de discussão sobre a inserção da profissionalização no ensino médio regular. Disponível em: http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/583657. Acesso em 30 jan. 2021.

  3. Define-se mercado de trabalho, de forma restrita ao processo/ambiente em que se “compra e se

    vende força de trabalho”, ligado à oferta e à demanda de emprego, e, contemporaneamente, à condição de empregabilidade.

    ensino médio que acessam o ensino superior (17%), somado à baixa taxa de matrículas na educação profissional de nível médio (10%), para justificar a introdução de um itinerário voltado à formação técnica e profissional (FERRETTI e SILVA, 2017).

    Com base nestes argumentos, os propositores da reforma adotaram a flexibilização curricular como fundamento do novo currículo do ensino médio, que tem por referência o documento da BNCC para o ensino médio, e é composto de dois eixos: formação geral básica e itinerários formativos. A formação geral básica é composta de quatro macros campos, nos quais os componentes curriculares estão agrupados: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias e ciências humanas e sociais aplicadas; os itinerários formativos correspondem à parte diversificada do currículo, visam à especialização em temas entre as quatro grandes áreas da formação geral básica, e a inserção de um quinto itinerário, denominado “formação técnica e profissional”.

    Analisando os argumentos utilizados pelos propositores da Reforma, Scheibe e Silva (2017) indicam que as características presentes nos discursos e nos documentos do “Novo Ensino Médio”7, remontam às discussões ocorridas na construção da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN) de 1996 e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 1998, especialmente no que concerne à função do ensino médio e sua relação com a formação para o mercado de trabalho. De acordo com as autoras, as reformas educacionais da década de 1990 tinham a pretensão de que “a escola se voltasse ao atendimento das demandas oriundas das transformações nos processos de produção de mercadoria e serviços” (SCHEIBE e SILVA, 2017, p. 22), impulsionada pelas mudanças no mundo de trabalho, principalmente com a expansão do modelo de produção baseado no toyotismo.

    O discurso do mercado de trabalho na Reforma do Ensino Médio, “é retomado em meio às mesmas justificativas, de que é necessário adequar a escola a supostas e generalizáveis mudanças do ‘mundo do trabalho’, associadas de modo mecânico e imediato a inovações de caráter tecnológico e organizacional” (SILVA, 2018, p. 11). Demonstrando a proximidade entre a concepção de educação presente nas


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  4. A terminologia “Novo Ensino Médio” é a expressão utilizada pelo Governo Federal para referir-se ao conjunto das ações em curso.

    reformulações das normativas na década de 1990 e a Reforma do Ensino Médio, o próprio documento da BNCC8 faz referência às discussões ocorridas no final do século XX, especialmente a respeito do foco no desenvolvimento de competências.

    Para Duarte (2008) a Pedagogia das Competências ou pedagogia do aprender a aprender possui alguns impasses de natureza valorativa em sua formulação, e identifica quatro pontos problemáticos desse modelo pedagógico: 1) aprender sozinho para desenvolver a autonomia em detrimento da aprendizagem coletiva; 2) a preferência pelo aprendizado da forma e não do conteúdo, defendendo que é melhor aprender o método científico do que aprender o conhecimento científico, contribuindo para o esvaziamento dos saberes historicamente construídos;

    3) o caráter utilitário do conhecimento que defende que a aprendizagem de determinado conhecimento deve responder à problemas da vida produtiva; 4) a defesa da tese de que se deve preparar o indivíduo para acompanhar as mudanças sociais, científicas e tecnológicas da sociedade contemporânea. Duarte (2008) assinala o caráter adaptativo da pedagogia do aprender a aprender, pois busca:


    preparar os indivíduos, formando neles as competências necessárias à condição de desempregado, deficiente, mãe solteira etc. Aos educadores caberia conhecer a realidade social não para fazer a crítica a essa realidade e construir uma educação comprometida com as lutas por uma transformação social radical, mas sim para saber melhor quais competências a realidade social está exigindo dos indivíduos (idem, p. 13).


    Considerando o caráter adaptativo da Pedagogia das Competências, outra problemática que surge é a relação que esse modelo pedagógico estabelece com a demanda de formação oriunda do setor produtivo, pois é “marcada pela intenção de adequação à lógica do mercado e à adaptação à sociedade por meio de uma abstrata noção de cidadania” (SILVA, 2018, p. 11). Nesta perspectiva, a formação baseada em competências carrega consigo uma relação estrita com o setor produtivo e tem ressurgido no campo da educação formal através do discurso da “flexibilidade” do ensino.


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  5. Consultar: BRASIL, BNCC, 2018a, p. 13.

    Os Itinerários Formativos no contexto da Reforma do Ensino Médio


    De acordo com a BNCC, a implantação de itinerários formativos configura uma estratégia para “a flexibilização da organização curricular do ensino médio” (BRASIL, BNCC, 2018a, p. 477), e podem ser construídos em torno das habilidades e competências de uma área específica, da combinação de áreas ou da formação técnica e profissional. No contexto da Reforma, os itinerários formativos, por servirem aos objetivos da adaptabilidade e da flexibilidade na formação dos jovens, podem ser compreendidos sob duas óticas: 1) da especialização, que abrange as quatro áreas (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas e sociais aplicadas), cuja finalidade é tornar os jovens do ensino médio “especialistas” em uma área de conhecimento específica; e 2) da profissionalização, que é composta pelo quinto itinerário, denominado de “formação técnica e profissional”, que de acordo com as normativas da Reforma visa promover a qualificação profissional dos jovens para ingressarem no mundo do trabalho.

    A Lei 13.415/2017 relega aos sistemas de ensino a responsabilidade pela definição dos itinerários formativos. Analisando o que os documentos da Reforma compreendem por “itinerários formativos”, percebe-se que não há uma definição objetiva e conceitual do termo. Embora a BNCC e a Lei 13.415/2017 não definam “itinerário formativo”, há na BNCC uma ressalva, em nota de rodapé, a respeito do uso do termo no contexto educacional brasileiro:


    No Brasil, a expressão “itinerário formativo” tem sido tradicionalmente utilizada no âmbito da educação profissional, em referência à maneira como se organizam os sistemas de formação profissional ou, ainda, às formas de acesso às profissões. No entanto, na Lei nº 13.415/17, a expressão foi utilizada em referência a itinerários formativos acadêmicos, o que supõe o aprofundamento em uma ou mais áreas curriculares, e também, ao itinerário da formação técnica profissional (BRASIL, BNCC, 2018a, p. 468, nota de rodapé 55).


    Nota-se que a expressão “itinerário formativo” tem antecedentes no contexto e no âmbito da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) e foi adaptada para servir ao objetivo de flexibilizar o currículo e a formação dos estudantes do ensino médio regular, seja como formação/habilitação/qualificação profissional ou aprofundamento curricular (especialização). De acordo com Teixeira et al. (2017) o uso do termo “itinerário formativo” aparece nas normativas educacionais propostas pela

    Resolução CNE/CEB 6/2012 que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio. De acordo com a Resolução CNE/CEB 06/2012 os itinerários formativos são:


    o conjunto das etapas que compõem a organização da oferta da Educação Profissional pela instituição de Educação Profissional e Tecnológica, no âmbito de um determinado eixo tecnológico, possibilitando contínuo e articulado aproveitamento de estudos e de experiências profissionais devidamente certificadas por instituições educacionais legalizadas (idem, p. 2).


    A utilização da lógica dos itinerários formativos na Reforma como estratégia para o aprofundamento/especialização e profissionalização no ensino médio regular, parece indicar que há uma tentativa de inserir nas escolas da educação básica, a mesma lógica aplicada às instituições que ofertam cursos na modalidade da EPT. A problemática que surge ao adotar a lógica da EPT para o ensino regular, não diz respeito apenas à tendência à forma de profissionalização precária e aligeirada, mas também questões ligadas às condições de funcionamento das escolas públicas regulares. Para Teixeira et al. (2017) a principal questão a ser pensada, ao adotar a mesma lógica da EPT para as escolas regulares é a de que, para implantar cursos com ênfase tecnológica é preciso investimento em equipamentos, laboratórios, contratação de pessoal, além de outros suportes para desenvolver uma formação que consiga acompanhar as mudanças sociais e do mundo do trabalho, conforme almeja o discurso presente nos documentos da Reforma.

    Em relação à formação/habilitação/qualificação profissional nas escolas de ensino médio regular, possibilitada pela inserção do quinto itinerário formativo “formação técnica e profissional”, a BNCC, ancorada nas DCNEM/2018, propõe que este itinerário ocorra de modo a promover:


    efetivamente a qualificação profissional dos estudantes para o mundo do trabalho, objetivando sua habilitação profissional tanto para o desenvolvimento de vida e carreira quanto para adaptar-se às novas condições ocupacionais e às exigências do mundo do trabalho contemporâneo e suas contínuas transformações, em condições de competitividade, produtividade e inovação, considerando o contexto local e as possibilidades de oferta pelos sistemas de ensino (BRASIL, BNCC, 2018a, p. 478).


    Na BNCC não há indicativos das formas pelas quais o quinto itinerário formativo será implementado nas escolas de ensino regular ou se será efetivamente

    formação profissional ou mera qualificação ou habilitação profissional, há apenas a referência na Lei 13.415/20179 de que os critérios para a implementação deste itinerário ficarão sob a responsabilidade dos sistemas de ensino e que deverá seguir o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNTC). De acordo com as normativas da Reforma, os itinerários podem, inclusive, gerar certificados parciais de qualificação para o trabalho e habilitação profissional, mediante comprovação de realização de cursos em outras instituições que não necessariamente a escola em que o jovem cursa o ensino médio.


    A profissionalização generalizada no ensino médio regular


    Com a reformulação curricular e a implantação dos itinerários formativos, cuja gênese está no contexto e na concepção de EPT, fica evidente a estreita relação entre a formação dos jovens no ensino médio regular e as necessidades de formação oriundas do mercado de trabalho. Neste cenário, o intuito de fornecer uma “formação básica para o trabalho” é incorporado por princípios referentes à nova configuração do mundo produtivo e a necessidade de que as escolas se adaptem a este contexto, independente se a formação do jovem é profissionalizante ou não, dado que os princípios da ”flexibilidade” e da “adaptabilidade” aparecem como fundamentos pedagógicos e formativos também para a modalidade do ensino médio regular. Nas normativas da Reforma, a “preparação para o trabalho” não configura por si uma tendência à profissionalização no ensino regular, visto que esta tendência perpassa diversos aspectos dos documentos, tanto nas finalidades quanto no léxico adotado, e tem relação com a forma como a educação é concebida frente às transformações na reprodução e acumulação do capital.

    A tendência à profissionalização expressa nas normativas da Reforma transforma-se em um mecanismo de profissionalização generalizada, pois se fixa em uma ideologia que converte as políticas educacionais em políticas de adaptação ao mercado de trabalho (LAVAL, 2019). A profissionalização generalizada é caracterizada pela difusão via educação formal, dos valores e comportamentos que os setores produtivos esperam dos futuros trabalhadores. Esse modelo de formação profissional tem acompanhado a lógica neoliberal, e, portanto, não se trata da oferta


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  6. Consultar §1º do Art. 3 da Lei 13.415/2017.

    de cursos técnicos ou de formação profissional qualitativa que tenha o desenvolvimento integral do ser humano como norte pedagógico, mas sim de cursos aligeirados e precários de capacitação e aperfeiçoamento profissional, bem como a crescente inserção de “temas profissionais” nos currículos.

    A profissionalização generalizada à qual nos referimos, têm suas raízes em uma concepção restrita de profissionalização, que vem sendo expandida para todo o sistema de ensino, com o que Kuenzer (2017) identifica como pedagogia da acumulação flexível. Kuenzer (2017) indica que na perspectiva da formação flexível propõe-se a substituição da formação especializada, adquirida em cursos de educação profissional e tecnológica, por uma formação mais geral, que poderia ser ofertada no nível da educação básica, à semelhança do proposto pela Reforma do Ensino Médio, que tanto em sua estrutura como em sua finalidade, visa à formação de trabalhadores com subjetividades flexíveis, por meio de uma base de educação geral complementada por itinerários formativos por áreas de conhecimento, incluindo a formação técnica e profissional.

    Para além da relação com a pedagogia da acumulação flexível, a profissionalização generalizada encontra referenciais nos estudos de Laval (2019), segundo o qual no contexto da economia neoliberal as escolas tornam-se espaços de realização da ideologia da profissionalização. Laval (2019), ao analisar as reformas educacionais da década de 1990 na França, conclui que a ideologia da profissionalização é resultado do estreitamento do vínculo entre o “mundo da economia” e o “mundo da escola”, em que a profissionalização, radicalizada pelo contexto neoliberal, torna-se um dos sustentáculos da nova organização escolar a nível mundial.

    Ao analisar a relação entre as políticas educacionais para o Ensino Médio Integrado e a constante absorção dos princípios da educação profissional para a modalidade de ensino médio regular, Dias (2015), assinala que o ensino médio tem sido marcado por um espírito da profissionalização, que desloca os interesses específicos da formação profissional para todo o sistema de ensino. Essa tendência tem se inserido paulatinamente nas políticas educacionais para o ensino médio. Neste sentido, a profissionalização generalizada se apresenta tanto na exortação da profissionalização “direta” (cursos técnicos e profissionalizantes), quanto na inserção de “pedagogias profissionalizantes, empresariais e mercadológicas”, além de “temas

    profissionais” nos currículos, modificando a essência e a institucionalidade escolar, como, por exemplo, a inserção do itinerário da formação técnica e profissional e da cultura empreendedora no “Novo Ensino Médio”.

    Considerando estes aspectos, a profissionalização não fica restrita ao ensino médio com ênfase na EPT, pois, na discussão sobre a profissionalização de nível médio, o ponto central não está no debate sobre as modalidades e cursos profissionais, mas na discussão sobre o sentido desta profissionalização, isto é, “mais importante ainda é a quem se destina esse ensino médio diversificado (ou especializado): aos excluídos, marginais, imigrantes, deslocados, rurais, enfim, aos que ‘necessitam’ antecipar sua vida produtiva” (DIAS, 2015, p. 137). O discurso da “formação para o trabalho” toma a forma do “discurso da empregabilidade”, da formação que tem foco na aquisição de potenciais competências que poderiam tornar os jovens “empregáveis”.

    É neste panorama, que a própria noção de “emprego” é substituída pelo discurso da “empregabilidade”. De acordo com Helal e Rocha (2011), a compreensão do termo “empregabilidade”, pode ser dividida em dois sentidos: “o empresarial (que considera a empregabilidade como a capacidade de adaptação da mão-de-obra [do indivíduo] às novas exigências do mundo do trabalho e das organizações) e o crítico (que trata a empregabilidade como um discurso, transferindo a responsabilidade pelo emprego da sociedade e do Estado para o próprio trabalhador)” (HELAL e ROCHA, 2011, p. 141, grifo dos autores). Em ambos os significados, fica latente a defesa que prevê a responsabilização individual pelo sucesso em criar, garantir e manter um posto de trabalho, ignorando que esta possibilidade é dada pela estrutura social, e não por capacidades individuais de “acumular capital humano10”.

    As normativas da Reforma do Ensino Médio defendem justamente o discurso da empregabilidade, concretizado por meio da difusão dos princípios da adaptação e da flexibilidade dos jovens ao mercado de trabalho. Nesta perspectiva, a profissionalização generalizada torna-se política educacional, denotando que a relação trabalho-educação tem assumido uma nova formatação na educação básica.


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  7. A Teoria do Capital Humano foi formulada por economistas na década de 1950 e modificou a percepção da educação, incorporando-a como fator imaterial na engrenagem de reprodução do capital. Ao considerar que o crescimento econômico estava ligado não apenas aos fatores de produção material, mas dependia também da qualidade técnica da mão de obra, era necessário que se investisse em “capital humano” para aumentar o índice de produtividade (LAVAL, 2019).

    Essa nova formatação advoga em nome de exigências econômicas e apoia-se em discursos que defendem a certificação por competências, a flexibilização, a adaptação e a busca pelo potencial de empregabilidade. A relação trabalho- educação contida no “Novo Ensino Médio”, impõe às classes sociais que dependem da educação pública a conformação às exigências formativas demandadas pelo modo de produção flexível, considerando que, para que a reprodução do capital se mantenha é preciso formatar a força de trabalho segundo esse modelo de produção. Na dinâmica da acumulação flexível a educação assume uma função vital, que na atual reformulação do ensino médio, deixa explícita a necessidade de “garantir capital humano” através do ensino formal.

    O discurso em defesa da “adaptabilidade” e da “inclusão” toma outro significado, diferente daquele que, aparentemente e utilitariamente, defende uma formação apoiada na “diversidade das juventudes11”. Ao sugerir que o jovem deva se preparar para adaptar-se frente às transformações, para que possa permanecer incluído no mundo globalizado, se está indicando que o caminho possível para a não exclusão do jovem da vida social produtiva é a capacidade de ser flexível, de acompanhar as mudanças científicas e tecnológicas, e não em promover tais mudanças. Há uma problemática que não se considera: espera-se que os jovens possam adaptar-se às transformações tecnológicas e científicas, mas não se considera que estes mesmos jovens possam ser agentes destas transformações. Promover a autonomia e a inovação - temas tão recorrentes nos documentos da Reforma - seria justamente incentivar os jovens a serem protagonistas das mudanças. Contrário à inovação e à autonomia, o que se constata é a defesa do discurso de que os jovens precisam se adaptar com flexibilidade para não serem excluídos da dinâmica social contemporânea.


    Curso de formação docente


    De acordo com o que foi discutido, a Reforma do Ensino Médio possui correspondências com a Educação Profissional, seja nos objetivos de formação para o mercado de trabalho, seja na utilização dos conceitos da EPT, mas,


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  8. No trecho da BNCC que caracteriza o ensino médio e as finalidades desta etapa, resgatou-se a definição estabelecida pelas DCNEM/2012, sobre as características dos jovens que cursam o ensino médio, definindo-os como juventudes, no plural.

    principalmente, na difusão do que denominamos de profissionalização generalizada. Partindo desta constatação, a pesquisa de campo considerou o contexto das escolas estaduais da educação básica que ofertam o ensino médio, uma vez que são nas escolas que as mudanças ocorrerão de forma massiva e decisiva. Neste contexto, foi desenvolvido um Curso de Formação para professores, que teve como objetivos ser tanto um instrumento de informação sobre a temática, quanto uma forma de avaliar coletivamente como os profissionais da educação estão se orientando e se posicionando frente à temática da profissionalização no ensino médio regular.

    O Curso de Formação foi desenvolvido em uma escola estadual no município de Poços de Caldas/MG, que oferta ensino médio regular e as duas fases do ensino fundamental, além do ensino médio na modalidade EJA, no período noturno. A escola situa-se entre a região central e as regiões periféricas do município. De acordo com o Projeto Político Pedagógico 2017-2019 desta instituição, o corpo discente é constituído por estudantes de diversos bairros da cidade, classificando o nível socioeconômico como médio/baixo, constituindo um meio cultural bastante heterogêneo. Em 2019 a escola atendeu 869 estudantes, e contava com 92 funcionários no quadro de pessoal, entre gestores, docentes, técnicos administrativos e auxiliares da educação básica.

    O curso teve duração de 6 horas, divididos em três encontros de 2 horas cada, que ocorreram nos meses de setembro, outubro e novembro de 2019. A participação dos profissionais da escola ocorreu de forma voluntária, contando com a presença de 12 a 18 pessoas no decorrer das etapas do curso. Buscando resguardar a privacidade dos participantes, não será necessário fornecer a identificação dos sujeitos envolvidos, pois basta identificar a categoria na qual a escola se enquadra e situá-la no contexto e na conjuntura da cidade.


    Metodologia e procedimentos


    Considerando que o arcabouço conceitual dos profissionais da educação básica encontra-se, em muitos casos, distante das discussões em EPT, dado a especificidade dos campos de atuação, e considerando o fato de que o novo formato do ensino médio abrirá a possibilidade de inserção da formação técnica e

    profissional nas escolas de ensino médio regular, o percurso realizado no curso de formação teve o intuito de afunilar a temática abrangente da Reforma do Ensino Médio, para a questão específica da profissionalização no ensino médio regular. Sendo assim, os procedimentos no decorrer do Curso de Formação foram dispostos em três etapas: 1) apresentação das principais mudanças propostas pela Reforma do Ensino Médio e diagnóstico via análise SWOT; 2) apresentação, estudo dirigido e realização de grupo focal a respeito da estrutura curricular do ensino médio e a inserção dos itinerários formativos; 3) apresentação da concepção de EPT nos documentos da Reforma e a realização da dinâmica World Café, a fim de aprofundar as discussões das etapas anteriores.

    Como metodologia de coleta de dados na primeira etapa do curso, adaptou- se a ferramenta de planejamento SWOT, a fim de realizar um diagnóstico sobre a percepção dos participantes em relação às mudanças no ensino médio. A ferramenta SWOT foi formulada pela área da administração e é comumente utilizada no planejamento estratégico de uma instituição. A análise SWOT consiste em fazer o levantamento dos pontos fortes e fracos internos a uma instituição, bem como realizar um diagnóstico das oportunidades e riscos externos à organização de um projeto (LEITE e GASPAROTTO, 2018). A análise via SWOT pode ser adaptada para realizar o diagnóstico e o planejamento de qualquer organização, pública ou privada. No contexto do presente trabalho, o uso adaptado desta ferramenta teve por objetivo fazer uma integração entre os elementos internos e externos à Reforma do Ensino Médio, possibilitando que os participantes fizessem conexões entre os aspectos sociais, econômicos e pedagógicos que a motivaram.

    Na segunda etapa, como método de intervenção dialógica e de coleta de dados, adotou-se a técnica de grupos focais, que de acordo com Kind (2004) podem ser definidos como:


    [...] um procedimento de coleta de dados no qual o pesquisador tem a possibilidade de ouvir vários sujeitos ao mesmo tempo, além de observar as interações características do processo grupal. Tem como objetivo obter uma variedade de informações, sentimentos, experiências, representações de pequenos grupos acerca de um tema determinado. (idem, p. 3).


    Para o desenvolvimento do grupo focal foram consideradas as seguintes etapas: abertura, preparação, debate, encerramento, ação posterior. A abertura

    consiste em apresentar e explicar os objetivos do grupo, e assegurar para os participantes que não existem opiniões corretas, que opiniões contrárias são bem- vindas e que não há interesse em nenhuma opinião em particular. A preparação consiste na apresentação dos participantes e das ideias iniciais da temática. O debate consiste na aproximação do grupo com os objetivos da pesquisa, em que perguntas são feitas partindo de um temário12 semiestruturado, em que a inserção de perguntas não previstas pode ser realizada quando houver necessidade. O encerramento é realizado fazendo uma síntese do que foi discutido com o propósito de identificar, de maneira conjunta, os principais temas abordados e consolidar os sentimentos do grupo acerca de algumas questões. A ação posterior visa verificar se as necessidades de informação foram satisfeitas, se será necessário abordar determinado tema de forma mais aprofundada.

    Na metodologia utilizada na terceira etapa, adaptou-se a dinâmica World Café. De acordo com Brown e Isaacs (2008), o World Café capacita líderes e outras pessoas que trabalham com grupos a criar intencionalmente redes dinâmicas de conversação e inteligência mútua em torno de questões críticas. Considerando as características do World Café, a adaptação desta dinâmica para o curso de formação teve um duplo objetivo: como proposta de ação coletiva, possibilitando que os participantes construíssem sugestões e soluções para a problemática da inserção dos itinerários formativos de especialização e profissionalização nas escolas de ensino médio regular; e como forma de verificar a efetividade do curso de formação, analisando se os conceitos abordados nas etapas anteriores haviam sido incorporados na percepção dos participantes a respeito da temática.


    Análise de dados


    A análise de dados segue a proposta de Krueger (2002), em que foram considerados os seguintes pontos: as palavras e seus significados, o contexto profissional dos participantes, a frequência com que determinados tópicos aparecem nas discussões e a especificidade das respostas em relação ao tema.

    As respostas fornecidas pelos participantes na primeira etapa do curso direcionam-se aos aspectos positivos e negativos da Reforma do Ensino Médio, e às


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  9. Guia de perguntas a partir de temas.

motivações e limites à sua implantação no Sistema Estadual de Ensino de Minas Gerais, especificamente na escola que foi objeto da pesquisa.

Como aspectos positivos, os participantes apontaram a possibilidade de escolha dos itinerários formativos pelos estudantes; a flexibilidade curricular; a possibilidade da inserção de cursos profissionalizantes na grade curricular do ensino médio regular; a possiblidade de aproveitamento de cursos extraescolares para integralização da carga horária, como, por exemplo, cursos de inglês e cursos fornecidos pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI); alguns participantes apontaram que a Reforma parece acompanhar as necessidades e as mudanças que estão ocorrendo no mercado de trabalho.

Como aspectos negativos, foram apontados: a falta de infraestrutura e de investimento nas escolas públicas; a impossibilidade dos jovens que trabalham, de cursarem o ensino médio em tempo integral, pela necessidade que muitos têm de contribuir com o orçamento familiar; a impossibilidade do itinerário formativo de interesse do estudante ser ofertado nas escolas perto de sua residência; a imaturidade de alguns jovens em escolher uma área de estudo e se especializarem nela (no caso dos itinerários formativos de especialização), bem como a pressão psicológica para escolher de maneira precoce um determinado campo de saber em que poderá atuar profissionalmente (no caso do itinerário da profissionalização).

Em relação às motivações externas à escola para a implantação da Reforma do Ensino Médio, os participantes apontaram que: visa à diminuição da evasão escolar e à melhoria na qualidade de ensino; busca qualificar mão de obra para o mercado de trabalho, por isso há a implantação do quinto itinerário formativo (formação técnica e profissional); a oferta de itinerários formativos em áreas específicas, principalmente no ensino profissional, visa à qualificação de “mão de obra barata”; há uma exigência do mercado de trabalho em melhorar a educação, pois não há profissionais formados em muitas áreas que são novas.

No que diz respeito às dificuldades para implantar a Reforma do Ensino Médio, os participantes apontaram que: a estrutura física das escolas e a falta de financiamento dificultam a implantação do ensino médio de tempo integral; falta de demanda de alunos para cursarem o ensino médio integral em regiões onde há concentração de pobreza, haja vista que a maioria dos jovens em idade escolar já

trabalha; organização da oferta dos itinerários formativos que garanta que todos os estudantes possam escolher efetivamente a área de estudo de seu interesse, considerando aspectos como deslocamento e horário escolar na oferta de tais itinerários (contra turno); organização, mobilização e convencimento dos profissionais em educação dos aspectos positivos da Reforma.

Apesar de o “Novo Ensino Médio” ser defendido pelo Ministério da Educação (MEC) como instrumento capaz de melhorar a qualidade do ensino médio, e ser veiculado nos meios de comunicação como a solução aos problemas do ensino médio, percebe-se pelas respostas dos participantes que há consciência dos diversos aspectos negativos da Reforma. Os participantes também demonstraram que percebem que as motivações para a reformulação do ensino médio excedem as preocupações puramente pedagógicas, pois apontaram que estas vão ao encontro de demandas econômicas. Do mesmo modo, consideram que as dificuldades na implantação da Reforma, irão esbarrar em problemas estruturais e financeiros, que não são exclusividade das escolas públicas mineiras.

Na segunda etapa o tema principal centrou-se na nova estrutura curricular do ensino médio dividida em dois eixos (formação geral básica e itinerários formativos). O objetivo era discutir com os docentes a inserção dos itinerários formativos, para na terceira etapa abordar os itinerários sob a perspectiva da especialização e profissionalização no ensino médio regular.

Em relação às justificativas apresentadas nos documentos oficiais para a implantação da Reforma e sua correspondência com a realidade no cotidiano escolar, as respostas dos participantes expressaram o dissenso em relação ao tema. Alguns participantes apontaram que as justificativas estão incorretas, pois o objetivo da Reforma seria formar mão de obra barata, que percebem que o que está ocorrendo é que “a escola está tomando a responsabilidade da empresa pela formação dos seus empregados” - referindo-se à relação que as competências a serem desenvolvidas no ensino médio têm com as necessidades de formação dos trabalhadores, principalmente nas áreas de tecnologia. Outros participantes apontaram que as justificativas estão corretas, porque “cada vez mais os alunos não tem condições de fazer um vestibular ou passar por um processo seletivo com êxito”, referindo-se à justificativa de que os estudantes do ensino médio são mal posicionados nas avalições externas e nos rankings que medem a aprendizagem.

Sobre os pontos positivos da inserção dos itinerários formativos, os participantes apontaram que melhoraria a formação dos jovens, caso os itinerários fossem ofertados com qualidade, e que no caso de ofertar o quinto itinerário (formação técnica e profissional) auxiliaria os jovens de baixa renda a serem contratados por grandes empresas, pois “na área técnica tem mais emprego e as indústrias contratam mais”. Sobre os pontos negativos da inserção dos itinerários formativos, os participantes apontaram que a possível profissionalização no ensino médio regular, haja vista inserção do quinto itinerário formativo, diminuirá o ingresso no ensino superior, sobretudo dos jovens oriundos da escola pública; a inserção dos itinerários formativos poderá ser voltada para a utilidade de determinado saber gerando “diminuição do pensamento crítico” e aumento na evasão escolar se, por causa dos itinerários o ensino médio for de tempo integral.

Em relação à definição do que compreendem por “educação integral”, de um modo geral, os participantes definiram sob duas perspectivas: por um lado definiram como o domínio de diversos conhecimentos, inclusive conhecimentos necessários à atuação dos jovens no mercado de trabalho (“Educação integral é ter conhecimento de tudo um pouco e também se preocupar com o mercado de trabalho”); e por outro lado, esboçaram uma visão crítica ao definirem a educação integral como o mecanismo pelo qual o governo força os jovens a permanecerem na escola e assim “aprofundar o ensino tecnicista ao invés de humanizar os alunos”.

Os participantes foram solicitados a comparar a proposta de educação integral presente na Reforma do Ensino Médio com a concepção que possuíam de educação integral. As respostas esboçaram o conflito entre a necessidade de uma educação voltada para as demandas do mercado de trabalho e a defesa por uma educação humanista. Os participantes que apontaram que se aproxima, justificaram sua resposta com base na questão anterior, pois têm a compreensão que a oferta do ensino médio por áreas de conhecimento e por itinerários formativos aumenta o arcabouço de conhecimento dos estudantes. Os participantes que apontaram que se distancia, o fizeram por defender que o novo formato do ensino médio visa atender os interesses econômicos.

Questionados sobre de que forma as mudanças da Reforma afetaria o trabalho docente, o principal ponto que os participantes indicaram foi em relação à organização curricular que contemple todos os profissionais formados em

determinadas áreas, o que poderá acarretar que os docentes necessitem atuar em áreas diferentes de sua formação inicial; demonstraram preocupação em relação à contratação de profissionais com “notório saber”, pois compreendem que haverá um descrédito aos profissionais formados em licenciatura; apontaram que a introdução de carga horária EAD também irá diminuir os postos de trabalho; apontaram também que os professores vão precisar se adaptar e se atualizar constantemente devido às inovações tecnológicas que ocorrem na sociedade e a exigência de que a escola acompanhe estas mudanças.

Sobre as dificuldades que a escola enfrentará na reformulação do ensino médio, o principal empecilho apontado pelos participantes foi recorrente em diversos momentos do curso, e diz respeito à precariedade da infraestrutura das escolas públicas e a falta de investimento e materiais e espaços pedagógicos que permitam o desenvolvimento da nova proposta de ensino médio. Também indicaram que há um excesso de conteúdo a ser trabalhado em sala com os alunos, e há diversos fatores que limitam a possibilidade de trabalhar estes conteúdos, com o aumento da exigência devido à reformulação curricular será difícil conseguir “ensinar o básico” (referindo-se ao fato da incorporação dos itinerários formativos no currículo).

