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V.1S,N.l6-l017(Jan-abr)


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Fotografai: Jornal EI País

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Universidade Federal Fluminense Faculdade de Educação

NÚCLEO DE ESTUDOS SOBRE TRABALHO E EDUCAÇÃO – NEDDATE

Núcleo de Estudos, Documentação e Dados sobre Trabalho e Educação


REDAÇÃO

R. Professor Waldemar Freitas Reis, s/n°, bloco D, sala 525, Gragoatá - São Domingos, Niterói -

RJ, CEP 24210-201

revistatrabalhonecessario@gmail.com


EDITORES

Jaqueline Ventura Sonia Rummert


CONSELHO EDITORIAL

Celso Ferretti (UNISO) Gaudêncio Frigotto (UFF/UERJ) Maria Ciavatta (UFF)

Roberto Leher (UFRJ) Virgínia Fontes (UFF/EPJV-Fiocruz)


ASSISTENTE DE EDIÇÃO

Camila Azevedo Souza


EQUIPE EDITORIAL

Taynara Bastos Teodoro

Montagem da Capa: Taynara Teodoro | Foto da Capa: Jornal El País Indexado por / Indexed by

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DIADORIM – Diretório de Políticas de Acesso Aberto das Revistas Científicas Brasileiras


Ficha Catalográfica

R 454 Revista eletrônica TrabalhoNecessário [recurso eletrônico] / Núcleo de Estudos, Documentação e Dados sobre Trabalho e Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. Ano

15, n. 26 (jan/abr-2017). Niterói: NEDDATE, 2017. [On-line].

Quadrimestral. Editorial.

Modo de acesso: revistatrabalhonecessario@gmail.com ISSN 1808-799x


1. Educação. 2. Trabalho. I. Núcleo de Estudos, Documentação e Dados sobre Trabalho e Educação. II. Universidade Federal Fluminense.

Faculdade de Educação. III. Título: Revista Eletrônica TrabalhoNecessário.


CDD 370

Catalogação da Fonte: Biblioteca Central do Gragoatá


EDITORIAL¹


A profunda crise social, econômica, institucional e ético-política que atinge o país e que se expressa, por exemplo, na intensificação de duros e perversos ataques aos direitos conquistados pela classe trabalhadora, reafirma o papel da Revista TrabalhoNecessário visando contribuir para deslindar as tensões do movimento histórico da luta de classes na atual conjuntura brasileira.

Alicerçados no materialismo histórico, especialmente na perspectiva gramsciana, compreendemos que tal cenário revela uma crise de hegemonia da classe dirigente, o que nos exige o rigor de análise para apreender as diferenças entre movimentos orgânicos e movimentos de conjuntura, bem como as relações dialéticas entre as forças sociais, políticas e militares.

No movimento histórico dos Estados democráticos contemporâneos, compreendidos como “sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de coerção” (GRAMSCI, 2012, p.248), a ação política e a vida estatal revelam uma natureza dúplice, “ferina e humana, da força e do consenso, da autoridade e da hegemonia, da violência e da civilidade”, imbricando complexas relações sociais vinculadas ao exercício do poder (GRAMSCI, 2012, p.34).

No final da década de 1970, o pensador marxista grego Nicos Poulantzas, considerando o Estado como um lugar de luta de classes, evidenciou um processo de declínio da democracia nos países capitalistas centrais, ressaltando a configuração de um “estatismo autoritário” marcado, dentre outros aspectos, por lutas populares que “conduzem a novas formas de dominação política e a novos processos de exercício do poder” sob a perspectiva de um controle social assegurado por meio de “uma regulamentação individualizada [...] de cada membro de um corpo social considerado como globalmente suspeito, potencialmente culpável” (POULANTZAS, 2000, p. 225).

Em que pesem as especificidades sociais e históricas que diferenciam o contexto evidenciado por Poulantzas do atual cenário brasileiro, consideramos fundamental observar que há mediações significativas da análise do autor com

¹DOI: https://doi.org/10.22409/tn.15i26.p9661


a dimensão do movimento de conjuntura no qual se insere a brutal repressão e violência que marcou o ato de Brasília no último dia 24 de maio de 2017: as

150 mil pessoas organizadas na luta contra as Reformas da Previdência e Trabalhista, bem como pela revogação da Lei das Terceirizações e pelo Fora Temer, foram brutalmente reprimidas pela Polícia Militar, que agiu como um verdadeiro "braço armado do Estado" com artilharias constituídas por milhares de bombas, gás de pimenta, tiros de bala de borracha e até mesmo arma de fogo com munição letal, buscando impedir, de forma agressiva, o direito à manifestação. Na sequência, como um ápice apocalíptico do dia, o presidente (golpista) Michel Temer publicou um decreto colocando as Forças Armadas nas ruas para uma suposta “Garantia de Lei e Ordem”.

Além disso, o dia 24 de maio de 2017 também ficou marcado por mais duas emblemáticas situações de repressão e violência: por um lado, os protestos na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, contra a votação do projeto de lei para aumentar a contribuição previdenciária dos servidores estaduais do Rio de Janeiro, foram contidos por um potente esquema de segurança com veículos blindados (conhecidos como caveirão) e 500 policiais fortemente armados; por outro lado, dez trabalhadores rurais no interior do Pará, no bojo de conflitos fundiários, foram brutalmente assassinados em uma ação de despejo realizada pela Polícia Militar e Civil, revelando uma verdadeira chacina.

Essas tensões que marcam a realidade concreta, no âmbito das contradições entre capital e trabalho, podem convergir tanto para a intensificação dos duros e perversos ataques protagonizados pela classe dirigente, como para o fortalecimento do movimento de luta da classe trabalhadora. Diante disso, avançar na práxis revolucionária, considerando a atual conjuntura na totalidade das relações sociais, também significa asseverar que “a existência de uma situação de crise e mesmo o aparecimento de movimentos insurrecionais de massa [...] não são condições suficientes para a constituição de um movimento revolucionário socialista”, o que nos exige enfrentar o desafio histórico de consolidar uma ação coletiva consciente e organizada, tendo em vista “uma reestruturação radical que promova a


socialização da propriedade dos meios de produção” (SAVIANI & DUARTE, 2012, p. 1-2).

Nesse sentido, o vigésimo sexto número da TrabalhoNecessário, composta por sete artigos e pela seção Memórias e Documentos, busca contribuir com essa perspectiva a partir da construção coletiva do conhecimento.

Inicialmente, o artigo A Ofensiva Conservadora-Liberal na Educação: elementos para uma análise da conjuntura contemporânea, de Bruno Gawryszewski e Vânia Motta, contribui com uma análise crítica acerca da pauta conservadora-liberal no que tange às políticas públicas da educação brasileira com foco de análise no movimento Escola sem Partido.

O segundo artigo, intitulado O BID e a agenda do capital na Rede Municipal de Educação de Florianópolis, de autoria conjunta de Allan Seki, Hellen Costa, Mariano Melgarejo e Olinda Evangelista, examina as concepções e os desdobramentos do acordo assinado entre a Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF) e o Banco Interamericano (BID) no ano de 2012, cuja finalidade é expandir a cobertura e atuar no âmbito da qualidade da educação infantil e do ensino fundamental da rede em questão.

No terceiro artigo, intitulado A Nova Configuração do Trabalho Docente na Educação Superior: o caso do curso de Pedagogia/UFJF da Universidade Aberta do Brasil, a autora Mariana Novais Vieira objetiva analisar as condições do trabalho docente no cenário de expansão da educação superior a partir da institucionalização da Universidade Aberta do Brasil (UAB), ressaltando as novas configurações que o trabalho do professor tem adquirido no âmbito da Educação à Distância (EaD).

Em seguida, o artigo A Tendência Pragmatista e o seu Caráter Instrumental: inflexões teóricas presentes na área da Educação, assinado por Giandréa Reuss Strenzel, evidencia, alicerçando-se na ontologia crítica, a ressignificação dos conceitos presentes na área da Educação, com destaque para o esvaziamento da noção de conhecimento, bem como a ênfase na experiência do indivíduo, no cotidiano e nas práticas empíricas.

O quinto artigo, sobre A Dupla Face do Trabalho Infantojuvenil: a dialética entre o princípio educativo e o trabalho explorado, é uma contribuição


de Laura Fonseca e Luciana de Oliveira, que compreende parte de uma pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul entre 2012-2014, e evidencia as concepções e as práticas sobre o trabalho infantojuvenil apresentadas por algumas famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF).

Na sequência, o artigo A Escolarização Média da Classe Trabalhadora no Brasil: desafios contemporâneos e suas raízes históricas, de Valci Melo, apresenta os avanços e desafios impostos ao Ensino Médio no Brasil a partir da investigação das atuais configurações e das raízes históricas desta etapa da educação básica, considerando tanto dados estatísticos como pesquisas bibliográficas e documentais, além da análise sobre a Lei 13.415 de 16 de fevereiro de 2017, mais recente documento legal sobre a etapa em tela.

No sétimo artigo, intitulado PROJOVEM URBANO: jovens e adultos como sujeitos históricos de um projeto societário excludente, Leandro Gaspar analisa a Educação de Jovens e Adultos no âmbito das políticas educacionais, mais precisamente o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem Urbano), tendo em vista os desdobramentos de tais políticas para a juventude brasileira.

Por fim, na seção Memórias e Documentos, Carlos Artexes Simões apresenta a versão preliminar do documento Ensino Médio Integrado: uma perspectiva abrangente na política pública nacional, que versa sobre os desafios do ensino médio bem como pretende atribuir uma significação abrangente ao Ensino Médio Integrado, de maneira a articular com a educação profissional técnica de nível médio uma possibilidade formativa para esta etapa da educação básica.

Esperamos que esse conjunto de contribuições que constitui a presente edição da TrabalhoNecessário contribua coletivamente com o fortalecimento da luta contra-hegemônica, visando, especialmente, alunos de graduação e pós- graduação, bem como pesquisadores das áreas da Educação e Ciências Humanas e Sociais.


Referências

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Vol. 3. Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.


POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. São Paulo: Paz e Terra, 4ª ed., 2000.


SAVIANI, Dermeval & DUARTE, Newton (orgs.). Pedagogia histórico-crítica e luta de classes na educação escolar. Campinas, SP: Autores Associados, 2012.


Publicado em: 4 de junho de 2017

A OFENSIVA CONSERVADORA-LIBERAL NA EDUCAÇÃO:

elementos para uma análise da conjuntura contemporânea¹


Bruno Gawryszewski2 Vânia Cardoso da Motta3


Resumo

O objetivo deste artigo é contribuir com uma análise crítica sobre a pauta “conservadora-liberal” no âmbito das políticas públicas da educação brasileira, concentrando esforços na atuação do movimento Escola sem Partido. Calcada no referencial teórico-metodológico de Antonio Gramsci, trabalhamos com o conceito de hegemonia e situamos a atual dinâmica histórica e política advinda da complexificação da sociedade civil e da sociedade política. Concluímos que os grupos conservadores-liberais, embora heterogêneos e difusos, articulam-se no âmbito das reformulações na educação a uma concepção restrita de formação humana e se alinham às forças materiais dominantes.


Palavras-chave: ofensiva conservadora-liberal; políticas públicas da educação brasileira; Escola sem Partido.


Abstract

The aim of this article is to contribute with a critical analysis on the "conservative- liberal" agenda in the scope of public policies of the Brazilian education, focusing the movement called School without Party. Based on Antonio Gramsci as theoretical-methodological framework, we use the concept of hegemony and situate the current historical and political dynamics arising from the complexification of civil society and political society. We conclude that although the conservative-liberal groups are heterogeneous and diffuse, they are linked by the framework of reformulations in education, with a narrow conception of human formation and aligned with the dominant material forces.


Keywords: conservative-liberal offensive; Public policies of Brazilian education; School without Party.