Outros pontos que não foram abordadas de modo sistemático nas questões do grupo focal, surgiram na finalização do encontro. Os participantes levantaram questões sobre a possibilidade de o novo formato do ensino médio ter o intuito de diminuir o acesso às universidades públicas, haja vista que haverá a possibilidade de se especializar e/ou adquirir certificados de qualificação para ao trabalho na educação básica, não havendo necessidade de o Estado ofertar educação superior. Outra observação feita pelos participantes tem relação com a obrigatoriedade dos estudantes de cursarem ao menos um itinerário formativo, e exemplificaram que, se em uma determinada escola há apenas o itinerário da formação técnica e profissional, o estudante não deveria ser obrigado a cursá-lo se não for de seu interesse, haja vista que o ensino profissional diz respeito à opção por uma carreira e não deveria servir apenas para integralizar os créditos obrigatórios do ensino médio.

A temática da terceira etapa do curso tem relação específica com a profissionalização no ensino médio regular, e segue a análise de dados proposta por Krueger (2002).

Sobre a escolha dos itinerários na escola em questão e os critérios para realizar tal escolha, os participantes apontaram que: de acordo com o perfil da escola o itinerário adequado seria da formação técnica e profissional, considerando que os estudantes já estão inseridos no mercado de trabalho; também apontaram que os itinerários devem ser escolhidos dentre aqueles componentes curriculares que não são obrigatórios (português e matemática) e que contemplem pelos menos duas áreas distintas. Em relação aos critérios de escolha, apontaram que deveria ser condizente com a realidade sociocultural do contexto em que escola está inserida, com sua infraestrutura e com os possíveis financiamentos realizados pelo poder público; a escolha dos itinerários também deveria ser feita sem prejudicar nenhum docente; também apontaram que não seria possível ofertar os itinerários, pois os estudantes trabalham no contra turno.

Como aspectos positivos da profissionalização no ensino médio, apontaram: a capacitação dos estudantes; “em um cenário ideal” a possibilidade real de escolha do curso técnico; o estímulo aos estudantes que não ingressarão na educação superior. Também apontaram que seria um aspecto positivo para as empresas que reduziriam os gastos com capacitação de profissionais, uma vez que as escolas públicas se encarregarão desta função. A tensão entre interesses econômicos e interesses pedagógicos de uma formação humanista, é evidente em diversos relatos dos participantes, o que demonstra que há por parte de alguns docentes, uma visão crítica a respeito da direção que a educação pública está tomando, bem como percebem que está ocorrendo uma ressignificação da função social da escola e, consequentemente, de seu papel docente.

Como aspectos negativos, apontaram que a formação técnica e profissional nas escolas de ensino médio regular, visa primeiramente à formação de “futuros funcionários” em detrimento da “formação de seres humanos”; o aumento da evasão escolar (ao menos no início do novo formato de ensino); a redução da carga horária destinada aos componentes curriculares básicos (de 800 horas anuais para 600 horas anuais, considerando a carga horária de até 1.800 nos três anos); precarização do ensino profissional, dada a falta de estrutura das escolas públicas de ofertarem cursos técnicos e qualificação profissional com qualidade; a falta de clareza da proposta, que indica a oferta de cursos técnicos, quando na realidade poderá ofertar apenas cursos de qualificação profissional; falta de preparo dos

docentes para atuar na educação profissional.

O aumento da carga horária de permanência dos estudantes na escola, para realização de cursos técnicos e de qualificação profissional aparece tanto como aspecto positivo, quando se refere ao contexto em que a escola está inserida (violência nas ruas, falta de perspectiva dos estudantes etc.) e às oportunidades que um curso técnico gera aos estudantes de baixa renda; quanto como aspecto negativo, na defesa de que o tempo de permanência do estudante na escola pode impedi-lo de trabalhar, aumentando o índice de evasão escolar. Pôde-se perceber um dissenso em relação à escola de tempo integral: por um lado há a compreensão da escola de tempo integral como empecilho na formação dos estudantes, considerando que já são trabalhadores; e por outro lado há a defesa de que a escola de tempo integral poderia ofertar cursos profissionalizantes e assim preparar os estudantes para o mercado de trabalho.

Sobre quais seriam os motivos para a oferta de itinerários formativos em uma área de conhecimento, os principais tópicos apresentados pelos participantes demonstraram a dupla percepção de “educação integral” que apresentaram na segunda etapa do curso. Os pontos recorrentes apresentados foram que os itinerários de especialização serão implantados para aprofundar as habilidades dos diversos componentes curriculares; que os itinerários têm a função de modificar os modelos pedagógicos tradicionais, inserindo a interdisciplinaridade. Em uma visão crítica, apontaram que o objetivo da especialização no ensino médio é criar “proletariado”; também indicaram que o objetivo geral da Reforma do Ensino Médio é diminuir os investimentos públicos nas escolas e abrir a possibilidade de investimentos privados na educação básica, pois as escolas não possuem condições de ofertar os itinerários com qualidade, sendo o “pretexto” para receber auxílio de empresas.

Finalizando esta etapa, os participantes foram perguntados sobre as experiências que já tiveram com a Educação Profissional e Tecnológica em algum momento de suas vidas. Com esta questão sobre os relatos de experiência na educação profissional, buscou-se compreender de que forma os participantes percebem sua relação com a EPT e que limites e possibilidades encontraram no decorrer de suas experiências docentes. As percepções dos participantes variaram entre experiências positivas e bem sucedidas e experiências negativas e frustrantes.

Dentre os relatos de experiências positivas, encontram-se as vivências dos participantes enquanto estudantes do ensino médio concomitante ao ensino técnico, na rede municipal e privada, em que havia condições de infraestrutura para o desenvolvimento das atividades ligadas aos cursos profissionais; a vivência enquanto docente de escola privada que oferta curso técnico, também com boas condições de infraestrutura e materiais para o desenvolvimento do trabalho com qualidade, em que os estudantes são na maioria bolsistas e pelo curso técnico ser uma escolha do aluno, mostram-se interessados e dedicados; a experiência docente em uma instituição pública de ensino voltada à oferta de cursos técnicos para o setor de comércio, em que o participante sentiu necessidade de voltar a estudar para atender as necessidades específicas do curso no qual ministrou uma disciplina.

Os relatos de experiências negativas se relacionam quase em sua totalidade, com aspectos materiais, de infraestrutura e de organização das instituições públicas em que atuaram, por carência de recursos e espaços específicos para as práticas necessárias à formação profissional dos estudantes. Segundo os relatos havia inúmeras dificuldades em relacionar a teoria e a prática nos cursos técnicos, ora por falta de recursos, ora por falta de formação específica. Outro ponto levantado foi que a modalidade de ensino técnico concomitante ao ensino médio, seria o modelo de educação profissional mais proveitoso no qual os docentes atuaram, pois não altera em nada a formação básica dos estudantes e permite que escolham efetivamente seguir uma carreia profissional (em referência a “falsa” possibilidade de escolha proposta pela Reforma do Ensino Médio).

Percebeu-se a partir da fala dos participantes a respeito do quinto itinerário, o cerne da problemática que esta pesquisa buscou evidenciar: a inserção de um itinerário voltado à formação técnica e profissional nas escolas estaduais de ensino regular via Reforma, não representa o modelo de educação profissional que almeja o desenvolvimento integral dos estudantes. Considerando as evidências apontadas pelos participantes, da falta de possibilidades materiais de fornecer uma educação técnica de qualidade nas escolas estaduais de ensino regular, pode-se concluir que o objetivo da Reforma é claro: fornecer um tipo de formação denominada de “profissional”, que, no entanto, se limita a cursos curtos de aperfeiçoamento e de qualificação para ao trabalho, seguindo as necessidades imediatas, produtivas e ideológicas, do mercado de trabalho, sem considerar o que teoricamente defende

que é uma educação preocupada com a diversidade cultural das juventudes e que visa à educação integral dos jovens.


Considerações finais


Da análise das normativas da Reforma, resultou a percepção de que as políticas educacionais para o ensino médio estão mais alinhadas à lógica econômica do que à finalidade ontológica da educação, e o meio pelo qual este alinhamento se define é o discurso em prol da formação dos jovens para o mercado de trabalho, que neste cenário é expresso pela defesa da formação “flexível” e da capacidade de “adaptar-se” às transformações sociais, econômicas e tecnológicas.

Na pesquisa de campo, através do Curso de Formação, percebeu-se que os relatos dos participantes, esboçava uma percepção prévia da relação trabalho- educação e do ensino profissional em nível médio, que foi sendo reelaborada no decorrer do curso. Notou-se que após a terceira etapa do curso os participantes passaram a apropriar-se de determinados conceitos de forma mais elaborada, distinguindo as várias modalidades da profissionalização na educação básica. Outro ponto levantado pelos participantes ao final do curso, que esboça a apropriação dos conceitos relativos à temática da pesquisa, foi o fato de apontarem para uma aparente contradição nos documentos oficiais, em relação ao novo formato do ensino médio, que propõe trabalhos colaborativos ao mesmo tempo em que defende a lógica da competitividade do mercado de trabalho, com o incentivo à qualificação profissional nas escolas de ensino médio regular.

Em decorrência da análise do estreitamento entre a educação pública e aspectos econômicos, a conclusão a que se chega se refere à forma de ensino precário e ilusório que os jovens das camadas populares terão acesso quando da consolidação da Reforma, haja vista que em sua “versão piorada” atingirá negativamente as escolas públicas. O juízo negativo que se faz à proposta da Reforma não é apenas à transposição de valores empresariais para a educação pública, mas uma crítica que é válida para toda forma de ensino que não tenha como fundamento a busca pela autonomia e pelo desenvolvimento do potencial humano em todas as suas dimensões.

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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


A PRECARIEDADE EM CASCATA: O PROVIMENTO DO CARGO DOS SUPERVISORES DE ENSINO NO ESTADO DE SÃO PAULO1


Beatriz Garcia Sanchez2

Selma Venco3


Resumo

O presente artigo debate as formas de provimento do cargo de supervisor de ensino adotadas pelo governo paulista. A pesquisa, de caráter documental, aponta a presença do conceito aqui forjado como “precariedade em cascata”, uma vez que o cargo de supervisor de ensino passa a ser ocupado por profissional designado, um diretor de escola ou professor titular de cargo que, por sua vez, tem seu cargo atribuído a um professor concursado. Face à escassez de concursos públicos no estado, sobretudo para professores, finda por desaguar na contratação massiva de docentes em caráter temporário.

Palavra-chave: Supervisor de ensino; política educacional; Relações de trabalho; precariedade.


PRECARIEDAD EN CASCADA: DISPOSICIÓN DEL CARGO DE SUPERVISORES DE ENSEÑANZA EN EL ESTADO DE SÃO PAULO


Resumen

En este artículo se analizan las formas de cubrir el cargo de supervisor docente adoptadas por el gobierno de São Paulo. La investigación documental apunta a la presencia del concepto aquí forjado como “precariedad en cascada”, ya que el cargo de supervisor docente es reemplazado por un profesional designado, un director escolar ou maestro publico que, a su vez, tiene su rol puesto asignado a un maestro público. Ante la escasez de concursos públicos en el estado, especialmente de docentes, termina desembocando en la contratación masiva de docentes temporales.

Palabra clave: Supervisor de enseñanza; políticas públicas en educación; Relaciones laborales; precariedad.


PRECARITY IN CASCADE: THE WAYS OF CONTRACT OF SUPERVISORS IN SÃO PAULO’STATE


Abstract

This article discusses the labor relations adopted by the state government of São Paulo with teaching supervisors. The documentary research points to the presence of the concept forged here as “precarity in cascade”, since the position of teaching supervisor is now occupied by a designated professional, usually by a principal or a public teacher who, in his turn, is assigned to a teacher. In view of the scarcity of public selection for all professional segments, especially for teachers, it ends up flowing into the massive hiring of temporary teachers.

Keyword: Supervisor; Educational policy; work relationships; precarity.


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1 Artigo recebido em 21/12/2020. Primeira avaliação em 20/03/2021. Segunda avaliação em 05/04/2021. Aprovado em 19/04/2021. Publicado em 27/05/2021.

DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.47765.

2 Mestre em educação pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Pedagoga e historiadora. Supervisora de ensino efetiva, na Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEDUC/SP).

Lattes: http://lattes.cnpq.br/7079800826913039; ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4341-9859.

3 Pós-doutora em Sociologia do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Graduação em Ciências Sociais: Sociologia, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC. Professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP.

E-mail: svenco@unicamp.br; ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2637-3687; Lattes: http://lattes.cnpq.br/8164993192480435.

Introdução


Este artigo objetiva caracterizar o cargo de supervisor de ensino na Secretaria da Educação do estado de São Paulo, particularmente suas atribuições e formas de provimento. São destacadas as especificidades assumidas pelo cargo no referido estado, tendo em vista que, em outros estados brasileiros, este profissional realiza seu trabalho apenas dentro das escolas, com ações junto aos professores, referentes a questões pedagógicas como currículo, metodologias de ensino, avaliação, entre outras, ou seja, é um supervisor que atua dentro da unidade escolar e se constitui em supervisor daquela escola especificamente. No caso da SEESP, os supervisores de ensino estão alocados nas Diretorias de Ensino e sua atuação é no sistema de ensino, tendo sob sua responsabilidade o conjunto das escolas do sistema de ensino estadual, compreendendo as estaduais, privadas e municipais sem sistema próprio. No caso das escolas particulares e municipais do estado de São Paulo, a supervisão, pelo estado, ocorre apenas naquelas que ofertam ensino fundamental e/ou ensino médio; e nas que oferecem apenas a educação infantil a supervisão é responsabilidade do município.

Desta forma, enquanto em grande parte dos estados brasileiros e Distrito Federal, o cargo assume um papel de supervisão escolar, ao atuar somente na escola da rede de ensino à qual se vincula, no estado de São Paulo sua ação refere-se a um trabalho mais amplo, no Sistema de Ensino sob a responsabilidade do Estado, sendo esse um diferencial importante entre os profissionais, no Brasil.

Os resultados aqui apresentados reúnem estudos individuais das autoras e outro oriundo de pesquisa coletiva4, cujo objetivo era analisar 24 anos (1995-2018) da política educacional no estado de São Paulo, tendo à frente o mesmo partido político e que, portanto, apresenta um recorte do estudo, à medida que analisa as formas de provimento do cargo de supervisor de ensino na série histórica pesquisada.


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4 Pesquisa financiada pela FAPESP, processo nº 2018/09983-0. O estudo foi coordenado pela Profª Drª Márcia Jacomini (Unesp) e Profº Dr Sérgio Stocco (Unesp), o qual foi subdividido em grupos de trabalho, dentre eles o de Relações e Condições de Trabalho dos profissionais da educação, coordenado pelas Profªs Drªs Selma Venco e Andreza Barbosa.

A constituição do cargo de Supervisor de Ensino no estado de São Paulo ocorre em 19745, inspirada nos antigos inspetores de ensino. Silva Junior (1984) considera um marco importante para entender a motivação da criação do cargo na década de 1970, o Parecer nº 252 do Conselho Federal de Educação (CFE), publicado em 1969, que organizou o curso de Pedagogia em quatro habilitações: administração, inspeção, supervisão e orientação.

Assim, o cargo de supervisor de ensino no estado de São Paulo é criado no contexto da ditadura empresarial-militar no Brasil, sob a égide da pedagogia tecnicista, inspirada nos princípios da racionalidade, sendo que esse profissional passa a ocupar o mais alto cargo da carreira do magistério, exercendo o controle e a fiscalização do trabalho desenvolvido pelos professores e diretores de escola.


Caracterização do cargo e suas atribuições


A despeito da criação do cargo de supervisor pedagógico ter ocorrido por meio da Lei Complementar nº 114, de 13 de novembro de 1974, suas atribuições foram definidas pelo Decreto n. 5.586, de 5 de fevereiro de 1975. No ano seguinte, pelo Decreto nº 7.510, ocorre a reorganização da Secretaria da Educação, quando as áreas de atuação da supervisão são cindidas entre as curriculares e as administrativas (Quadro 1). Tal aspecto é criticado por autores, a exemplo de Silva Junior (1984), pois combate a dissociação dos aspectos administrativos e pedagógicos na atuação do supervisor de ensino e reiterado por Sanchez (2018, p.82), que pondera: “ainda que estes aspectos demandem tarefas diferenciadas por parte dos supervisores de ensino, ganham significado e sentido, se estiverem voltados para garantir a aprendizagem dos alunos”.


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5 A Lei Complementar 114/1974 – Primeiro Estatuto do Magistério Público Estadual Paulista –, publicada em 13/11/1974, instituiu legalmente a supervisão na Secretaria de Estado da Educação, com a criação do cargo de supervisor pedagógico. Somente em 1978, com a publicação da Lei Complementar nº 201, de 09 de novembro de 1978, é que no parágrafo único do artigo 74 fez-se a alteração da denominação dos cargos de supervisor pedagógico para supervisor de ensino.

Quadro 1 - Legislação atribuições e perfis – Supervisor de Ensino


Documento legal

Assunto

Decreto n. 5.586, de 5 de fevereiro de 1975

Dispõe sobre atribuições dos cargos e funções do Quadro do Magistério (sem revogação expressa)

Decreto n. 7.510, de 29 de janeiro de 1976

Reorganiza a Secretaria de Estado da Educação (revogado pelo Decreto n° 57.141 de 18/07/2011)

Lei complementar nº 744, de 28 de

dezembro de 1993

Institui vantagens pecuniárias para os integrantes da classe de supervisor de ensino do Quadro do Magistério (sem revogação expressa)

Decreto n. 39.902, de 1 de janeiro de 1995

Altera os Decretos nº 7.510, de 29 de janeiro de 1976, e 17.329, de 14 de julho de 1981, reorganiza os órgãos regionais e dá providências correlatas. (revogado pelo Decreto n° 57.141 de 18/07/2011)

Comunicado SE – DOE 30-07-2002

retificado em 16-08-

2002

Comunica às autoridades de ensino e aos interessados que fará realizar concurso público de provas e títulos para o preenchimento de cargos de supervisor de ensino, disponíveis no quadro de recursos humanos da SEE/SP, na conformidade do perfil de profissional desejado e dos referenciais teóricos que fundamentam o exercício da função.


Instruções Especiais SE – 3, de 11-4-2008

Expede e torna públicas as Instruções Especiais que regerão o Concurso Público de Prova e Títulos, para provimento de 372 (trezentos e setenta e dois) cargos, e outros que vierem a surgir no decorrer do prazo de validade do concurso de Supervisor de Ensino – SQC-II-QM, da classe de Suporte Pedagógico do Quadro do Magistério da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, por nomeação, a ser realizado em nível de Estado, por empresa regularmente contratada para este fim.

Resolução SE 90, de 3-12-2009

Dispõe sobre a definição de perfis profissionais e de competências e habilidades requeridos para Supervisores de Ensino e Diretores de Escola da rede pública estadual e as referências. (revogada pela Resolução SE – 70, de 26-10-2010)


Resolução SE – 70, de 26-10-2010

Dispõe sobre os perfis profissionais, competências e habilidades requeridos dos educadores da rede pública estadual e os referenciais bibliográficos que fundamentam os exames, concursos e processos seletivos, e dá providências correlatas. (revogada pela Resolução SE 52, de 14-8-2013)


Resolução SE-13, de 3-3-2011

Altera o Anexo que integra a Resolução SE-70, de 26-10-2010, que dispõe sobre os perfis profissionais, competências e habilidades requeridos dos educadores da rede pública estadual e os referenciais bibliográficos que fundamentam os exames, concursos e processos seletivos, e dá providências correlatas. (revogada pela Resolução SE 52, de 14-8-2013)

Decreto nº 57.141, de 18 de julho de 2011

Reorganiza a Secretaria da Educação e dá providências correlatas. (revogado em parte pelo Decreto nº 64.187, de 17 de abril de 2019)


Resolução SE 52, de 14-8-2013

Dispõe sobre os perfis, competências e habilidades requeridos dos Profissionais da Educação da rede estadual de ensino, os referenciais bibliográficos e de legislação, que fundamentam e orientam a organização de exames, concursos e processos seletivos, e dá providências correlatas. (revogada pela Resolução SE 50, de 07/8/2018)


Resolução SE 50, de 07/8/2018

Dispõe sobre perfil, competências e capacidades técnicas requeridos aos Supervisores de Ensino da rede estadual de ensino, e sobre referenciais bibliográficos e legislação, que fundamentam e orientam a organização de concursos públicos e processos seletivos, avaliativos e formativos, e dá providências correlatas.

Decreto nº 64.187, de 17 de abril de 2019

Reorganiza a Secretaria da Educação e dá providências correlatas.

Fonte: SANCHEZ, 2018, p. 195.

As resoluções posteriores ao Decreto nº 7.510, de 29 de janeiro de 1976, que estabelecem o perfil profissional do supervisor de ensino, e mesmo os Decretos nº 57.141, de 18 de julho de 2011 e nº 64.187, de 17 de abril de 2019, ambos voltados à reorganização da Secretaria da Educação, não fazem menção às dimensões administrativas apartadas das pedagógicas.


A passagem do Estado Burocrático ao Gerencial: as repercussões no trabalho do supervisor


O Estado Burocrático veio a atender os anseios do capitalismo industrial emergente, que demandava nítida separação do Estado ao rei e mecanismos para controlar o apadrinhamento e a corrupção desmedida. O mesmo Estado Burocrático, passa a apresentar sinais de esgotamento desde o regime militar, o qual não optou por profissionalizar a administração pública e culmina em sua inadequação, segundo Bresser-Pereira (1996), com a Constituição de 1988, quando:


se salta para o extremo oposto e a administração pública brasileira passa a sofrer do mal oposto: o enrijecimento burocrático extremo. As consequências da sobrevivência do patrimonialismo e do enrijecimento burocrático, muitas vezes perversamente misturados, serão o alto custo e a baixa qualidade da administração pública brasileira (BRESSER-PEREIRA, 1996, p.3).


Esse, por sua vez, dará lugar ao Estado Gerencial, com a efetivação da Nova Gestão Pública no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). A despeito de compreender-se que valores neoliberais vinham sendo adotados desde o governo Collor (1990-1992), com ampla divulgação da morosidade e ineficiência do Estado, será com FHC que medidas legais são aprovadas e atestam a passagem ao Estado Gerencial.

Para além da abertura ao setor privado para atuar no setor público, são importados do setor empresarial valores e práticas, a exemplo da lógica quantitativista por resultados (ainda que imputados a contextos extremamente heterogêneos), competitividade, accountability, entre outros.

No estado de São Paulo, um dos laboratórios das políticas federais nos anos 1990, são verificados, na educação, programas e projetos alicerçados no ideário gerencialista ao privilegiar: a performatividade, a competitividade, o alcance de metas, resultados e a meritocracia, a avaliação 360º (VENCO, MATTOS, 2019), o Método de

Melhoria de Resultados (MMR) e, destaque-se: implementados por meio de contratos com empresas, em nítida ação privatista.

Nesse cenário, coube aos supervisores de ensino a função de controlar, nas instâncias regionais e escolares, os processos de implementação de políticas e programas de governo na área da educação paulista.

É importante considerar que a partir de 2002 observa-se, de maneira mais incisiva na legislação responsável pelas atribuições e perfis profissionais dos supervisores de ensino, a inserção de um léxico gerencialista. Neste sentido, a caracterização desses apresenta-se sustentada no desenvolvimento de competências e habilidades requeridas para a prática profissional. Segundo Sanchez (2018, p. 170), passa a ocorrer:


a introdução crescente do ideário neoliberal e de práticas gerencialistas na SEE/SP, levando à implementação de programas e projetos ancorados em uma política que privilegiou a performatividade, a competitividade, o alcance de metas e resultados e a meritocracia. Aos supervisores de ensino, que, conforme a legislação, se constituem em responsáveis pela consolidação de políticas e programas do sistema de ensino, coube o papel de controle desses processos nas instâncias regionais e escolares. O estabelecimento de um perfil ancorado em competências e habilidades buscou moldar um supervisor de ensino que executasse seu trabalho com a marca da eficiência, da flexibilidade, da criatividade, da articulação, da liderança, da versatilidade, da mediação; e que reproduzisse, na relação com as escolas, discursos e práticas que privilegiassem a adesão voluntária, e não a sanção disciplinar; a mobilização, e não a obrigatoriedade; a incitação, e não a imposição; a gratificação, e não a punição; a responsabilidade, e não a vigilância, para que dessa forma a subjetividade dos profissionais e do próprio supervisor fosse capturada.


A legislação em vigor atualmente, a Resolução SE-50, de 07/8/2018, dispõe sobre perfil, competências e capacidades técnicas requeridos aos supervisores de ensino da rede estadual de ensino, e sobre referenciais bibliográficos e legislação, que fundamentam e orientam a organização de concursos públicos e processos seletivos, avaliativos e formativos, e dá providências correlatas para desempenhar “ações de assessoria, planejamento, controle, avaliação e proposição de políticas públicas” (SÃO PAULO, 2018, s/p). Embora a legislação educacional de São Paulo atribua ao Supervisor de Ensino o papel de propositor das políticas educacionais, Sanchez (2018) aponta a falácia nele presente, pois, na prática, a ação destes

profissionais é restrita ao trabalho de implementar a política educacional definida pelos órgãos centrais da Secretaria de Educação.

Ainda de acordo com a resolução supracitada, o supervisor de ensino é o profissional que, na estrutura da SEE/SP, tem sua atuação alicerçada na legislação educacional, nas práticas e teorias educacionais e “na concepção de gestão democrática e participativa” (SÃO PAULO, 2018, s/p), bem como atua na orientação e acompanhamento das escolas públicas estaduais; orienta, acompanha, fiscaliza e saneia as práticas e procedimentos administrativos nas escolas privadas e públicas; nas escolas públicas deve assessorar, orientar e acompanhar as etapas do processo de ensino e de aprendizagem; assessorar o dirigente de ensino; assistir e auxiliar o desenvolvimento de programas de educação continuada oferecido pela SEE/SP; emitir pareceres e propor ações com vistas ao aprimoramento do sistema de ensino, entre outras disposições. (SÃO PAULO, 2018).

Uma das características do neoliberalismo é a racionalidade econômica. Nesse sentido, a realização de concursos públicos para provimento do cargo de professor da educação básica, foi tornando-se cada vez mais rara e, em consequência, as relações de trabalho foram sendo flexibilizadas, por meio de contratos temporários e logrando uma condição de quasi-uberização (VENCO, 2018).

Diferentemente dos professores que atuam na rede pública estadual paulista, os cargos vagos de supervisores de ensino são ocupados por profissionais designados, necessariamente admitidos por concurso público de provas e/ou títulos. Assim, as designações ocorrem para substituir a outro supervisor de ensino efetivo - licenciado ou afastado para qualquer fim ou para ocupação de cargo vago, em razão de aposentadoria ou exoneração do titular - apenas por professores e ou diretores de escola, obrigatoriamente titulares de cargo.

A recuperação histórica acerca das atribuições do cargo e as respectivas formas de provimento, permite melhor compreender as modificações ao longo dos anos, à luz das opções políticas empreendidas.

Assim, a legislação anterior ao período na qual o presente artigo se inscreve (1995-2018) indica que a Lei Complementar nº 114, (SÃO PAULO, 1974), a qual instituiu o Estatuto do Magistério Público de 1.º e 2.º graus do Estado de São Paulo, apresentava como requisito para o exercício do cargo de supervisor de ensino possuir

seis anos de efetivo exercício no magistério, e destes, três como diretor de escola efetivo de estabelecimento oficial de ensino.

Com a publicação da Lei Complementar nº 201 (SÃO PAULO, 1978), que dispôs sobre o Estatuto do Magistério, permaneceu a exigência dos seis anos de efetivo exercício no magistério, no entanto, diferentemente da legislação anterior, sem menção ao efetivo exercício de direção, mas apenas exercício no magistério. Além disso, três destes seis anos poderiam ser ocupados por qualquer um dos cargos efetivos de especialista da educação e não mais obrigatoriamente em estabelecimento oficial de ensino público. Ou seja, profissionais da rede privada, mesmo sem nenhuma experiência prévia na rede pública estadual, também passaram a ter possibilidades de concorrer ao cargo.

O novo estatuto do magistério, instituído pela Lei Complementar nº 444, de 27 de dezembro de 1985, retomou a exigência de que o tempo de seis anos de exercício no magistério, dos quais três destes anos no cargo de especialista da educação, fossem no Magistério Público Oficial de 1.º e/ou 2.º Graus da Secretaria de Estado da Educação do Estado de São Paulo. Segundo Sanchez (2018), esta alteração pode ter sido um reflexo de polêmicas entre a categoria e o governo estadual, acerca da conveniência de que o supervisor de ensino tivesse experiência na rede pública para a assunção do cargo.

Com a instituição, em 1997, do Plano de Carreira, Vencimentos e Salários6 para os integrantes do Quadro do Magistério da Secretaria da Educação, passou-se a exigir oito anos de efetivo exercício de Magistério, dos quais dois em cargo ou função de suporte pedagógico educacional (diretor de escola, supervisor de ensino e ou dirigente regional de ensino) ou de direção de órgãos técnicos, ou ter, no mínimo, dez anos de Magistério. Verificou-se, portanto, uma mutação significativa quanto à possibilidade de professores - com experiência restrita à sala de aula - participarem do concurso. Observa-se nova flexibilização para ocupação do cargo, posto que a Lei mencionou exercício no magistério, todavia sem exigir que fosse no público oficial.

Em 2015, a lei Complementar nº 1.256 trouxe alterações da Lei Complementar 836/1997 quanto ao provimento dos cargos de supervisor de ensino das classes de suporte pedagógico do Quadro do Magistério. O requisito passou a ser de oito anos de efetivo exercício do magistério, dos quais três em gestão educacional. Porém, não


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6 Ver Lei Complementar nº 836/97.

se explicitou a exigência de que o tempo fosse no magistério Público Oficial de 1.º e/ou 2.º Graus da Secretaria de Estado da Educação do Estado de São Paulo. Portanto, assim como no período anterior ao concurso de 2003, os professores não podem ser supervisores de ensino se não tiverem passado pela gestão escolar. Estes são os requisitos que vigoram até hoje.

O Sindicato dos Supervisores de Ensino do Magistério Oficial no Estado de São Paulo (APASE) se manifestou sobre a valorização da carreira de supervisor de ensino a partir de teses sindicais, as quais explicitam, desde 2015, a defesa de que o tempo de experiência a ser utilizado para o concurso público do cargo deve ser exclusivamente o efetivamente trabalhado na Rede de Ensino Público do Estado de São Paulo. A representação da categoria defende que: “deverão ser considerados requisitos para a ascensão na carreira: exigência de, no mínimo, três anos de experiência de um cargo/função para outro (Professor a Vice-Diretor/Diretor de Escola à Supervisor de Ensino à Dirigente Regional), além dos demais previstos na Constituição Federal”. (APASE, 2018, s/p).

O estudo qualitativo realizado por Sanchez (2018, p.92) aponta a relevância da experiência na gestão da escola pública para concorrer ao cargo de supervisor, dadas as diferenciações e suas especificidades em relação à rede privada. Nas palavras de uma supervisora entrevistada pela autora:


[...] eles [professores que não foram diretores antes da supervisão] não seguiram a carreira, porque eles pularam da sala de aula, onde lidavam com conteúdo, para pular direto para um cargo que só lida, no seu maior espaço de tempo, com legislação. Aliás, o sindicato defende a carreira. Para você ser diretor da rede, precisa ser antes professor da rede. Nós defendemos isso, não professor de qualquer rede, da rede estadual, o sindicato defende isso: professor da rede, para ser diretor da rede; e diretor da rede, para ser supervisor da rede, que é o que a grande maioria dos sistemas de educação fazem. [...] porque nós chegamos a ter colegas supervisores que vieram da rede privada, saiu de uma escola privada para ser supervisor de ensino, e aí você fala: qual é o conhecimento que ele tem de política pública, da escola pública não ser elitista, não ser excludente, não é? (SANCHEZ, 2018, p. 92).


Esses excertos reafirmam, de um lado, o compromisso e a responsabilidade do supervisor de ensino como ator importante na implementação das políticas e, de outro, a contrariedade à flexibilização das normas para ocupação do cargo e, consequentemente, a defesa de uma carreira do magistério na qual o acesso ao cargo

de supervisor de ensino passaria pelos cargos de professor, diretor de escola e, posteriormente, supervisor, sendo todos os cargos na rede pública estadual.


Distribuição dos supervisores, segundo tipo de contratação


Desde a primeira gestão do governador Mario Covas (1995-1998), eleito pelo PSDB de São Paulo, a então Secretária de Estado da Educação, Teresa Roserley Neubauer da Silva, divulgou e implantou as diretrizes educacionais para São Paulo. O documento criticou as gestões anteriores pelas altas taxas de abandono escolar, reprovação de alunos e número reduzido de concluintes na educação básica, além de considerar a necessidade de uma modernização nas formas e instrumentos para o gerenciamento da educação, com vistas a garantir maior produtividade e eficiência, lemas congruentes ao gerencialismo defendido naquela gestão (SÃO PAULO, 1995). A matriz teórica orientadora da política educacional no estado de São Paulo, alinhada ao governo federal da época, como mencionado, se espelhava na lógica do mercado para criar uma série de mecanismos em nome da modernização do Estado e, para tanto, era necessário imprimir certa racionalidade, com vistas a lograr eficiência. Para Martins (2006, p.19) o modelo organizacional dessa corrente sustenta-

se em alguns aspectos:


Redução do tamanho do Estado, via privatização, terceirização e voluntarismo; descentralização e desconcentração da esfera federal para a estadual e municipal; desregulamentação radical; (...) extrema lealdade a programas do governo; preenchimento de cargos-chave da administração por indicados compromissados com a agenda política partidária, em vez de funcionários de carreira; [...] emprego de técnicas de administração por resultados nas instâncias de execução, como administração por objetivo, prêmios e incentivos de produtividade [...].


O primeiro ponto destacado por Martins (2006) revela-se na primeira medida tomada na posse do governo7, em 1995, baseada na racionalidade econômica, uma vez que extinguiu as 17 Divisões Regionais de Ensino8 existentes, as quais agregavam 116 então denominadas delegacias de ensino, e criou Diretorias de Ensino com novas atribuições a esses órgãos e, consequentemente, aos supervisores de ensino.


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7 Decreto nº 39.902, de 1 de janeiro de 1995.

8 De 1976 a 1994, havia 17 Divisões Regionais de Ensino. 3 na Capital; 4 na Grande São Paulo e 10 no Interior do Estado.

A comparação do número de Diretorias de Ensino após quatro anos do governo PSDB em São Paulo aponta um movimento de fusão de unidades regionais e enxugamento da máquina administrativa, na ordem de 41 entre 1995 e 1999.

O argumento utilizado pelo governo estadual para tais medidas foi “dar continuidade às medidas de racionalização administrativa e reorganização institucional da Secretaria da Educação” e “adotar medidas de descentralização que promovam e favoreçam o fortalecimento da gestão local na implementação da política educacional” (SÃO PAULO, 1999, p. 165).

O número de Supervisores de Ensino cujos cargos são alocados nas Diretorias de Ensino é determinado por Resoluções da SEE/SP. E, por essa razão, apurou-se o contingente de supervisores de ensino efetivos e designados no período entre 1995 e 2018, bem como o conjunto da legislação que dispõe sobre o módulo9, os concursos de ingresso no cargo e o número de escolas que oferecem educação básica.

São nas Diretorias de Ensino que os cargos de supervisores de ensino estão lotados. A demanda feita junto à SEE/SP acerca do número de supervisores de ensino em exercício (efetivos e designados) no período em análise, por Diretoria de Ensino (Tabela 1), mostrou-se parcialmente frutífera, pois o órgão público informa não dispor de dados relativos aos períodos de 1995 a 1997 e de 1999 a 2002 e, portanto, além de interromper a construção da série histórica, o mês considerado também é variado nos diversos anos e, assim, passível de variações.


Tabela 1 – Distribuição dos supervisores de ensino: efetivos e designados 1998-2018, rede estadual paulista (nº abs)


Ano

Efetivos

Designados

Total

% Designados

1998

741

962

1703

56

2003

383

806

1189

68

2004

953

298

1251

24

2005

1046

202

1248

16

2006

1018

237

1255

19

2007

1082

270

1352

20


9 “Módulo” é o termo utilizado pela SEE/SP para designar a quantidade de cargos existentes. É definido por Diretoria de Ensino, a partir de critérios estabelecidos e relativos ao número de escolas e área de abrangência de cada uma delas.


2008

1050

235

1285

18

2009

1292

269

1561

17

2010

1247

308

1555

20

2011

1352

213

1565

14

2012

1375

218

1593

14

2013

1351

232

1583

15

2014

1285

326

1611

20

2015

1225

377

1602

24

2016

1172

419

1591

26

2017

1091

519

1610

32

2018

991

613

1604

38

image

Fonte: Elaboração própria com base em dados fornecidos pela SEE/SP via SIC (Protocolo SIC-SP nº 588911912029). Mês base em 1998: novembro; em 2003, dezembro; e de 2004 a 2018: setembro.


Como citado, a SEE/SP disponibilizou dados de 1998, quando o número (146) e estrutura das Diretorias de Ensino se diferenciavam do apresentado em 2003 (89). Por essa razão, optou-se por analisá-los separadamente neste artigo.

Observa-se, com base nos dados da Tabela 1, que o período com maior número de supervisores de ensino designados ocorre em 2003, com 68% do total, demonstrando irregularidade no provimento dos postos de supervisor de ensino.

A provisão irregular do cargo decresce para patamares pouco acima de 20% nos anos subsequentes, expressando relativo movimento inverso a partir de 2015 que, a despeito de registrar 24% de não concursados, passa, na sequência, para 26, 32 e 38%, respectivamente em 2016, 2017 e 2018 (Gráfico 1).

Gráfico 1 - Distribuição supervisores designados 1998-2018, rede estadual paulista (%)


image

Fonte: Elaboração própria com base em dados fornecidos pela SEE/SP via SIC (Protocolo SIC-SP nº 588911912029).


A precariedade nas relações de trabalho é conceituada por autores a exemplo de Gerry Rodgers (1989) e Robert Castel (1998) como sendo formas de contratação desprovidas de direitos e ou marcadas por seu caráter de provisoriedade. Nas palavras de Rodgers: “o conceito de precariedade envolve instabilidade, ausência de proteção, insegurança e vulnerabilidade social e econômica” (1989, p.3).

A partir desse conceito, a socióloga francesa Danièle Linhart (2009) avança em seu delineamento e compartilha da perspectiva dos autores mencionados, mas fará uma importante distinção. Ela denominará as relações de trabalho flexíveis, instáveis e sem direitos intrínsecos ao trabalho como precariedade objetiva.

Por princípio, tal conceito não se aplicaria ao setor público, uma vez que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, prevê o acesso ao emprego público exclusivamente via concurso público, cabendo excepcionalidades apenas em situações extremas de causas naturais ou de grandes eventos temporários, como jogos olímpicos, entre outros.

Todavia, constata-se a não observância do referido artigo. Segundo Venco (2019), em 1999 os docentes não efetivos representavam 77% do total de professores na rede estadual paulista; e, até 2017 foi mantida a média relativamente constante de cerca 50% ao longo dos anos. A curva da precariedade entre docentes passou a decrescer a partir de 2013, porém, não em razão da abertura de novos concursos, mas por meio da inauguração de uma nova fase de racionalização econômica adotada

no estado, quando ampliou-se o número de alunos por turma10, promoveu-se o fechamento de salas e escolas, bem como estimulou-se o encerramento do ensino noturno.

Concernente aos supervisores de ensino averígua-se que, ao longo do recorte temporal analisado, esses vivenciaram condições mais estáveis em termos de provimento dos cargos se comparados aos docentes da educação básica.

E é nesse contexto que se forja aqui o conceito “precariedade em cascata” com base nos dados de provimento de três cargos na SEE/SP: supervisor de ensino, diretor de escola e professor. Assim a denominamos, pois é derivada da vacância do cargo de supervisor de ensino, preenchido pelo diretor de escola concursado, o qual, por sua vez, é ocupado por um professor igualmente concursado, mas o docente será substituído por outro contratado de forma temporária, via Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e, assim sendo, sem os mesmos direitos do funcionalismo público.

É importante ponderar que supervisores de ensino e diretores de escola designados, mesmo não submetidos à precariedade objetiva no sentido estrito do conceito, ainda assim a vivenciam de outra maneira. A afirmativa se sustenta, por um lado, dado que o salário inicial do supervisor é superior ao do diretor e, além disso, as verbas complementares ao cargo, a exemplo do adicional de transporte, significam, também, elevação da remuneração mensal; por outro, a designação pode ser cessada a qualquer momento e, deste modo, é geradora de certa instabilidade e vulnerabilidade.

Além dos aspectos mencionados, problematiza-se em que medida tais designações constituem-se em ferramenta importante de controle, por parte do órgão central, na implantação da política adotada pelo governo paulista. Hipoteticamente, um supervisor de ensino designado pode - ainda que de forma inconsciente ou consciente -, atender às demandas da política, mesmo que não as apoie, pois a não adesão e apoio às decisões poderiam levar à interrupção da ocupação do cargo.

Observa-se, assim, uma nítida intencionalidade em se reduzir o número de profissionais concursados na rede paulista. Foram realizados cinco concursos para supervisores de ensino, a saber: 1981, 1986, 1992, 2003 e 2008. Considerando-se os intervalos nos concursos públicos, particularmente entre 1992 e 2003, bem como o


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10 Cf. Resolução SE 2, de 8 de janeiro de 2016.

ano de convocação dos aprovados, realizada em 2004, tem-se um período de 12 anos para provimento dos cargos de supervisor de ensino (SANCHEZ, 2018).

Assim, a releitura do conceito de precariedade objetiva (LINHART, 2009), não se aplica aos supervisores ainda que designados, posto serem profissionais concursados. Porém, de outro, eles contam com uma espécie de “promoção” passível de ser cessada imprevisivelmente e, consequentemente, ter uma redução salarial inesperada.

Supervisores de Ensino: Capital


A análise da distribuição do cargo de supervisor de ensino por Diretoria de Ensino, na Capital, revela que principalmente duas delas contaram com supervisores não concursados na ordem de 60%: Norte 1, que congrega bairros como Jaraguá, Brasilândia, Moinho Velho, Piqueri e outros; e, Sul 2, composta por Capão Redondo, Vila das Belezas, Jardim São Bento entre outras, conforme destacadas na tabela 2.

image

Tabela 2- Distribuição supervisores designados: SP- Capital - 2003-2018 (%)


Ano


Diretoria

2

0

0

3

2

0

0

4

2

0

0

5

2

0

0

6

2

0

0

7

2

0

0

8

2

0

0

9

2

0

1

0

2

0

1

1

2

0

1

2

2

0

1

3

2

0

1

4

2

0

1

5

2

0

1

6

2

0

1

7

2

0

1

8

Centro Oeste

52

42

26

24

28

32

26

17

23

20

23

38

44

46

39

42

Centro Sul

42

14

0

14

27

30

15

23

8

17

19

35

41

50

57

59

Leste 1

74

6

0

5

5

5

8

8

19

4

20

36

33

36

48

50

Leste 2

78

6

26

24

28

26

35

38

33

26

26

38

43

43

46

52

Leste 3

69

44

37

27

31

27

33

35

33

24

13

22

39

53

56

61

Leste 4

50

22

17

12

11

16

17

23

14

14

14

18

23

18

25

36

Leste 5

32

41

11

20

10

5

9

13

17

17

22

17

24

30

35

39

Norte 1

89

70

53

81

67

71

32

67

52

22

39

55

59

62

71

72

Norte 2

57

25

13

25

33

44

48

48

43

33

53

71

71

71

71

68

Sul 1

78

50

28

33

26

35

37

36

19

22

31

36

38

36

48

50

Sul 2

93

47

38

50

50

53

47

53

71

39

48

68

74

74

74

74

Sul 3

81

29

23

36

54

58

61

70

52

14

34

46

45

46

60

59

Total Capital

62

33

22

29

31

33

30

34

31

21

28

41

44

47

52

55

Fonte: Elaboração própria com base em dados fornecidos pela SEE/SP via SIC (Protocolo SIC-SP nº 588911912029).

Com base no Gráfico 2 apreende-se a recuperação do movimento crescente de designados a partir de 2014 rumo aos patamares logrados em 2003, auge das formas de flexibilização dos contratos no período em análise.


Gráfico 2 – Distribuição supervisores designados: Capital - 2003-2018 (%)



Gráfico, Histograma

Descrição gerada automaticamente


Fonte: Elaboração própria com base em dados fornecidos pela SEE/SP via SIC (Protocolo SIC-SP nº 588911912029).


O destaque na série histórica refere-se a duas Diretorias de Ensino, Norte 1 e Sul 2, pois ambas obtiveram a maior média de designação de supervisores de ensino entre 2003 e 2018: 60%.

Todavia, a média apresentada no gráfico 2 oculta especificidades reveladas pela Tabela 2, na qual são apresentados números por Diretoria. A partir dela constatou-se, por exemplo, que as Diretorias Sul 2, Norte 1 e Sul 3, em 2003, não foram escolhidas pelos concursados, uma vez que, respectivamente 93, 89 e 81% dos cargos eram designados. Após 15 anos, duas diretorias de ensino continuam liderando os maiores percentuais nessa condição, quais sejam: Sul 2 (74%), Norte 1 (72%) e Norte 2 (68%), regiões igualmente marcadas por alto índice de vulnerabilidade social (SEADE, 2010).

Na Sul 2, ao longo da série histórica, verificou-se que os menores percentuais se aproximaram de 40%, em 2005 (38%) e 2012 (39%). Nos demais anos variaram de 47 a 74%. A Norte 1, por sua vez, registrou seu menor índice em 2012 (22%) seguido em 2009, 32%. Porém, nos demais anos permaneceu com percentuais elevados de supervisores designados, atingindo 81% em 2006. E, por fim, a Sul 3, a

despeito de registrar alto percentual em 2003, chegou a ter apenas 14% de supervisores não concursados em 2012 e média de 48% de designados de 2003 a 2018.


Supervisores de Ensino: Grande São Paulo


Inicia-se a análise pelo ano de 1998, cuja composição das Diretorias de Ensino diferia da composta na série histórica. Depreendeu-se que naquele ano algumas diretorias de ensino do interior, assim como na Capital, realizaram a supervisão nas escolas praticamente por profissionais não concursados para o cargo. Merecem destaque: Diadema (93%), Itaquaquecetuba (90%), Itapecerica da Serra (87%), Cotia (83%) e Santo André 1ª (82%). Itapevi e Carapicuíba, no movimento contrário, apresentaram os menores percentuais: 22 e 31%, respectivamente, conforme observado na Tabela 4 (SÃO PAULO, 2003;2018).

A maior média, na série histórica, foi registrada pela Diretoria de Ensino de Itaquaquecetuba (57%) que em 1998 registrava 90% de não concursados exercendo o cargo e passa, em 2003, para 93%, e retoma índices elevados em 2018, pois praticamente 8 em cada 10 supervisores eram designados.

image

Tabela 3 – Distribuição supervisores de ensino designados 2003-2018: Grande São Paulo (em %)


Ano


Diretoria

2

0

0

3

2

0

0

4

2

0

0

5

2

0

0

6

2

0

0

7

2

0

0

8

2

0

0

9

2

0

1

0

2

0

1

1

2

0

1

2

2

0

1

3

2

0

1

4

2

0

1

5

2

0

1

6

2

0

1

7

2

0

1

8

Caieiras

84

55

37

50

40

39

33

52

32

21

19

27

32

29

38

48

Carapicuíba

68

11

11

15

23

30

14

9

0

10

0

5

13

14

14

17

Diadema

71

21

33

44

25

20

6

12

0

6

18

24

38

47

69

76

Guarulhos Norte

94

28

32

43

40

41

52

50

24

10

14

14

18

23

33

29

Guarulhos Sul

59

29

22

45

39

44

38

48

22

13

17

27

21

21

29

36

Itapecerica Serra

94

29

40

29

31

27

11

19

12

16

11

11

17

22

30

37

Itapevi

43

21

13

38

31

27

28

37

20

22

18

28

33

47

58

69

Itaquaquecetu ba

93

75

38

54

50

38

50

50

44

25

44

50

75

75

71

78

Mauá

60

32

9

10

17

14

15

19

12

0

0

12

8

8

15

29


Mogi Cruzes

82

53

35

31

35

29

43

52

17

4

18

39

50

39

48

52

Osasco

69

14

29

19

18

7

13

19

13

29

33

27

25

33

31

40

Santo André

85

0

0

9

0

0

0

0

0

0

0

8

11

8

15

25

São Bernardo Campo

63

12

10

5

5

5

13

13

8

15

17

20

23

28

36

40

Suzano

100

76

67

71

53

50

20

38

13

6

6

6

12

19

39

41

Taboão da Serra

71

33

27

47

29

20

11

19

18

21

16

21

28

33

33

40

Fonte: Elaboração própria com base em dados fornecidos pela SEE/SP via SIC (Protocolo SIC-SP nº 588911912029).


Destaque-se que em 2003 o conjunto de Diretorias de Ensino da Grande São Paulo apresentava percentual elevado de supervisores de ensino designados: mais de 7 em cada 10 supervisores eram designados naquele ano (76%). Situação extrema é encontrada na de Suzano, posto que não contava com nenhum supervisor de ensino concursado para a realização do trabalho, ou seja, 100% não concursados para o cargo; em outras três, a quase totalidade: Guarulhos Norte e Itapecerica da Serra com 94% de designados cada, e Itaquaquecetuba, com 93%. Como se observa na Tabela 3, há outras, igualmente, com percentuais próximos aos 90% de supervisores de ensino designados.

Verifica-se importante oscilação de designados no período analisado. De 2003 a 2012 há dois picos de elevação de profissionais nessa condição: em 2006 e 2010; para, em seguida, registrar o decréscimo mais importante da série histórica em 2012. Não obstante, a partir de 2013 o crescimento foi constante até 2018.


Supervisores de Ensino: Interior


Em 1998 a parcela de supervisores de ensino não concursados era significativa. No interior, como visto na Tabela 4, sete das ainda denominadas delegacias de ensino não contavam em sua estrutura com nenhum supervisor concursado. Por outro lado, considerando-se todo o interior paulista, somente quatro delegacias contavam com todos os cargos de supervisor ocupados por concursados. Eram as de: São José do Rio Preto 2ª, São Carlos, Guaratinguetá e Assis.

Os dados demonstraram que o conjunto de Diretorias de Ensino do interior paulista vivenciou situações melhores em termos de provimento dos cargos de supervisor de ensino comparativamente às Diretorias de Ensino da grande São Paulo

e capital. As médias de supervisores de ensino designados para o período em análise (2003-2018) são inferiores às observadas na Capital e Grande São Paulo e estão localizadas em: Mirante do Paranapanema (46%), Apiaí (43%) que inicia a série sem nenhum supervisor concursado; e, Piraju que apresentou 80% de designados em dois anos consecutivos, 2007 e 2008, recuperando o mesmo número em 2018. A despeito dessa conjuntura logrou média inferior às demais (40%).

Por outro lado, entre as 62 regionais cinco delas apresentaram média abaixo de 5% no quesito designação de supervisores de ensino. São elas: Jales, com a melhor situação entre todas as Diretorias de Ensino, pois exceto em 2003 que teve 60% de designados, todos os demais anos teve zero substituições; Adamantina, que contou com zero substituição entre 2004 e 2011 e, depois, em 2013 e entre 2015 e 2017; Penápolis, criada posteriormente em relação às demais, teve zero designações de 2012 a 2018.


image

Tabela 4 – Distribuição supervisores de ensino designados 2003-2018: Interior (em %)


ANO


Diretoria

2

0

0

3

2

0

0

4

2

0

0

5

2

0

0

6

2

0

0

7

2

0

0

8

2

0

0

9

2

0

1

0

2

0

1

1

2

0

1

2

2

0

1

3

2

0

1

4

2

0

1

5

2

0

1

6

2

0

1

7

2

0

1

8

Adamantina

30

0

0

0

0

0

0

0

0

9

0

8

0

0

0

25

Americana

81

41

13

0

6

0

15

5

5

29

18

19

14

17

20

24

Andradina

80

0

0

0

56

29

13

13

11

22

25

25

38

38

25

25

Apiaí

100

71

57

50

67

50

36

45

18

20

10

20

20

20

50

50

Araçatuba

44

10

0

0

0

0

9

9

9

18

0

0

0

0

8

31

Araraquara

58

8

0

0

13

0

13

13

6

6

6

0

12

19

19

29

Assis

40

0

0

0

9

0

15

15

15

15

15

14

8

8

8

7

Avaré

S/I

S/I

S/I

20

0

17

22

13

0

14

25

13

0

0

33

38

Barretos

14

22

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

40

44

Bauru

75

6

11

5

0

0

22

8

4

0

0

0

0

0

0

0

Birigui

75

9

8

0

8

0

17

0

13

13

0

0

0

0

0

29

Botucatu

50

0

0

0

0

11

23

23

18

31

42

50

46

38

62

54

Braganca Paulista

94

18

6

17

12

12

10

10

5

18

17

8

9

20

22

36


Campinas Leste

42

19

14

10

17

5

22

26

12

19

16

8

12

19

30

33

Campinas Oeste

100

47

28

25

42

42

12

32

8

12

8

12

23

30

56

58

Capivari

100

23

15

8

8

23

14

27

27

20

19

31

31

31

33

57

Caraguata- tuba

100

38

25

25

25

11

0

8

25

20

25

31

33

31

38

25

Catanduva

36

0

9

0

8

0

18

0

0

0

10

9

18

18

45

45

Fernandópo lis

63

0

11

0

0

11

11

11

11

11

11

0

0

0

8

0

Franca

60

7

0

17

0

0

6

6

11

17

6

11

6

11

11

33

Guaratin- guetá

42

0

0

5

0

0

4

0

0

4

7

4

7

7

11

30

Itapetininga

85

0

13

7

0

0

12

0

6

6

6

0

0

0

0

6

Itapeva

80

0

0

0

0

0

0

0

14

14

14

0

0

0

17

0

Itararé

100

43

33

20

63

57

14

14

14

14

14

14

0

0

0

0

Itu

81

0

0

0

0

0

11

5

5

5

0

0

5

0

15

16

Jaboticabal

50

13

29

13

0

13

18

18

27

36

27

25

42

36

50

45

Jacareí

71

41

24

27

32

25

9

5

5

21

5

13

9

23

22

27

Jales

60

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

Jau

93

7

0

0

0

0

0

6

0

0

0

0

0

0

0

0

Jose Bonifácio

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

20

33

50

Jundiaí

79

32

0

6

0

0

0

5

0

0

15

30

30

35

30

40

Limeira

71

6

11

0

14

20

9

13

13

13

8

5

5

9

19

32

Lins

67

11

0

0

10

20

27

27

18

18

8

15

33

36

40

64

Marilia

79

7

0

0

0

0

6

6

6

6

0

0

12

12

12

11

Mirante Paranapa- nema

100

0

33

14

33

25

40

30

11

22

33

70

78

78

80

80

Miracatu

63

50

0

0

0

0

0

0

0

11

22

33

40

44

50

56

Mogi Mirim

83

53

33

56

48

45

8

30

5

9

17

21

23

35

45

48

Ourinhos

86

25

13

13

30

13

10

10

0

0

0

0

0

0

0

9

Penápolis

S/I

S/I

S/I

S/I

0

0

17

17

17

17

0

0

0

0

0

0


Pindamo- nhangaba

82

30

36

54

27

33

23

8

8

8

0

7

23

23

29

38

Piracicaba

71

7

7

0

0

0

0

0

0

0

0

6

6

0

0

0

Piraju

50

0

0

40

80

80

20

20

20

20

20

50

60

60

40

80

Pirassunu- nga

56

17

8

8

15

0

6

0

0

5

6

6

0

11

11

29

Presidente Prudente

27

0

0

0

0

0

0

0

7

7

7

0

0

0

7

13

Registro

92

15

0

0

0

0

0

0

0

0

7

13

13

13

20

12

Ribeirão Preto

45

26

4

8

8

0

13

13

6

12

0

18

18

19

19

23

Santo Anastácio

83

0

17

0

0

0

13

0

13

13

25

25

0

0

13

22

Santos

26

0

0

5

0

0

4

11

8

22

17

33

52

63

67

74

São Carlos

42

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

0

8

0

0

São J. Boa Vista

89

21

28

18

21

17

9

17

0

13

17

20

17

22

26

30

São Joaquim Barra

20

0

0

0

0

0

0

0

0

12

9

20

20

22

25

33

São Jose Campos

67

0

17

0

0

0

0

22

0

10

9

8

9

21

35

40

São J. Rio Preto

0

5

0

11

10

0

8

8

13

21

0

0

0

0

0

18

São Roque

100

67

50

43

50

43

0

0

0

0

0

14

63

57

67

78

São Vicente

53

18

11

7

18

13

25

43

38

12

27

42

46

50

52

60

Sertãozinho

83

50

33

33

0

0

10

0

0

13

10

40

60

50

50

60

Sorocaba

69

21

5

0

0

0

9

4

4

14

13

9

4

12

13

22

Sumaré

100

57

25

9

46

50

22

63

5

17

16

17

40

44

50

58

Taquaritin- ga

100

38

33

30

45

22

27

9

9

18

45

45

36

33

40

50

Taubaté

92

67

33

50

60

46

17

18

6

6

6

11

18

18

18

24

Tupã

60

0

0

0

0

0

0

0

9

9

9

0

9

9

18

18

Votorantim

88

38

25

13

11

11

23

15

8

13

27

8

0

7

0

0

Votuporan- ga

56

10

0

0

10

10

30

18

10

10

10

10

0

0

0

10

Fonte: Elaboração própria com base em dados fornecidos pela SEE/SP via SIC (Protocolo SIC-SP nº 588911912029).


Os dados apresentados revelam o aprofundamento da Nova Gestão Pública e a primazia da racionalidade econômica na política paulista desde 1995, em detrimento da valorização dos profissionais da educação, prevista na Lei de Diretrizes e Bases11 e no Plano Nacional de Educação12, aspecto que se compreende não se encerra apenas nas formas de contratação e práticas salariais, mas deve congregar, igualmente, as condições de trabalho, não abordadas no presente artigo.

Se, como visto, Linhart (2009) aponta a precariedade objetiva, destaca, também, a existência de uma precariedade subjetiva. Para ela, ocorre um fenômeno entre o funcionalismo público, pois ainda que esses não vivenciem a precariedade objetiva, pois são regidos por contratos estáveis e provido de direitos, ainda assim, são submetidos ao gerencialismo fortemente marcado pelo sentimento de não cumprir seu trabalho devidamente, pois as metas e os resultados estabelecidos são inalcançáveis, pela ausência de um coletivo mais colaborativo para fazer frente aos novos desafios, com perda de autonomia crescente e, principalmente, pela insatisfação com a transformação do seu trabalho.

Neste sentido, indaga-se em que medida há intencionalidade e conveniência por parte da SEE/SP ao provimento de número significativo de supervisores de ensino designados. De um lado, há redução de custos, em razão da precariedade em cascata e, de outro, maior subjugação sobre os cargos de diretor e supervisor que, temendo a cessação de sua designação, possam exercer suas atribuições junto às escolas do sistema estadual de educação e mais especificamente, junto às escolas estaduais, por serem mais numerosas, em consonância com as políticas determinadas pelo governo estadual.


Considerações finais


O artigo buscou aportar dados e reflexões teóricas a respeito das formas de flexibilização das relações de trabalho praticadas no setor público e seus contornos no emprego público, particularmente na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, junto aos supervisores de ensino, ao longo do período de governo do PSDB.


image

11 Lei nº 9394/1995, Título VI.

12 Plano Nacional de Educação, Lei nº 13.005/2014, Meta 18.

Ainda que o cargo do supervisor de ensino na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo registre um percentual de concursados elevado, é relevante indagar a intencionalidade em não prover todos os postos com concursos públicos, dando margem à ocupação por profissionais não selecionados para esse fim, a despeito de serem concursados para outros cargos.

Todavia, a precariedade em cascata é um fator a ser considerado, pois o não preenchimento dos cargos de supervisão por concurso público possibilita a designação de diretores e esses por professores. Nota-se, assim, que a precariedade objetiva stricto sensu incide sobre os docentes temporários que, como indicado, atinge percentuais médios de 50% na série histórica.

Tal fenômeno, compreende-se, é resultado da substituição do Estado Burocrático pelo Gerencial, uma vez que na compreensão neoliberal o Estado deve ser mais flexível e adotar modelos e práticas originárias das empresas privadas (BRESSER-PEREIRA, 1998). O gerencialismo, braço forte da Nova Gestão Pública, pode, por conseguinte, ser caracterizado como uma ideologia erigida e sustentada por valores mercantis: redução de custos, eficiência, resultados, liderança, empreendedorismo. É nessa vaga que emerge o “Estado-patrão” (MAGAUD, 1974), responsável por cumprir sua parte na implementação do Estado Gerencial, e atua na desconfiguração da função pública, do desrespeito ao direito dos que trabalham em favor do interesse da população.

A contradição que se estabelece nesse contexto refere-se à discrepância entre o insistente discurso da melhoria da qualidade da educação e a valorização dos profissionais da educação. Podem a educação e a saúde ser tratadas pela lógica empresarial? A redução de custos, observa-se, caminha pari passu ao conhecimento pragmático, à substituição da construção do senso crítico pela padronização das aulas e procedimentos. Nesta lógica, a designação pode se constituir como ferramenta para efetivação da política, desprovida de questionamentos.

Cabe ampliar a consciência sobre as estratégias de controle e discutir coletivamente alternativas de disputa do projeto de sociedade, com recuperação dos direitos trabalhistas e melhores condições de trabalho.

Referências


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                                     . Resolução SE - 50, de 7-8-2018. Dispõe sobre perfil, competências e capacidades técnicas requeridos aos Supervisores de Ensino da rede estadual de ensino, e sobre referenciais bibliográficos e legislação, que fundamentam e orientam a organização de concursos públicos e processos seletivos, avaliativos e formativos, e dá providências correlatas. Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/50_18.HTM?Time=13/09/2018%2009: 00:20 Acesso em 21 de dezembro de 2020.


                                     . Resolução SE - 73, de 26-10-2007. Dispõe sobre o horário de trabalho dos servidores em exercício nas unidades escolares da Secretaria da Educação. Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/73_07.HTM?Time=05/07/2019%2023: 13:41> Acesso em 21 de dezembro de 2020.


                                     . Resolução SE 52, de 14-8-2013. Dispõe sobre os perfis, competências e habilidades requeridos dos Profissionais da Educação da rede estadual de ensino, os referenciais bibliográficos e de legislação, que fundamentam e orientam a organização de exames, concursos e processos seletivos, e dá providências correlatas. Disponível em: < http://www.educacao.sp.gov.br/cgrh/wp- content/uploads/2014/06/RESOLU%C3%87%C3%83O-SE-52-de-14-8-2013- PERFIS-PARA-CONCURSO.pdf> Acesso em 21 de dezembro de 2020.