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1 DOI: https://doi.org/10.22409/tn.15i26.p9624

2 Professor da Faculdade de Educação/UFRJ e integrante do Coletivo de Estudos em Marxismo e Educação (COLEMARX). E-mail: brunogawry@gmail.com

3 Professora da Faculdade de Educação/UFRJ e integrante do Coletivo de Estudos em Marxismo e Educação (COLEMARX). E-mail: vaniacmotta@gmail.com

  1. Introdução

    O objetivo deste artigo é contribuir com uma análise crítica sobre aspectos da ofensiva de valores e pautas conservadoras no âmbito da educação brasileira, concentrando esforços na atuação do movimento político-ideológico de extrema- direita Escola sem Partido. Calcados no referencial teórico-metodológico de Antonio Gramsci, trabalhamos com o conceito de hegemonia, que articula força e consenso, tendo em vista as correlações de forças que estabelece um “equilíbrio instável” nas relações sociais. E nos pautamos em pesquisadores brasileiros para situar a recente constituição da linhagem conservadora-liberal,nos âmbitos econômico, político e ideológico, na dinâmica histórica e política brasileira advinda da complexificação da sociedade civil da sociedade política no pós-ditadura.

    Na primeira parte, resgataremos de forma breve alguns elementos históricos do pós-ditadura que ajudam a identificar o processo de complexificação da sociedade civil, nos termos de Gramsci, quando ela se torna do tipo “ocidental”, em meio ao processo de recomposição de forças sociais em torno da agenda do sistema-mundo do capital imperialista. Consideramos esse movimento analítico fundamental para situar a ofensiva de grupos “conservadores-liberais”na atual crise política e econômica brasileira. Na segunda parte, trazemos a pauta do grupo de extrema-direita no âmbito da educação, o Escola sem Partido, buscando empreender uma análise que a identifica com a agenda conservadora-liberal, segundo Bianchi (2015), extremamente heterogênea e não consolidada, mas que tem primado por uma pauta que investe fortemente em padrões morais e éticos e se articula de forma contraditória.


  2. Contexto geral na redemocratização: a sociedade civil brasileira torna-se do tipo “ocidental”

    Passados os anos de maior repressão aberta como componente da política de “segurança nacional” operada pelos aparelhos repressivos do Estado e apoiada materialmente de diversas maneiras por frações do empresariado brasileiro, gradativamente a legitimidade que sustentava a militarização do Estado foi se corroendo pela questão econômica e pelas tensões políticas internas. No âmbito econômico, o sistema-mundo do capital imperialista enfrentou a crise do petróleo, a mudança do padrão ouro-dólar e neoprotecionismo baseado nas medidas não tarifárias que perdurou nos anos 1970(GONÇALVES, 2012, p. 640).

    A crise da dívida externa brasileira, nos anos 1981-82, foi um marco relevante, mas também, em parte pelas próprias contradições no âmbito do empresariado que disputavam entre si maior preponderância sobre o mercado nacional e acesso aos subsídios estatais, e ainda pelo próprio desgaste de sustentar por mais de uma década a ordem social baseada em um altíssimo grau de coerção sobre a população, que, por sua vez, padecia com a crescente inflação e deterioração das suas condições de vida.

    Sendo assim, Fontes (2010) atenta para o fato de que, prevendo a ascensão das lutas populares por acesso e extensão dos serviços públicos, as principais organizações sociais empresariais de cada segmento econômico (na concepção gramsciana, os aparelhos privados de hegemonia), mesmo tendo organicamente constituído os espaços de governo do Estado, passaram a se descolar da imagem do mesmo, criticando as medidas tomadas pelos governantes e reivindicando outro projeto que pudesse manter as bases de controle social. Isso, frente à sinalização para um novo conjunto de políticas macroeconômicas e uma nova divisão internacional do trabalho (o que não muito tempo depois viria a se expressar no que genericamente podemos denominar como neoliberalismo).

    Contudo, o processo de abertura política conduzido desde o início sob o estrito controle dos setores dominantes que se assenhoravam do Estado, e deveras acidentado e marcado por oscilações entre medidas de abertura e de fechamento de mecanismos de participação política, pode ser expresso no famoso lema declamado pelo então Presidente Ernesto Geisel em meio à tímida medida de permissão da propaganda eleitoral gratuita na televisão e no rádio: a transição do regime será “lenta, gradual e segura”. Na visão de Coutinho (2006), um processo conduzido pelo alto, “com o objetivo de promover uma ‘descompressão’ fortemente seletiva” (p.187). Tão logo a então oposição eleitoral, representada pelo partido Movimento Democrático Brasileiro (MDB), venceu as eleições legislativas. Em alguns governos estaduais, os setores contrários à abertura política iniciaram em 1974, uma violenta ofensiva contra qualquer tentativa de insurgência contra a ordem social, o que culminou no Pacote de Abril de 1977, lançado por Geisel, que fechou temporariamente o Congresso Nacional. Quando seu sucessor assumiu em 1979, o General João Figueiredo, impelido pelas condições políticas, confirmou que conduziria o processo de restauração da

    democracia no Brasil pela emblemática frase: "É pra abrir mesmo. Quem não quiser que abra, eu prendo e arrebento!".

    Mesmo diante de fatos que não condizem exatamente por ações em vista de democratizar as estruturas de poder no país e jamais perdendo de vista a tutela dos setores dominantes, Coutinho (2006) traz o entendimento que, na prática, esse processo se desenvolveu de modo menos controlado do que o previsto por Geisel e Figueiredo, por conta de uma sociedade civil organizada em movimentos populares que impulsionaram um processo de abertura mais ampliado, vide os casos de anistia aos exilados políticos e a reorganização partidária a partir do fim do bipartidarismo.

    Virgínia Fontes (2010) enriquece o debate chamando a atenção de que as décadas de 1970 e 1980 foram marcadas pela constituição de organizações, tanto de base empresarial quanto sindical e populares, o que complexificou de sobremaneira as disputas pela direção intelectual-moral da sociedade que, conforme tem se constatado até os nossos dias, a luta pela hegemonia não caberia apenas na conquista de vencer uma disputa eleitoral e ter sob sua responsabilidade a máquina do Estado.

    Nesse sentido, a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) no âmbito político-partidário, da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no âmbito sindical e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no âmbito da luta pela reforma agrária permitiu que os diferentes segmentos da classe trabalhadora atuassem razoavelmente em unidade nacional e conferissem especial importância na busca por espaços na sociedade civil, contrapondo-se às já existentes entidades empresariais3, o que leva Fontes (2010, p.257) a entender que


    A capacidade de aglutinação – de agir como um “estado-maior” – do PT e a multiplicidade de movimentos que coordenava ameaçavam desestruturar os esquemas de dominação tradicionais, obrigando a uma recomposição, realizada às pressas com Collor de Mello e depois, finalmente azeitada com a ascensão de FHC (Fernando Henrique Cardoso, acréscimo



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    3 A título de exemplificação daquele momento histórico, conforme listado por Fontes (2010), podemos mencionar o Instituto Liberal (IL), a Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), a União Democrática Ruralista (UDR), o Movimento Cívico de Recuperação Nacional (MCRN), além das entidades corporativas históricas que persistem até hoje como as respectivas federações de bancos, indústria, comércio, agricultura, transporte e seus serviços de qualificação profissional do sistema S, dentre outras.

    nosso) ao papel de porta-voz obediente das burguesias brasileiras e seus sócios prioritários.


    Devido aos limites de espaço e da proposta desse texto, não pretendemos nos aprofundar na descrição e análise das disputas em torno da hegemonia política brasileira nas décadas que findaram o século XX, levando em conta outros elementos que também poderiam ser abordados, tais como: o surgimento de organizações políticas fora da esfera dos partidos políticos, as Organizações não-governamentais (ONGs) e seus congêneres, o que ajudou a ressignificar o sentido de militância e da implementação das políticas públicas; a gradual burocratização e domesticação das organizações surgidas dos movimentos populares, principalmente o PT e a CUT; o crescimento de uma concepção de política sindical baseado em resultados pragmáticos e imediatos e, por isso mesmo, fomentado e apoiado pelos setores dominantes; a ascensão da aplicação das ideias do neoliberalismo sobre o governo dos Estados nacionais, acompanhado de uma profunda reestruturação do mundo do trabalho baseado em novas tecnologias que atuaram sobre o processo de produção, a fim de reverter a crise de reprodução de valor do capital, somente para citar alguns dos aspectos mais relevantes que reconfiguraram o cenário político. No entanto, o que desejamos frisar é que a complexificação da sociedade civil, especialmente a partir do período de fim da ditadura militar, teve como alguns frutos a multiplicação de espaços e organizações que viriam a disputar a direção da política brasileira e a reivindicação da universalização de serviços públicos como agenda obrigatória para a consecução dos direitos sociais dos cidadãos.

    A disputa pela hegemonia política que nos referenciamos nesse texto tem amparo nas formulações de Antonio Gramsci que, ao se indagar sobre o fracasso da revolução operária na sociedade italiana do início do século XX, procura fazer de suas reflexões formas de operar sobre o real, a fim de transformá-lo. O que nos parece mais pertinente para os limites do texto é que o entendimento de Gramsci sobre o conceito de sociedade civil (e dos aparelhos privados de hegemonia) é inseparável da luta de classes, portanto, não está em oposição ao Estado, mas atravessa-o a partir da formulação de estratégias dos setores dominantes em convencer os subalternos a aderir ao seu projeto de mundo, sem

    deixar de recorrer a práticas coercitivas, sempre que necessário. Enfatiza o próprio Gramsci (2000, p.95) que:


    O exercício “normal” da hegemonia, no terreno tornado clássico do regime parlamentar, caracteriza-se pela combinação da força e do consenso, que se equilibram de modo variado, sem que a força suplante em muito o consenso, mas, ao contrário, tentando fazer com que a força pareça apoiada no consenso da maioria, expresso pelos chamados órgãos da opinião pública – jornais e associações – os quais, por isso, em certas situações, são artificialmente multiplicados (grifo nosso).


    Conforme disserta Coutinho (1996), Gramsci compreende que nas formações sociais em que há uma relação equilibrada entre sociedade civil e sociedade política, que a caracteriza como do tipo “ocidental”, a luta de classes tem como terreno prévio as disputas em torno dos aparelhos privados de hegemonia, pois essa disputa visa a obtenção da direção política do processo revolucionário; uma tática de “guerra de posição”.

    Decidimos destacar esse entendimento de hegemonia por Gramsci, tendo em vista que nos anos 1980 a intensificação das lutas e de uma ampliação da pauta reivindicatória de direitos sociais no Brasil. A esse respeito, Fontes (2010, p.138-9) explicita que


    Gramsci observou que o Estado podia agregar em sua própria estrutura elementos oriundos das reivindicações das classes dominadas, ampliando-se também na direção da incorporação de demandas dos grupos subalternos e em peculiar democratização, na qual a incorporação ampliava a política, mas mantinha a subalternização de classes.


    Dessa forma, possivelmente o caso brasileiro é exemplar, pois há que se destacar que a vitória do PT à Presidência sintetizou uma mudança histórica na forma de conduzir a política, pois este foi constituído no âmbito das lutas sociais, tendo, ao longo do tempo, forjado uma relação próxima com os diversos segmentos organizados da classe trabalhadora, por meio de sua intervenção nos segmentos estudantis, populares, sindicais, trabalhadores rurais e movimentos sociais contra opressões. Esse lastro político lhe permitiu dirigi-los em torno de um projeto de poder sob o mote de construir um novo contrato social, em que se

    colocava como uma das prioridades a abertura de canais e mecanismos institucionais para uma participação mais efetiva da população.