                                     . Resolução SE 70, de 26-10-2010. Dispõe sobre os perfis profissionais, competências e habilidades requeridos dos educadores da rede pública estadual e os referenciais bibliográficos que fundamentam os exames, concursos e processos seletivos, e dá providências correlatas. Disponível em: < http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/RESOLU%C3%87%C3%83O%20SE

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                                   . Resolução SE 90, de 3-12-2009. Dispõe sobre a definição de perfis profissionais e de competências e habilidades requeridos para Supervisores de Ensino e Diretores de Escola da rede pública estadual e as referências bibliográficas do Concurso de Promoção, de que trata a Lei Complementar nº 1.097/2009, e dá providências correlatas. Disponível em: < http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/90_09.HTM>. Acesso em 21 de dezembro de 2020.


                                     . Resolução SE 13, de 3-3-2011. Altera o anexo que integra a Resolução SE-70, de 26-10-2010, que dispõe sobre os perfis profissionais, competências e habilidades requeridos dos educadores da rede pública estadual e os referenciais bibliográficos que fundamentam os exames, concursos e processos seletivos, e dá providências correlatas. Disponível em: http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/13_11.HTM?Time=7/5/2013%206:43:2 8%20PM Acesso em 21 de dezembro de 2020.


SANCHEZ, Beatriz Garcia. A organização do trabalho dos supervisores de ensino da rede paulista: intensificação do trabalho e precariedade subjetiva? 2018. 212f. Dissertação (Mestrado em Educação) – UNICAMP, Campinas.


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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


OCUPAÇÕES SECUNDARISTAS NO BRASIL EM 2015 E 2016:

“é preciso ter ouvidos abertos e atentos para ouvir o que realmente diziam e dizem as e os ocupas”


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Foto: Giórgia Prates, 2016.


Entrevista1 com Luis Antonio Groppo (UNIFAL), realizada por Ronaldo Araújo2 (UFPA) e Mônica Ribeiro da Silva3 (UFPR).


A Trabalho Necessário traz uma entrevista com um jovem pesquisador da Universidade Federal de Alfenas. Professor do curso de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade, Luís Antonio Groppo coordena uma pesquisa nacional, que articula pesquisadores de 12 instituições de


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1 Entrevista recebida em 03/04/2021. Aprovada pelos editores em 06/04/2021. Publicada em 27/05/2021. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.49540

2 Doutor em Educação pela UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais. Superintendente de Assistência Estudantil e Professor do Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Educação Básica da UFPA - Universidade Federal do Pará. E-mail: rlima@ufpa.br;

Lattes: http://lattes.cnpq.br/7901626430586502; ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5982-793X.

3 Doutora em Educação. Professora Titular na Universidade Federal do Paraná. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Observatório do Ensino Médio. E-mail: monicars@ufpr.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/1079110450785932. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1729-8742.

ensino superior, sobre as ocupações secundaristas no Brasil em 2015 e 2016, que foram as primeiras e mais fortes ações de resistência à reforma do ensino médio que ora ganha materialidade nas unidades federativas.

Luís Groppo tem a juventude como principal tema de pesquisa e não foge ao debate. Critica a perspectiva estrutural-funcionalista e as teorias “pós-críticas” sobre juventude e propõe uma perspectiva dialética para pensar a juventude, tomando o conceito de classe social como uma referência importante.

Nessa entrevista, ele discorre sobre o movimento de resistência dos estudantes secundaristas à reforma do ensino médio implementada por meio da Medida Provisória 746/2016, editada pelo Governo de Michel Temer um mês após o golpe dado no Governo de Dilma Roussef. Destaca Groppo que os Ocupas apontaram o caráter impositivo da Reforma, rejeitaram os itinerários formativos e o fim de um único percurso formativo e criticaram o “ensino em tempo integral” proposto e o iminente fim do ensino médio noturno. O entrevistado, além de dar voz aos jovens, se posiciona quanto ao conteúdo da reforma, discute as tendências das pesquisas sobre juventude e procura indicar lições possíveis acerca do movimento de ocupações.

A entrevista foi feita pelos organizadores desse número, Ronaldo Araujo (UFPA) e Monica Ribeiro da Silva (UFPR), no mês de dezembro, realizada à distância em função do isolamento social necessário para o enfrentamento da Pandemia do Covid-19.


Ronaldo e Mônica: Olá. O tema de nosso número temático da Revista Trabalho Necessário é a reforma do ensino médio, em curso nos diferentes estados brasileiros. Você é um pesquisador que tem se ocupado do tema da Juventude e mais recentemente vem coordenando uma pesquisa nacional acerca do movimento de ocupação que ocorreu nas escolas de educação básica a partir do ano de 2016, inicialmente como resistência à Medida Provisória 746/2016, que implementava essa reforma (depois transformada na Lei Federal 13.415 de 2017). Como você avalia a reforma do ensino médio em curso?

Luís Groppo: Olá, Ronaldo e Mônica, é uma grande alegria dialogar com vocês. Parabéns pela iniciativa desse dossiê, tão necessário e certamente revelador dos retrocessos da própria proposta da Reforma e de suas primeiras aplicações. É uma alegria reencontrar a Mônica, com quem pude dialogar e aprender tanto em um evento na Universidade Federal de São Carlos, campus Sorocaba, em 2018, sobre o Ensino Médio, afora seus próprios trabalhos, incluindo o belo livro do qual participou da organização sobre as ocupações no Paraná em 2016.4 Também é um prazer reencontrar o Ronaldo, que tem feito parte da pesquisa nacional sobre as ocupações secundaristas, me recebeu com tanto carinho em Belém do Pará em 2019 e, junto com a Verena, sua orientanda, escrevemos um artigo sobre as ocupações no Pará.

O tema da juventude tem marcado minha trajetória como pesquisador, me levando, via os movimentos estudantis, à Educação. A atual pesquisa que coordeno, com financiamento do CNPq, “Ocupações secundaristas no Brasil em 2015 e 2016: formação e autoformação das e dos ocupas”, tem envolvido 12 Instituições de Educação Superior e entrevistado jovens que ocuparam suas escolas em 2015 e 2016 em 10 estados do país, envolvendo todas as regiões, incluindo o Pará do Ronaldo e o Paraná, da Mônica, além de Ceará, Goiás, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Sobre a Reforma do Ensino Médio, penso que as e os ocupas de 2016 construíram leituras sobre a então MP746 bastante profundas e certeiras, inclusive por meio de muitos estudos e debates, de forma autônoma ou em diálogo com docentes e militantes. Ocupas apontaram, primeiro, o caráter impositivo da Reforma, por meio de uma Medida Provisória, sem diálogo com docentes e discentes, alegando (falso) caráter emergencial. Em resposta, ocupas mergulharam em estudos sobre leis, mecanismos legislativos e processos políticos, conhecendo suas contradições e as formas com que as próprias instituições políticas vinham e vêm se fraudando. Segundo, ocupas rejeitaram os itinerários formativos, por envolverem, primeiro, o fim da garantia da oferta de disciplinas que poderiam munir estudantes de conhecimentos críticos e formativos fundamentais, inclusive as recentemente conquistadas Sociologia e Filosofia. Também rejeitavam o fim de um único percurso formativo no ensino médio, com acesso formal a uma base comum de saberes, o que foi


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4 PRATES et al. (orgs.). Ocupar e resistir. Memórias de ocupação. Paraná 2016. Curitiba: UFPR, Setor de Educação, 2017, 192 p.

interpretado como uma lesão na igualdade formal nas trajetórias escolares na Educação Básica. Os itinerários diversos antecipavam escolhas decisivas sobre o destino escolar, restringindo campos profissionais futuros, afora a percepção de que, dificilmente, todos os locais teriam condições de abrigar escolas que oferecessem os itinerários em sua totalidade, impedindo até mesmo o direito desta escolha precoce. Terceiro, era criticado o ensino em tempo integral e o iminente fim do ensino médio noturno. A proposta do tempo integral se contrasta com a realidade da precariedade das escolas e do trabalho docente, mesmo com o tempo parcial, afora a contradição com a própria Proposta de Emenda Constitucional (PEC)241/2016, depois PEC55/2016 que, tornada Emenda Constitucional n. 55, congelou os gastos sociais por 20 anos – cujo rechaço também se tornou pauta do movimento das ocupações no 2o semestre de 2016. Sobre o fim do ensino médio noturno, mesmo que tenha diminuído a sua procura, ainda é visto como alternativa para quem precisa ou deseja trabalhar enquanto estuda. Há aqui uma nova lesão a jovens das classes populares, ao inviabilizar a opção (e a necessidade) de trabalhar e estudar ao mesmo tempo, ainda que de modo intermitente. Quarto, havia a percepção correta da MP746 como novo passo para reforçar o caráter classista e reprodutor do Ensino Médio, agora de modo formal, pois não haveria mais um único ensino médio, mas vários, cada qual mais “adequado” ao grupo ou classe social da família de origem.

Entre ocupas não havia ainda tanto a percepção de outras armadilhas na Reforma, oriunda da sua formulação por intelectuais orgânicos do capital via fundações empresariais: a venda de horas formativas e material didático aos sistemas públicos por empresas educacionais privadas, algo que a Mônica nos mostrou em nosso debate na UFSCar em 2018.


Ronaldo e Mônica: Há uma pesquisa da Fundação Victor Civita5 em que seus organizadores chegam à conclusão de que os jovens pobres do Brasil “desejam trabalhar” (não que precisem trabalhar) e essa


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5 “Os entrevistados (jovens pobres) parecem compreender o trabalho – antes de completar o ensino médio – como algo altamente desejável, independentemente do que pensam seus pais e de suas necessidades econômicas imediatas” (CEBRAP, 2013, p. 145). CEBRAP – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. O que pensam os jovens de baixa renda sobre a escola. São Paulo: Fundação Victor Civita. 2013. Disponível em https://fvc.org.br/estudos. Acessado em 12 de janeiro de 2017. A Fundação Victor Civita é vinculada ao Grupo Abril, que edita veículos da grande mídia como a Revista Veja. Faz parte do Movimento Todos Pela Educação, que congrega os interesses do grande empresariado para a área de educação no Brasil.

pesquisa serviu para justificar a reforma do ensino médio em curso. Como você avalia essa afirmação? É essa a única alternativa colocada para a juventude brasileira pobre que conclui o ensino médio? A inserção imediata no trabalho?

Luís Groppo: Outra pesquisa mais séria, feita pelo Instituto Cidadania e pela Fundação Perseu Abramo em 2003 e 2004, que forneceu importantes dados para a formulação de políticas públicas de juventude nos anos seguintes no Brasil, apontava então a centralidade do trabalho para as juventudes brasileiras, e não apenas das classes populares.6 O trabalho era a principal preocupação delas, ao lado da educação. A pesquisa concluía que as juventudes brasileiras não pensavam sua condição juvenil como uma moratória em relação ao trabalho, ou seja, como mero adiamento da obrigação de trabalhar, e a própria educação se pautava pelo trabalho futuro. Então, o número de jovens que trabalhavam, bem como os que trabalhavam e estudavam ao mesmo tempo, era proporcionalmente maior do que hoje. Essa redução, em especial na faixa etária adolescente (12 a 17 anos), que está ou deveria estar no Ensino Fundamental II e Ensino Médio, é um dos resultados positivos do surto de crescimento econômico e de dadas políticas públicas nos governos petistas, ao menos até 2013. Esse crescimento e essas políticas possibilitaram que mais indivíduos e famílias das classes populares esboçassem, ao menos, projetos de vida que envolviam investimento maior no aumento da escolarização de adolescentes, com menor pressão para o ingresso imediato no mundo do trabalho. Ou seja, houve uma mudança no padrão clássico da condição estudantil de filhas e filhos das classes populares, que era a de estudantes-trabalhadoras e estudantes-trabalhadores no Ensino Médio, o que se traduziu na grande queda do número de estudantes do Ensino Médio no período noturno, por exemplo.

Ao mesmo tempo, a pesquisa supracitada demonstrou que havia - e ainda há - intermitências de adolescentes e jovens no mundo do trabalho, inclusive para conquistar algum recurso financeiro para desfrutar de certos benefícios supostamente naturais e universais da condição juvenil – como o lazer e formas de diversão e consumo ligadas às sociabilidades juvenis. Ou seja, o trabalho, ao invés de negar a



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6 ABRAMO, H. W. Condição juvenil no Brasil contemporâneo In: & BRANCO, P. P. M. (orgs.). Retratos da juventude brasileira. Análise de uma pesquisa nacional. São Paulo: Perseu Abramo, Instituto Cidadania, 2005, p. 37-72.

condição juvenil, era e é usado para permitir vivências, ainda que provisórias e limitadas, da própria condição juvenil.

Dados mais recentes têm demonstrado a maior evasão de estudantes do gênero masculino, no Ensino Médio, mas também na Educação Superior, em comparação com o gênero feminino. Os meninos têm entrado mais cedo no mundo do trabalho em comparação com as meninas. Assim, há um recorte de gênero relevante quanto às expectativas em relação à escolarização, explicando inclusive o número maior e crescente de mulheres na educação superior.

O que esta pesquisa da fundação empresarial parece ter levantado com correção é a da insuficiência de um ensino médio meramente propedêutico ou preparatório à educação superior para jovens das classes populares. Ou seja, para estudantes do ensino médio, na verdade, não apenas para quem vêm das classes populares, esta etapa também precisa fazer sentido em si mesma e imediatamente. Penso, inspirado por autoras e autores do livro Juventude e Ensino Médio,7 que o ensino médio deve propiciar a leitura crítica de mundo e abrir horizontes sociais, políticos, culturais e econômicos de atuação no local e no espaço público ampliado, o que pode significar também apresentar oportunidades de engajamento produtivo mais ou menos imediato.

Entretanto, isso tem sido interpretado, ou manipulado como argumento, por fundações empresariais e intelectuais orgânicos do capital como formação profissional precoce e ingresso imediato no mundo do trabalho para dados grupos sociais, o que é uma forma rasa ou perversa de compreensão dos dados e uma apressada justificativa da Reforma do Ensino Médio, ou, na verdade, uma revelação de seu verdadeiro sentido: a escolha precoce de carreira via diferentes itinerários formativos visa a profissionalização precoce e apressada de filhas e filhos das classes populares.


Ronaldo e Mônica: Você acompanhou o movimento de ocupações das escolas? Qual o significado delas? Você considera que ele revela uma alternativa de renovação da escola básica brasileira?



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7 DAYRELL, Juarez; CARRANO, Paulo; MAIA. Carla Linhares. Juventude e Ensino Médio. Sujeitos e currículos em diálogo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.

Luís Groppo: Eu acompanhei o movimento como docente grevista e apoiador da ocupação discente da universidade onde trabalho, no Sul de Minas Gerais, entre outubro e dezembro de 2016. Com o Grupo de Estudos sobre a Juventude, projeto de extensão que coordenava, acompanhamos outras ocupações no Sul de Minas, de escolas do Ensino Médio, escrevemos um artigo durante o próprio movimento que, antes de publicado, foi compartilhado com ocupas da universidade. Oferecemos ainda atividades formativas durante a ocupação da universidade e promovemos em 2017 evento de rememoração do movimento no Sul de Minas.

O movimento das ocupações estudantis ficou marcado, primeiro, entre o final de 2015 e meados de 2016, como resistência de estudantes secundaristas contra políticas educacionais regressivas (de matriz neoliberal) por governos estaduais e/ou como denúncia das condições precárias das escolas, do ensino e do trabalho docente, por vezes ao lado de greves docentes. Depois, no segundo semestre de 2016, o movimento se tornou nacional, originado da reação de estudantes secundaristas do Paraná contra a MP746, que se tornou a Lei de Reforma do Ensino Médio. Desde o Paraná, o movimento se ampliou para quase todas as unidades da federação e incluiu na pauta o rechaço à PEC241, depois PEC55, passando a envolver também estudantes de instituições federais (Institutos Técnicos Federais e universidades), algumas universidades estaduais e, em alguns casos, greves de docentes e técnicas e técnicos de instituições educacionais federais. Nas instituições de educação superior, a pauta da PEC 241 foi mais forte, por vezes eclipsando a luta muito mais ampla e enraizada de secundaristas contra a MP746, que pelos secundaristas foi conjugada à luta contra a PEC 241.

Uma das interpretações possíveis do sentido do movimento entre secundaristas foi a de que, tanto a MP746, reforçada pela PEC241, quanto as medidas regressivas dos governos estaduais, eram atentados contra certos mecanismos que, formalmente, operavam sob a lógica da igualdade, a saber, o sistema e o currículo do ensino médio, bem como o acesso à educação superior, supostamente operando como dispositivos que permitiam alguma chance de ascensão social ou de transição entre classes sociais ou grupos de renda, ainda que, concretamente, esses mecanismos formais funcionem com grande precariedade no acesso ao saber e à educação superior, pouco capaz de promover rupturas na trajetória herdada do grupo familiar. Especialmente a MP746 foi interpretada como uma grave lesão ou um

retrocesso em um dos poucos campos sociais que pareciam oferecer alguma igualdade de trato. Faço essa interpretação inspirada pela que Jacques Rancière fez dos protestos estudantis universitários na França, em 1986, contra um projeto de reforma universitária.8

Temos em nossos relatos, nas entrevistas, uma quase onipresença, mesmo que difusa, deste sentimento de lesão ou dano, interpretado ao mesmo tempo como prejuízo pessoal – pela perda do acesso a saberes vindos da sociologia, filosofia e artes ou o dolo na trajetória de acesso a dadas carreiras na educação superior, ou o simples fato de não ter sua voz ouvida por pessoas e instituições adultas -, como prejuízo coletivo – da escola, do conjunto de estudantes e por vezes até do grupo social (classe popular, periferia, mulheres, pessoas negras) – e até mesmo como prejuízo intergeracional – que justifica a luta, em boa parte por estudantes do 2o e 3o anos do ensino médio, que não sofreriam pessoalmente com a Reforma, em favor de futuras gerações, incluindo irmãs, irmãos, filhas e filhos.

Penso que o movimento revela, sim, alternativas de renovação, principalmente por seu caráter largamente prefigurativo, ou seja, as formas de mobilização anunciavam ou continham as relações sociais, políticas e educacionais desejadas.9 Não se tratou, portanto, apenas ou prioritariamente de ação estratégica, em que a ação coletiva e as formas de protesto são tidos como meios mais apropriados para o fim desejado. Ou seja, mais do que ação estratégica contra as reformas educacionais, MP746 e PEC241, as ocupações contiveram anúncios e vivências da forma de sociedade, política e educação sonhadas. Por exemplo, na sociedade, a igualdade de gênero no trabalho das comissões; na política, a horizontalidade, o assembleísmo e a democracia direta; na educação, via oficinas e aulões, uma concepção educacional mais igualitária e dialógica entre educandas e educandos e educadoras e educadores, com trocas constantes de posição e/ou coeducação entre gerações, bem como participação discente na elaboração do currículo, ligado a questões imediatas da luta política tanto quanto questões existenciais, identitárias e subjetivas (gênero, raça, orientação sexual), formação política e até mesmo preparação para o ENEM.


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8 RANCIÉRE. Jacques. Os usos da democracia. In:           . Nas margens do político. Lisboa: KKYM, 2014, p. 47-68.

9 ORTELLADO, Pablo. A primeira flor de junho. In: CAMPOS, A, M; MEDEIROS, J; RIBEIRO, M. M.

Escolas de luta. São Paulo: Editora Veneta, 2016. p. 12-18.

Ronaldo e Mônica: As ocupações nos estados foram diferentes? Têm especificidades? Se sim, você poderia identificar algumas?


Luís Groppo: O mergulho na bibliografia farta sobre as ocupações (ainda que privilegie alguns estados), bem como as análises das entrevistas, têm apontado, até o momento, mais semelhanças do que diferenças entre os estados, em especial quando se considera a forma do movimento e o uso da tática da ocupação, assim como os agentes apoiadores e os agentes opositores. Houve sim, diferentes dinâmicas que se referem antes ao tipo de escola (periféricas, centrais ou prestigiosas), ao modo como a ocupação se iniciou (com grande preparação ou meramente reativa) e por vezes até à cultura da escola (muito tradicionalista ou rígida, por exemplo, caso em que a própria direção e a docência foram consideradas como algozes desde o início). Essas dinâmicas diversas vão se repetindo no interior de cada estado.

Uma primeira diferença poderia estar no número de escolas ocupadas em proporção ao total de escolas. Nesse caso, não observamos diferenças significativas nas ocupações até meados de 2016, que tiveram pautas estaduais. Já no 2o semestre de 2016, com a pauta nacional, aconteceu a onda mais massiva de ocupações, no Paraná, que não se repetiu nos demais estados, especialmente nos do Norte – que participaram menos de todo o movimento. Mas a principal causa do menor sucesso nas demais unidades da federação no 2o semestre de 2016 se deve à maior capacidade de repressão estatal, judicialização do movimento e formação de contramovimentos que impediram o apoio da sociedade civil.

Outra diferença importante está nos resultados, entre as vitórias iniciais, em São Paulo em 2015, contra a “Reorganização”, em Goiás no início de 2016 contra as Organizações Sociais e Mato Grosso no mesmo momento contra as Parcerias Público-Privadas, vitórias parciais no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, no primeiro semestre de 2016, e derrotas no Ceará em meados do ano e em todo o país no 2o semestre de 2016. As derrotas se relacionaram, primeiro, à reflexividade dos agentes da sociedade política e forças de segurança, que foram preparando melhor a repressão e a contraofensiva, mas também, no caso da onda nacional iniciada em outubro de 2016, pela pauta menos ligada a questões locais e estaduais e à menor

capacidade de angariar apoio na sociedade civil, tendo em vista também o acirramento político crescente desde o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Certamente, pautas denunciando a precariedade material das escolas apareceram mais em estados com menores recursos destinados à educação, como o Pará, que também enfrenta sérios problemas com a improbidade da gestão das escolas, patente nos casos em que ocupas descobriram alimentos que nunca chegaram à merenda ou que estavam estragando. No entanto, mesmo em estados supostamente mais ricos como São Paulo apareceram as denúncias da precariedade material e ocupas descobriram material didático esquecido nos depósitos das escolas.


Ronaldo e Mônica: Que tipo de organizações juvenis e de entidades estudantis participaram desse movimento? Houve um protagonismo de alguma delas?


Luís Groppo: Os processos políticos das ocupações secundaristas foram muito complexos, mas considero que sua grande marca foi a atuação mais marcante, inclusive numericamente, de ocupas independentes, ou como eram chamadas e chamados por militantes, os “não organizados”. Entre as organizações políticas que se aproximaram, apoiaram ou participaram da organização das ocupações, podemos caracterizar dois grupos: o campo autonomista e o campo democrático-popular.10 Ao que parece, o campo autonomista, ainda que minoritário em relação ao democrático- popular, caracterizou melhor a visão política das e dos ocupas independentes, com sua valorização da autonomia, horizontalidade, assembleísmo e democracia direta, ainda que, na maioria das situações, ocupas independentes agiram com grande pragmatismo nas suas relações com entidades estudantis, partidos e sindicatos. Entre coletivos autonomistas, destacou-se o Mal Educado em São Paulo e os antifas em Curitiba, afora a criação de coletivos autonomistas durante o próprio movimento, como o Grupo Autonomista Secundarista na capital paulista, o Comando de Escolas Independentes no Rio Grande do Sul e o CAOS (Coletivo Autonomista de Organizações Secundaristas) em Curitiba. Algumas juventudes partidárias, com as de


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10 MEDEIROS. J.; JANUÁRIO, A.; MELO, R. Introdução. In:       . (Org.) Ocupar e resistir. Movimento de ocupações de escolas pelo Brasil (2015-2016). São Paulo: Editora 34, 2019. p.19-36.

certas correntes do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), se aliaram ao campo autonomista em alguns estados.

O campo democrático-popular incluiu entidades estudantis como UBES (União Brasileira de Estudantes Secundaristas), UNE (União Nacional dos Estudantes), UPES (União Paranaense de Estudantes Secundaristas) e até algumas Uniões Municipais de Estudantes Secundaristas, além da maioria das juventudes partidárias da esquerda (como a União da Juventude Socialista [UJS], ligada ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Levante Popular da Juventude (com relações com o Consulta Popular), Juntos! (ligada a corrente do PSOL) e Juventudes do Partido dos Trabalhadores (JPT).

Temos notado que a tendência foi a de que escolas das periferias e de pequenos municípios, que acabaram conformando a maioria das ocupações e em vários estados deram início ao movimento, além de receberem menor visibilidade na mídia, tivessem menor apoio de entidades estudantis, partidos, sindicatos e militância, em especial depois que escolas centrais e prestigiosas passaram a ser ocupadas.

Em escolas centrais e de bairros de classe média, a tendência foi a das escolas serem acossadas por vários apoiadores, conformando mesmo uma coalizão entre ocupas (com peso decisório decisivo) e entidades estudantis, partidos e sindicatos apoiadores. Houve poucos casos de escolas prestigiosas que tiveram a hegemonia de um grupo ou juventude partidária, como em Minas Gerais pela UJS (casos da Escola Estadual Central em Belo Horizonte e Colégio de Aplicação em Juiz de Fora). Há, enfim, o caso do Colégio Estadual do Paraná, com forte presença de antifascistas. Enfim, é interessante citar o esforço da UJS e da UBES de dar início a ondas estaduais de ocupação, como no interior do Pará e do Paraná em maio de 2016. Foram ocupações em geral bem-sucedidas mas que não tiveram o efeito de contágio como aquelas iniciadas por independentes. A UPES recebeu muitas críticas negativas de ocupas independentes e autonomistas no Paraná, por tentar se colocar como representante das ocupações e mesmo ter sido sua protagonista, ainda que ela e a UJS tenham liderado ocupações em alguns locais, como em Maringá. Mas não se pode negar a importância das entidades, juventudes partidárias e sindicatos em apoio material, orientação política e jurídica e até mesmo estímulo à organização do movimento em diversos estados e locais, em especial no 2o semestre, quando a tática

e o levante secundaristas pareceram a única frente a contestar a nova hegemonia política consolidada com o impeachment de Dilma.


Ronaldo e Mônica: Como as tuas pesquisas revelam as percepções dos jovens sobre as escolas de ensino médio? Qual a escola desejada por eles? Você avalia que a reforma em curso atende essas expectativas?


Luís Groppo: A pesquisa sobre as ocupações secundaristas tem revelado a percepção de parte das e dos jovens do Ensino Médio, já que a totalidade delas e deles não foi ocupa e houve mesmo aquelas e aqueles que se engajaram em contra- movimentos de desocupação. Temos diferentes unidades da geração juvenil no Brasil atual, ao menos em relação à política.11 Uma unidade de teor progressista é a que participou e fez as ocupações secundaristas. O surpreendente é o quanto o viés de gênero parece ser mais importante até que o de classe nesse aspecto, tendo em vista, por exemplo, que a maioria das ocupas foram mulheres, além de que tivemos mais jovens do sexo masculino votantes no candidato da extrema-direita vencedor em 2018, conforme demonstraram estudos de Rosana Pinheiro-Machado e Lucia Mury Scalco.12

Ou seja, não há uma homogeneidade de percepções e expectativas nas juventudes no ensino médio – e nem mesmo entre ocupas isso aconteceu, já que, como sabemos, todo movimento social é uma coalizão de interesses e demandas, ainda que tenham produzido um horizonte semelhante, que eu descrevi acima, na resposta à questão 3, sobre o caráter prefigurativo das ocupações. Retomando o que foi dito sobre a práxis das ocupações do ponto de vista educacional, tivemos a participação discente na construção curricular, o currículo significativo em relação às questões imediatas da ação coletiva e que afligiam pessoalmente os sujeitos, formação social e política, metodologia de ensino-aprendizagem participativa, dialógica e aberta à coeducação entre as diferentes gerações.


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11 CORROCHANO, M. C.; DOWBOR, M.; JARDIM, F. A. A. Juventudes e participação política no Brasil do século XXI: quais horizontes? Laplage em Revista, Sorocaba, v. 4, n. 1, p. 50 66, 2018. DOI: https://doi.org/10.24115/s2446 6220201841436p.50 66

12 Como o artigo “Da esperança ao ódio”, disponível em inshttp://www.ihu.unisinos.br/78- noticias/583354-da-esperanca-ao-odio-juventude-politica-e-pobreza-do-lulismo-ao-bolsonarismo

A Reforma vai na contramão desse horizonte participativo, democrático e significativo do Ensino Médio desejado pelas e pelos ocupas, a começar pelo modo como foi feita, a partir de um governo de legitimidade pouco convincente, fruto de um impeachment muito irregular e insustentável juridicamente, e a partir de uma medida provisória, ignorando longo debate anterior no próprio Congresso Nacional – ainda que tenha sido proposto um projeto de lei pouco diferente da MP74613 – e as posições de entidades e movimentos educacionais. A Reforma adotou um pacote pré-fabricado por intelectuais orgânicos do capital, defendendo uma concepção economicista e tacanha de educação escolar e apontando para um cenário de novos produtos educacionais ao mercado de empresas educacionais, privatizações de gestões escolares e parcerias público-privadas. Não à toa, a MP746 deu origem ao maior movimento social desde as Jornadas de 2013 no Brasil.


Ronaldo e Mônica: Em artigo recente, em que analisa o movimento de ocupações no Brasil14, você critica a perspectiva estrutural- funcionalista e as teorias “pós-críticas” sobre juventude e propõe uma perspectiva dialética para pensar a juventude, entendendo-a enquanto uma categoria política. Você pode explicar as principais diferenças entre essas perspectivas? A categoria classe social, por exemplo, ainda é tomada como categoria explicativa para a situação da juventude?


Luís Groppo: A perspectiva estrutural-funcionalista orientou, ao longo do século XX, a concepção tradicional ou clássica de juventude, com base em uma noção simplista de socialização (crianças e jovens sob a guia de pessoas adultas), definindo a juventude em função da integração social, em uma visão conformista de sociedade e evolucionista de história, tratando as rebeldias juvenis como disfunção, patologia ou anomia.


13 CORTI, Ana Paula. Ensino médio: entre a deriva e o naufrágio. In: CÁSSIO, Fernando. Educação contra a barbárie. São Paulo: Boitempo, 2019, p. 47-52.

14 GROPPO, Luís Antonio, & SILVEIRA, Isabella Batista. (2020). Juventude, classe social e política: reflexões teóricas piradas pelo movimento das ocupações estudantis no Brasil. Argumentum, 12(1), 7– 21. https://doi.org/10.18315/argumentum.v12i1.30125.

As perspectivas pós-críticas não conformam um único paradigma, mas têm em comum o reconhecimento de que a concepção clássica de juventude se esgotou na contemporaneidade. A sociedade atual é tratada como “pós-moderna” em vieses pós- estruturalistas e propriamente pós-modernos, considerando que a implosão das categorias etárias da modernidade levou antes a um labirinto de identidades etárias (e sociais) do que a uma relativização. Já as teorias da socialização ativa, com base na ideia de que vivemos em um segundo momento da modernidade, apostam na relativização das categorias etárias e diagnosticam a necessidade de que os indivíduos sejam sujeitos ativos na constituição de suas identidades, de seus percursos de socialização e de suas trajetórias à maturidade, defendendo, por exemplo, políticas públicas e educacionais que fortaleçam os indivíduos e famílias de grupos populares em suas capacidades decisórias e na formulação de projetos de vida.

Ao longo dos meus trabalhos nos últimos anos, tenho considerado que as perspectivas pós-modernas, levadas ao limite, podem nada mais do que tentar fotografar o caos, perdendo muito de sua capacidade explicativa. Mais recentemente, entretanto, tenho recebido com mais simpatia a imagem do rizoma para entender a dinâmica das culturas e movimentos juvenis, assim como assumido uma análise mais preocupada em apresentar como aconteceu um fenômeno – como o movimento das ocupações – do que explicar suas causas, os porquês definitivos ou profundos.

Quanto à perspectiva das socializações ativas, elas tiveram grande importância para informar as políticas públicas de juventude no Brasil durante os governos petistas, representada por sociólogos da juventude como Marília Spósito, Juarez Dayrell e Paulo Carrano. Observados até meados dos anos 2010, ficava mais explícito o quanto não havia se rompido com o neoliberalismo dos anos Fernando Henrique Cardoso. Contudo, observando hoje, no início de uma década e diante da hecatombe das políticas públicas e da própria democracia, fica mais claro o quanto houve de avanço político e mesmo na análise sociológica.

Nesse sentido, considero que hoje o grande trunfo da análise dialética da juventude seja o seu foco nos movimentos e rebeldias juvenis, enquanto as perspectivas pós-críticas tendiam a focar o cotidiano, o fluxo do dia a dia. A dialética da juventude defende a integração sempre imperfeita e incompleta de jovens à estrutura social, ou seja, há sempre a possibilidade de jovens virem a contestar

valores e instituições vigentes, já que não são totalmente comprometidas e comprometidos com tais, pois podem “estranhar” o mundo como está dado e construir alternativas, de forma ou autônoma ou tomada de empréstimo de pessoas adultas heterodoxas. Trata-se do combustível das revoltas das juventudes na modernidade e contemporaneidade, revelando não apenas as contradições e fissuras da sociedade vigente, mas também construindo projetos e alternativas, formuladas de diversas formas, seja como um grande programa revolucionário, seja vivido como insurgências microscópicas – ainda que se multiplicando na forma de contágio ou mesmo rizoma – incidindo contra aspectos pontuais (tal como as ocupações secundaristas).

A dialética da juventude parte do princípio de que não há uma única e homogênea juventude, mas sim que a condição etária juvenil é importante fator social, que orienta condutas e a relação dos sujeitos com o mundo, em combinação com outros elementos sociais que estruturam as experiências, tais como classe social, gênero, etnia, região, religião etc. Esta combinação é largamente orientada pelo contexto sócio-histórico, que pode fazer com que dado elemento estrutural seja mais decisivo que outro em certo momento – tal como o gênero no próprio movimento das ocupações, assim como nas eleições de 2018. A classe social é elemento fundamental para compreender as experiências da condição juvenil no cotidiano e no extra-cotidiano (como os protestos juvenis). Toda análise deve tomar a classe social como possível fator explicativo, o que não é o mesmo que vaticinar seu determinismo, independente dos dados empíricos. A dimensão popular do movimento das ocupações, por exemplo, é inegável, ao se considerar que foi um movimento das escolas públicas e que teve o protagonismo das escolas periféricas – as duas principais ondas de ocupações começaram lá também, como em Diadema, São Paulo, e São José dos Pinhais, Paraná. No entanto, a dimensão do gênero foi outro elemento primaz desse movimento, a ponto de ter originado e disseminado um feminismo popular e secundarista muito significativo, que parece ter sido um dos principais legados das ocupações.

No artigo citado, entretanto, para além desta dimensão econômica e estrutural da classe social, fizemos um exercício teórico, junto a E. P. Thompson e Rancière, de pensar a classe social também como categoria política, forjada nas lutas sociais e no cotidiano de um conjunto de pessoas que, ao ocupar uma dada posição no sistema econômico, elabora politicamente pautas e programas que representam seus desejos

e interesses. Ranciére se baseia na dimensão política da categoria classe social para pensar a noção de sujeito político. O sujeito político e o processo de subjetivação política são capazes de descrever situações em que indivíduos classificados socialmente como inferiores ou exteriores à ordem social e política, pensam e agem como iguais entre si e em relação aos que se veem como seus superiores. Esse processo é capaz inclusive de aglutinar pessoas de diversas procedências e recortes sociais, dado o momento igualitário que inauguram – o momento da política em seu sentido mais verdadeiro, para Ranciére.

Consideramos muito relevante aplicar essas ideias para pensar as ocupações. Mais do que forjar uma identidade coletiva – caracterizando classicamente as ocupações como um movimento social – talvez possamos avaliar que suas ações coletivas foram um momento político produtor de subjetivações políticas potentes, ainda que breves no tempo.


Ronaldo e Mônica: Em outro artigo15 você critica as teorias pós- críticas que propõem a tese das socializações ativas, que tomam o jovem como sujeito social. Você assume que nessa concepção o tema da inclusão/exclusão é colocado no lugar do tema das desigualdades sociais oriundas da estrutura de classes e da exploração pelo capital. Você diz ainda que um risco da adoção desses referenciais é o de se assumir uma concepção despolitizadora de participação ou ação social. Considerando que os documentos normatizadores da reforma do ensino médio trazem o discurso do protagonismo social como um de seus conceitos centrais, você considera que as teorias pós-críticas sejam um dos referenciais da reforma? Que outras consequências para a juventude e o ensino médio a adoção desse referencial pode acarretar?


Luís Groppo: Este artigo trata justamente da análise que citei na resposta anterior: a concepção de socialização ativa e a defesa do jovem como sujeito social de Juarez Dayrell foram descritas tendo em vista suas continuidades com as noções


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15 GROPPO, Luis Antonio, Sentidos de Juventude na Sociologia e nas Políticas Públicas do Brasil Contemporâneo. In: R. Pol. Públ., São Luís, v. 20, n 1, p. 383-402, jan./jun. 2016.

de inclusão social, capital social, protagonismo juvenil e competências que marcaram as políticas sociais e educacionais nos anos FHC. Essa análise crítica é um exemplo dos limites e continuidades da costura lulista na hegemonia do que chamei de “neoliberalismo da 3a Via” esboçado nos governos FHC – mas que FHC praticou imperfeitamente, enquanto Lula e Dilma, sem assumir, praticaram efusivamente. No entanto, hoje é mais claro o quanto essa costura também abriu brechas importantes para que pautas dos movimentos sociais progressistas influenciassem e ajudassem na formulação de legislações e políticas.

Não à toa, o novo arranjo hegemônico, criado contra a reeleição de Dilma Rousseff, tem ido bem para além de tirar um grupo do poder político em favor de outro, já que tem reformulado drasticamente o sentido daquelas políticas e assumido expressamente o desejo de desmontar legislações progressistas e direitos sociais, daí o simbolismo e alcance da PEC241, por exemplo, que congelou os gastos sociais da União por 20 anos e tem colocado governo federal e poder legislativo em colossais imbróglios jurídicos e orçamentários diante da pandemia da Covid-19.

O discurso do protagonismo juvenil e o do jovem como sujeito social tinham algumas fundamentações sociológicas e filosóficas relativamente próximas, como um texto de Alain Touraine deixa patente.16 Mas o discurso do protagonismo juvenil sempre foi engodo ideológico nas mãos de intelectuais orgânicos do capital, um amálgama malfeito de ideias contraditórias e metodologias manipulatórias. As concepções do jovem como sujeito social e das socializações ativas sempre tiveram grande acuidade analítica e enorme capacidade de escuta de jovens. Suas proposições políticas, no espírito do arranjo hegemônico ao qual se perfilaram, nunca sem críticas e conformismo, certamente, abandonava o espírito da transformação revolucionária e abrupta em favor de reformas sociais orientadas por políticas públicas formuladas em consulta à sociedade civil.

O que temos na Reforma do Ensino Médio e na própria BNCC (Base Nacional Comum Curricular) é o protagonismo como engodo ideológico, um discurso o qual, acredito eu, adolescentes em larga escala nas escolas lidarão de modo semelhante ao que fizeram, em pequena escala, jovens “dos projetos”, tidas e tidos como “vulneráveis”: a repulsa ou a adesão meramente formal, com o palavreado do


16 TOURAINE, A. Juventud y democracia em Chile. Última Década, Valparaíso, n. 8, p. 71-87, mar. 1998.

protagonismo como verniz do discurso e da prática. Novamente, tenho esperança na possibilidade da recusa, subversão ou ao menos da adesão superficial a essa ideologia que parece até ofender a perspicácia de nossas e nossos adolescentes – esperança na dialética da juventude.


Ronaldo e Mônica: Que lições podemos tirar das ocupações ocorridas no Brasil?


Luís Groppo: É surpreendente o quanto temos aprendido, desde o início, com o movimento das ocupações e o quanto temos a aprender, na verdade, com quaisquer movimentos sociais, ainda mais quando é levado adiante por jovens.

Desde o começo tentamos aprender com as e os ocupas, e não apenas doar ou “ensinar”, quando visitamos as ocupações das escolas e apoiamos a ocupação da universidade. Esse movimento peculiar teve o papel central de sujeitos no início de sua juventude, a adolescência. Em vários lugares, como São Paulo, Paraná e Minas Gerais, inclusive adolescentes do Ensino Fundamental II, não só do ensino médio. Adolescentes foram o núcleo de ocupas das escolas, que em muitos lugares foram centros de coalizão com estudantes de outras escolas, ex-estudantes, militantes jovens e adultos e às vezes até mães, pais e membros da comunidade. Já temos uma primeira lição aí, a capacidade de congregar autonomia (do movimento) com heterogeneidade (de integrantes, apoiadores, organizações e até vieses político- ideológicos).

Outra lição se refere ao que não devemos fazer, ao que devemos evitar, que talvez não tenhamos aprendido desde o início das ocupações: impor ou forçar nossa visão político-ideológica ou nossa referência teórico-filosófica para orientar ou explicar o movimento das ocupações. Foi e é ainda preciso ter ouvidos abertos e atentos para ouvir o que realmente diziam e dizem as e os ocupas. Militantes das entidades estudantis tendiam a dizer que o movimento das ocupações revelou a importância de “se organizar” e das próprias entidades estudantis, seja quando venceu (supostamente pela capacidade de liderança das entidades), seja quando foi derrotado (supostamente porque ocupas e autonomistas rejeitaram a direção das entidades). Por outro lado, pessoas da academia se apressaram em dizer que todas as ocupações eram apartidárias e até mesmo anti-entidades estudantis, quando na

verdade elas tenderam a ser independentes e bastante pragmáticas em suas alianças, aceitando apoio político, jurídico e material dos mais diferentes setores progressistas, desde que não tirassem a autonomia das e dos ocupas.

Outra lição política está presente acima: a capacidade de fazer uma ampla aliança política progressista, confirmando que, na prática, as tendências ativista e militante, tanto quanto a autonomista e a socialista, podem se aliar, se reforçar e retroalimentar.

Para não se alongar ainda mais, talvez a principal lição, a ainda ser melhor aprendida (e esse é o desejo da nossa pesquisa), é entender o sentido da mobilização e da ação política de adolescentes. Adolescentes têm uma leitura de mundo e uma relação com o tempo próprias, inclusive em comparação com jovens de mais idade. Essa leitura e relação parecem levar adolescentes a se engajar em uma ação coletiva desde que ela seja capaz de propiciar uma experiência que se revele como significativa, ao mesmo tempo, pessoal e coletivamente. Para várias pessoas entrevistadas, ter sido ocupa é apontado como a principal experiência, até então, de suas vidas. Para todas, ao que parece, trata-se de uma experiência que ressignificou, em diferentes teores, suas trajetórias pessoais, políticas e educacionais.

É desalentador hoje, no início de 2021, assistir à implementação de escolas cívico-militares no estado que teve o segundo maior movimento de ocupações escolares na história, o Paraná (o primeiro foi na Grécia, em 1990-1991). Pelo que temos conversado, parece haver mesmo perversidade e punitivismo nas escolas escolhidas, várias delas tendo dado o início ao movimento das ocupações em seus municípios ou se destacado. Uma delas foi a escola de Ana Júlia Ribeiro, a corajosa menina que enfrentou deputados conservadores na Assembleia Legislativa. Um deles, como elas nos contou, mandou ela se calar, quando Ana disse que eles tinham as mãos sujas de sangue. Ela não se calou e não se cala.


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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


DO “NÓ DO 2º. GRAU” AO ULTRACONSERVADORISMO DA ATUAL POLÍTICA DE ENSINO MÉDIO NO BRASIL: ATUALIDADE E URGÊNCIA DO PENSAMENTO DE DERMEVAL SAVIANI1


Marise Ramos2


Em 1986, Dermeval Saviani concedeu uma entrevista ao único número da Revista Bimestre, editada pelo MEC/INEP/CENAFOR3, tratando do “nó da educação brasileira”, o então 2º Grau4. Naquele momento, essa designação esclarecia o que o entrevistador via como um “emaranhado de interpretações” que caracterizaria tal nível de ensino. A resposta do nosso educador nos permitiu entender que não havia, propriamente, um “emaranhado de interpretações” sobre o 2º. Grau, mas sim a falta de equacionamento do real problema. Saviani foi claro: o “nó” que precisaria ser desfeito implicava superar seu histórico caráter “pendular” decorrente da indefinição de sua função. Se essas eram claras para os 1º e 3º graus, o mesmo não ocorria com o 2º, que visava, ora preparar para o prosseguimento de estudos – a chamada função propedêutica – ora à terminalidade, mediante função profissionalizante. Tal



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1 Artigo recebido em 26/03/2021. Aprovado pelos editores em 27/03/2021. Publicado em 27/05/2021. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.49427.

2Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense – UFF, Brasil. Professora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) e da Faculdade da Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Área de estudos: Ciências Humanas/Educação/Trabalho-Educação. E-mail: ramosmn@gmail.com.

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5439-3258. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3796863111902233.

3 O Cenafor – Centro Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal para a Formação Profissional, teve sua criação autorizada pelo Decreto-Lei nº 616 de 09/06/1969, sob forma de Fundação vinculada ao Ministério da Educação e Cultura, com a finalidade de preparação e aperfeiçoamento de “docentes, técnicos e especialistas em formação profissional bem como a prestação de assistência técnica para a melhoria e a expansão dos órgãos de formação e aperfeiçoamento de pessoal existente no País”. (Art. 3º) Foi extinto pelo Decreto n. 93.613, de 21/11/1986.

4 2º Grau era a denominação conferida pela Lei n. 5.692/1971, ao nível de ensino que corresponde, hoje, ao ensino médio, última etapa da educação básica, segundo a LDB vigente (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – n. 9.394/2006). Essa lei organizou a educação nacional em somente dois níveis, a saber: básica e superior. O primeiro passou a ser composto por três etapas, a educação infantil; o ensino fundamental, dividido em dois ciclos; e o ensino médio, a última etapa. A indefinição da função do ensino médio foi formalmente resolvida com essa reorganização, mas não o foi de fato.

indefinição expressava como a sociedade via a articulação entre trabalho e educação. Este era o primeiro problema a ser resolvido.

O estatuto clássico e, ao mesmo tempo, extremamente atual do conteúdo da entrevista pode ser constatado pela riqueza de definições, conceitos e princípios ético-políticos sobre um projeto de educação da classe trabalhadora que, ao longo desses anos, vimos tentando apreender, aprofundar e difundir. Projeto este mais urgente do que nunca, face ao ultraconservadorismo da atual contrarreforma do ensino médio no Brasil. Revisitar esse texto é, também, “descobrir” uma das primeiras fontes de conhecimento de educadores brasileiros que tomaram a educação politécnica como princípio e como projeto, antes mesmo de poder conhecer seus fundamentos originais nos escritos de Marx e Engels sobre educação; nos estudos de Antonio Gramsci (1991b); além da experiência soviética discutidos por Lenin, Krupskaya, Pistrak, Shugin e Makarenko, por exemplo.

Muito do que se manifesta em um quarto da primeira página e nas outras duas que se seguem, pode ser encontrado em outros textos, como “Sobre a concepção de politecnia” (1989a), retomado em 2003, no primeiro número da Revista Trabalho, Educação e Saúde5; e no artigo publicado pela Revista Brasileira de Educação (2007)6, para citar alguns frequentemente consultados.

Ao mesmo tempo, ao finalizar a leitura da entrevista, um sentimento que mistura frustração, compromisso e responsabilidade é inevitável, pois a disputa pela politecnia ainda precisa ser muito intensa. Alguns passos na história recente da educação brasileira dela nos aproximaram. Mas, como a “utopia” de Eduardo


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5 Periódico científico da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz). Essa instituição realizou, em 1989, o Seminário Choque Teórico, para discutir os fundamentos do projeto dessa nossa unidade de ensino que se propunha a ajudar a construir a “utopia da politecnia”, ainda sob a vigência da Lei n. 5.692/1971. A exposição do Professor Dermeval Saviani foi gravada, transcrita e publicada de forma relativamente restrita. O artigo publicado no periódico científico quase quinze anos depois, como explica o autor, é composto pela versão revisada dessa exposição e pela discussão do conceito de politecnia. A experiência da EPSJV/Fiocruz e o debate sobre politecnia na Constituinte e na elaboração da LDB foi objeto de reportagem de Oliveira, Guerra e Gomes (1989) da Revista Sala de Aula, fazendo referência aos intelectuais que defendiam essa concepção, como o próprio Dermeval Saviani, Lucília Machado, Gaudêncio Frigotto e Acácia Kuenzer. A matéria traz, ainda, os “novos politécnicos” daquele momento: André Malhão, Bianca Antunes Côrtes e Júlio Lima, que coordenavam o Curso Técnico de 2º. Grau em Saúde daquela recém-criada unidade da Fiocruz, os três orientados por Gaudêncio Frigotto. Foram eles que me apresentaram, quando me tornei professora de química daquele curso, o debate sobre a politecnia, os textos de Dermeval Saviani e o educador Gaudêncio Frigotto, que também me acolheu nos estudos a educação a partir de 1993.

6 O artigo é resultante da exposição do autor do trabalho encomendado pelo GT 9 (Grupo de Trabalho em Trabalho-Educação) na 29ª Reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa e Educação (ANPEd), realizada em Caxambu, MG, de 16 a 20 de outubro de 2006.

Galeano, que acelera seus passos quando pensamos que vamos alcançá-la, vemos o quanto regredimos nos últimos cinco anos. Isto não só porque andamos lentamente, mas porque atualmente se retoma, de forma orquestrada, cínica e ultraconservadora, a contrarreforma realizada no governo de Fernando Henrique Cardozo (FHC). Esta abortou intensas discussões travadas em nome dessa concepção no contexto de elaboração da LDB após a aprovação da Constituição Federal de 1988. A própria lei aprovada expressou uma derrota dos educadores progressistas, impingida pela apresentação, no Senado Federal, de um outro texto, que veio a substituir o projeto em tramitação na Câmara. Este, por sua vez, já era uma versão substantivamente alterada do original, face ao tempo e a abrangência dos debates que contrastou com a celeridade da aprovação do texto do Senado7. Não é demais lembrar que o primeiro projeto de lei apresentado à Câmara dos Deputados foi inspirado na produção de Dermeval Saviani, depois que Otávio Elisio conferiu forma de documento legislativo ao texto do educador apresentado na XI Reunião Anual da ANPEd (1988).

A clareza dos argumentos constantes da entrevista é tão cristalina que vale extraí-los didaticamente. Reproduzo-os tanto por sua precisão, quanto por sua atualidade e urgência, buscando evidenciar que se trata de conteúdos clássicos da filosofia e da história da educação que precisam continuar alimentando a luta política pelo direito da classe trabalhadora à educação. Revisitá-los nos permite também discutir contradições que enfrentamos nas lutas mais recentes pela construção do projeto de politecnia no ensino médio. Passo a fazê-lo.

Sobre o conceito de trabalho e sua relação com a educação escolar8:


Na verdade, todo sistema educacional se estrutura a partir da questão do trabalho, pois o trabalho é a base da existência humana e os homens se caracterizam como tais na medida em que produzem sua própria existência, a partir de suas necessidades. Trabalhar é agir sobre a natureza, agir sobre a realidade, transformando-a a partir de seus objetivos, das necessidades humanas. A sociedade se estrutura a partir da maneira pela qual se organiza o processo de produção da existência humana, o processo de trabalho. (p. 14).



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7 Pelo menos duas publicações merecem ser citadas a respeito dessa história. Uma delas é a Revista Em Aberto, Brasília, ano 7, n 38, abr./jun. 1988, com um conjunto de artigos de educadores progressistas sobra a educação na constituinte e as perspectivas de uma nova LDB. Outra é o livro publicado por Saviani (1997), que nos traz o histórico e um balanço da lei aprovada.

8 Todas as citações que passo a fazer ao início de cada item são enxertos da entrevista aqui analisada.

Dermeval Saviani nos permite entender o significado e a dialeticidade da expressão “trabalho como princípio educativo”, que deve orientar o projeto e a prática escolares de forma explícita e intencional, já que, de fato, o faz. Mas, historicamente, o faz sob a hegemonia do capital. Se o capital reduz o trabalho – práxis onto-criativa do ser humano – à mercadoria força de trabalho, tenderá a reduzir o “princípio educativo” à preparação dessa mercadoria. E nisto se vê a unidade das dimensões ontológica e histórica do trabalho a que ele se refere na introdução ao artigo de 2007. Tal redução se objetivou na função profissionalizante do 2º Grau e na separação artificial dessas funções na contrarreforma dos anos de 1990 (ensino médio para a vida x educação profissional); é tensionada com o projeto de Ensino Médio Integrado9; e retomada com a contrarreforma atual efetivada pela Lei n. 13.415/2017 e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Neste enunciado também identificamos elementos da dedicação do autor a sua pesquisa em história da educação, tendo como guia o conceito de “‘modo de produção’”, com vistas a explicitar “como as formas de produção da existência humana foram gerando historicamente novas formas de educação, as quais, por sua vez, exercem influxo sobre o processo de transformação do modo de produção correspondente”. (SAVIANI, 2005, p. 2).

Sobre a relação entre o trabalho e os conhecimentos científicos objetos da educação escolar:

As Ciências da Natureza:


Os homens, em função de suas necessidades precisam agir sobre a natureza para transformá-la. Precisam, portanto, saber como está constituída a natureza, como se comporta, quais são as leis que a regem. É a partir do trabalho, portanto, que o homem coloca para si a necessidade de conhecer a natureza e sistematizar esses conhecimentos em termos científicos. (p. 14).


As Ciências Sociais:


No caso das ciências sociais, trata-se do conhecimento sobre as relações entre os homens, as formas como os homens se organizam, e as regras de convivência que estabelecem, as quais vão implicar na definição de direitos e deveres. Por que é preciso conhecer mais


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9 Ao longo do texto, inevitavelmente sinalizarei relações entre o que passamos a denominar de Ensino Médio Integrado a partir de 2003 e a concepção de politecnia. Por ora, limito-me a remeter ao livro “Ensino Médio Integrado: concepção e contradições”, organizado por Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005).

a fundo essas relações? Porque o homem não produz sozinho, individualmente, suas condições de existência. Essa produção da vida humana é coletiva, é feita socialmente e de modo organizado. As relações entre os homens e as formas pelas quais se organizam decorrem do grau de desenvolvimento dos meios de produção da existência humana. Daí a necessidade de conhecer as instituições, as formas das relações sociais que estão na base do modo como os homens produzem sua própria vida. (p. 14).


As Ciências da linguagem:


quanto ao domínio da língua, do vernáculo, a necessidade de que todos os membros da sociedade dominem a linguagem escrita decorre do nível de desenvolvimento já atingido pela organização social, em função do processo de trabalho. (p.14).


Encontramos na produção de Dermeval Saviani a defesa do saber objetivo produzido historicamente, com suas condições de produção, suas principais manifestações e as tendências atuais de transformação, como o objeto da educação escolar. Esses são princípios da Pedagogia Histórico-Crítica, cuja configuração mais clara, segundo ele, data de 1979, no diálogo com seus orientandos da primeira turma de doutorado em educação na PUC-SP. (SAVIANI, 2005, p. 70).

Tais princípios se opõem ao pragmatismo da escola nova, que prioriza o desenvolvimento psicológico dos estudantes em detrimento do saber objetivo – a “passagem do lógico ao psicológico” (SAVIANI, 1985). Este deslocamento epistêmico encontrado no método de John Dewey (1989), é reduzido a competências cognitivas e comportamentais da contrarreforma de FHC e ampliadas para as competências sócio-emocionais na contrarreforma atual. Na pedagogia das competências, os conhecimentos a serem ensinados se reduzem a recursos para o seu desenvolvimento.

Ao contrário, pela pedagogia histórico-crítica, os conhecimentos correspondem às mediações que permitem captar as determinações históricas e contraditórias do real no plano do pensamento, passando de relação empírica com os fenômenos para a sua apreensão como concreto. Evidenciam-se, assim, no âmbito pedagógico, as categorias do método materialista histórico, mediação, contradição, historicidade e totalidade social.

Sobre a especificidade da relação entre trabalho e educação escolar em diferentes etapas ou níveis de ensino:

O próprio ensino de 1º Grau está fundado sobre a realidade do trabalho. (...) Esse currículo consiste nos elementos básicos das ciências naturais, das ciência humanas e das ciências da linguagem, da comunicação. (...) Só que, nesse nível de ensino, o trabalho determina o conteúdo curricular de modo implícito. Não é necessário fazer referências constantes e diretas ao processo de trabalho. (p. 14)

Já no 2º Grau, a relação entre ensino e trabalho, entre conhecimento e a atividade prática deveria ser tratada de maneira mais explícita. (...) Nesse grau de ensino não basta dominar os elementos básicos e gerais do conhecimento, que resultam e contribuem para o processo de trabalho na sociedade; é preciso explicitar como o conhecimento (objeto específico do processo de ensino) como ciência, potência espiritual, converte-se em potência material no processo de produção. (p. 15).


Reforça-se aqui, que o trabalho é princípio educativo da formação humana em geral, da formação escolar em particular e, nesta, de forma específica nos respectivos níveis de ensino, conforme se delineia mais ou menos explicitamente a relação entre as ciências, a cultura e a produção material da existência, bem como a relação dos próprios sujeitos educandos com a divisão do trabalho. Sobre isto, o autor é ainda mais claro quando nos alerta que o trabalho, nas suas formas concreta e abstrata, está no interior da escola mesmo que de forma implícita. Não fosse pela experiência direta dos trabalhadores da educação, o seria pela experiência dos sujeitos educandos10. É o que ele nos mostra a seguir.

Sobre a experiência concreta de trabalho de estudantes como ponto de partida do ato pedagógico:


Na verdade, o trabalho está entrando nas escolas por meio de seus alunos. Seria necessário que as escolas capitalizassem esse dado real como elemento de articulação entre ensino e trabalho. Como grande parte dos alunos já vivem a experiência do trabalho, porque não partir daí para explicitar as relações entre saber e processo produtivo, assim como os problemas que surgem dessas relações? (p.15).



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10 No resumo da exposição feita no simpósio “O quadro atual da LDB: pontos polêmicos e tendências”, 41ª Reunião Anual da SBPC, Fortaleza, 13/07/1989, Dermeval Saviani (1989b) explica os três sentidos pelos quais o trabalho pode ser considerado princípio educativo. Sobre o primeiro, dialogamos indiretamente com o primeiro argumento que recuperamos da entrevista, e se fundamenta na relação histórica entre educação e modo de produção da existência; o segundo sentido se vincula exatamente ao que estamos tratando agora, sobre a explicitação da relação entre ciência e produção – que se faz necessário especialmente no 2º grau/ensino médio – devido às “exigências específicas” que o trabalho coloca à educação “em vista da participação direta dos membros da sociedade no trabalho socialmente produtivo”; já o terceiro sentido refere-se ao trabalho pedagógico como “modalidade de trabalho específica e diferenciada de trabalho”, também determinado pelas necessidade do modo de produção. O autor retoma essas reflexões mais recentemente em Saviani (2020).


Esta afirmação nos traz um importante desafio. Trata-se de compreender que os momentos da pedagogia histórico-crítica, de se partir da prática social e problematizá-la, não se confunde com a pedagogia por problemas, por projetos ou com as metodologias ativas tão propaladas atualmente, também influenciadas pelo escolanovismo e pela pedagogia das competências. Essas valorizam a problematização das experiências dos estudantes, porém, como “sujeitos empíricos” e não como “sujeitos concretos”. Pela primeira designação, reconhecemos o trabalhadores individuais produzindo sua existência conforme suas necessidades imediatas e sob relações que lhes são impostas (apesar de, ideologicamente se pensar que são escolhidas). Este é o sujeito do pragmatismo, para o qual o conhecimento escolar são recursos para conseguirem resolver problemas. Já como “sujeito concreto”, reconhecemos o sujeito histórico-social, cujas necessidades não são exclusivamente individuais e circunstanciais, mas sim expressivas das relações de classe e produzidas historicamente.

Portanto, deve-se considerar a experiência de trabalho dos estudantes, já inseridos ou não diretamente nos processos produtivos, como prática social, isto é, como experiência de classe determinada por relações sociais de produção. Relações essas em que se confrontam a expropriação, a exploração e a alienação a que a classe trabalhadora é submetida, bem como a luta contra essa condição. Tomar as relações entre saber e processo produtivo, bem como os problemas que surgem dessas relações como referência pedagógica, ajuda a explicitar essas contradições.

Sobre o conceito de politecnia:


O horizonte que deveria nortear nossa reflexão sobre o 2º Grau seria o de propiciar aos alunos o domínio dos fundamentos das técnicas diversificadas utilizadas na produção, e não o mero adestramento em técnicas produtivas. Não a formação de técnicos especializados, mas de politécnicos. Politecnia significa, aqui, especialização como domínio das diferentes técnicas utilizadas na produção moderna. (grifados no original) (p. 15).


A questão sobre a politecnia ser ou não uma concepção inerente ao ensino médio é frequente. Não se trata de uma relação de exclusividade, mas é certo que a especificidade dessa relação, vista à luz dos processos produtivos, nos mostra, como explica o autor em outro texto (1989b), que o conceito de politecnia emerge da

função própria ao ensino médio de explicitar “o modo como o saber se relaciona com o processo de trabalho, convertendo-se em força material”.

Ademais, mesmo que nas definições de politecnia frequentemente elaboradas por ele seja ressaltado o domínio [teórico-prático] dos fundamentos [científicos] das [múltiplas] técnicas utilizadas na produção11, a explicitação “das condições de produção dos conhecimentos, suas principais manifestações e as tendências atuais de transformação”, remete, necessariamente, à historicidade dos conhecimentos e da produção e suas contradições como mediações da totalidade social. Por isto, a fim de destacar tais dimensões, temos enunciado que a politecnia visa proporcionar aos estudantes o domínio teórico-prático dos fundamentos científicos, sociais, históricos e culturais da produção.

Sobre a universalização da escola unitária:


A atual pulverização, essa fragmentação do ensino de 2º Grau poderia ser superada se não se confundisse a relação entre educação e trabalho, entre saber e processo produtivo com profissionalização como habilitação para funções específicas requeridas pelo mercado de trabalho. Isto não significa valorizar e defender o ensino teoricista. (...) Essa concepção implicaria, a longo prazo, na generalização do 2º Grau – como formação necessária para todos, independentemente do tipo de ocupação que cada um fosse exercer na sociedade. (p. 14).


Educação politécnica se opõe ao conceito de educação técnica! Pois esta, ao visar a preparação para ocupações produtivas, limita a compreensão do mundo e o desenvolvimento de múltiplas potencialidades dos estudantes. A educação politécnica, ao contrário, converge com o projeto de escola unitária, visando a superar a dualidade e a fragmentação educacional.

Nesse sentido, é inevitável reconhecer que integração da educação profissional técnica de nível médio ao ensino médio desperta contradições. Mas o que é um limite dessa concepção – a formação de técnicos em determinada área – pode se tornar virtuoso à medida que se evidencie a base científico-tecnológica dos processos de produção e as mediações da totalidade social que eles guardam em si, posto que resultam de necessidades e de interesses em disputa na sociedade. Disputas essas resolvidas nos rumos tomados pela ciência e pela cultura numa dada sociedade. Por isto o currículo deve abranger “conhecimentos das propriedades do


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11 Articulei aqui, com o uso de colchetes, as definições enunciadas pelo autor na entrevista e no resumo de 1989b.

mundo real (ciência), de valorização (ética) e de simbolização (arte), (SAVIANI, 2005, p. 12) em intrínseca relação com a história e a dinâmica da produção.