    A chegada do PT ao controle do Poder Executivo do país incorporou as frações mais organizadas da classe trabalhadora que estavam sob a direção das correntes majoritárias do partido, como os grupos que operavam o controle da central sindical CUT e diversos outros movimentos e entidades vinculadas ao partido, sob a promessa de estreitar canais de diálogo entre os diversos segmentos da vida social brasileira e o governo. Dessa proximidade entre PT e os movimentos sociais resultou a nomeação de muitos militantes e quadros do partido para cargos públicos nas estatais, empresas mistas, fundos de pensão vinculados às empresas públicas, promovendo enorme processo de cooptação de grande parte dos setores combativos nos movimentos políticos. Antonio Gramsci denominou como transformismo o deslocamento de antigos opositores para o bloco de poder até então antagônico e, tal como ocorrera na Itália no século XIX a partir do seu processo de unificação, no Brasil nos apropriamos das palavras de Gramsci (2001, p. 387) de que “[...] torna-se claro que pode e deve haver uma atividade hegemônica mesmo antes da ida ao poder e que não se deve contar apenas com a força material que o poder confere para exercer uma direção eficaz”.

    Tratando especificamente a conjuntura brasileira já no final da década de 2000 – portanto, com Lula no seu segundo mandato e desfrutando de altíssima popularidade, o que valeu a eleição de sua sucessora nunca antes candidata, Dilma Rousseff –, Francisco de Oliveira caracteriza o governo petista como um caso de “hegemonia às avessas”, porque os setores historicamente subalternizados e dominados ascenderam ao poder do Estado e aparentemente conferem a direção moral da sociedade, mas implementava até então com retidão o programa destinado a atender as frações burguesas locais e o capital internacional. Assim, Oliveira (2010, p. 27) justifica o porquê de essa hegemonia ser às avessas, pois, segundo seu entendimento:


    Não são mais os dominados que consentem em sua própria exploração; são os dominantes – os capitalistas e o capital, explicite-se – que consentem em ser politicamente conduzidos pelos dominados, com a condição de que a “direção moral” não questione a forma da exploração capitalista.


    Diversos pesquisadores se dedicaram a analisar o, de certa forma, longo governo petista. A ascensão de uma entidade representante da classe trabalhadora como dirigente da “função estabilizadora do Estado” (GONÇALVES, 2012), em meio à constante e cada vez mais aguda crise do sistema-mundo capital imperialista está envolta em complexidades que dificultam a realização de uma síntese. Todavia, consideramos importante registrar que o referido consentimento da classe dominante para dirigir o Estado burguês, em conformidade com Oliveira (2010), também contou com a política de conciliação que foi sendo construída em prol da governabilidade. Na base de governo conviviam frações da política partidária e de setores econômicos de interesses diversos e até antagônicos ocupando cargos públicos de níveis de poder decisórios variáveis e, bem como, em instâncias de consultorias e de conselhos. Os empresários locais protagonizaram políticas públicas importantes, e mesmo aquelas voltadas para a classe trabalhadora, particularmente, as focadas na população mais pobre, foi realizada com reconhecimento de organismos internacionais (MOTTA, 2012). O governo PT também contou com um período de condições econômicas favoráveis na dinâmica do mercado internacional que resultou em elevação das taxas de crescimento e a possibilidade de introduzir a política macroeconômica novo-desenvolvimentista4. Esta dinamizou a expansão da exportação de commodities, concebida como motor de crescimento, combinado com um mercado interno forte e com políticas de redução das


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    4Gonçalves (2012) analisa a política macroeconômica do governo PT, tendo como base a política implementada com a denominação novo-desenvolvimentista. Para o autor, na virada do milênio, países latino-americanos adotaram um modelo de política econômica que o definiu como “Modelo Liberal Periférico”. Em suas palavras: “Este modelo caracterizase por: liberalização, privatização e desregulação; subordinação e vulnerabilidade externa estrutural; e dominância do capital financeiro. O modelo é liberal porque é estruturado a partir da liberalização das relações econômicas internacionais nas esferas comercial, produtiva, tecnológica e monetáriofinanceira; da implementação de reformas no âmbito do Estado (em especial na área da Previdência Social) e da privatização de empresas estatais, que implicam a reconfiguração da intervenção estatal na economia e na sociedade; e de um processo de desregulação do mercado de trabalho, que reforça a exploração da força de trabalho. O modelo é periférico porque é uma forma específica de realização da doutrina neoliberal e da sua política econômica em um país que ocupa posição subalterna no sistema econômico internacional, ou seja, um país que não tem influência na arena internacional, ao mesmo tempo em que se caracteriza por significativa vulnerabilidade externa estrutural nas suas relações econômicas internacionais. E, por fim, o modelo tem o capital financeiro e a lógica financeira como dominantes em sua dinâmica macroeconômica” (p. 662). Nesse sentido, para Gonçalves, a proposta do novo-desenvolvimentismo foi gerenciar o Modelo Liberal Periférico, com ênfase na função estabilizadora do Estado – implementar políticas de estabilização macroeconômica (p. 663-664).

    desigualdades sociais, entre outros fatores (GONÇALVES, 2012) que, no curto período de seu auge, ampliou a capacidade de consumo, de emprego e de gerar renda, principalmente, da classe trabalhadora situada na base da pirâmide.

    Contudo, o que servia como leitura fiel da conjuntura brasileira em 2010, já nos idos de 2016, mostrou o quanto a hegemonia, no sentido de articular força e consenso, é dotada de um equilíbrio instável nas relações entre os grupos sociais que se defrontam na luta de classes. A derrota inesperada das frações burguesas que apoiavam a coligação capitaneada pelo Partido Social Democrático Brasileiro (PSDB) de Aécio Neves nas eleições presidenciais em 2014 não foi aceita desde a proclamação do resultado, sendo contestada de todas as formas, inclusive sob a acusação de fraude na contagem de votos. Diante da impossibilidade de impugnação eleitoral, entrou em cena o discurso de “Fora, Dilma!” baseado na moralidade ética e na retomada da credibilidade do governo, o que implicaria por fim ao ciclo do PT na presidência da República, a fim de levar adiante medidas que implementassem da forma mais dura possível o ajuste fiscal e, consequentemente, um maior escoamento do orçamento público para as frações burguesas que dão as cartas para o bloco no poder (capital financeiro-rentista, o agronegócio e o capital produtivo) 5. É necessário levar em conta que a partir de 2010 o Brasil começou a sentir a crise do sistema-mundo do capital imperialista de 2008 que resultou na queda dos preços das commodities e do barril do petróleo. Estremeceu a base econômica brasileira que encaminhou para a reprimarização da economia e para os arranjos com as oligarquias regionais (GONÇALVES, 2012), isto é, corroeu a política “novo-desenvolvimentista” e a função estabilizadora do Estado foi colocada em risco.

    Nesse sentido, concordamos com Alves (2016, s/p) que


    O que se disputa na virada para a década de 2010 é o modo de resolução das contradições abertas pela crise financeira de 2008/2009 no plano histórico mundial. Trata-se de uma disputa no interior da ordem burguesa [...] (pois) as “crises” do capitalismo histórico possuem uma função histórica crucial – elas tratam de oportunidades de renovação para que o sistema-mundo do capital se recomponha num patamar superior, constituindo assim, uma



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    5Uma análise importante sobre o orçamento da União e que constata este escoamento de recursos públicos para a fração da burguesia dominante (o capital financeiro-rentista) é o de Maria Lucia Fattorelli que tem suas análises divulgadas no blog Auditoria Cidadã. Disponível: http://www.auditoriacidada.org.br/

    forma social no interior da qual ele irá desenvolver suas contradições candentes no século XXI.


    Ou seja, predominando a “pequena política”6, a “captura da gestão macroeconômica pelo oportunismo eleitoral” (GONÇALVES, 2011, p. 2), trata-se de uma disputa pela direção política da função estabilizadora do Estado e pela manutenção no poder, com níveis diferenciados do equilíbrio da combinação força-consenso.

    Conforme amplamente difundido pelos órgãos de imprensa em massa, o processo de impeachment de Dilma Rousseff, além de amplamente impactado pelas incursões policiais da Polícia Federal na Operação Lava Jato, também foi fartamente amparado no que Mascaro (2016) denomina como ideologia jurídica, pois se nem o Estado nem o Direito podem ser pensados como aparatos consolidados e acabados por si mesmos no momento em que existem, logo: “Havendo descompasso entre forças econômicas e posições político-jurídicas, a resolução da reprodução social capitalista se faz sempre em detrimento do plano institucional” (s/p). Por isso, no momento em que as frações burguesas locais se associam no sentido de se articularem com o capital imperialista, a ideologia jurídica serve tanto aos conspiradores que fazem a injunção em favor da moralidade ética e vale como pretexto para a condução de golpes parlamentares quanto pelos que sofrem a deposição, pois segundo o mesmo Mascaro (idem)


    O direito é arma privilegiada para tal injunção. [...] A ideologia jurídica conduz golpes que não aceitam ser narrados como tais e, ao mesmo tempo, a mesma ideologia jurídica tem sido a bandeira requerida por governos e movimentos sociais progressistas latino- americanos. Até mesmo aqueles depostos por golpe, como o caso do PT no Brasil, conclamam pelo respeito às leis e às instituições…


    Por fim, essa seção se dispôs ao debate político, trazendo brevemente fatos que marcaram, na história recente, os processos de condução do Estado brasileiro, seus aparelhos executivos, jurídicos e ideológicos, em meio aos momentos de crise do sistema-mundo do capital imperialista, à relação

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    6Fazendo referência ao pensamento de Gramsci, Coutinho (2010) compreende que as análises sobre os governos petistas devem considerar o contexto de hegemonia da pequena política; o predomínio da prática que limita o horizonte estratégico da política na perspectiva da luta ético- política e até político-estatal, em meios para obter apoio de parlamentares, esvaziado dos embates ideológicos da grande política.

    subordinada às frações burguesas dominantes e às correlações de forças dos movimentos de base progressistas. Seguiremos analisando essa conjuntura de investida conservadora-liberal, em especial, no âmbito da educação.


  3. “Escola sem Partido”: expressão da ofensiva conservadora-liberal na educação

Conforme foi abordado na seção anterior, a análise da conjuntura nacional parece indicar que há uma recomposição de forças sociais em torno de uma pauta ajustada ao sistema-mundo do capital imperialista e que se expressaria hodiernamente na defesa do ajuste fiscal e suas derivações pela contrarreforma trabalhista e previdenciária, em meio à crise orgânica do sistema capital.

Uma célebre análise de Gramsci (2000) é sobre a crise orgânica do capital. Tomando como base as reflexões de Marx de que crise faz parte da natureza do capital e pensando o seu tempo, na Itália fascista, o autor vai indicar que na correlação entre forças de grupos A e B, uma terceira força pode surgir. Ou que nos momentos de crise orgânica, quando o velho mundo agoniza e o novo mundo tarda a nascer, podem irromper monstros. Provavelmente, esse monstro para Gramsci tinha elementos fascistas. E isso nos remete a ressaltar que a crise orgânica do capital não se restringe aos âmbitos econômico e político, mas ideológico também7 e que, provavelmente, um monstro luta para irromper.

A ofensiva ideológica em curso, no entender de Bianchi (2015), representa uma linhagem de pensamento contemporâneo, o qual denominou como conservadora-liberal, que, apesar de extremamente heterogênea e não consolidada, estaria primando por uma pauta que investe fortemente em padrões morais e éticos, mas que se articula de forma contraditória. Nesse sentido, basta lembrar que nos mesmos protestos contra “a corrupção dos governos petistas”, havia cartazes expostos defendendo a sonegação como autodefesa contra o Estado; ou ainda a exigência de que o Estado não se intrometa na vida privada dos cidadãos, mas defendem o enquadramento criminal de usuários de drogas, de mulheres que decidem interromper a gravidez e a regulamentação legislativa sobre o conceito de família.

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7Para Gramsci (1999, p. 238): “as forças materiais são o conteúdo e as ideologias são a forma, distinção entre forma e conteúdo puramente didática, já que as forças materiais não seriam historicamente concebíveis sem forma e as ideologias seriam fantasias individuais sem as forças materiais”.