Na realidade brasileira, a possibilidade de integrar formação geral e formação técnica no ensino médio, em escolas de qualidade, sob o princípio da escola unitária, em nosso entendimento é condição necessária para a travessia em direção ao ensino médio politécnico e a superação da dualidade educacional pela superação da dualidade de classes (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 45).

Sobre a relação teoria-prática


O ensino de 2º Grau deve envolver o domínio não apenas teórico, mas também prático sobre como o saber se articula com o processo produtivo. É importante que esse ensino seja organizado envolvendo a atividade prática, o trabalho manual; mas o trabalho e os modos fundamentais pelos quais se desenvolve o processo produtivo na sociedade moderna. (p. 14) (...) O ensino de 2º Grau envolveria o recurso das oficinas, em que os alunos manipulariam os processos práticos básicos da produção; mas não se trataria de reproduzir na escola a especialização que ocorre no processo produtivo. (p. 15).


O projeto da sociedade socialista pressupunha, primeiramente pelas vozes de Marx e Engels e, posteriormente, de Lênin e Krupskaya e seus companheiros revolucionários, a conjugação da instrução com o trabalho produtivo. Este seria o princípio para a organização das instituições escolares soviéticas: aquela “que faça conhecer, em teoria e na prática, todos os principais ramos da produção [fundamentadas sobre o] estreito vínculo entre o ensino e o trabalho produtivo dos alunos (LÊNIN, apud MANACORDA, 2010, p. 59).

Desde os revolucionários citados12, passando por Antonio Gramsci que, além de criticar a reforma Gentile na Itália, apontava os limites da pedagogia nova (GRAMSCI, 1991b), até os dias atuais, no Brasil, não há consenso sobre como introduzir o trabalho na escola e como integrar teoria e prática no currículo. Por um lado, as elites e as frações médias da sociedade sempre desvalorizaram a cultura do trabalho e tornaram suas escolas refratárias a suas práticas. Por outro, nas escolas técnicas e profissionalizantes, a cultura do trabalho é reduzida à finalidade instrumental de preparação para o “mercado”. Se esta dicotomia caracterizou historicamente a educação brasileira, a atual contrarreforma do ensino médio vem reforçá-la, ao destinar parte da carga horária do ensino médio a itinerários, sendo


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12 Refiro-me particularmente a Lênin (1919); Krupskaya (2017); Pistrak (2000, 2015); Shulgin (2013).

quatro deles correspondentes às respectivas áreas do conhecimento e o quinto, à formação técnico-profissional.

É exatamente essa dicotomia que precisa ser superada, na perspectiva da formação politécnica. A proposta atual do Ensino Médio Integrado tem esse horizonte, entendendo que se trata de uma necessidade conjuntural, social e histórica vinculada ao direito da classe trabalhadora à educação. Vemos a possibilidade de integrar formação geral e formação técnica no ensino médio, centrada nos conhecimentos das ciências, das artes e da ética, em articulação teórico-prática e mediada pela historicidade dos processos de produção da existência, como uma contradição importante e virtuosa.

Sobre os desafios da proposta:


A curto prazo, teríamos que caminhar bastante antes de poder viabilizá-la. Há certas mudanças sociais que necessitam ser desenvolvidas no âmbito político e econômico para que uma proposta de ensino de 2º Grau como esta possa se viabilizar. (...) Seriam necessários investimentos para aparelhar as escolas, pois o 2º Grau, tal como está organizado, não dispõe de oficinas em que os alunos possam trabalhar, operar na prática com os fundamentos científicos de modo sistemático, organizado sob a supervisão dos educadores. (...) A realização dessa proposta enfrenta um conjunto de obstáculos. É preciso discuti-los e analisá-los, dentro da situação atual de conflitos, disputas e jogos de interesses presente na sociedade brasileira, para que se elaborem estratégias de curto, médio e longo prazos, para avançar nesse caminho. (grifo meu) (p. 15).


Este foi um debate que mobilizou educadores especialmente nos anos de 1980 para a elaboração do projeto de LDB e, posteriormente, dos Planos Nacionais de Educação, vindo a sofrer, frequentemente, derrotas pela hegemonia neoliberal.

No momento em que escrevemos este texto, o Brasil chegou ao record de 3 mil mortes por dia devido à pandemia do vírus SARS-Cov-2 (Covid-19). Fenômeno que, no tempo de longa duração, precisa ser tributado às formas históricas com que a humanidade lidou com a natureza, sob a hegemonia do capital; e, no tempo presente, à gestão irresponsável do governo federal acompanhada pelo descaso das elites.

A tamanha desigualdade econômica e social brasileira faz com que crianças, adolescentes e jovens frequentem escolas precárias. Ao mesmo tempo, mercantiliza-se cada vez mais a educação e drenam-se recursos públicos que deveriam ser aplicados na melhoria da infraestrutura das escolas para compra de

plataformas digitais para o “ensino remoto”. Esvazia-se o espaço escolar tanto em termos físicos quanto simbólicos; assim como as relações pedagógicas entre estudantes e professores, entre os professores e desses com a comunidade escolar. Transferem-se para especialistas de empresas privadas e organizações não governamentais, a função de selecionar e organizar conteúdos e metodologias de ensino. Desvaloriza-se o trabalho docente intensificando-se seu trabalho ou substituindo-os por robôs. Superamos obstáculos que há quase quarenta anos nosso autor apontava?

Sobre os limites da legislação:


Acredito que não se devam depositar grandes esperanças no texto da nova Constituição. Não adiantaria muito fixar na Constituição de forma razoavelmente detalhada, objetivos de grande alcance sem condições efetivas de sua implementação. A questão principal é superar o hiato que tem existido em nosso país entre a letra da lei, e a implementação de ações concretas no campo da educação. (p. 15).


Que lei e que ações? Chegamos à Constituição Federal e à LDB no final dos 1980. Fomos golpeados com o Decreto n. 2.208/1997 que se fez acompanhar das Diretrizes Curriculares Nacionais baseadas em competências. Retomamos alguma perspectiva de disputa pela educação politécnica a partir de 2003, tendo o Decreto

n. 5.154/2004, a construção de novas diretrizes, dentre outras regulações, como mediações que ajudaram a retomar seu debate com a sociedade.

Cunhamos o conceito de Ensino Médio Integrado como a forma histórica de construção da “travessia” em direção à utopia politécnica, que mobilizou, com muitas contradições, especialmente os atuais Institutos Federais – antigas escolas técnicas, agrotécnicas e alguns Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefet) – onde Dermeval Saviani (1997) via existir os gérmens da educação politécnica.

Enfrentamos, agora, mais uma contrarreforma violenta do ensino médio, iniciada com o Projeto de Lei da Câmara n. 6.840/2013, abandonado pelos conservadores devido às emendas que conseguimos fazer inserir; imposta pela Medida Provisória 746/2016, convertida na Lei n. 13.415/2017; pela Base Nacional Comum Curricular; pelas novas Diretrizes Curriculares Nacionais; e, mais recentemente, pelo Programa Nacional do Livro Didático. Impera-se a lógica das competências e se consolida a concepção de educação (neo)pragmática, (neo)escolanovista; (neo)construtivista.

Aprendemos com Gramsci (2001a) e com Poulantzas (1985) que, em um Estado democrático, organizado como unidade entre sociedade política e sociedade civil, a legislação expressa a condensação material de correlação de forças no Estado ampliado. Se não podemos depositar muita esperança na legislação produzida por correlações de forças desfavoráveis à classe trabalhadora, não devemos abandonar essa disputa. Mas é preciso retomar com intensidade o debate com a sociedade civil. Aprender com a história: isto um clássico nos permite; esta é a imensa contribuição desta pequena grande entrevista!!!!!


Considerações finais


Fui convidada pelos editores do presente número da Revista Trabalho Necessário para revisitar o texto “O nó do 2º Grau”. Como afirmei introdutoriamente, enxerguei no conteúdo da entrevista as fontes de meus primeiros conhecimentos sobre politecnia e a origem de conceitos, expressões, enunciados, argumentações que eu e tantos de meus colegas reproduzimos correntemente! Lemos os clássicos do materialismo histórico? Certamente. Mas, em grande parte, o fizemos porque este grande educador assim nos guiou.

Foi em 1989 a primeira vez que ouvi falar em politecnia, iniciando a carreira como professora de química na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz. Foi lá que li pela primeira vez esse e tantos outros textos de Dermeval Saviani. Textos que guardamos. O que descobri agora não foram somente os papéis (felizmente digitalizados pelo profícuo trabalho de uma estagiária13), mas ideias sólidas que estão na fundação do edifício intelectual, ético e político permanentemente em construção, como a utopia que nos guia até aqui. Esta nos desafia a enfrentar a dramática e demolidora ameaça desferida contra as lutas e conquistas da classe trabalhadora, valendo-se do obscurantismo, negacionismo, ultraconservadorismo e ultraliberalismo, hoje hegemônicos em nosso país; estratégias insanas da relação capital contra sua crise estrutural. A contrarreforma do ensino médio é uma ponta desse enorme iceberg que ora colide contra nós.


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13 Lembro aqui de Rosana Nunes Natividade que fez este trabalho tão cuidadosamente, no Laboratório de Trabalho e Educação Profissional em Saúde da EPSJV/Fiocruz, a pedido de Júlio Lima, antes de este se aposentar.

Este texto é uma homenagem a Dermeval Saviani? Pergunto-me. Trata-se mais do produto de um esforço analítico que tentei fazer como se fossem estudos iniciais – quase um fichamento comentado – como óculos que permitem a realidade mostrar-se de forma cristalina. Se todo o aparato ideológico do capital trabalha para nos fazer míopes, a teoria nos socorre! A transformação radical da visão social só pode ocorrer cirurgicamente: revolucionando o modo de produção. Como não o faremos sob a miopia, teimamos em interrogar a realidade. Fazemo-lo como princípio ético-político da classe que produz a riqueza social. Espero que as reflexões deste texto ajudem a atestar a atualidade e a urgência da defesa intransigente da politecnia. Defesa esta que nos oportuniza, com muita honra, reverenciar Dermeval Saviani pelo sólido patrimônio ele que tem legado incessantemente a novas gerações.


Referências


DEWEY, John. Como pensámos. Buenos Aires: Paidós, 1989.


FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise. Ensino Médio Integrado: concepção e contradições. São Paulo: Cortez, 2005.


GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Volume 3. Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001a.


                               . Cadernos do cárcere. Volume 2. Os intelectuais. O princípio educativo. Jornalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001b.


KRUPSKAYA, Nadezhda. A construção da pedagogia socialista. Escritos selecionados por Luiz Carlos de Freitas e Roseli Caldart (org.), São Paulo: Expressão Popular, 2017.


MAKARENKO, Anton. Poema Pedagógico. São Paulo: Editora 34, 2005.


MANACORDA, Mario. Marx e a Pedagogia Moderna. Campinas, São Paulo: Alínea, 2010.


MEC/INEP. Revista em Aberto, Brasília, ano 7, n 38, abr/jun, 1988.


OLIVEIRA, Elvira; GUERRA, Rosângela; GOMES, Vera. A palavra é...Politecnia.

Revista Sala de Aula. Ano 2, n. 13, ago/1989, pp. 26-32.


PISTRAK. Fundamentos da escola do trabalho. São Paulo. Expressão Popular, 2000.

               . Ensaios sobre a escola politécnica. São Paulo: Expressão Popular, 2015.


POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro: Graal, 1985.


SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. São Paulo: Cortez, 1985.


                               . O nó do ensino de 2º grau. Bimestre - Revista do 2º grau, 1(1): 13-15, out., 1986. (Entrevista).


                               . Contribuição à elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação: um início de conversa. In: ANDE. Revista da Associação Nacional de Educação, n. 13, São Paulo, Cortez, 1988a, p. 5-14.


                             . Sobre a concepção de politecnia. Rio de Janeiro: Fiocruz/EPSJV, 1989a.


                             . O quadro atual da LDB: pontos polêmicos e tendências (resumo). 41ª. Reunião Anual da SBPC: Fortaleza, 1989b (mimeo.).


                             . A Nova Lei da Educação: trajetória, limites e perspectivas. Campinas: Autores Associados, 1997.


                             . O choque teórico da politecnia. Trabalho, Educação e Saúde, 1(1): 131-152, 2003.


                             . Pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores Associados, 2005.


SHULGIN, Viktor. Rumo ao politecnismo. São Paulo: Expressão Popular, 2013.


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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


Dissertação de Mestrado1


EVANGELISTA, Anderson Pereira2. A política de Educação em Tempo Integral no ensino médio do Estado do Acre e a atuação de institutos ligados ao setor empresarial. 2020. 142 p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Acre, Rio Branco, AC, 2020.


Resumo expandido


O constructo dissertativo que aqui é apresentado teve como objetivo analisar em ambiência focalizada, a mais recente reforma do ensino médio e o avanço da relação público-privado na educação. O objeto central da pesquisa é o Programa de Educação Integral e as Escolas Jovens de Ensino Médio em Tempo Integral (Lei nº

3.366 de 27 de dezembro de 2017) que estão sendo implementados no estado do Acre. Assim, o estudo problematizou de que forma têm se dado a atuação de institutos ligados ao setor empresarial no processo de implementação da política de educação em tempo integral no ensino médio do estado do Acre.

O caminho metodológico percorreu pela pesquisa bibliográfica e documental, sendo esta última basilar para o estudo. Desta maneira, buscou-se atingir os seguintes objetivos: a) Caracterizar a política de educação em tempo integral voltada para o ensino médio do estado do Acre por meio dos documentos que a regulamentam; b) Descrever e analisar o avanço da implementação da política de educação em tempo integral ensino médio no estado do Acre; c) Identificar e descrever a atuação do Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE), do Instituto Natura (IN) e do Instituto Sonho Grande (ISG) no processo de implementação


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1 Resumo recebido em 05/02/2021. Aprovado pelos editores em 08/04/2021. Publicado em 27/05/2021. DOI: https://doi.org/1022409/tn.v19i39.48675

2 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Acre (UFAC); Professor do Quadro Efetivo da rede pública de ensino do Estado do Acre. E-mail: andersonevangelistaczs@gmail.com.

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0436-4357. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4713253565461334.

da política; e d) Analisar os fundamentos teórico-metodológicos que embasam os documentos/materiais produzidos pelos institutos.

A reforma do ensino médio foi gestada sob o alarme do mercado, tendo como principais atores envolvidos os representantes da burguesia3, que constituem o empresariado brasileiro. Estes, sustentaram uma argumentação imediatista para o alcance da estratégica reformulação do ensino médio, com a qual se alinhava a formação em nível médio aos interesses do mercado.

O texto da reforma se encaminhou para duas alterações principais, uma no âmbito do currículo, e outra da jornada escolar diária. Com relação a esta última, a nova redação dada ao art. 24 da LDB 9394/1996 prevê a ampliação progressiva da carga horária no ensino médio.

De forma a induzir a ampliação do tempo de permanência do aluno na escola, a lei instituiu a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI). Através da Portaria nº 1.145 de 10 de outubro de 2016, o Ministério da Educação (MEC) criou o Programa de Fomento à Implementação, e estabeleceu as normativas para que as Secretarias Estaduais de Educação adotassem o programa.

Na esfera estadual, a referida política se configura como um desdobramento da reforma, sendo aderida por muitos estados que em tempo recorde se adequaram às exigências constantes na portaria de 2016, e iniciaram a implementação no ano letivo de 2017, como é a realidade do estado do Acre.

Desde o início do programa, o governo do estado conta com as parcerias firmadas com institutos ligados ao setor empresarial, conferindo destaque para o Instituto de Corresponsabilidade pela Educação – ICE, Instituto Natura – IN e o Instituto Sonho Grande – ISG. No contexto da reforma do ensino médio, a relação público-privado se apresenta de forma nuclear, quando diversas propostas de implementação pelos estados se processam neste modelo.

Para Laval (2019) na maioria dos países ocidentais a escola tem sido arrastada pelo viés neoliberal a um amplo processo de “mercadorização”, expresso pela complexa imbricação entre a esfera pública e a esfera privada. A ideia de que a escola


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3 Entende-se a burguesia a partir da concepção marxiana do termo. No emblemático Manifesto do Partido Comunista, (2015) Marx e Engels entendem a burguesia como “a classe dos capitalistas modernos, proprietários dos meios de produção social e empregadores do trabalho assalariado”, em outras palavras o patronato que detém poder sob o modelo de acumulação do capital.

pode ser assemelhada, se não transformada em uma empresa, se naturaliza com a perda conceitual e objetiva do que deveria ser a instituição escolar.

Desta feita, na segunda seção do estudo, intitulada “As políticas educacionais destinadas ao ensino médio no Brasil e a histórica atuação dos representantes da burguesia, procura-se discutir as reformas pelas quais passou o ensino médio brasileiro, colocando em relevo a arena de disputa que se formou em torno deste até os dias atuais.

Na sequência, tem-se a terceira seção de cunho documental intitulada “A política de Educação em Tempo Integral no Ensino Médio do Estado do Acre: regulamentação e implementação”, onde se analisa os documentos normativos que dão sustentação à política, além das matrizes curriculares que têm orientado os currículos das Escolas Jovens. Ainda nesta seção, se descreve como está o processo de implementação da política, evidenciando seu alcance estadual e as escolas que adotaram a modalidade. A análise é feita com base na seção anterior que traz a discussão teórica.

A quarta seção, também de caráter documental, intitulada “O modus empresarial operando: atuação dos institutos do terceiro setor no ensino médio em tempo integral do Acre”, aprofunda o estudo e problematiza criticamente a relação público-privado entre o Governo do estado do Acre e as organizações da sociedade civil oriundas do empresariado. Tal relação tem se materializado na atuação dessas ONGs no processo de implementação da política discutida na seção 3.

Os resultados da pesquisa apontam que, no tocante à regulamentação da política, o estado segue de forma bem prescritiva as recomendações do Governo Federal; seja quanto à organização e gestão, seja nas orientações de um currículo voltado para as avaliações padronizadas e a inserção no estratificado mercado de trabalho.

No que se refere à implementação, o estado tem avançado de maneira tímida, por certo que é uma política que demanda um alto investimento, tendo em vista a permanência do aluno na escola por tempo integral. As 13 Escolas Jovens distribuídas em apenas 6 dos 22 municípios que integram o território do estado do Acre, comprovam que é uma política recente, ainda em fase inicial.

Ademais, mediante análise crítica, depreendeu-se que a relação público- privado entre o estado do Acre e os institutos ligados ao setor empresarial, no

processo de implementação da política de educação em tempo integral no ensino médio se materializa de algumas formas.

Por um lado, o ICE (Instituto de Corresponsabilidade pela Educação) atua implementando o modelo de escola pensado pela organização. O referido modelo, denominado Escola da Escolha, que alinha uma perspectiva de gestão, conteúdo e avaliação, está organizado em 12 Cadernos que servem de base para formação de equipes gestoras, professores e demais profissionais que atuam nas Escolas Jovens. Os principais temas presentes nos cadernos do instituto são aqueles que foram advogados pelo empresariado no contexto de discussão da reforma, e são eles: Projeto de vida, que se constitui a espinha dorsal do modelo, bem como o protagonismo juvenil e as competências socioemocionais.

Por outro lado, somam-se à atuação do ICE, os Institutos Sonho Grande (ISG) e Natura (IN), denominados parceiros estratégicos. Essas organizações vinculadas a grandes empresários brasileiros, de início estiveram subsidiando financeiramente as ações do ICE, que precisou formar a equipe da Secretaria Estadual de Educação que estaria à frente da implementação da política. Em um segundo momento, o trabalho voltou-se para produção de evidências, no intento de comprovar o sucesso do modelo, usando-se de seus métodos próprios baseados em estudos quantitativos.

O que ficou perceptível foi que a relação público-privado é marcada por dois estágios privatizantes pontuais. O primeiro se dá por meio da definição curricular, gestão, formação e inserção das organizações. Já o segundo, avança para a atuação de um membro do terceiro setor na equipe responsável por implementar a referida política, sendo o mesmo responsável por acompanhar os indicadores e produzir evidências. E isso é visto com uma imensa naturalidade. Assim, toda razão é dada à Ball (2014) quando o autor afirma que o processo de neoliberalização da educação é intenso, projetado e altamente financiado.


Referências


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FREITAS, Luiz Carlos de. A reforma empresarial da educação: nova direita, velhas ideias. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2018.

FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva 30 anos depois: regressão social e hegemonia às avessas. Revista Trabalho Necessário, v. 13, n. 20, p. 206-233, 2015.


KRAWCZYK, Nora; FERRETTI, Celso João. Flexibilizar para quê? Meias verdades da “reforma”. Retratos da Escola, v. 11, n. 20, p. 33-44, 2017.


KUENZER, Acácia Zeneida. Trabalho e escola: a flexibilização do ensino médio no contexto do regime de acumulação flexível. Educação & Sociedade, v. 38, n. 139, p. 331-354, 2017.


LAVAL, Christian. A escola não é uma empresa: neoliberalismo em ataque ao ensino público; Tradução de Mariana Echalar. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2019.


MÉSZÁROS, István, 1930. A Educação para além do Capital. Tradução: Isa Tavares 2.ed, São Paulo: Boitempo, 2008.


SILVA, Monica Ribeiro da. A BNCC da reforma do ensino médio: o resgate de um empoeirado discurso. Educação em revista, v. 34, p. 01-15, 2018.


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TESE DE DOUTORADO1


OLIVEIRA SILVA, Cássio José de2. A distopia do mérito: desigualdades escolares no ensino médio brasileiro analisadas a partir do ENEM. 2019. 223 p. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2019.


Resumo expandido


Pelo menos desde o final do século XVIII, há uma grande expectativa projetada sobre o potencial da educação pública para fomentar a igualdade de oportunidades entre as diferentes classes sociais de sociedades capitalistas (LOPES, 2008). No entanto, essa tendência não é percebida em muitos países onde o capitalismo se desenvolveu de forma periférica e dependente. Um dos principais impedimentos para a consolidação desse ideal, oriundo da filosofia burguesa do liberalismo, é a influência das desigualdades de origem social sobre as desigualdades educacionais (FRIGOTTO, 2010).

Algumas evidências sobre o Brasil, por exemplo, indicam que as desigualdades escolares em determinados níveis de ensino são persistentes e/ou aumentaram recentemente, mesmo com a maior escolarização da população (BRITO, 2017). Depois de quase um século desde a estruturação de um sistema público de educação de abrangência nacional, o país ainda é marcado por níveis expressivos de exclusão escolar e desigualdades educacionais (SILVA, 2015). Nesse cenário, o ensino médio é, sem dúvidas, a etapa mais crítica. Isso porque são muitos os jovens que ainda estão fora da escola no país (mais de 1,5 milhão poderia estar no ensino médio) e, entre os que estão inclusos, a precarização e o sucateamento das condições gerais da oferta


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1Resumo recebido em 14/01/2021. Aprovado pelos editores em 19/01/2021. Publicado em 27/05/2021. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.48130

2Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Analista de Avaliação Educacional no Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). E-mail: cassiosilva.cs@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2248- 1186. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9029030525460803.

escolar reproduzem as desigualdades de origem social para a maioria (KRAWCZYK; FERRETI, 2017).

A despeito de um significativo crescimento das matrículas nessa etapa, ocorrido mais fortemente a partir de 1990 – o que evidencia maior acesso e conclusão dessa etapa pelas classes sociais mais pobres e vulneráveis –, as desigualdades de condições da oferta educacional no país constituem um dos maiores desafios relacionados à sua efetiva democratização (KRAWCZYK; SILVA, 2017). Diante desse cenário, entre 2015 e 2019, desenvolvemos uma pesquisa que serviu de base para a elaboração da minha tese de doutorado, cujo objetivo foi investigar como se estruturam as desigualdades educacionais no ensino médio brasileiro.

A literatura sobre o tema das desigualdades escolares descortina uma tendência histórica que nos parece bastante relevante para analisar o caso brasileiro. Nela, nota-se a existência de pelo menos três propriedades conceituais que podem descrever o modo como as desigualdades escolares se manifestam no interior dos sistemas de ensino, quais sejam, pelas noções de inclusão, progressividade e segmentação (MULLER; RINGER; SIMON, 1987).

Inicialmente, pela noção de inclusão, podemos verificar se o atendimento do sistema público educacional é suficiente frente a uma determinada demanda social em um contexto histórico e geográfico específico. Já a noção de progressividade envolve a capacidade de incluir nesse atendimento educacional a população mais pobre e em condições de vulnerabilidades socioeconômicas, de modo que se garanta não apenas o acesso, mas também a permanência e a conclusão da escolarização para todos os grupos sociais. Por último, a segmentação é um conceito que descreve um determinado tipo de organização interna da oferta de educação, marcada pela subdivisão institucional e/ou formativa do sistema educacional, capaz de influenciar, direta ou indiretamente, as chances de acesso dos estudantes às trajetórias escolares de maior ou menor prestígio e valorização social (VIÑAO, 2002).

A partir desses conceitos, analisamos algumas fontes de dados sobre o ensino médio brasileiro relativas ao período de 1998 a 2014, procurando diagnosticar: I) tendências gerais no crescimento das matrículas para essa etapa e a população em idade escolar que ainda se encontra fora da escola; II) o perfil socioeconômico e cultural dos jovens que realizaram o ENEM e passaram pelo ensino médio nesse período; III) a relação que essa população manteve com o trabalho durante a

escolarização; IV) as tendências de suas trajetórias escolares (tipo de escola, turno, modalidade); e V) a relação desses aspectos anteriores com o desempenho no ENEM. A tese foi estruturada em sete capítulos, sintetizados a seguir.

No capítulo 1, procuramos esclarecer as particularidades do uso de nossos dados, as características mais elementares da população do ENEM e sua relação com o ensino médio brasileiro. Descrevemos também as principais diferenças das versões do questionário usado pelo INEP entre os anos selecionados, bem como as dificuldades e os desafios enfrentados na análise.

No capítulo 2, descrevemos as principais tendências encontradas na constituição dos primeiros sistemas nacionais de ensino na Europa e apresentamos uma parte das discussões sobre as desigualdades escolares a partir das categorias teóricas usadas na pesquisa – inclusão, progressividade e segmentação.

No capítulo 3, à luz do que apresentamos sobre os exemplos europeus, buscamos elencar os principais elementos históricos para a compreensão de especificidades na constituição do sistema educacional no Brasil, assim como algumas das modificações institucionais mais marcantes do seu desenvolvimento.

No capítulo 4, analisamos parte das características do ensino médio no Brasil, as tendências percebidas na expansão de suas matrículas, bem como alguns desafios para sua efetiva democratização. Também fizemos um esforço para evidenciar alguns aspectos das desigualdades sociais no país e como elas afetam as condições de escolarização da juventude. Com base nessas informações, examinamos como as mudanças no formato e na organização dessa etapa, instituídas pela Lei nº 13.415 de 2017, podem impactar as desigualdades escolares.

No capítulo 5, fizemos uma apresentação sobre o desenvolvimento dos principais sistemas de avaliações educacionais no Brasil e analisamos seu papel na gestão dos sistemas de ensino. Abordamos, também, as principais especificidades do ENEM, sua função social e as modificações que o exame sofreu ao longo do tempo, desde a sua criação.

No capítulo 6, investigamos o perfil socioeconômico e cultural dos estudantes, as possíveis vinculações com o trabalho e parte das características de suas trajetórias escolares. Procuramos articular ainda, em conjunto com as informações coletadas via ENEM, as variáveis censitárias (Censo Escolar) e amostrais (PNAD) sobre essa etapa, articulando os dados com as noções de inclusão e progressividade.

Por fim, no capítulo 7, analisamos como a expansão do ensino médio ao longo dos últimos anos e o crescimento da demanda pela realização do ENEM cumprem, de maneira controversa, não só a função de abertura do sistema educacional às classes sociais historicamente segregadas desse direito, mas também a de acentuação da seleção escolar nos níveis mais altos do sistema educacional brasileiro, que é perceptível pelo modo como são produzidas as desigualdades escolares no interior do próprio sistema de ensino.

Nossos resultados evidenciam que, apesar de importantes avanços nos últimos anos, com maior acesso dos grupos sociais mais vulneráveis ao ensino médio e ao ENEM – sobretudo dos mais pobres, negros e moradores das regiões menos desenvolvidas do país –, há que se pautar os inúmeros problemas nas condições gerais de escolarização desses grupos. Os resultados sugerem que variáveis como sexo, renda familiar, cor, escolaridade da família, região de moradia e trajetória escolar (redes públicas estadual, federal e privada) têm um peso determinante nas desigualdades da distribuição social dos conhecimentos escolares. Esse fenômeno é produzido, entre outros fatores, pela crescente segmentação da oferta da educação de nível médio no país entre as redes públicas estaduais, as escolas privadas e a rede pública federal. Essa segmentação se caracteriza pela existência de determinados “circuitos escolares” no ensino médio, que garantem posições de maior ou menor vantagem no desempenho dos estudantes no ENEM. Essa configuração institucional do sistema de ensino brasileiro faz com que a aposta meritocrática para o sucesso escolar seja uma espécie de distopia em países com níveis de desigualdades semelhantes aos do Brasil.


Referências


BRITO, Murillo Marschner Alves de. Novas tendências ou velhas persistências? Modernização e expansão educacional no Brasil. Cadernos de Pesquisa, v. 47, n. 163, p. 224–263, 2017.


FRIGOTTO, Gaudencio. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo: Ed. Cortez, 2010.


KRAWCZYK, Nora; OLIVEIRA, Cássio José de. Desigualdades educacionais no Ensino Médio brasileiro: uma análise do perfil socioeconómico de jovens que realizaram o Exame Nacional do Ensino Médio. Revista Sensos-e PORTO ICRE 17, v. IV, n. 1, p. 12–23, 2017.


KRAWCZYK, Nora; FERRETI, Celso João. Flexibilizar para quê? Meias verdades da “reforma”. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 11, n. 20, p. 19-31, 2017.


LOPES, Eliane Marta Teixeira. As origens da educação pública: a instrução da revolução burguesa do século XVIII. Belo Horizonte, MG: Ed. Argvmentvum, 2008.


MÜLLER, Detlef; RINGER, Fritz; SIMON, Brian. The Rise of the Modern Educational System: estructural change and social reproduction 1870-1920. New York: Cambridge University Press, 1987.


SILVA, Monica Ribeiro da. Direito à educação, universalização e qualidade: cenários da Educação Básica e da particularidade do Ensino Médio. Jornal de Políticas Educacionais, v. 9, n. 17 e 18, jan./jun. e ago./dez. 2015.


VIÑAO, Antonio. Sistemas Educativos, Culturas Escolares Y Reformas: Continuidades Y Cambios. Madrid: Ediciones Morata, 2002.


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A REFORMA DO ENSINO MÉDIO BRASILEIRO: MARCAS DE UM PASSADO PRESENTE1


Sandy Caroline Seabra Coelho2 Cristiane Lopes de Sousa3


Ronaldo Marcos de Lima Araújo, educador brasileiro, formado em Pedagogia, é Doutor em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com Pós- Doutoramento no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (PPFH-UERJ). Sua produção bibliográfica é ampla, com foco na área de Trabalho e Educação e, em particular, no Ensino Médio e na Educação Profissional. Atualmente, é professor titular do Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Educação Básica da Universidade Federal do Pará (NEB/UFPA), coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e Educação (GEPTE) e superintendente da Superintendência de Assistência Estudantil (SAEST/UFPA).

O livro Ensino médio brasileiro: dualidade, diferenciação escolar e reprodução das desigualdades sociais, é um produto de sua tese para professor titular da UFPA, publicado em 2019 e aborda, de forma central, um tema que se encontra em vigência,


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1 Resenha recebida em 29/11/2020. Primeira avaliação em 09/02/2021. Segunda avaliação em 14/02/2021. Aprovada em 16/04/2021. Publicada em: 27/05/2021.

DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.47383. Obra resenhada: ARAUJO, Ronaldo Marcos de Lima Araujo: Ensino Médio Brasileiro: dualidade, diferenciação escolar e reprodução das desigualdades sociais. Uberlândia: Navegando Publicações, 2019.

2 Mestranda em Educação Básica pelo Programa de Pós-graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica vinculado ao Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Educação Básica da Universidade Federal do Pará (PPEB/NEB/UFPA). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho e Educação (GEPTE/UFPA). E-mail: sandycoelhoufpa@gmail.com.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9914-4981. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2072891078959885

3 Doutoranda em Educação no Programa de Pós-graduação em Educação na Amazônia - PGEDA - Associação em rede, campus UFPA. Mestra em Educação Básica pelo Programa de Pós-graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica, vinculado ao Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Educação Básica da Universidade Federal do Pará (PPEB/NEB/UFPA). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho e Educação (GEPTE/UFPA). E-mail: crixxlopesaf@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5851-7174. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5196186522517286

a Reforma do Ensino Médio em curso no Brasil, à luz dos conceitos de dualidade, diferenciação escolar e desigualdades sociais. O autor faz uma crítica à produção da área no Brasil e sustenta a insuficiência do conceito de dualidade educacional para explicar a reforma em curso. Para abordá-la, recupera em autores clássicos da sociologia da educação o conceito de desigualdade educacional.

Trata-se de um livro que resgata obras clássicas de autores marxistas, nacionais e internacionais da área de trabalho e educação, discutindo e explicando a relação inerente entre educação e sociedade. O livro está assim organizado: uma introdução e dois capítulos, os quais são compostos por seções que ordenam a argumentação do autor, contando com a apresentação de Gaudêncio Frigotto.

Na introdução, o autor apresenta como objeto de estudo a dualidade educacional e as características que esta assumiu no ensino médio brasileiro, apontando como hipótese que o conceito de dualidade é insuficiente para explicar o ensino médio no país, principalmente após a Reforma em curso. Apresenta os conceitos de dualidade, diferenciação escolar e desigualdades sociais, afirmando que a Lei nº 13.415/2017 tende a transformar as escolas públicas estaduais de ensino médio em locais destinados principalmente para jovens pobres, aprofundando as desigualdades educacionais.

Sustenta que os itinerários formativos contidos na Reforma “[...] tendem a produzir maior diferenciação escolar no Ensino Médio e esta pode ser entendida como uma estratégia de manutenção da desqualificação da escola destinada aos filhos da classe trabalhadora [...]. Por outro lado, as escolas são mantidas para “pequenos grupos mais empoderados social, política e economicamente [...]”, que teriam à disposição um “padrão razoável de qualidade” (p. 11).

No primeiro capítulo, o autor realiza um resgate histórico da literatura marxista e da área de trabalho e educação acerca das relações entre escola e sociedade. Apoiando-se principalmente no educador francês Georges Snyders, analisa as categorias dualidade educacional, diferenciação escolar e desigualdade social para o entendimento do ensino médio no Brasil. Utiliza, ainda, as análises de Algebaile (2009), para quem há uma “ampliação para menos” na universalização da escola pública brasileira, ao destacar que ensino fundamental público foi construído para ser a escola dos pobres, precária e insuficiente.

O autor realiza, também, um confronto conceitual entre a dualidade e a desigualdade. Ao tratar da dualidade, demonstra que sua origem está na estrutura

dual da sociedade capitalista, a qual é dividida por classes principais antagônicas entre si e que encontram diferentes esferas da vida social para sua repercussão, principalmente no modo de produzir a vida material. Nesse sentido, a escola enquanto instituição social reflete, em seu interior e em suas práticas, o modelo dual de sociedade: um ensino voltado para as classes trabalhadoras, com uma formação instrumental; e um ensino voltado às elites, com formação de caráter propedêutico.

Acrescenta que o conceito de dualidade, apesar de necessário, não é suficiente para esclarecer o cenário atual da última etapa da educação básica no Brasil. Argumenta que, diante da diferenciação de formas de oferta dessa etapa, gera-se hierarquizações escolares, produto das desigualdades sociais. Diante disso, as diferentes configurações em que o ensino médio é ofertado não revelam apenas diferenciações, mas o aumento das desigualdades escolares, pois no contexto da sociedade capitalista, prevalece a tendência de hierarquização entre as diferentes escolas, reflexo da agudização das desigualdades econômicas e sociais.

No capítulo 2, o autor apresenta a Reforma do Ensino Médio, iniciada com a Medida Provisória n. 746/2016 e, posteriormente, consolidada na Lei n. 13.415/2017. Pontua o contexto da Reforma, a ideia de educação mínima nela contida e os itinerários formativos propostos, defendendo que ela tende a produzir maior hierarquização escolar e a aumentar a vulnerabilidade dos jovens pobres, bem como dos profissionais da educação básica.

Pontua, ainda, as mudanças geradas pela Reforma, a saber: alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBEN/n. 9394/96), alteração da Lei do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB/n. 11.494/2007), organização curricular com base em itinerários formativos, a admissibilidade da Educação a Distância (EAD) e do docente de “notório saber” no itinerário formação profissional (o que desqualifica as licenciaturas e a profissionalização docente), a redução da carga horária de acordo com a BNCC, o que desqualifica o ensino médio e, na prática, aligeira a educação básica nacional.

Araújo trata dos cinco diferentes itinerários formativos instituídos com a Reforma, nas áreas de linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas e formação técnica e profissional. Crítica que os itinerários serão definidos em cada sistema de ensino dos estados e do Distrito Federal, conforme a sua disponibilidade e decisão, não sendo necessariamente “por escolha dos estudantes”, como colocado

pela propaganda do Governo Federal, que tem o claro intuito de induzir os jovens a uma falsa ideia de autonomia e protagonismo.

Com a Reforma, ampliam-se os caminhos para o empresariado envolver-se no ensino público e reger os rumos da educação no país, visto que organizações como o Movimento Todos Pela Educação e organizações internacionais são as principais influenciadoras do texto da Reforma.

Identifica o autor que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (Unesco), por exemplo, orienta a proposta de organização do ensino médio em dois ciclos, tendo cada ciclo finalidades diferentes, o que, inclusive, destoa do que aborda a LDB. Conforme esse Organismo, o primeiro ciclo do ensino médio assumiria um caráter público e gratuito de “formação geral”, e o segundo poderia destinar-se à “formação técnico-profissional” ou a outras trajetórias, minimizando a educação básica comum.

O autor analisa a Reforma como uma convergência de interesses de empresários e de Organismos Internacionais amalgamados pelo ideário neoliberal. Para esses, como consta em documento da Unesco (2008) citado no livro, a formação de jovens deve prever o desenvolvimento das “competências genéricas essenciais” de letramento, numerização e a capacidade de resolução de problemas, formando “personalidades produtivas”, em acordo com as demandas do mercado de trabalho. Observa, ainda, que esse projeto materializa uma formação instrumental que agudiza as desigualdades e ignora a possibilidade de uma formação inteira para os jovens pobres.

Também chama atenção para aquilo que a Reforma não considera, isto é, a falta de qualquer referência ao quadro de precariedade que caracteriza a escola pública brasileira. Para o autor, não é um documento que mudará a qualidade da educação de um país, sendo necessárias melhores condições de trabalho, escolas equipadas com biblioteca e recursos indispensáveis para o processo de ensino- aprendizagem, além de água potável, merenda, entre outras essencialidades. Corrobora-se com o autor quanto à defesa por um ensino médio que priorize uma formação integrada com acesso à ciência, cultura e desportos.

Tal situação faz questionar o sentido da oferta de diferentes itinerários, em condições tão adversas e desiguais, o que pode servir como agravante. Concorda-se com o autor sobre a defesa de um currículo capaz de desenvolver, em todos os jovens, a criticidade e a criatividade, bem como garantir o acesso ao conhecimento elaborado

e aos vários campos de conhecimento, o que permite a compreensão do mundo a nossa volta.

Para Araujo, a Reforma em curso reduz o próprio conceito de educação básica ao considerar obrigatórios, durante os três anos do ensino médio, somente os conteúdos de língua portuguesa, matemática e inglês. Ao utilizar as palavras de Ribeiro (2017), o autor identifica como “ensino líquido” a forma “diluída” de oferta dos conteúdos disciplinares em outras matérias, o que tende a limitar uma formação consistente e crítica.

Nesse sentido, a Reforma destina-se, principalmente, aos alunos de escolas públicas estaduais oriundos da classe trabalhadora, não contemplando as demandas e perspectivas dos sujeitos que estão nessa etapa, uma vez que busca oferecer, da maneira como foi posta, uma formação encurtada, instrumental e pragmática. A condição social dos jovens precisa ser considerada como ponto de partida e não como ponto de chegada, pois as desigualdades sociais e educacionais precisam ser enfrentadas e não reificadas.

Conforme o autor, finaliza-se este texto com uma convocatória para que sigamos na luta por uma educação integrada que possa dirimir as desigualdades e oportunizar um destino digno aos jovens oriundos da classe trabalhadora, ampliando os direitos historicamente conquistados.


Referências


ALGEBAILE, EVELINE. Escola Pública e Pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009.


RIBEIRO, MÔNICA. Como fica o Ensino Médio com a reforma – vem aí o Ensino Médio “líquido”. Disponível em:

<http://www.observatoriodoensinomedio.ufpr.br/como-fica-o-ensino-medio-com-a- reforma-vem-ai-o-ensino-medio-liquido/>. Acesso em 20 de novembro de 2020.


UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

Reforma da Educação Secundária. Brasília: UNESCO, 2008.


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MATERIALIZAÇÃO DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA: É POSSÍVEL?!1


Arthur Rezende da Silva2


Uma questão inquietante na Educação Profissional e Tecnológica (EPT), ou nos dizeres de Arroyo (2019, pág.5), “interrogações desafiantes e até desestruturantes”, indubitavelmente, é a seguinte: como materializar o Ensino Médio Integrado (EMI)? Historicamente, a EPT é marcada pelo dualismo, que insiste em negar uma formação cidadã para aqueles que seguem o caminho da profissionalização. Eis que todos nós, professores, técnicos-administrativos da educação, gestores, enfim, todos os que lutam por uma EPT, em que trabalho seja o princípio educativo, somos agraciados com a obra organizada pelo Professor Dr. Adriano Larentes da Silva.

No presente texto, apresento uma resenha do livro Oficina de Integração: vivências de sala de aula no Ensino Médio Integrado, do professor Dr. Adriano Larentes da Silva. A obra apresenta a experiência de mais de 10 anos do curso técnico integrado em informática, do Instituto Federal de Santa Catarina, Campus Chapecó, na materialização do Ensino Médio Integrado (EMI) à Educação Profissional e Tecnológica (EPT), a partir da disciplina Oficinas de Integração. O EMI é um desafio para os sujeitos que atuam na EPT e que lutam por uma formação integral da classe trabalhadora.


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1 Resenha recebida em 31/01/2021. Aprovada pelos editores em 09/03/2021. Publicada em 27/05/2021. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.48587.Obra resenhada: SILVA, Adriano Larentes (Org.). Oficinas de integração: vivências de sala de aula no Ensino Médio Integrado. Curitiba: CRV, 2019.

2 Doutorando em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP), Estado do Rio de Janeiro; Técnico em Assuntos Educacionais do Instituto Federal Fluminense (IFF), Campus Santo Antônio de Pádua e Professor da Fundação de Apoio à Escola Técnica do RJ (FAETEC) de Santo Antônio de Pádua. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4888728838765400. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4543- 7842; E-mail: arezende@iff.edu.br ou arthur.42040045@ucp.br

Cabe apresentar o referido professor: Adriano Larentes da Silva é docente efetivo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC), desde 2009, Doutor em História pela Universidade Federal de Santa Catarina e Pós-Doutor em Educação pela Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) e em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Adriano Larentes é precursor, na rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT), mais precisamente, de seus Institutos Federais, da discussão e prática sobre um dos maiores desafios desses institutos, qual seja, o EMI à EPT. É também coordenador de um grupo de pesquisa denominado “Grupo de estudos e pesquisa em currículo integrado”, em que professores, técnicos-administrativos e estudantes, constantemente, são desafiados a refletir sobre uma formação crítica, política e integral para os filhos da classe trabalhadora no tão urgente ensino médio brasileiro.

A ideia de resenha dá obra surge a partir, principalmente, da contra reforma do ensino médio (MOTTA, FRIGOTTO, 2017), mediante a lei 13.415/2017. A comunidade escolar do Campus Chapecó, do IFSC, tendo seus professores, estudantes e servidores técnicos-administrativos, desde 2011, interessados na pesquisa sobre o EMI, prontificaram-se no desafio de tentar materializá-lo a partir das ousadas Oficinas de Integração, especificamente no curso técnico em informática integrado ao Ensino Médio daquele campus.

A referida obra é dividida em duas partes, a saber: a primeira, intitulada de “Vivências e experiências de sala de aula”, traz 7 relatos de experiências sobre práticas pedagógicas integradoras, que professores e alunos se dispuseram a efetivar, mesmo diante dos desafios; a segunda parte é intitulada como “Memórias e depoimentos sobre as oficinas de integração” em que há 4 relatos, alguns deles de autoria de alunos egressos do curso do IFSC, Campus Chapecó.

Para instigar os leitores desta resenha, descrevo, brevemente, alguns dos relatos de experiências elencados na obra. A primeira é “Oficina de integração: uma história feita a várias mãos'', do organizador, Adriano Larentes da Silva. O autor ressalta a importância de se registrar o acúmulo de experiências, a sistematização e a teorização das ações vividas nas Oficinas de Integração para que instigue outros sujeitos a aderirem ao EMI à EPT. Adriano faz um panorama histórico, a partir dos documentos como atas de reuniões de curso, cadernos de educadores, portfólios da

OIs, fotografias, notícias publicadas nos canais de comunicação do IFSC e as próprias memórias enquanto partícipe do processo.

Dando continuidade, destaca-se o relato intitulado “Releitura do filme ‘Tempos Modernos’, de Charlie Chaplin, como possibilidade de integração de conhecimentos no EMI”, de Saionara Greggio e Fábio Machado da Silva. Relatam uma proposta de atividade que se baseou nos seguintes tempos: problematização, instrumentalização, experimentação, orientação, sistematização e consolidação. A partir da releitura do filme clássico e atual, Tempos Modernos, alunos e docentes realizaram debates acerca de variados temas como: “relação homem-máquina”, “saúde e segurança do trabalhador”, “gênero e mercado de trabalho”, dentre outros, o que ressignificou o olhar dos professores e estudantes, promovendo a tão sonhada formação integral, contemplando trabalho, ciência, tecnologia e cultura.

Há também o relato “Fotografia: diálogos entre a arte, química e física no ensino integrado”, de Alencar Migliavacca, Fábio Machado da Silva e Gerson Witte, em que há um exemplo da potência que é a interdisciplinaridade. Com o foco na temática “fotografia”, os professores e estudantes dialogaram sobre o núcleo temático “Ciência, Cultura e Sociedade” e diversos conteúdos, dentre eles “A fotografia como linguagem artística e sua história”; “Princípios da óptica geométrica”, “Fontes de luz e propagação”, “reações fotoquímicas”, “número de oxidação”, dentre outros. Para validarem a experiência, os docentes aplicaram um questionário aos estudantes, enquanto um instrumento de autoavaliação, alertando-nos para a necessidade de sistematizarmos e registrarmos as práticas pedagógicas cotidianas.

Da segunda parte, destaco o relato “De estudante do curso normal à professora de oficinas de integração: memórias dos (des)caminhos percorridos.” A autora e professora Roberta Pasqualli narra sua emocionante trajetória até chegar ao IFSC e se deparar com a proposta pedagógica do EMI. A autora-professora realiza uma reflexão sobre a paixão pela educação e como “se educou” nas discussões do grupo de pesquisa e estudos sobre o EMI do Campus Chapecó. A partir desses relatos, todos os que acreditam no EMI, têm-nos como um “sopro de esperança” e de “ânimo” para a difícil e gratificante atuação no EMI.

Por fim, ainda na segunda parte, o texto intitulado “Formação Acadêmica e cidadã nas oficinas de integração”, de Emílio Juane Bruski, ex-aluno do IFSC, Campus Chapecó, indica a importância de a classe trabalhadora ter acesso a uma educação

integral. O autor destaca como o contato com a pesquisa científica, no Ensino Médio, possibilitou novos horizontes, preparando-o, em suas palavras, para o mundo do trabalho.

Assim, a obra em tela é uma grande oportunidade para reflexões entre os que atuam no EMI Brasil afora. Demonstra que, a partir do comprometimento de educadores com a causa da classe trabalhadora, pode-se materializar o projeto de EMI, tão necessário em tempos de avanços dos retrocessos, como a contrarreforma do ensino médio, já pontuada anteriormente. Por meio da práxis, os autores realizaram, no “chão da escola”, as mais diversas experiências rumo à materialização do EMI.

Portanto, recomendo a leitura e análise da obra do professor Adriano da Silva Larentes para todos aqueles que, diariamente, lutam pela formação integral nas muitas turmas de EMI à EPT, e que acreditam que esta formação omnilateral é essencial para que as juventudes da classe trabalhadora não tenham uma “vida provisória e em suspenso” (FRIGOTTO, 2009), e que tenham o EMI como local onde possam “aterrar” (LATOUR, 2020), uma vez que “a nova universalidade consiste em sentir que o solo está em vias de ceder.” (idem, 2020, pág. 18).

Não podemos desistir, mesmo diante das adversidades, do projeto de EMI, visto que representa um projeto comprometido com a formação integral dos trabalhadores em oposição ao modelo capitalista vigente. A obra de Adriano Larentes da Silva nos traz a esperança de que por meio da força da coletividade dos educadores poderemos encampar a travessia para uma “nova escola média em que haja um equilíbrio entre o atuar praticamente e o de trabalhar intelectualmente (KUENZER, 2009), rompendo, logo, com o modelo hegemônico que forma os filhos dos trabalhadores para uma perversa morfologia do trabalho (ALVES, 2011).

Ciavatta (2014), em seu clássico texto, desestruturou-nos com a questão “Ensino integrado, politecnia e a educação omnilateral: por que lutamos?” Eis que as Oficinas de Integração, retratadas na obra resenhada, tornam-se uma possível resposta a essa luta que nos move pelo direito de a classe trabalhadora ter acesso a uma educação transformadora.

Referências


ALVES, Giovanni. Trabalho, subjetividade e capitalismo manipulatório - O novo metabolismo social do trabalho e a precarização do homem que trabalha. In: Estudos do Trabalho - Revista Eletrônica da RET, n. 9, p. 01-31, 2011. Disponível em: http://www.estudosdotrabalho.org/4_8%20Artigo%20ALVES.pdf. Acesso em 20 de dezembro de 2020.


ARROYO, Miguel Gonzalez. A Educação Profissional e Tecnológica nos interroga. Que interrogações? Educação Profissional e Tecnológica em Revista, v. 3, n. 1, 2019. Disponível em: https://ojs2.ifes.edu.br/index.php/ept/article/view/1321. Acesso em 04 de janeiro de 2021.


CIAVATTA, Maria. O Ensino integrado, politecnia e a educação omnilateral: por que lutamos? Trabalho e Educação, [S. l.], v. 23, n. 1, p. 187–205, 2014. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/trabedu/article/view/9303. Acesso em 05 de janeiro de 2021.


FRIGOTTO, Gaudêncio. Juventude com vida provisória e em suspenso. Rio de Janeiro, UERJ/FAPERJ e CNPq, Documentário, 2009. Disponível em 3 partes: https://www.youtube.com/watch?v=yXj6pTXn7zs; https://www.youtube.com/watch?v=eUCShbnNPRQ; https://www.youtube.com/watch?v=-Iz8m2mgNLY. Acesso em 05 de janeiro de 2020.


KUENZER, Acácia Zeneida. Ensino Médio: construindo uma proposta para os que vivem do trabalho. São Paulo: Cortez Editora, 2000.


LATOUR, Bruno. Onde Aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020.


MOTTA, Vânia Cardoso; FRIGOTTO, Gaudêncio. Por que a urgência da reforma do ensino médio? Medida Provisória nº 746/2016 (Lei nº 13.415/2017). Educação & Sociedade, v. 38, n. 139, p. 355-372, 2017.


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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


A EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA LEI Nº 4.244 DE 9 DE ABRIL DE 1942 GUSTAVO CAPANEMA – MINISTRO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE 1


Maria Ciavatta2


Ao manter na Revista Trabalho Necessário um espaço para Memória e Documentos, os editores assumem um fato primordial da vida humana, que é a memória que permite a projeção do futuro. São fundamentais os processos de preservação da memória e sua transmissão às novas gerações como legado de uma visão ampliada do presente sobre as experiências do passado. O antropólogo Gilberto Velho3 articula memória e projeto. A memória é fragmentada, e o sentido de identidade do indivíduo depende, em parte, da organização desses fragmentos. O projeto, expresso através de conceitos, palavras, categorias, seria um instrumento básico de organização desses fragmentos e de negociação da realidade com outros atores sociais, individuais ou coletivos.

A memória dá uma visão retrospectiva, do passado, e o projeto permite uma visão prospectiva, projetando o futuro, ambos contribuindo para situar o sujeito, individual ou coletivo, suas motivações e o significado de suas ações, dentro das conjunturas de vida, na sucessão das etapas de sua trajetória. A sociedade fomenta uma multiplicidade de motivações, produzindo a necessidade de propostas e projetos,


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1Texto recebido em 03/05/2021. Aprovado pelos editores em 05/05/2021. Publicado em 27/05/2021. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.49869

  1. Doutora em Ciências Humanas (Educação-PUC-RJ). Pós-doutorado na Universitá di Bologna (1995-

    96) e na Università di Roma (2017); Professora Titular de Trabalho e Educação, Associada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF). Pesquisadora do CNPq. NEDDATE / Coordenadora do Grupo THESE – Projetos Integrados de Pesquisa em Trabalho, História, Educação e Saúde (UFF-UERJ-EPSJV-Fiocruz). E-mail: mciavatta@terra.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5854-6063. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5368554854684382

  2. O autor aborda a noção de projeto a partir das ideias de Alfred Schutz, para quem o projeto é uma

    “conduta organizada para atingir finalidades específicas” VELHO, Gilberto. Memória, identidade e projeto. Uma visão antropológica. Revista Tempo Brasileiro, v. 95, n. 125/126, out-dez, 1998, p. 122- 123.

    inclusive contraditórios ou conflitantes. O projeto seria um meio de comunicação, expressão, articulação de interesses, objetivos, sentimentos, aspirações.

    Memória e Documentos torna presente a importância da memória coletiva construída pelas classes sociais, nas lutas, nas ideias e representações em disputa na formação das ideologias e na defesa de seus interesses de classe, expressos na materialidade dos intercâmbios na produção da vida. Nos discursos, nas leis, nos diversos escritos expressam-se as elaborações ou justificativas de interesses que alimentam as disputas entre as classes sociais, divulgadas por quem tem o poder de divulgação da palavra, poder de mando, de propriedade, de decisão para obter a adesão dos demais ou, nos termos clássicos de Marx e Engels, “as ideias dominantes são as das classes dominantes.”4

    Permitem também que se recupere a concepção de tempos múltiplos de Braudel quando fala do tempo longo das estruturas socioeconômicas e sociais e das mentalidades que perpassam gerações com seus valores, ideias e comportamentos; quando fala do tempo médio das conjunturas, as políticas, as tendências na produção artística; e quando se refere ao tempo curto dos acontecimentos, aqueles que podem ter um duração quantificada em dias, horas ou meses, de acordo com a subjetividade com que o presente é vivido pelos sujeitos sociais.

    Poderíamos acrescentar que o presente não se esgota em si mesmo. Ele é sempre prenhe da vida anterior, do passado, dos fatos, sujeitos e objetos que lhe deram sentido e significado. Ele se nutre da expectativa do que se deve lhe seguir, do futuro que se espera que se realize, com os meios confessos ou ocultos que as posições sociais, políticas, econômicas ou outras permitirem aos sujeitos sociais em seus intentos.

    Neste número de Trabalho Necessário, o documento selecionado é a Exposição de Motivos de 1º. de abril de 1942 (BRASIL, 1942), que antecede a Lei n. 4244 de 9 de abril de 1942 (BRASIL, 1942ª), assinada pelo Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, dirigindo-se ao Presidente Getúlio Vargas. Buscamos recuperar aspectos da Reforma ocorrida há cerca de meio século.

    A Exposição de Motivos da Reforma Capanema defende uma “disciplina pedagógica”, “metodização do ensino secundário, isto é, a seriação obrigatória de seus estudos e a introdução nesses estudos de uma disciplina pedagógica”,


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  3. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã (Feuerbach). São Paulo: Hucitec, 1999, p. 72.

    “formar nos adolescentes uma sólida cultura geral, marcada pelo cultivo a um tempo das humanidades antigas e das humanidades modernas”, “a consciência da responsabilidade diante dos valores maiores da pátria, a sua independência, a sua ordem, o seu destino.”

    Tem estado presente, em alguns estudos, a comparação com a Medida Provisória nº 746 de 22 de setembro de 2016, que veio se tornar a atual Lei da Reforma do Ensino Médio, Lei nº 13.215 de 16 de fevereiro de /2017. O contexto da época em que a Reforma Capanema ocorreu não recomenda uma comparação geral com a Lei da segunda década do século XXI, mas permite aproximações em alguns aspectos específicos sobre os quais procuraremos nos deter à vista do texto original da Exposição de Motivos.


    “CÂMARA dos Deputados. Legislação. Decreto-lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942. Lei Nº 4.244, de 9 de abril de 1942

    EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS5


    Rio de Janeiro, 1 de abril de 1942. Sr. Presidente:

    Tenho a honra de submeter à consideração de V. Ex.ª um projeto de lei orgânica do ensino secundário.

    1. - O sistema vigente do ensino secundário data de 1931. Dentre as vantagens que dele provieram para a educação do país é de notar antes do mais a concepção que lhe serviu de base, isto é, a afirmação do caráter educativo do ensino secundário, em contraposição à prática então reinante de considerá-lo como mero ensino de passagem para os cursos do ensino superior.

      Dessa concepção decorreu um corolário de importância fundamental: a metodização do ensino secundário, isto é, a seriação obrigatória de seus estudos e a introdução nesses estudos de uma disciplina pedagógica. Está hoje no hábito dos estudantes e na consciência de todos que o ensino secundário não é um conjunto de preparatórios, que se devam fazer apressadamente e de qualquer maneira, mas constitui uma fase importante da vida estudiosa, que normalmente só pode ser vencida com a execução de trabalhos escolares metódicos, num lapso de sete anos.

      Representa, por outro lado, significativo resultado da legislação ora em vigor ter facilitado a generalização do ensino secundário, antes ao alcance de poucos, a todos os pontos do país. Havia no Brasil, em 1931, menos de duzentas escolas secundárias; hoje elas são quase oitocentas.

      A lei projetada encontra, assim, terreno amplo e condições favoráveis, que possibilitem o prosseguimento do trabalho de renovação e elevação do ensino secundário do país.


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      5https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-4244-9-abril-1942-414155- 133712-pe.html

    2. - São mais dignos de nota, na presente proposta de reorganização do ensino secundário, os pontos seguintes:

      Concepção do ensino secundário - A reforma atribui ao ensino secundário a sua finalidade fundamental, que é a formação da personalidade adolescente.

      É de notar, porém, que formar a personalidade, adaptar o ser humano às exigências da sociedade, socializá-lo constitui finalidade de todas espécie de educação.

      E, sendo esta a finalidade geral da educação, é por isto mesmo a finalidade única do ensino primário, que é o ensino básico e essencial, que é o ensino para todos.

      Entretanto, a partir do segundo grau do ensino, cada ramo da educação se caracteriza por uma finalidade específica, que se acrescenta àquela finalidade geral.

      O que constitui o caráter específico do ensino secundário é a sua função de formar nos adolescentes uma sólida cultura geral, marcada pelo cultivo a um tempo das humanidades antigas e das humanidades modernas, e bem assim, de neles acentuar e elevar a consciência patriótica e a consciência humanística.

      Êste último traço definidor do ensino secundário é de uma decisiva importância nacional e humana.

      O ensino primário deve dar os elementos essenciais da educação patriótica. Nele o patriotismo, esclarecido pelo conhecimento elementar do passado e do presente do país, deverá ser formado como um sentimento vigoroso, como um alto fervor, como amor e devoção, como sentimento de indissolúvel apego e indefectível fidelidade para com a pátria.

      Já o ensino secundário tem mais precisamente por finalidade a formação da consciência patriótica.

      É que o ensino secundário se destina à preparação das individualidades condutoras, isto é, dos homens que deverão assumir as responsabilidades maiores dentro da sociedade e da nação, dos homens portadores das concepções e atitudes espirituais que é preciso infundir nas massas, que é preciso tornar habituais entre o povo. Ele deve ser, por isto, um ensino patriótico por excelência, e patriótico no sentido mais alto da palavra, isto é, um ensino capaz dar aos adolescentes a compreensão da continuidade histórica da pátria, a compreensão dos problemas e das necessidades, da missão e dos ideais da nação, e bem assim dos perigos que a acompanhem, cerquem ou ameacem, um ensino capaz, além disto, de criar, no espírito das gerações novas, a consciência da responsabilidade diante dos valores maiores da pátria, a sua independência, a sua ordem, o seu destino.

      Por outro lado, seria de todo impraticável introduzir na educação primária e insinuar no espírito das crianças o difícil problema da significação do homem, êste problema crítico, de que depende o rumo de uma cultura e de uma civilização, o rumo das organizações políticas, o rumo da ordem em todos os terrenos da vida social. Tal problema só poderá ser considerado quando a adolescência estiver adiantada, e é por isto que a formação da consciência humanística, isto é, a formação da compreensão do valor e do destino do homem é finalidade de natureza específica do ensino secundário.

      Um ensino secundário que se limitasse ao simples desenvolvimento dos atributos naturais do ser humano e não tivesse a força de ir além dos estudos de mera informação literária, científica ou filosófica, que fosse incapaz de dar aos adolescentes uma concepção do que é o homem, uma concepção do ideal da vida humana, que não pudesse formar, em cada um deles, a consciência da significação histórica da pátria e da importância de seu destino no mundo, assim como o sentimento da responsabilidade nacional, falharia à sua finalidade própria, seria ensino secundário apenas na aparência e na terminologia, porque de

      seus currículos não proviriam as individualidades responsáveis e dirigentes, as individualidades esclarecidas de sua missão social e patriótica, e capazes de cumpri-la.

      Divisão em dois ciclos - A reforma conserva a divisão do ensino secundário em dois ciclos, dando, porém, uma configuração diferente a essa estrutura. O primeiro ciclo compreenderá um só curso: o curso ginasial, de quatro anos. O segundo terá dois cursos paralelos, cada qual com a duração de três anos, sendo qualquer dêles acessível aos candidatos que tenham concluído o curso ginasial.

      Da limitação do curso ginasial a quatro anos resultará, por um lado, a vantagem de tornar a educação secundária, na sua primeira fase, ao alcance de um número maior de brasileiros.