Sem querer transpor mecanicamente essa reaglutinação no âmbito geral da sociedade, nosso objetivo é refletir sobre alguns possíveis aspectos dessa ofensiva de valores e pautas no âmbito da educação. Tendo em vista que essa tarefa seria demasiadamente extensa para caber em um artigo, concentraremos nosso esforço na atuação do movimento político Escola sem Partido.

Primeiramente, esse movimento (mais tarde regulamentado como associação) que a muitos surpreendeu e ganhou a devida atenção somente a partir de 2015, já existe enquanto ação política desde 2004 colhendo as ditas “provas irrefutáveis” e denunciando a suposta prática de doutrinação político- ideológica nas instituições de ensino e nos materiais didáticos utilizados no Brasil. A sua principal figura é o Procurador do Estado de São Paulo, Miguel Nagib, que afirma ter decidido reagir contra a doutrinação quando, em setembro de 2003, sua filha teria chegado da escola e dito que seu professor de História comparou Che Guevara a São Francisco de Assis8.

Sua atuação passou a ter maior visibilidade quando em agosto de 2008, o periódico semanal Veja – que, por sinal, nunca aceitou a derrota eleitoral para o PT desde 2003 e empreendeu uma oposição sistemática e quase irracional contra o partido – publicou a matéria Você sabe o que estão ensinando a ele?,9 na qual se destina a chamar à responsabilidade os pais e mães, leitores do semanário sobre a doutrinação que estaria ocorrendo nas escolas, sobretudo nas particulares: “Muitos professores e seus compêndios enxergam o mundo de hoje como ele era no tempo dos tílburis.10Com a justificativa de ‘incentivar a cidadania’, incutem ideologias anacrônicas e preconceitos esquerdistas nos alunos”. E até se dispõem a criticar a falta de vigilância sobre a rotina educacional dos filhos, pois:

De modo geral, com as nobilíssimas exceções que todos conhecemos, os pais brasileiros de todas as classes não se envolvem como deveriam na vida escolar dos filhos [...] A



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8EL PAÍS, “O professor da minha filha comparou Che Guevara a São Francisco de Assis”, publicado em 25 jun. 2016, disponível em http://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/23/politica/1466654550_367696.html, acesso em 14 ago. 2016.

9A reportagem assinada por Mônica Weinberg e Camila Pereira em 20 de agosto de 2008, na edição nº 2074, publicizado amplamente no momento de sua publicação, não está mais disponível no site da revista e só foi possível ter acesso a parte de seu conteúdo devido ao trabalho de republicação em blogs e sites sobre a temática educacional. Tivemos acesso ao conteúdo através do endereço http://www.midiaindependente.org/pt/red/2008/09/427390.shtml, acesso em 14 ago. 2016.

10Pequena carruagem para duas pessoas puxada por um animal.

reportagem que se vai ler pretende chamar atenção para as raízes dessa cegueira e contribuir para que pais, professores, educadores e autoridades acordem para a dura realidade cuja reversão vai exigir mais do que todos estão fazendo atualmente.


Depois de relatar explicitamente dois casos ocorridos em escolas particulares, inclusive citando nominalmente os professores envolvidos nas respectivas aulas, a reportagem traz uma pesquisa de opinião (figura abaixo) encomendada pela revista e que tem se constituído numa das principais “provas” que o Escola sem Partido vem se baseando para comprovar a doutrinação nas instituições de ensino brasileiras. Miguel Nagib (s/d) alega que

Não admira que para 78% dos professores, segundo a mesma pesquisa do Instituto Sensus, a principal missão da escola seja “formar cidadãos”, e para apenas 8%, “ensinar as matérias”. Será que é por isso que, no Brasil, a educação vai tão mal, e o PT vai tão bem?(grifos por Nagib)


Figura 1 – Pesquisa de opinião divulgada pela Revista Veja


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Fonte: Instituto Sensus


Após a grande repercussão que a reportagem gerou, a Revista Veja, bem como outros veículos de comunicação em massa, passaram sistematicamente a publicar “evidências” de casos de doutrinação nas instituições de ensino, geralmente vinculando as denúncias a um projeto articulado pelo Partido dos Trabalhadores valendo-se de sua prerrogativa de comandar a Presidência da República. Tendo em vista o acolhimento da grande mídia, os setores ligados ao Escola sem Partido deram um passo adiante na “guerra de posição” na disputa pela adesão da opinião pública a respeito de suas ideias.

A partir da conjuntura de acirramento das contradições sociais, materializadas no contexto de crise do capitalismo neoliberal com o esgotamento do projeto novo-desenvolvimentista como modelo de governança no Brasil e as manifestações políticas de massa ocorridas em 2013/2014, o pensamento conservador-liberal passou a interferir de maneira ainda mais efetiva na cena política geral e o mesmo também ocorreria na educação. Imbuídos de levar adiante sua pauta, o Escola sem Partido passou a investir fortemente na atuação junto ao Poder Legislativo e Judiciário. No caso do Poder Legislativo, a investida foi no sentido de formular projetos de lei padronizados, a fim de difundir iniciativas correlatas por todo o Brasil. No caso da Justiça, o Escola sem Partido se constituiu em associação, de modo que pudessem entrar com ações legais. Em consulta ao site oficial do movimento, é possível notar profusão de representações legais, questionando temas como a prova de redação do Enem 2015 que tratava de dissertar sobre direitos humanos; a atuação de professores praticando militância nas instituições de ensino; e um modelo de notificação extrajudicial a ser utilizado por famílias que se sintam violadas por um professor. Enfim, trata-se de uma investida visando aproximar segmentos da sociedade civil aos aparelhos repressores do Estado.

Poderíamos sintetizar a atuação política que orienta o Escola sem Partido11 pelo princípio norteador da denúncia contra a doutrinação político-ideológica nas instituições de ensino e, a partir desse princípio, alguns desdobramentos. A fim de ser coerente com o seu princípio norteador, o movimento alega que tem como mote a defesa da pluralidade de ideias, a partir da neutralidade política, como forma de respeitar a integridade intelectual e moral dos estudantes. No entanto, o que encontramos fartamente nos materiais difundidos pelo Escola sem Partido e seus respectivos apoiadores é o caráter unilateral de denúncias contra uma “ideologia esquerdizante” e a restrição de posicionamentos nos conteúdos a serem ensinados. Apoiando o dito acima, Nagib (s/d) relaciona o processo pedagógico como doutrinação o fato dos profissionais da educação defenderem a “construção de uma sociedade mais justa. (pois) É isso o que eles aprendem e ensinam nas faculdades de educação, história, geografia, sociologia, etc.” e, consequentemente, esses profissionais de educação por terem sido “doutrinados”


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11O site oficial do movimento em que pode ser encontrada a maior parte das observações citadas direta ou indiretamente é http://escolasempartido.org

em sua formação universitária seriam “agentes transmissores do vírus gramsciano que se espalhou por todo o sistema de ensino. De tanto escutar e repetir que a educação é um ato político, sequer reconhecem a ideologização como um mal a ser evitado”.

Não obstante que apenas nos deparamos com denúncias contra a “doutrinação esquerdista”, tampouco pudemos comprovar textos em que façam uma defesa robusta da pluralidade de ideias. Uma de suas principais bandeiras de luta se empenha em combater aquilo que denominam como “ideologia de gênero”, traçando uma relação de causalidade entre a abordagem pedagógica na discussão sobre gênero e sexualidade e a manifestação de orientação sexual diferente da heterossexualidade. A Psicóloga e Psicanalista Rejane Soares (s/d) escrevendo em nome do Escola sem Partido entende que


[...] é urgente o combate a ideologia de gênero que, com a noção de igualdade de gênero e o incentivo às relações homoparentais, coloca em risco as diferenças sexuais que possuem função estruturante no desenvolvimento psíquico da criança. O grande dano provocado pela ideologia de gênero consiste em subverter os papéis sociais atribuídos a cada sexo, que reafirmam e consolidam a identidade sexual. Esse dano vai muito além de um desvio dos desejos heterossexuais, de uma estética corporal ou até mesmo de uma revolução dos costumes. Ele chega, na verdade, às raias de uma confusão mental deliberada.


Já no horizonte mais ampliado do espectro político-ideológico, sem muito esforço é possível encontrar artigos de apoiadores da pauta do Escola sem Partido entre think tanks12do pensamento liberal, tais como o Instituto Millenium, o Instituto Ludwig von Mises Brasil e o Instituto Liberal13. No texto de Burke (2016, s/p), o autor relata um caso de sucesso (do ponto de vista liberal) em que um professor de física e matemática estaria aplicando conceitos básicos de microeconomia e empreendedorismo pela corrente da escola austríaca de economia. Tomando tal atitude, o professor estaria contribuindo para que não



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12Os think tanks são instituições dedicadas a produzir e difundir conhecimentos, pautando o debate político por meio da publicação de estudos, artigos de opinião e da exposição de seus membros nos meios de comunicação e que almejam alcançar seus objetivos por meio da influência (e não raro, pelo amplo suporte financeiro que recebem).

13Sobre a influência dessas organizações sugerimos a leitura do livro organizado por Patschiki ETAL, “Tempos conservadores: estudos críticos sobre as direitas. Goiânia. Edições Gárgula, 2016.

haja alunos lobotomizados por um único discurso, e usufruindo da chance de analisar vários pontos de vista e eleger qual deles norteará sua vida”.

Haja vista a citação acima, não nos parece que há qualquer incentivo a um debate plural de ideias em exposição “neutra” dos conteúdos. Por sinal, Miguel Nagib (s/d), a despeito de seguidamente proclamar pela neutralidade política do Escola sem Partido, afirmou que “Toda ideologia – seja de esquerda, de direita ou de outro gênero – atrapalha a nossa compreensão da realidade. Mas nada atrapalha mais essa compreensão do que ver o mundo sob as lentes de uma única ideologia.”. Contudo, Aquino (2016) demonstrou em publicação que Nagib era um colaborador do Instituto Millenium e, dentre outros textos, escrevera um artigo em 2009 com o título Por uma escola que promova os valores do Millenium e figurara no rol de colaboradores do think tank até 2010.

Poderíamos ilustrar diversos textos e exemplos similares que remetem ao mesmo princípio norteador, justamente a falta de pluralidade e a interdição do debate, o que contrariaria o entendimento da educação como processo interativo e inventivo do conhecimento numa relação mediada pelo docente com seus alunos. Sob a justificativa que cabe à instituição de ensino transmitir os “conhecimentos básicos” ao desenvolvimento das pessoas: matemática, lógica, linguagem e ciências, esta concepção vai ao encontro de outra tendência que está em curso e que conduz ao “estreitamento curricular” (FREITAS, 2014), a dos grupos empresariais que vêm atuando ativamente nas redes públicas de ensino, em articulação com as recomendações de organismos internacionais, visando a melhoria do desempenho nas avaliações em larga escala, nacionais (o IDEB e outros das redes municipais e estaduais) e internacional (o PISA)14. Trata-se da lógica de conferir ênfase nos conteúdos cognitivos e disciplinares previstos nas avaliações de larga escala em detrimento do desenvolvimento dos sentidos psicomotor, estético, artístico.



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14Luiz Carlos de Freitas, entre outros pesquisadores, vêm analisando o processo de empresariamento da educação que não se restringe somente à ampliação do mercado educacional, mas a um processo de privatização por dentro que conduz à reformulação curricular da educação básica nos estreitos marcos da administração da “questão social” e do “capital humano”. Este processo tem forte influência da Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE), por meio do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) – que foca no ensino de português, matemática e, mais recentemente, noções de ciências – e do Banco Mundial, que articula educação com administração da pobreza.

Estes grupos empresariais, denominados por Freitas de “reformadores da educação”, estão organizados por meio do movimento Todos Pela Educação (TPE) 15e protagonizam os encaminhamentos de políticas públicas de educação desde a sua fundação em 2006 (SAVIANI, 2007), inclusive ocupando cargos públicos nas várias instâncias de decisão: em Secretarias e Conselhos do Ministério da Educação e das redes estaduais e municipais de ensino, bem como em Fóruns da sociedade civil de abrangência nacional, estadual e municipal (MAGALHÃES; MOTTA, 2015). No entanto, até o momento o TPE não declarou publicamente apoio à pauta do Escola sem Partido. Mas outras figuras públicas ligadas à agenda do TPE, a exemplo do colunista da revista Veja, Gustavo Ioschpe (2014), referenda esse estreitamento curricular e apoia a pauta do Escola sem Partido, que parte da prerrogativa do “direito de aprender pelo menos essas competências básicas, e deixemos as discussões ideológicas para outras áreas e outros momentos”.

Ou seja, a concepção de educação que se busca hegemonizar, articula a falta de pluralidade, de debates e de criatividade com o estreitamento do conteúdo escolar, priorizando aqueles considerados úteis para o suposto desenvolvimento econômico, em conformidade com a agenda da OCDE. Esta concepção de educação estabelece uma relação direta e restrita da formação humana à dinâmica do mercado e concebe o trabalhador como um dos fatores da produção que, se adquirir habilidades e competências em especificidades do processo produtivo, pode gerar produtividade e competitividade. Trata-se da concepção de educação como capital humano que se afirmou no campo da economia nos anos 1950 para explicar o fenômeno da desigualdade entre as nações e entre indivíduos ou grupos sociais, sem desvendar os fundamentos reais que a produzem (FRIGOTTO, 2009).16


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15Associação que reúne várias frações do empresariado e respectivos braços sociais para atuar na educação pública.

16Esta concepção econômica de educação foi amplamente difundida no Brasil nos anos 1960- 1970. A reforma da educação básica realizada no período da ditadura empresarial-militar – Lei 5.692/1971 – tem em seu escopo a ideia de capital humano; daí implementar a educação profissional compulsória. O mote era investir em capital humano como motor de desenvolvimento, que fazia parte das ideologias do desenvolvimento e da modernização difundidas no ciclo econômico conhecido como nacional-desenvolvimentismo. Sobre a “ideologia do desenvolvimento” um clássico referencial é a obra de Miriam Limoeiro Cardoso: Ideologia do Desenvolvimento no Brasil: JK-JQ. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

Ainda chamamos a atenção que o Escola sem Partido e seus apoiadores coloca em relevo dois personagens fundamentais: os pais dos alunos e os professores. Aos primeiros, atribui a precípua responsabilidade de vigiar se seus filhos estão sendo doutrinados, apontando a falta de cuidado e a indiferença que a classe média e alta vem tendo com seus herdeiros. Ioschpe (2014) acusa os pais de serem os maiores culpados, pois:


Você. Sim, você, que tem recursos para ler esta revista e, provavelmente, para pôr seu filho em uma escola particular. Você que faz parte da elite financeira e intelectual do país, que representa a sua liderança. Pois eu pergunto a você: qual foi a última vez que leu um livro didático de história ou geografia adotado pela escola do seu filho? Se você for como a maioria dos pais, deve fazer muito tempo. Você sabe que seus filhos estão ouvindo nas escolas diatribes contra o capitalismo e a burguesia brasileira (leia-se: você) e elogios ao modelo cubano e outros lixos socialistas? (grifos nossos)


Esse trecho do articulista da Veja se alia ao pressuposto advogado pelo Escola sem Partido de que os conteúdos difundidos em sala de aula não podem implicar violação ao direito dos pais sobre a educação moral recebida por seus filhos, o que ressuscita antiga polêmica no âmbito educacional de quem competiria o dever e o direito de educar17, colocando em polos opostos o Estado e a família, de modo que ao primeiro é atribuída uma tendência esquerdista e de destruir valores morais da família cristã18. No debate contemporâneo, o Escola sem Partido parte do pressuposto de que à família caberia educar e, ao professor, ensinar, dissociando o processo de ensino do ato de educar.

Aos professores é destinado o papel de serem veículos de transmissão da doutrinação, disseminando uma desconfiança prévia do seu caráter e da sua qualidade profissional e o constante estímulo para a delação de professores que violem o caráter de “neutralidade do conhecimento”. A fim de demonstrar sua vigilância sobre possíveis desvios dos docentes, o Escola sem Partido criou para o dia 5 de outubro, o dia nacional contra a doutrinação nas escolas, em que



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17A expressão “direito de educar” que nos remete à educação como direito também vem sendo retirada do vocábulo dos “reformadores” da educação. A prática tem sido imprimir o termo “direito à aprendizagem”, a exemplo de Ioschpe na citação acima.

18Este debate foi abordado por diversos autores, tratando de passagens importantes da história educacional brasileira como o processo constituinte de 1946 e a LDB de 1961. Tais discussões podem ser encontradas, por exemplo, em Oliveira (2001) e Pinto (2008).

deseja tornar norma prevista em lei a afixação de um cartaz que contenha os “deveres do professor”, tal como “não se aproveitar da audiência cativa dos alunos para promover seus próprios interesses, nem prejudicando, nem favorecendo a estes por suas crenças” 19. Por sinal, uma prática que guarda semelhança em seu propósito com aquele difundido pelos “reformadores empresariais” (liberais) que vem influenciando as políticas curriculares para formação de professores e sistemas remuneratórios de bonificação aos docentes ancorados no desempenho dos alunos nas avaliações em larga escala de caráter meritocrático. Ou seja, em ambas as situações, trata-se de uma relação pedagógica baseada numa profunda desconfiança no intuito de exercer controle e pressão sobre o professor.

Enfim, o avanço ideológico da linhagem conservadora-liberal na educação pública brasileira concilia, mesmo que não imediatamente, elementos da concepção econômica de educação com o da extrema-direita que abarca “articulações políticas envolvendo grupos religiosos fundamentalistas, lideranças ruralistas e tradicionais grupos políticos antipopulares” (CALIL, 2016, p. 9). Essas duas forças sociais vêm atuando por meio de seus aparelhos privados de hegemonia, porém, não somente difundindo seus ideais e concepções de mundo, de homem e de formação humana nos meios de comunicação, mas, principalmente, buscando introduzir políticas públicas nos âmbitos nacional, estaduais e municipais. A crescente atuação dessas forças políticas nas redes de ensino federal, estaduais e municipais apresentam práticas diferenciadas. No caso dos empresários a atuação vem se dando por meio de execução de programas e projetos educativos, além da ocupação de cargos públicos em esferas de poder decisório. Já os representantes do Escola sem partido operam prioritariamente pela contestação e repressão, aproximando os aparelhos repressivos do Estado do espaço escolar.

Que implicações essa formulação de educação pode trazer para a população brasileira?

Em nossas análises, tendo em vista a especificidade da formação social brasileira, profundamente desigual, social e economicamente, destacamos que a média de escolaridade da população sequer completa o ensino fundamental (7,7


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19O modelo de cartaz pode ser conferido no site oficial do movimento, disponível em http://escolasempartido.org/deveres-do-professor, acesso em 4 jan. 2017.

anos) e que a ampla maioria dos estudantes da educação básica é atendida pelas redes públicas de ensino. Conforme documento do MEC (BRASIL, 2015a), em 2014, do total de 49.771.371 matrículas na educação básica, 40.680.590, ou seja, 81,7% eram da rede pública. Especificamente no ensino médio, o referido documento indica que foram matriculados nas redes públicas 7.229.831 alunos, sendo que: na rede federal, 146.613 alunos; nas redes estaduais, 7.026.734; nas redes municipais, 56.489 alunos. Na rede privada foram 1.070.358 estudantes. Ainda segundo Censo Escolar Inep – 2015 (BRASIL, 2016), estavam matriculados no ensino médio regular nas redes estaduais urbanas e rurais 6.459.859 e na modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos) eram 879.244 alunos. Isto é, também no ensino médio os estudantes brasileiros estão na rede pública de ensino.

Visto a abrangência das redes públicas de ensino básico – ressaltamos, são elas que atendem a maior parte da população – podemos identificar que essas forças sociais de espectro conservador-liberal, para além do estreitamento do currículo escolar, disputam o amplo controle das massas de trabalhadores que possuem baixa escolaridade. Ainda considerando suas perspectivas de formação humana, seja priorizando o fator econômico, seja o fator moral, podemos cogitar o quadro de retrocesso que encaminham com a débil formação cultural. A fórmula investimento em capital humano + controle moral conservador-liberal de extrema direita sinaliza a conjunção de uma ideologia ajustada à recomposição do sistema-capital imperialista nos quadros de uma economia subordinada e dependente, que tende a perpetuar e até aprofundar essa condição.


Considerações finais

Na perspectiva do Estado ampliado gramsciano, foi possível identificar que a dinâmica de forças que se estabeleceu no período de abertura política no final dos anos 1970, deu uma feição mais complexa à sociedade brasileira – do tipo “ocidental” e envolveu os diversos aparelhos executivos, jurídicos e ideológicos do Estado restrito e os “privados de hegemonia” nos momentos agudos de crise do sistema-mundo do capital imperialista.

Com o passar do tempo e com base no trabalho de aglutinação de um campo genericamente denominado como democrático-popular, resultou na eleição do PT para o comando da Presidência da República e, com isso, a

inserção de representantes de organizações dos trabalhadores na base do governo. Porém, à luz de Oliveira (2010), isso ocorreu desencadeando um processo às avessas em relação à direção hegemônica e, a nosso ver, de transformismo, na concepção de Gramsci (2001), num contexto de hegemonia da pequena política. Isto até o aprofundamento da crise econômica de 2008 e o rebatimento na economia brasileira a partir de 2010, com a queda do preço das commodities e do petróleo, que cunhou as condições favoráveis para forças políticas internas conservadoras de oposição reagir à continuidade do governo petista e disputarem a direção política da função estabilizadora do Estado.

A partir de então, constituída uma sociedade civil do tipo ocidental, também se estruturou uma linhagem conservadora-liberal, assaz heterogênea e difusa, primando uma agenda calcada em padrões morais e éticos que se articula de forma contraditória, mas que recompunha a pauta das forças materiais em meio à crise orgânica do sistema capital. Diante da emergência de grupos sociais de extrema-direita que, a nosso ver, robusteceu a ideologia da linhagem conservadora-liberal, nosso objetivo foi averiguar como essas forças sociais vêm atuando no âmbito da educação, sob maior expressão do movimento Escola sem Partido e possíveis implicações para a educação brasileira. Concluímos que ambas se alinham com as forças materiais nesse momento de crise, e que para obter hegemonia implementam um processo pedagógico que requer o amplo controle da educação pública, principalmente, das redes públicas de ensino básico onde acata a grande parte da população estudantil. Destacamos como uma das implicações, os marcos da concepção de formação humana dessa linhagem conservadora-liberal, que encaminha o estreitamento do currículo escolar e busca introduzir aspectos morais e éticos que dilaceram a pluralidade de ideias e a função social criativa e crítica da educação. Aplicando o argumento da livre expressão ou da necessidade de ajustar os currículos escolares para os novos tempos, o que se promove é a doutrinação do mercado por meio da expropriação dos conhecimentos que a humanidade acumulou. Consideramos que esta formulação pode trazer consequências trágicas para uma sociedade que se mantém como uma das maiores economias mundiais alimentando e reforçando, e agora até podendo aprofundar, as desigualdades econômicas e sociais.

Contudo, mesmo com a ofensiva conservadora-liberal tomando volume e procurando cada vez mais se estruturar no intuito de fazer valer sua hegemonia na “guerra de posição”, é no seio dessa ofensiva que também surge o espaço do contraditório, que se afirma reivindicando uma formação humana que ultrapasse os estreitos limites educacionais das avaliações de larga escala e o padrão moral para educar o conformismo da sociabilidade burguesa. As ocupações dos estudantes secundaristas por todo o Brasil em 2015/2016, além de denunciar a falta de infraestrutura adequada para funcionamento das escolas ao mesmo tempo em que privilegiaram investimentos em megaeventos esportivos e isenções fiscais que beneficiaram tão somente o grande capital, mostraram que a luta pela educação pública segue viva e pulsante.