      Outra vantagem dessa limitação é a possibilidade de uma conveniente articulação do primeiro ciclo do ensino secundário com o segundo ciclo de todos os ramos especiais do ensino de segundo grau, isto é, com o ensino técnico industrial, agrícola, comercial e administrativo e com o ensino normal, servindo de base a essas categorias de ensinos, o que concorrerá para maior utilização e democratização do ensino secundário, que assim não terá, como finalidade preparatória, apenas conduzir ao ensino superior.

      Quanto aos dois cursos do segundo ciclo, o clássico e o científico, é de notar que não que não constituem dois rumos diferentes da vida escolar, não são cursos especializados, cada qual com uma finalidade adequada a determinado setor dos estudos superiores. A diferença que há entre eles é que, no primeiro, a formação intelectual dos alunos é marcada por um acentuado estudo das letras antigas, ao passo que, no segundo, a maior acentuação cultural é proveniente do estudo das ciências. Entretanto, a conclusão tanto de um como de outro dará direito ao ingresso em qualquer modalidade de curso do ensino superior.

      Esta solução respeita a vocação de cada aluno, que poderá, concluídos os estudos do primeiro ciclo, dar aos seus estudos posteriores, no segundo ciclo, conforme as preferências de sua inteligência, ou uma direção de sentido clássico ou um maior vigor científico, e transfere, para a final conclusão do ensino secundário, para uma época em que cada aluno deva ter atingido a uma suficiente madureza de espírito, a definitiva escolha do seu rumo universitário.

      O estudo da língua, da história e da geografia pátrias - O conhecimento seguro da própria língua constitui para uma nação o primeiro elemento de organização e de conservação de sua cultura. Mais do que isto, o cultivo da língua nacional interessa à própria existência da nação, como unidade espiritual e como entidade independente e autônoma.

      Na conformidade deste pressuposto, o ensino da língua portuguesa é ampliado, tornando-se obrigatório em todas as sete séries, com a mesma intensificação para todos os alunos.


      Com o mesmo objetivo de orientar o ensino secundário no sentido de uma compreensão maior dos valores e das realidades nacionais, a reforma separa a história do Brasil e a geografia geral, para constituírem disciplinas autônomas.

      O grego e o latim - O grego é incluído nos estudos do segundo ciclo, entre as disciplinas do curso clássico.

      O latim será estudado tanto no primeiro como no segundo ciclo. Figura entre as disciplinas de cada uma das séries do curso ginasial, e continuará a ser estudado, no curso clássico, por mais três anos. Dar-se-á assim de um modo geral a todos os alunos da escola secundária, em quatro anos de estudo, um conhecimento básico da língua latina, suficiente por certo como elemento de cultura geral, e se assegurará àqueles que tiverem revelado

      pendor intelectual para as humanidades antigas, isto é, aos alunos do curso clássico, um estudo mais intensivo dessa língua.

      Deixemos de parte o argumento, aliás valioso, de que o grego e o latim são necessários à leitura dos autores antigos, portadores de grandes mensagens, e ainda, quanto ao latim, à leitura dos livros de ciência e filosofia escritos nessa língua quando ela era a língua comum da cultura ocidental. Boas traduções não faltam. E é afinal mero preconceito o considerar a tradução como um expediente subalterno.

      O ponto essencial do problema é que, por mais que esteja o nosso país voltado para a modernidade e para o futuro, por mais vigorosa que seja a sua participação na vida nova do mundo, não lhe é possível desconhecer a irremovível vinculação de sua cultura com as origens helênicas e latinas. Não seria conveniente romper com essas fontes. Com este rompimento perderíamos o contato e a influência de uma velha cultura que consubstanciou e elevou os valores espirituais maiores da antiguidade e representa uma experiência sem par do destino humano. Perderíamos por outro lado os mais nobres vínculos do parentesco da cultura nacional com as mais ilustres culturas de nosso tempo, todas elas ligadas ao grande tronco mediterrâneo.

      É preciso reconhecer, pois, que os estudos antigos não se revestem apenas de um valor de erudição. Êles constituem uma base e um título das culturas do Ocidente; eles serão sempre, conforme o expressivo dizer de um escritor moderno, "um elemento inalienável da dignidade ocidental".

      Quanto ao latim especialmente, necessário é ainda estudá-lo com particular cuidado em nossas escolas secundárias, por ser êle o fundamento e a estrutura da língua nacional. Sem o latim, o conhecimento da língua nacional, por mais ilustração que tenha, será sempre um saber marcado de inseguranças e lacunas, e como que envôlto por uma certa escuridade.

      O ensino das línguas vivas estrangeiras - O ensino secundário das nações cultas dá em regra a cada aluno o conhecimento de uma ou das línguas vivas estrangeiras. Êsse número é elevado a três pelos países cuja língua nacional não constitui um instrumento de grandes recursos culturais.

      A reforma adotou esta última solução. Claro está que o francês e o inglês não poderiam deixar de ser conservados no número das línguas vivas estrangeiras do nosso ensino secundário, dada a importância dêsses dois idiomas na cultura universal e pelos vínculos de tôda sorte que a êles nos prendem.

      A reforma introduz o espanhol no grupo das línguas vivas estrangeiras de nossos estudos secundários. Além de ser uma língua de antiga e vigorosa cultura e de grande riqueza bibliográfica para todas as modalidades de estudos modernos, é o espanhol a língua nacional do maior número dos países americanos. Adotá-lo no nosso ensino secundário, estudá-lo, não pela rama e autodidaticamente, mas de modo metódico e seguro, é um passo a mais que damos para a nossa maior e mais íntima vinculação espiritual com as nações irmãs do continente.


      Dará, deste modo, a escola secundária brasileira a todos os alunos o ensino de três línguas vivas estrangeiras.

      É preciso não esquecer o valor cultural e a importância bibliográfica de outras línguas modernas, notadamente o alemão e o italiano.

      Na impraticabilidade de ensiná-las nos limites de tempo e de capacidade pedagógica da escola secundária, será medida sem dúvida útil e de possível adoção introduzir

      o seu estudo, pelo menos em caráter facultativo, nos estabelecimentos de ensino superior, ao lado dos estudos científicos e técnicos para os quais elas constituem elemento auxiliar de primeira necessidade.

      O estudo das ciências - A reforma coloca o problema do estudo das ciências em termos convenientes.

      No curso ginasial, a matemática e as ciências naturais serão estudadas de modo elementar. Seria antipedagógico sobrecarregar os alunos, nessa primeira fase dos estudos secundários, com estudos científicos aprofundados.

      Posteriormente, no curso clássico e no curso científico, far-se-á das ciências estudo mais acurado. Terá o estudo da matemática, da física, da química e da biologia, no curso científico, maior desenvolvimento e profundidade do que no curso clássico. Não deverá, porém, êsse estudo ser tão abundante e minucioso no curso científico que possa tornar-se inconveniente demasia, nem de tal modo reduzido no curso clássico, que não baste à formação de uma cultura científica adequada aos fins do ensino secundário.

      Ao estudo das ciências, num e noutro caso, orientará sempre o princípio de que não é papel do ensino secundário formar extensos conhecimentos, encher os espíritos adolescentes de problemas e demonstrações, de leis e hipóteses, de nomenclaturas e classificações, ou ficar na superficialidade, na mera memorização de regras, teorias e denominações, mas cumpre-lhe essencialmente formar o espírito científico, isto é, a curiosidade e o desejo da verdade, a compreensão da utilidade dos conhecimentos científicos e a capacidade de aquisição desses conhecimentos.

      Está claro que será mais difícil a tarefa de ensinar desse modo as ciências.

      No ensino científico, mais do que em qualquer outro, falhará sempre irremediavelmente o processo do erudito monologar docente, a atitude do professor que realiza uma experiência diante dos alunos inexpertos como se estivesse fazendo uma representação, o método de inscrever na memória a ciência dos livros. Nas aulas das disciplinas científicas, os alunos terão que discutir e verificar, terão que ver e fazer. Entre eles e o professor é necessário estabelecer um regime de cooperação no trabalho, trabalho que deverá estar cheio de vida e que seja sempre, segundo o preceito deweyano, uma "reconstrução da experiência".

      Se as ciências forem ensinadas assim, sob a influência das coisas concretas, em contato com a natureza e a vida, de um modo sempre ativo, formarão, tanto nos alunos do curso científico como nos do curso clássico, uma conveniente cultura científica, que concorra para definir-lhes a madureza intelectual e que os habilite aos estudos universitários de qualquer ramo.

    3. - Cumpre-me ainda acrescentar as seguintes observações sobre o projeto de lei orgânica do ensino secundário:

      É dado especial relevo ao problema da educação moral e cívica, isto é, da formação do caráter e do patriotismo. Adotar-se-á a este respeito a melhor lição pedagógica, isto é, a orientação de que o meio eficiente de atingir a esta modalidade de educação não será a inclusão de um programa instrutivo dos deveres humanos, não será ministrar uma especial preparação intelectual dessa matéria, mas desenvolver nos alunos uma justa compreensão da vida e da pátria e fazer-lhes, desde cedo e em todas as atividades e circunstâncias da vida escolar, efetivamente viver com dignidade e fervor patriótico.

      Foi incluída no projeto a declaração constitucional da liberdade de ensino de

      religião.

      É estabelecida a diferenciação do ensino secundário feminino. Deverá este ensino tomar em consideração a natureza da personalidade feminina e a missão de mulher dentro do lar. Decorrerão naturalmente dessa diferenciação uma diversa orientação dos programas e a separação das classes, sempre que na mesma escola secundária houver alunos dos dois sexos. É claro, porém, que sob o ponto de vista do valor da preparação intelectual, o ensino secundário feminino permanecerá identificado com o ensino secundário masculino.

      São instituídos os exames de licença, destinados à habilitação para efeito de conclusão de qualquer curso. Os exames de licença ginasial, ao fim do primeiro ciclo, serão prestados nos próprios estabelecimentos de ensino, pelos seus alunos. Os exames de licença clássica e os de licença científica, terminais dos cursos do segundo ciclo, só poderão ser prestados perante bancas oficiais.

      É determinada a adoção, em nosso ensino secundário, da orientação educacional, prática pedagógica de grande aplicação na vida escolar dos Estados Unidos. A orientação educacional deverá estar articulada com a administração escolar e o corpo docente, para cujas organizações o projeto estabelece os preceitos essenciais. O conjunto constituirá, em cada escola secundária, o organismo coordenado e ativo, capaz de assegurar a unidade e a harmonia da formação da personalidade adolescente.

      O projeto estabelece o princípio de que as pessoas particulares, individuais ou coletivas, que mantenham estabelecimento de ensino secundário, são consideradas como no desempenho de função de caráter público, cabendo-lhes em matéria de educação os deveres e responsabilidades inerentes ao serviço público. Decorre deste princípio a condenação do interesse comercial que porventura pudesse influir em qualquer organização escolar.

      São estabelecidos preceitos destinados à diminuição do custo do ensino secundário e ao desenvolvimento da assistência aos escolares necessitados. A providência tem em mira proporcionar, o mais que for possível, a educação secundária aos adolescentes bem dotados.

      Enfim, inspira-se o projeto de um modo geral na fecunda verdade pedagógica de que a educação deve ser vida a fim de que possa ser uma útil preparação para a vida.

    4. - Presidiu à elaboração da presente reforma a preocupação de aproveitar a boa experiência, não só a experiência da última legislação do ensino secundário, mas também a proveniente das legislações anteriores.

Sore o projeto inicialmente organizado, foi ouvida a opinião de representantes de todas as correntes pedagógicas. Procurei conciliar as tendências opostas ou divergentes, notadamente no terreno da velha controvérsia entre os defensores e os negadores da atualidade do estudo das humanidades antigas.

Parece ter a reforma conseguido as mais razoáveis soluções.

Se ela merecer a aprovação de V. Excia., é de crer que o nosso ensino secundário dará um passo a mais no sentido da renovação e da elevação. Possivelmente, dada a extrema dificuldade do problema do ensino secundário, defeitos haverá no sistema proposto. A experiência virá demonstrar o que de futuro será preciso corrigir ou retificar, pois, como disse Bernardo Pereira de Vasconcelos, quando, há mais de um século, declarava abertas as portas do Colégio Pedro II, "um dos meios, e talvez o mais proveitoso, de fazer sentir os inconvenientes de um regulamento é a sua fiel e pontual execução".

Apresento, com o projeto de lei orgânica do ensino secundário, um projeto de decreto-lei que contém as disposições transitórias necessárias à aplicação dessa lei.

O sistema novo de ensino secundário deverá ser desde logo aplicado às quatro séries do curso ginasial. Os alunos, que ora cursam a quinta série do curso fundamental e as duas séries do curso complementar, nos termos da legislação vigente, continuarão os seus estudos, em cada curso, segundo essa mesma legislação.

Por esta forma, sem dificuldades para os estabelecimentos de ensino e sem quebra da conveniente continuidade escolar dos alunos, o novo sistema de ensino secundário, com dois anos de adaptação, poderá estar plenamente adotado.

Apresento a V. Excia. os meus protestos de cordial estima e profundo respeito - Gustavo Capanema.”


O primeiro aspecto a destacar neste documento é o tempo longo das estruturas socioeconômicas e sociais e das mentalidades que perpassam gerações com seus valores, ideias e comportamentos. Na época da Reforma Capanema, estávamos nos anos 1940 e, hoje, estamos em 2021, mas continuamos no tempo longo do capitalismo que se implantou no Brasil colonial desde a acumulação pré-capitalista até a expansão globalizante e financeira do capitalismo dos dias atuais.

No entanto, os tempos múltiplos da concepção de Braudel (1982) não são isolados, são imbricados. Vivemos, simultaneamente, os acontecimentos no tempo médio das conjunturas e no tempo longo das estruturas do sistema capital. No Brasil, este aspecto deve ser examinado com o regime político que se apregoa liberal e se realiza com rupturas autoritárias sempre que os detentores do poder econômico e político se sentem “ameaçados” por avanços, pequenos que sejam, das condições de vida e de organização das classes trabalhadoras.

No exame da “Revolução burguesa”, Florestan Fernandes (1981) fala sobre a burguesia emergente dos setores rurais, com “espírito burguês”. São aqueles que impulsionam a revolução “que pôs em xeque os hábitos, as instituições e as estruturas persistentes da sociedade colonial”, advogam a “modernização” e estabelecem “compromissos tácitos” com as elites agrárias. Mais tarde, “evoluem para opções mais definidas e radicais, embora dissimuladas, pelas quais tentam implantar no Brasil as condições econômicas, jurídicas e políticas que são essenciais à plena instauração da ordem social competitiva” (p. 28-29) e a internacionalização da economia em associação com os grandes capitais externos.

O período do primeiro governo Vargas (1930-1945) situa-se em uma conjuntura em que o poder do Estado fixa metas para a sociedade, dada a “incapacidade do povo” de levá-las adiante para fins do progresso social. É o Estado intervencionista

que está associado ao próprio desenvolvimento do Estado e do capitalismo no Brasil, base das ações políticas das elites brasileiras, mesmo as liberais, desde o século XIX (SANTOS, 1978, apud CIAVATTA-FRANCO; SIMON, 1987, p. 567).

“É o Estado liberal que está sempre intervindo, a fim de afastar qualquer obstáculo ao funcionamento ‘natural’ e ‘autoritário’ do mercado”. Os ideólogos do autoritarismo, Alberto Torres, Oliveira Vianna e Francisco Campos deram forma política e jurídica à educação e ao trabalho, à transformação das instituições que prepararam a Revolução de Trinta6. Vitoriosa a Revolução, Oliveira Vianna atuou na implantação do sistema de previdência social e do sistema sindical corporativista, junto ao Ministério do Trabalho, criado no governo Vargas em 1930. Francisco Campos atuou “nas reformas do ensino como Ministro da Educação e, depois, como Ministro da Justiça e autor da Constituição do Estado Novo” (CIAVATTA-FRANCO; SIMON, ibid.).

Oliveira Vianna buscava “administrar” a questão social através da legislação e demandava a colaboração do patronato para a educação profissional. Como para os demais ideólogos do período, também para Alberto Torres, a educação fazia parte da questão social e devia ser determinada pelo Estado. Para o autor “era fundamental ‘educar mais do que instruir’ e ‘preparar homens e não doutores’. Ele distingue educação de instrução, entendendo a primeira como formação ligada à sobrevivência e ao trabalho” (id., p. 571-572).

É neste contexto político e ideológico que Vargas acumula forças para decretar o Estado Novo (1937-1945).7 Valendo-nos de fatos e de discursos da época, vemos que Cândido (1978), analisa que para apreender determinado discurso é preciso operar o desmascaramento do que o constitui ideologicamente. Para tanto, as ideologias precisam ser remetidas ontologicamente às suas bases materiais, ou seja, é preciso reconhecer as modalidades da materialidade social que sustentam suas



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  1. O termo consagrado “Revolução de Trinta” não se aplica no estrito senso, porque não houve mudança no modo de produção, nem do poder entre as classes sociais. Desde o início do século, a classe operária esteve em lugar subalterno, com escasso acesso aos instrumentos de decisão de seus interesses como trabalhadores. Autores como Paulo Sérgio Pinheiro, no documentário e Sílvio Back (1980), chama a atenção para a ausência do povo em três momentos decisivos da vida nacional em que as elites decidiram “pelo alto” as mudanças políticas: a “Independência do Brasil” decidida pela família real através do príncipe herdeiro português do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1822); a Proclamação da República (1889) articulada pelos setores anti-abolicionistas civis e militares; a Revolução de Trinta (1930) que foi uma troca de grupos no poder das elites agrárias para a nascente burguesia industrial.

  2. Estas considerações sobre o Estado Novo têm por base Ciavatta (2009).

    relações de reciprocidade, de determinante e determinado e não apenas conectar ideologia e produção material numa relação exterior a ambas. (CÂNDIDO, apud CHASIN, 1978, p. 24).

    A materialidade, que é possível identificar no governo Vargas – que tem um de seus marcos na Revolução de Trinta, e que se aprofunda no sentido do populismo autoritário em 1937, com o Golpe do Estado Novo –, envolve relações econômicas capitalistas submetidas às exigências da II Guerra Mundial; ao avanço na industrialização; à administração da relação capital e trabalho através de abundante legislação trabalhista e de permanente repressão político-policial; à política social para atender o trabalhador também nas necessidades de habitação, cultura, lazer e educação; e à produção ideológica da noção de trabalho pela revalorização do trabalhador.

    A Revolução de 1930 viera inaugurar "uma ordem nova, uma nova República", face aos reclamos econômicos, políticos e sociais aos quais o poder oligárquico da Primeira República (ou República Velha) não atendia mais. Desdobra-se de 1930 ao início dos anos 1940 um quadro de ações, medidas e criação de novas instituições que ganham destaque com o Estado Novo, mas cujas origens estão no início dos anos 1930 e na onda de transformações por que passava o mundo.8

    Lúcia Lippi de Oliveira (1982) observa que a memória social, representada pela lembrança do homem comum, guarda outros traços do período: a censura e a polícia de Filinto Müller; a construção da usina siderúrgica de Volta Redonda; a legislação trabalhista e as manifestações operárias no Estádio Vasco da Gama; o prédio do Ministério da Educação no Rio de Janeiro, a construção da Avenida Presidente Vargas sobre a Praça Onze; a figura de Villa-Lobos; a Rádio Nacional; Carmem Miranda; Zé Carioca. (p. 7).

    Um dos termos mais eloquentes da Exposição de Motivos do Ministro Capanema, da Lei no.4.244/1942 está na “Concepção do ensino secundário”:


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  3. No movimento da história que se inicia em 1930, alguns momentos decisivos devem ser salientados: a Revolução Constitucionalista de 1932; a Constituição promulgada em 1934; as agitações de esquerda que culminam no levante e na repressão desencadeada a partir de 1935; o Golpe de 1937; a Ação Integralista poupada até a repressão e o rompimento com o Governo Vargas, após sua ação armada frustrada, em 1938 (levantes realizados em abril e maio de 1938); a política econômica nacionalista em função dos interesses da burguesia industrial. (SOLA, 1977, p. 269).

    É que o ensino secundário se destina à preparação das individualidades condutoras, isto é, dos homens que deverão assumir as responsabilidades maiores dentro da sociedade e da nação, dos homens portadores das concepções e atitudes espirituais que é preciso infundir nas massas, que é preciso tornar habituais entre o povo (grifos nossos).


    Esta concepção expressa o modelo e a destinação do ensino secundário aos filhos das elites que governavam o país e deveriam ser preparadas para dar continuidade “às responsabilidades maiores” do governo. Elementos ideológicos de controle e preservação dos interesses de classe estão implícitos na exaltação desses “homens portadores das concepções e atitudes espirituais”. Os filhos dos trabalhadores são as massas que devem ser habituadas a essa suposta superioridade das “individualidades condutoras”.

    Não temos como objetivo, nestes comentários, a análise de todas as implicações político-ideológicas do documento. Vamos nos restringir a duas outras justificativas da Exposição de Motivos que complementam esta concepção. A primeira delas é a presença da ideia de patriotismo nas expressões: “acentuar e elevar a consciência patriótica”, “educação patriótica”, “apego e fidelidade com a pátria”, “patriotismo”, “educação moral e cívica”, o que se entende como ideias comuns àqueles tempos da Segunda Guerra Mundial (1937-1945) e, também, próprias às ideologias do militarismo que, reiteradamente, tem regido o governo do Brasil.9

    A mesma ideia reforça a concepção do ensino secundário:


    I - “(...)a consciência da significação histórica da pátria e da importância de seu destino no mundo, assim como o sentimento da responsabilidade nacional, falharia à sua finalidade própria, seria ensino secundário apenas na aparência e na terminologia, porque de seus currículos não proviriam as individualidades responsáveis e dirigentes, as individualidades esclarecidas de sua missão social e patriótica, e capazes de cumpri-la.”


    O segundo ponto que merece destaque é a divisão do ensino secundário em dois ciclos: “o curso ginasial, de quatro anos. O segundo terá dois cursos paralelos, cada qual com a duração de três anos, sendo qualquer deles acessível aos candidatos que tenham concluído o curso ginasial.”

    Capanema fala ao Presidente Vargas e anuncia que o curso ginasial em quatro anos o porá “ao alcance de um número maior de brasileiros”. Também considera


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  4. De 1989 aos dias atuais (20210, os períodos de governos civis (democráticos ou autoritários) se intercalam com os governos exercidos por doze presidentes militares.

    vantajoso que ele se articule ao “segundo ciclo de todos os ramos especiais do ensino de segundo grau, isto é, com o ensino técnico industrial, agrícola, comercial e administrativo e com o ensino normal,” o que também concorreria para a “democratização do ensino secundário”. E conclui com uma alegação ideológica: “que assim não terá, como finalidade preparatória, apenas conduzir ao ensino superior.” (grifos nossos).

    No entanto, tanto quando o Decreto-lei n. 4.244/1942), trata no “Capítulo IV - Das ligações do ensino secundário com outras modalidades de ensino”, no que concerne a passagem do primário para o ginásio, introduziu-se um processo seletivo, o Exame de Admissão, previsto na Lei (Capítulo V – Art. 31, letra c); e, quanto aos cursos dos ramos especiais de segundo grau, o aluno “deverá constituir base preparatória suficiente”.

    Entendemos que, neste ponto, a Lei deixa um vazio que é entendido quando se lê a Lei Orgânica do Ensino Industrial, Decreto-lei n. 4.073 /1942 que, no “Capítulo IV – Da articulação do ensino industrial com outras modalidades de ensino”, apresenta uma organização muito diferente do curso ginasial e colegial (clássico e científico), voltada para disciplinas técnicas e práticas: “Os cursos técnicos são destinados ao ensino de técnicas, próprias ao exercício de funções de caráter específico na indústria”. (Art. 10º. par. 1º.).

    De forma articulada e complementar, elaboram-se explicações e justificativas para criar o consenso sobre novos fatos gerados, exatamente, para prolongar as formas básicas da dominação. É este o universo claro-escuro da ideologia, de sua ambiguidade. O que não está dito, o que é "lacunar", omite a luta, as contradições da luta; e o que está dito revela a vitória pretendida sobre cada luta - ou em termos gramscianos, o que se pretende que seja o consenso necessário à consolidação da hegemonia de determinadas classes e grupos sociais (CIAVATTA, 2009).

    Na conjuntura do governo Vargas, a ideologia do desenvolvimento “cimenta” - nos termos gramscianos (GRAMSCI, 1978) - o desenvolvimento econômico aspirado pelas elites empresariais e aceito pela população pelas promessas de desenvolvimento social. Ao mesmo tempo, obscurece a compreensão de seu verdadeiro sentido, a dialética da reprodução e acumulação do capital (MARX, 1979) Esta restrição de acesso aos níveis superiores de ensino somente será equacionada por pressão popular e equivalência progressiva entre níveis e

    modalidades com as Leis de Equivalência, a Lei no. 1.076/1950, a Lei nº 1821/1953 e a Lei nº 3.552/1959 e, finalmente, com a LDBEN, Lei n. 4.024/196110 Assim, Marília Spósito (1984) relatou as lutas sociais pelas mudanças de lei:

    A questão envolveu inúmeros interlocutores no âmbito do Estado e da sociedade civil. A expansão da rede de ensino público secundário, em São Paulo, se fez aos poucos, primeiro pelos cursos noturnos nos prédios dos grupos escolares primários, depois pela criação de anexos aos ginásios existentes sob a forma de seções. (...) As solicitações chegavam ao Governo através dos políticos e, mais tarde, através dos movimentos sociais da periferia (SPOSITO, 1984, p. 60).


    Se buscarmos aproximações entre a Exposição de Motivos do Decreto-lei no.

    4.244 /1944, com a Medida Provisória no. 746 /2016, que veio se tornar a atual Lei da Reforma do Ensino Médio, Lei no. 13.215/2017, devemos atentar para os principais fatos que a contextualizam. São instrumentos legais aprovados logo após o “golpe branco”11 que se iniciou em 2 de dezembro de 2015 e foi concluído em 31 de agosto de 2016, promoveu o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff e alçou à Presidência o Vice-presidente Michel Temer.

    Ato contínuo, Temer passou à execução de um projeto autoritário que determinou mudanças substantivas na governabilidade em curso, anteriormente, nos governos petistas.12 Fez-se aprovar a Emenda Constitucional nº 95 que, por vinte anos, proíbe despesas do Estado acima da inflação, o que, na prática, suprime investimentos em políticas sociais. Aprovou-se a Reforma Trabalhista pela qual desregulamentaram-se as relações de trabalhos, direitos conquistados desde o governo Vargas nos anos 1940; a Reforma Sindical, que desmontou a estrutura de arrecadação e de representação dos sindicatos de trabalhadores; antirreformas na legislação educacional desmontando décadas de lutas sociais em defesa de recursos, de melhoria das escolas, das condições do trabalho docente, da concepção de educação básica.13


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  5. Ver discussão detalhada em II.6. A técnica como um novo humanismo. As Leis de Equivalência (CIAVATTA, 2009).

  6. Referimo-nos ao impeachment como “golpe branco” porque foi consumado pelo Congresso Nacional,

sob a acusação básica de “responsabilidade fiscal” por manobra financeira frente ao teto de gastos do orçamento do Estado, mecanismo de remanejamento de recursos já utilizado por outros governantes, sem serem penalizados.

12 Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010) e Dilma Rousseff (2011-2011 e 2015-2016).

13 No marco do golpe de 2016, fomos surpreendidos com abundante legislação desmontando conquistas das lutas sociais na educação (PASSOS, 2021).

Sob intensa campanha midiática e jurídica, as irregularidades cometidas por empresários resultaram em desestruturação de empresas brasileiras, alavancando um processo de venda de ativos de empresas estatais, privatizações, internacionalização a favor de uma economia de mercado aberto. Denegriram-se todas as iniciativas dos governos petistas, e foi eleito o ex-capitão Jair Bolsonaro. Com o uso de tecnologias multiplicadoras de fake news, implantou-se um projeto neoliberal radical, autoritário, nos moldes do modelo econômico de privatização de serviços públicos do Chile, durante a ditadura que se implantou com o golpe militar de 1973.

O liberalismo econômico mais ambíguo na limitação dos direitos democráticos e sedutor pelo discurso falacioso, sob o rótulo de ultraneoliberalismo, encontrou um adversário (ou um colaborador?) na pandemia do Covid-19. O Estado distanciou-se de suas obrigações na assistência social e à saúde. A população mais pobre, das periferias, sempre penalizada pela ausência de condições de moradia e saneamento, expôs-se ao aumento do desemprego, aos maiores riscos na saúde, no transporte, na carência de recursos para a sobrevivência.

Os termos de uma possível comparação com a Reforma do Ensino do governo nacionalista, de desenvolvimentismo econômico, de políticas sociais trabalhistas de Getúlio Vargas estão no autoritarismo sob a égide do liberalismo. A ideia enganosa de liberdade da etimologia do liberalismo volta sempre no apelo ambíguo às liberdades democráticas. Estas contemplam apenas os detentores do poder econômico e político, as classes médias dos níveis econômicos mais altos, os herdeiros distantes, mas atuantes, das capitanias hereditárias, latifundiários e grileiros, uma direita insensível às necessidades da população.

Em termos específicos de política educacional, a aproximação entre as duas reformas é passível de ser visualizada nos itinerários formativos da lei atual da Reforma da Reforma do Ensino Médio que altera o Art. 36 da LDB (Lei n. 9.394/96) e diz:


Art. 36 . O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber: I - linguagens e suas tecnologias; II

- matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV - ciências humanas e sociais aplicadas; V - formação técnica e profissional.” (Grifos nossos).

Se as áreas I a IV correspondem, reconhecidamente, a áreas do conhecimento, o mesmo não acontece com o item “V – formação técnica e profissional” que é área específica de preparação para o trabalho na indústria, no campo, em serviços. A quem se destina este “desvio” de rota de estudos? A história da educação no Brasil mostra que não diz respeito à formação de políticos e empresários dirigentes, mas a setores subalternos, pobres e médios que precisam do trabalho precoce para sobreviver, para ajudar as famílias e, talvez, tentar, mais tarde, reentrar no sistema para ter acesso aos níveis superiores de ensino, à universidade. Para esta, preparam-se os filhos das elites nas melhores escolas, públicas e privadas, do país.

Se voltamos à Exposição de Motivos da Reforma Capanema, encontramos o que tem sido sempre “inspiração” dos burocratas das elites, “o ensino secundário se destina à preparação das individualidades condutoras, isto é, dos homens que deverão assumir as responsabilidades maiores (...)” (BRASIL, 1942) e, claramente, o curso ginasial (atual Segundo Segmento do Ensino Fundamental) se articularia ao “segundo ciclo de todos os ramos especiais do ensino de segundo grau, isto é, com

o ensino técnico industrial, agrícola, comercial e administrativo e com o ensino normal,” o que também concorreria para a “democratização do ensino secundário”. (BRASIL, 1942, grifos nossos).

Como salientamos anteriormente, tanto a Lei Orgânica do Ensino Secundário, a Lei Orgânica do Ensino Industrial (BRASIL, 1942 a) e, mais tarde, as Leis Orgânicas do Ensino Comercial (BRASIL, 2014), do Ensino Agrícola (BRASIL, 2014 a) e Ensino Normal (formação de professores) (BRASIL, 2014 b) não estabelecem disciplinas e dispositivos de acesso ao ensino superior para seus alunos. Como queriam as elites dos “Tempos de Capanema” (SCHARTZMAN et al., 1984), e como querem as elites empresariais e as classes médias destes tempos sombrios de pandemia e pandemônio do (des)governo atual, mantém-se o sentido dúbio de democratização da educação e da segregação em uma sociedade fundada no racismo estrutural de uma abolição da escravização para os escravos negros africanos e para os trabalhadores livres brancos.


Referências


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                                                       . Decreto-lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942. Lei orgânica do Ensino Secundário, 1942 a.


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