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Recebido em: 25 de abril de 2017 Aprovado em: 15 de maio de 2017 Publicado em: 4 de junho de 2017


O BID e a agenda do capital na Rede Municipal de Educação de Florianópolis¹


Allan Kenji Seki2 Hellen Balbinotti Costa3 Mariano Moura Melgarejo4 Olinda Evangelista5


Resumo

A Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) apresentaram uma minuta de acordo, negociada desde 2012, cujo objetivo declarado é expandir a cobertura e melhorar a qualidade da educação infantil e do ensino fundamental. Nosso trabalho examina o acordo e discute algumas de suas concepções e possíveis desdobramentos funestos para a educação municipal. Sem pretensões de esgotar a questão, buscamos compreender algumas das determinações mais gerais que possibilitaram o Acordo PMF-BID e argumentamos, principalmente, em torno de três eixos (gestão, avaliação e formação docente), que possibilitam aproximações sobre o sentido da reforma proposta.

Palavras-chave: Política educacional. Educação Municipal de Florianópolis. Banco Interamericano de Desenvolvimento.


Abstract

The Florianopolis City Hall (PMF) and the Inter-American Development Bank (IDB) presented a draft agreement, negotiated since 2012, whose stated goal is to expand the coverage and improve the quality of early childhood education and elementary school. Work examines the agreement and discusses some of its conceptions and possible disastrous developments for city education. Without exhausting the question, we sought to understand some of the more general determinations that made possible the PMF-IDB Agreement and we argue, mainly, around three points (management, evaluation and teacher training), which allow approximations on the meaning of the proposed reform.


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1 DOI: https://doi.org/10.22409/tn.15i26.p9625

  1. Mestre em Educação. Doutorando em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Grupo de Pesquisa sobre Política Educacional e Trabalho (GEPETO). E-mail: allan.seki@gmail.com.

  2. Acadêmica do Curso de Pedagogia da UFSC, bolsista PIBIC/UFSC. Membro do GEPETO. E- mail: hellenbalbinottic@gmail.com.

  3. Professor da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis. Mestrando em Educação no PPGE/UFSC. Membro do GEPETO. Bolsista UNIEDU/FUMDES/SC. E-mail: marianom@gmail.com.

  4. Doutora em Educação. Professora Aposentada Voluntária no PPGE/UFSC. Bolsista CNPq. Membro do GEPETO. E-mail: olindaevangelista35@hotmail.com.


Keywords: Educational policy. Municipal Education of Florianópolis. Inter- American Development Bank.


  1. Introdução

    Dinheiro público é para o serviço público! Essa é a insígnia do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Florianópolis (Sintrasem, 2015a), expressão de sua posição contrária ao repasse de recursos públicos municipais para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)5 previsto no acordo negociado, pelo menos, desde 2010, entre a Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF) e a instituição. A versão classificada como aprovada veio a público em novembro de 2013, Proyecto de Expansión y Mejoramiento de la Educación Infantil y la Enseñanza Fundamental en Florianópolis (BR-L1329) (BID, [2013])6, e selou compromissos cruciais para a escola pública municipal. Sua análise demanda atenção redobrada, pois atinge não apenas o erário público, mas a vida escolar em suas múltiplas facetas. O Acordo PMF-BID expressa a presença na RME de um sujeito educador fundamental, o capital, bem como o sujeito que se pretende educar, o trabalhador ou o “Capital Humano”:


    Este análisis estimó los beneficios sociales de este proyecto, que se vinculan a la ampliación de la oferta de creches y preescolar, que mejora el nivel educativo, a la eliminación de la distorsión de edad grado y a los beneficios surgidos por una mejor calidad de la enseñanza en la formación de capital humano. (BID, [2013], p. 14)


    Mota Júnior (2016, p. 144) chama a atenção para um ponto fundamental desse tipo de intervenção:


    As agências multilaterais – FMI, BM, BID – admitem, agora, que o crescimento econômico, por maior que possa vir a ser, não é


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    5 O primeiro financiamento direcionado pelo BID à Educação no Brasil deu-se em 1964 para formar técnicos em nível superior (2,36% do montante de empréstimos para o país) (Deitos, 2000), articulados no âmbito da Aliança para o Progresso e da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID). Entre 1961 e 1998, 4% dos empréstimos do BID destinaram-se à Educação. O setor “reforma e modernização do Estado” foi o que mais consumiu recursos, 38,5% do total, assumindo destaque principalmente a partir da década de 1990. De 1964 a 1989, 13 projetos haviam sido aprovados; de 1992 a 2015, outros 35 saíram do papel, sendo 22 entre 2008 e 2015 (BID, 2015).

    6 O Proyecto de Expansión y Mejoramiento de la Educación Infantil y la Enseñanza Fundamental en Florianópolis (BR-L1329) (BID, 2013) é a peça principal do empréstimo de 58,86 milhões de dólares pelo BID, com uma contrapartida municipal de igual valor, num total de US$ 118.430 milhões de dólares.


    suficiente para reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento social. Daí que a diretriz proposta pelos organismos internacionais para as políticas sociais é a focalização na pobreza extrema, estimulando programas sociais compensatórios destinados ao cidadão-pobre, com renda abaixo da linha de pobreza. A palavra de ordem passou a ser “equidade”, isto é, não igualdade.


    Neste aspecto, o documento do BID ([2013], p. 2) é cristalino:


    Dada la división de funciones en las políticas y programas educativos entre las tres esferas de la Federación (unión, estados y municipios), la Secretaría Municipal de Educación (SME) tiene responsabilidad en los niveles de Educación Infantil (EI) y Enseñanza Fundamental (EF), atendiendo a población de estratos socioeconómicos bajos.


    Não se trata, apenas, de um programa de expansão e melhoria da Educação, mas da introdução de um projeto político cujas repercussões no que- fazer docente articula-se a interesses que pretendem preparar força de trabalho para o trabalho simples – incrementando o exército industrial de reserva – e transformar a esfera pública em nicho de negócios rentáveis, envolvendo outras empresas na partilha do espólio, sob a forma de construção, compra de tecnologias e contratação de consultorias. É o mesmo Sintrasem (2015b) que denuncia:


    No caso da Prova Floripa7, o contrato nº 146/EDUC/BID fechado com a Universidade de Juiz de Fora-MG, custou R$ 3.603.173,59. Este tipo de convênio coloca o dinheiro público que deveria ser destinado à educação do Município nas mãos de consultores externos que estão a serviço da implementação das políticas do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que têm como foco a privatização da educação pública, por meio de mecanismos de controle que estimulam a competição entre as escolas, estabelece a meritocracia e coloca o problema da educação pública na esfera individual e não como coletivo.


    A amplitude do Acordo PMF-BID oferece dificuldades para seu exame e, neste texto, trataremos algumas das questões candentes que o perpassam. A



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    7 O redesenho da Prova Floripa terá como base a Teoria da Resposta ao Item. Para a melhoria da Educação Infantil serão usadas escalas de observação, o Infant and Toddler Environmental Rating Scale (ITERS) e o Early Childhood Environment Rating Scale (ECERS). O sistema de monitoramento e os mecanismos de retroalimentação da Prova Floripa retornarão às escolas e subsidiarão as formações profissionais.


    escola tornou-se um “campo sacralizado”, posto que foi ungida como esfera capaz de solucionar os problemas da pobreza, supostamente derivada de projetos desenvolvimentistas inadequados e da ausência de um sistema de gestão e monitoramento que potencializasse recursos humanos e financeiros. Em 2014, o BID lançou Dimensiones del éxito en educación anunciando o seu maior desafio: a consecução de sua qualidade! O “êxito” educacional abrange cinco dimensões, das quais marcamos duas: os estudantes devem ter acesso a docentes eficazes e os graduados devem ter as habilidades necessárias para serem exitosos no mercado. Nessa relação se esclarece o sentido de um Banco financiar projetos educativos em redes públicas de ensino. O professor, para o BID (2014), juega un rol muy importante en el aprendizaje estudiantil, o que o leva a propor alterações na carreira e na formação tendo em vista atraer, desarrollar, motivar y retener a los mejores profesionales en la carrera docente. Tal perspectiva reforça a “sacralização” da escola, associada à inclusão social, à redução da pobreza e ao aumento da equidade, obliterando-se as determinações de classe que a constituem. Atende a esse desiderato a brilhante síntese operada após os anos 2000, a do professor responsabilizado, cujo trabalho deveria redundar em boa qualidade de ensino:


    Adicionalmente, el programa (...) [contribuirá] a la meta de reducción de la pobreza y aumento de la equidad y dentro de las esferas prioritarias de la estrategia del BID para una política social favorable a la igualdad y productividad (GN-2241-1), vinculada a la inversión en la primera infancia y a la mejora de la calidad de la escolarización. BID ([2013], p. 6)


    A ladainha salvacionista que coloca o professor como central no desenvolvimento econômico do país articula-se após os anos de 1990. Em documento de 1999, por exemplo, o Banco Mundial afirmava: “todos concordam que a educação é a chave mais importante para o desenvolvimento e o alívio de pobreza.” Entre suas orientações constava: “o efetivo treinamento de professores e a supervisão são fatores que contribuem para o estabelecimento de programas educacionais prósperos.” (World Bank, 1999, p. iii apud Mota Júnior, 2016, p. 162- 163). Evangelista e Shiroma (2006, p. 46-47), confirmando o investimento de diferentes Organizações Multilaterais na área, assinalaram que


    Agências multilaterais, como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), detectaram a necessidade de um “ajuste com rosto humano” mediante a ação em prol dos grupos mais vulneráveis (CORAGGIO, 1996, p.34). Porém, era necessária uma fundamentação não apenas moral, mas também econômica. A pobreza adquiriu uma nova centralidade no discurso quando o Banco Mundial difundiu seu informe de 1990, no qual alertava para a necessidade de promover o uso produtivo do recurso mais abundante dos pobres: o trabalho. Para tanto, era necessário prover-lhes serviços sociais básicos. O melhor caminho aventado para aumentar tal recurso era o investimento em educação.


    O Acordo PMF-BID, pois, faz parte de um estratagema maior do capital para a formação das camadas subalternas na qual estão envolvidas, de diferentes maneiras, inúmeras Organizações Multilateriais. A Estrategia de país con Brasil 2012-2014 (GN 2662-1), do BID, por exemplo, objetivava propiciar la inclusión social en el sector prioritario de educación (BID, [2013], p. 6), privilegiando dois aspectos:

    1. mejorar la calidad de la educación básica, por medio del entrenamiento y capacitación de los profesores y del perfeccionamiento y mayor utilización de los instrumentos de evaluación disponibles; y ii) expandir la cobertura de educación infantil a través de la reforma de las instituciones de enseñanza, la adquisición y desarrollo de material didáctico y la calificación del cuerpo docente.


      Estes dois pontos, para o BID, seriam fundamentais para a reducción de la pobreza y aumento de la equidad e para una política social favorable a la igualdad y productividad (BID, [2013], p. 6). Sua atuação no setor subordina-se, pois, a objetivos econômicos. A preocupação central do Acordo recai sobre as ações que devem ser desenvolvidas para prover aos alunos as habilidades requeridas pelo “mercado”. No resumo da Matriz de Efectividad en el Desarrollo (BID, [2013], Anexo I, p. 1) duas passagens merecem destaque:


      1. Promover la inclusión social y productiva (sector prioritario: educación);

      2. Un fortalecimiento del sector educativo en los años iniciales de educación básica (educación infantil y enseñanza fundamental) resultará en que los jóvenes lleguen a la educación media com un mayor capital de conocimiento y habilidades y por tanto mejorando sus posibilidades de conclusión escolar y de empleabilidad.


      Esclarecida sua proposição central, o Banco precisava de acólitos que executassem partes de seu projeto. E os encontrou. A Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) elaborará a proposta de matriz curricular para a Educação Básica contemplando a educação em tempo integral e a transição entre Educação Infantil (EI) e Ensino Fundamental (EF); o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd), vinculado à Universidade Federal de Juiz de Fora, reproporá a Prova Floripa; a Fundação Carlos Chagas (FCC) deverá desenhar, capacitar e implementar um sistema de monitoramento e avaliação da EI. O processo de intervenção na RME é vasto, alcançando desde mudanças na Educação Infantil até a completa reestruturação da carreira docente, configurando-se, ademais, num campo altamente lucrativo também para os, assim chamados, consultores externos.


  2. Os motivos alegados para o Acordo PMF-BID

    Entre os argumentos tendo em vista produzir consenso em torno da pertinência do Acordo, citam-se constatações favoráveis a um investimento na melhoria da qualidade educacional no município derivadas de pesquisa realizada pela FCC, Ministério da Educação (MEC) e BID, intitulada Educação Infantil no Brasil: avaliação quantitativa e qualitativa (Campos, 2010)8. Tendo-se avaliado a EI em seis capitais brasileiras de modo articulado com os resultados alcançados por crianças de segundo ano do EF na Provinha Brasil, concluiu-se que: 1) há um impacto quantitativo positivo na Provinha Brasil derivado da frequência das crianças às creches e pré-escolas; 2) persistiriam problemas nas escalas e observações realizadas nas avaliações e 3) Florianópolis apresentava melhores pontuações que as outras capitais.


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    8 A pesquisa realizada pela FCC, MEC e BID foi coordenada por Maria Malta Campos e os pesquisadores responsáveis foram Yara Lúcia Esposito, Fúlvia Rosemberg, Dalton Francisco de Andrade, Nelson Rodrigues e Sandra Ubehaum. Propunha-se três objetivos: 1) avaliar a qualidade de 150 instituições de Educação Infantil (EI) em seis capitais brasileiras (Belém, Campo Grande, Florianópolis, Fortaleza, Rio de Janeiro e Teresina); 2) estimar o impacto da frequência a creches e pré-escolas nos resultados obtidos na Provinha Brasil por alunos de segunda série do Ensino Fundamental (EF) em Campo Grande (MS), Florianópolis (SC) e Teresina (PI) e 3) caracterizar a política municipal de EI das seis capitais. O relatório da pesquisa foi publicado em julho de 2010 (Campos, 2010).


    O BID ([2013]) teria, então, decidido apostar na melhoria da qualidade educativa da rede municipal. O então Secretário Municipal da Educação, Rodolfo Pinto da Luz9, ratifica essa proposição:


    [...] no ano de 2010 houve uma avaliação por amostragem da educação infantil feita pelo próprio BID, pelo Ministério da Educação e pela Fundação Carlos Chagas, e Florianópolis ficou em primeiro lugar entre as capitais pesquisadas. Diante deste resultado, a prefeitura solicitou que a pesquisa fosse aplicada a todas as unidades de educação infantil do município. O BID, então, resolveu ampliar o financiamento para expandir e melhorar ainda mais a educação infantil e inclusive incluir a educação fundamental tanto na melhoria da qualidade quanto na expansão do período integral. (Martini, 2014).


    O suposto interesse do BID começou a se articular na gestão do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), do prefeito Dário Elias Berger (2005- 2012), na qual Rodolfo Joaquim Pinto da Luz foi Secretário Municipal de Educação em dois mandatos, reconduzido pelo prefeito César Souza Junior (2013-2016), do Partido Social Democrático (PSD). As diligências preliminares, incluindo sua aprovação pela Procuradoria Geral da República e pelo Senado Federal, parecem ter sido concluídas e o contrato começou a vigorar em 14 de julho de 2014 (Brasil, 2014). Um obstáculo inicial referiu-se à existência de dívidas municipais na Gestão Berger que a PMF tratou de solucionar, incluindo a renegociação de dívidas do município (Florianópolis, 2013).



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    9 “Rodolfo Joaquim Pinto da Luz havia sido Secretário de Educação de 2005 a 2012, sendo reconduzido ao cargo pelo Prefeito Cesar Souza Júnior. Na esfera municipal, já foi também Superintendente da Fundação Franklin Cascaes, órgão cultural da prefeitura, de 2009 a 2012. No ano de 1989 esteve à frente do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis- IPUF. Graduou-se em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, instituição pela qual é professor. Foi reitor da UFSC por três vezes, entre os anos de 1984 a 1988, 1996 a 2000, sendo reeleito em 2000 e permanecendo no cargo até 2004. Presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras – CRUB, de 1987 a 1988. Foi Secretário de Educação Superior do Ministério da Educação e do Desporto de 1993 a 1994 e exerceu interinamente os cargos de Ministro da Educação, Secretário Executivo do MEC e Presidente da CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Presidente da Associação Nacional de Dirigentes das Instituições federais de Ensino Superior – ANDIFES. É Membro Titular do Conselho Estadual de Educação (SC) e Secretário de Comunicação da União dos Dirigentes Municipais de Educação

    - UNDIME - Nacional e Secretário de Finanças da UNDIME – Santa Catarina. Foi Presidente da UNDIME – SC, entre 2007 e 2013, e Presidente da UNDIME – Região Sul. Recebeu inúmeras distinções, entre elas a Ordem do Mérito da Educação e a Ordem do Mérito Judiciário de Santa Catarina. Por sua reputação, virtude e ações, também foi contemplado com o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal de Roraima, Medalha João David Ferreira Lima e Medalha de Honra ao Mérito da ACIF, Dias Velho.” (FLORIANOPOLIS, 2016)


    Contudo, outra hipótese coloca no centro das negociações o Secretário Municipal de Educação. Não é difícil supor que sua permanência no cargo pode ter a ver com suas vinculações ao BID, à União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), ademais de uma história pregressa como Reitor da UFSC, Secretário Executivo do Ministério da Educação, entre outras posições políticas. Pinto da Luz teria reunido condições para ser um articulador dos interesses do capital de tal maneira que sua permanência no cargo transcendeu as disputas políticas mais imediatas, como as legendas partidárias10.

    É questionável que Florianópolis, tendo sido a capital que melhor se posicionou de acordo com os critérios de qualidade da pesquisa realizada pela FCC (Campos, 2010), tenha sido escolhida para receber os recursos financeiros, em detrimento das outras capitais com maiores carências de recursos e infraestrutura para os padrões do BID. É interessante pensarmos acerca da posição do Brasil na hierarquia do BID: segunda, abaixo apenas dos EUA. Embora tenha uma inserção subalterna no imperialismo mundial, segundo Fontes (2010) nosso país cumpre um papel subimperialista em relação a outros, especialmente na região latino-americana e africana. No documento Brasil 2022 (Brasil, 2010, p. 23) assinala-se que


    O Brasil daqui até 2022 terá, de um lado, de ampliar e aprofundar suas políticas domésticas de redução de desigualdades, de toda ordem, de afirmação dos direitos humanos e de acesso aos bens públicos – educação, saúde, saneamento, habitação, informação e cultura – através, inclusive, da expansão do emprego e de sua proteção. Simultaneamente, deverá ampliar seus programas de cooperação social, em especial com os países vizinhos e da África, e contribuir do ponto de vista financeiro e técnico para o fortalecimento de sua infraestrutura, condição indispensável para seu desenvolvimento e redução da pobreza.


    Muitos dos meandros e da correlação de forças que engendrou essa negociação são desconhecidos, mas sem dúvidas ela expressa o avanço do

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    10 Em 2012, Rodolfo Joaquim Pinto da Luz concorreu ao cargo de vice-prefeito na chapa de Gean Marques Loureiro, pelo PMDB, ficando em segundo lugar nas eleições municipais que conferiram a vitória ao Partido Social Democrático (PSD) do prefeito Cesar Souza Júnior (2013-2016). Ainda assim, Pinto da Luz foi reconduzido ao cargo de Secretário Municipal de Educação na gestão Cesar Souza. Nas eleições municipais de 2016, concorreu pelo PSD como vice da chapa de Ângela Regina Heinzen Amin Helou, do Partido Progressista (PP) e viu seu antigo parceiro Gean Loureiro vencer por uma margem estreita de votos. Em janeiro de 2017 foi conduzido à presidência da Fundação Catarinense de Cultura, no governo Raimundo Colombo (PSD, 2011-).


    capital organizado sobre a escola pública local. O Acordo resulta não de um desejo caridoso do BID de transformar Florianópolis em modelo, mas das negociações entre a burguesia local e o Banco para fazer de Florianópolis uma cidade capaz de representar internacionalmente um modelo de boa educação que produz força de trabalho a preços baixos, investindo na formação de crianças francamente denominadas capital humano, processo mediante o qual se promoverá la inclusión social y productiva, bem como a empleabilidad (BID, [2013], grifo nosso). O bebê entrará com quatro meses na escola; ao sair dela, aos 14, terá se tornado não um ser humano com formação humana, mas um potencial sujeito para o mercado de trabalho. E o instrumento indispensável para essa empreitada é o professor!


  3. O sentido da reforma

    As negociações entre o Brasil e instituições financeiras, como o BID e o BM, como se viu, vem de longa data e essa relação recrudesceu substancialmente após a década de 1990, tendo sofrido uma mudança significativa, pois podem ser operadas diretamente por governos estaduais e municipais. O compromisso do capital expresso no Acordo PMF-BID para a Educação municipal tem suas raízes fincadas justamente naquela década, quando um projeto de reforma internacional foi articulado e disparado na famosa Conferência de Jomtien com o slogan Educação para Todos (Shiroma; Moraes; Evangelista, 2007)11, com repercussões para a América Latina e Caribe por meio de projetos específicos, caso do Programa para Reforma Educacional na América Latina e Caribe (PREAL) (Preal, 2016).

    O contrato em tela não expressa apenas um projeto de reforma da Educação local, mas interesses político-econômicos do capital posto em andamento nos anos 90 do século XX para responder às questões que enfrentava derivadas da crise dos anos de 1970 e que redundaram no neoliberalismo. O empréstimo capitaneado por Pinto da Luz integra um processo de longo alcance temporal de intervenção do capital. Ou seja, longe de cumprir um papel prestamista, o Acordo PMF-BID privilegia uma forma específica de realizar

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    11 Esta Conferência foi financiada pelo BM, PNUD, UNESCO e UNICEF (Shiroma; Moraes; Evangelista, 2007, p. 48).


    reformas educacionais em favor da acumulação de capital, com consequências deletérias para a vida geral da classe trabalhadora e para as políticas públicas, em particular.

    De nosso ponto de vista o capital está em busca constante de meios para contornar, sempre provisoriamente, os ciclos de crises próprios à acumulação capitalista. Isso implica necessariamente no alargamento da dinâmica de acumulação ao ponto de envolver na forma mercantil todo o conjunto da vida social. Para uma economia capitalista-dependente como a nossa, isso significará que as burguesias internas recorram, quase sempre, a apropriação, por um lado, do fundo público convertendo-o em fundo de acumulação do capital. Por outro lado, significa, necessariamente, profundas alterações nas políticas sociais de modo a transferir a riqueza social para o fundo de acumulação capitalista.

    O discurso presente nos documentos (BID, 2010; 2012; [2013]; 2014; 2015) investe na produção de um consenso que visa legitimar a necessidade dos recursos financeiros objeto do contrato que, bem utilizados, gerariam uma qualidade de educação referenciada nos padrões internacionais da OCDE. “Enquanto muitas prefeituras buscam financiamentos para obras e asfalto, a nossa administração trabalha em prol da formação das crianças e adolescentes”, afirmou o prefeito César Souza Junior, que considera o financiamento “o mais importante da história de Florianópolis”. (Florianópolis, 2013).

    O objetivo do Acordo PMF-BID é a realização de uma profunda reforma na rede municipal de ensino cujas faces – qualitativa e quantitativa – atuarão sobre a formação docente e dos alunos e beneficiarão o setor de construção e a aquisição de equipamentos e consultorias:


    Atualmente, os serviços de educação integral cobrem apenas 69% dos alunos da educação infantil, que, no Brasil, inclui o sistema de creches e a pré-escola, e 21% dos alunos do ensino fundamental. Espera-se agora alcançar 100% na educação infantil e 68% no nível fundamental. Segundo dados da Prova Brasil de 2010, o município também enfrenta desafios importantes na qualidade da educação: apenas 22,4% e 14,2% dos alunos alcançam um nível de aprendizagem adequado em português e matemática, respectivamente. Para enfrentar esses desafios, o projeto destina US$ 42,1 milhões à melhoria da infraestrutura escolar para expandir a cobertura da educação infantil e fundamental e incorporar 4.000 novos alunos da educação básica à jornada ampliada do sistema educacional e 2.600 crianças a programas


    de pré-escola. Adicionalmente, US$ 9,9 milhões seriam dedicados à melhoria da qualidade da educação pela revisão do processo de seleção e contratação de professores e do investimento em cursos de capacitação em educação integral e ensino de habilidades pedagógicas a esses profissionais. [...] O empréstimo também tem um componente de gestão, monitoramento e avaliação que busca destinar US$ 4,4 milhões ao fortalecimento da capacidade da Secretaria Municipal de Educação para administrar a rede educacional, em uma das primeiras experiências de monitoramento sistemático da qualidade da educação infantil. (FLORIANOPOLIS, 2013).


    O Acordo desconsidera os conhecimentos produzidos pela própria RME a seu respeito, sua experiência e suas proposições, como são os casos da Proposta curricular (Florianópolis, 2008) e Ensino Fundamental de nove anos: em construção (Florianópolis, 2011). Se as mudanças na rede, conforme o projeto PMF-BID, ocorrerem tendo como objetivo os parâmetros internacionais, as produções e construções de professores da rede estarão em risco, bem como um projeto que considere necessária a apropriação crítica e ativa, pelo educando, dos conhecimentos científicos, filosóficos e artísticos que visem sua constituição como sujeito histórico.

    Preocupa-nos, sobremaneira, a vinculação operada tanto no documento do BID ([2013]), quanto no estudo realizado pela Fundação Carlos Chagas (Campos, 2010) entre a frequência das crianças à escola e seus possíveis sucessos escolares, tomadas como alvos das políticas, como crianças-mercadorias, como objetos secundarizados. O bordão da inclusão social, do benefício popular, do combate à pobreza faz desaparecer alunos e professores do Acordo, evidenciando um diálogo de mercado para mercado no qual bebes-alunos aparecem como trabalhadores do futuro numa cínica potencialização dessa força de trabalho do porvir. Por isso, a reforma em curso contempla de forma inseparável três grandes eixos – gestão, avaliação e formação de professores – tanto na Educação Infantil, quanto no Ensino Fundamental.


    1. A gestão

      Sob a justificativa de melhorar a qualidade da aprendizagem, o Acordo faz uma série de avaliações relativas à gestão escolar. Critica a capacidade dos diretores de escola em exercer suas funções com as seguintes palavras:


      La gestión de la red de la SME presenta varios desafíos. En cuanto a los directores de escuelas, pese a contar con un sistema participativo de elección de los mismos, su calificación para gestionar las escuelas es una cuestión pendiente, así como la virtual continuidad en sus cargos. Diseñar un nuevo modelo de elección y asignación y mejorar sus opciones de calificación, aparecen como un elemento necesario para mejorar la gestión e implementar con éxito mejoras de la calidad educativa. (BID, [2013], p. 5)


      Atribuindo à qualificação do diretor escolar e ao sistema de eleição a responsabilidade por padrões pouco producentes de gestão e qualidade educativa, o Regulamento Operativo (BID, 2012, p. 20, grifo nosso) expõe a pretensão do BID: “o projeto financiará a contratação de um estudo com o intuito de propor mudanças que tornem mais meritocrático o processo de seleção, contratação e alocação de gestores escolares da rede municipal.”. O Projeto complementa esse propósito:


      Mejorar los procesos de selección de gestores escolares y los criterios para su elección, privilegiando los aspectos vinculados a la capacidad y experiencia en la gestión y al conocimiento de cuestiones educativas y pedagógicas, así como capacitar directores y supervisores de EI, EF y del equipo central de la SME (BID, [2013], p. 8).


      Supomos que este processo aprofundará as transformações no trabalho do diretor das escolas da RME, estudadas por Cardoso (2008). Em sua dissertação, constatou que no período de 1997 a 2007 houve


      uma nova concepção de gestão para o setor público e muitos princípios do gerencialismo, tão recomendados por Organismos Multilaterais, foram introduzidos nas escolas municipais por uma empresa privada. [...] foi possível afirmar que o trabalho do diretor sofreu profundas transformações com essa reforma da gestão, o que acarretou sobrecarga nas atribuições administrativas e o distanciou, contra a sua vontade, do fazer pedagógico, aproximando sua prática àquela de um gerente escolar. (Cardoso, 2008, p. 6).


      O que se tem em vista é um maior controle na seleção de diretores, hoje eleitos pela comunidade escolar, procurando garantir-se que o profissional


      escolhido para a função aplique com mais eficiência as políticas da SME, deslocando-o de compromissos com o Projeto Político-Pedagógico construído no local de trabalho, com a participação da comunidade escolar, e com outras inspirações que não as da formação para o mercado de trabalho.


    2. A avaliação

      No Acordo PMF-BID o eixo avaliação é central e desafiante para o banco, pois o tema da avaliação em massa por meio de escalas ha sido políticamente sensible:

      [...] como en el resto de las redes municipales de Brasil, la SME carece de prácticas de monitoreo y evaluación rutinaria de la calidad de los servicios, reflejando las condiciones de infraestructura y de trabajo de los docentes, la implementación de las propuestas pedagógicas, y de otros insumos necesarios para asegurar la calidad de servicio brindado. (BID, [2013], p. 5).


      A avaliação de crianças pequenas por meio de escalas, como o ITERS e o ECERS, almeja consolidar a tendência de que as avaliações educacionais foquem seus objetos nos comportamentos de gestores, professores e estudantes, ao invés de nos processos educacionais. No Acordo, a rede aparece como laboratório para o aprimoramento desse tipo de avaliação que, sem engano, tem a ver com a vinculação do trabalho docente ao desempenho dos estudantes. É o que fica claro nas argumentações a seguir:


      La EF, además de la Prova Brasil cuenta con una herramienta poderosa para evaluar el rendimiento de los alumnos: la Prova Floripa que, realizada anualmente, abarca todos los años focalizándose en portugués y matemática, pero cubriendo también temas de otras disciplinas. Este instrumento tiene algunas oportunidades de mejora. Dado el diseño del mismo y la estrategia de autoaplicación, los resultados no son comparables entre escuelas, ni en el tiempo. Esta herramienta no ha sido apropiada por la red en cuanto a su uso para la mejora de la gestión a nivel escolar y de la sala de aula, sub aprovechándose las potencialidades que tiene para orientar acciones de monitoreo, apoyo a la red y de capacitación de los profesores: la SME ha concentrado sus esfuerzos en el diseño y aplicación de la prueba, em desmedro de las más estratégicas acciones mencionadas anteriormente de mejora de la gestión a nivel escolar y de sala de aula. (BID, [2013], p. 5-6).


      O estudo realizado pela FCC objetivou demonstrar que as crianças que frequentam a pré-escola obtêm melhor desempenho em avaliações futuras, razão pela qual a reforma articula temas e metas de aprendizagens na EI e no EF. Confirma-se a ideia-força: Florianópolis é um campo de experimentação e amadurecimento de propostas de políticas educacionais, estabelecendo novas formas de dominar os professores:


      La evaluación de impacto ex post del proyecto arrojará pruebas empíricas para cerrar las brechas de conocimiento en el sector, que fueron identificadas en el documento de proyecto o el plan de evaluación. [...] La evaluación busca generar evidiencia sobre programas de acompañamiento en la región, en donde hasta el momento no hay estudios empíricos concluyentes (BID, [2013], Anexo I, p. 1, negrito nosso).


      Tomados de assalto, a formação e o trabalho docente, a gestão da rede e os próprios alunos serão submetidos à permanente sabatina elaborada por experts – aí a FCC logrou obter seu nicho de exploração – ou um monitoreo rutinario (!):


      La SME recibirá apoyo especializado para realizar uma revisión crítica y adaptación a la realidad brasilera de instrumentos internacionales que permitan a los profesores y auxiliares evaluar el desempeño y aprendizaje de los niños. Existirá un vínculo estrecho entre estas actividades de monitoreo y las de capacitación; y v) diseñar e implementar las evaluaciones de proceso y de los impactos generados por el programa (BID, [2013], p. 8, negrito nosso).


      A entrada do BID como “banco educador” na rede municipal vem acompanhada pela força da ideologia burguesa que se apoia na gestão, na avaliação e no controle social como meios de impor a noção de que professores e alunos só produziriam resultados “eficientes” na medida em que fossem submetidos permanentemente ao escrutínio, enquanto que “muitos aspectos que interferem no aprendizado por parte dos estudantes, são desconsiderados, recebendo atenção maior o rendimento dos alunos em testes ou provas que intentam mensurar seus conhecimentos” (Zanardini, 2012, p. 74). Os resultados das avaliações de larga escala propiciam as condições para a alavancagem de


      novos processos de mercadorização da educação, por exemplo, ao fornecer dados, pretensamente neutros e científicos para fomentar verdadeiras indústrias de formação ou capacitação de professores, coaching, entre outras. Estamos diante de um grave solapamento do conteúdo de humanidade de professores e estudantes na rede de Florianópolis a serviço do mercado. Neste sentido, a profunda reforma em andamento encontra, certamente, na avaliação um instrumento “eficiente” aos seus desígnios.


    3. A formação docente

    As questões atinentes ao docente vêm envolvidas por uma perspectiva empobrecedora mediante a qual os professores são meros objetos do Acordo: não são produtores de conhecimento sobre a rede, sobre seu trabalho, sobre a escola, sobre o aluno ou sobre a gestão. O lugar de produção de conhecimento sobre a rede foi preenchido pela Fundação Carlos Chagas (além da Unisul/SC e da Universidade de Juiz de Fora/MG), contratada sem licitação,


    por un período de hasta 48 meses a la Fundación Carlos Chagas, [...], por un monto de hasta US$800 mil, para la provisión del diseño e implantación del sistema de monitoreo de la calidad de los servicios de EI. [...] Esta consultoría, además de desarrollar el mencionado sistema, evaluará la calidad del 100% de los establecimientos educativos de EI. La fundación [...] combina capacidades de diseño e implementación de sistemas, de capacitación y de diálogo y consenso, vitales para esta actividad pionera en Brasil. (BID, [2013], p. 13, negrito nosso).


    Aprofunda-se uma lógica marcadamente presente nas políticas educacionais: o Estado e as Organizações Multilaterais apresentam inúmeras preocupações em relação aos professores e, embora tergiversem, o que lhes interessa é sobretudo inibir suas capacidades de lutas e resistências contra as reformas, ademais de providenciar repasses de recursos públicos para instituições privadas. Certamente é preciso construir uma racionalidade que justifique tal Acordo e ressalta-se a desqualificação dos profissionais da RME, especialmente do docente, posto que, para o BID, suas mayores fragilidades se encuentran en las actividades ofrecidas en el aula [...] algo directamente


    relacionado con la inadecuada formación de los profesores [...]. (BID, [2013], p. 3- 4).

    Esse modus operandi é marcado por um caráter autoritário e avesso à participação de trabalhadores, familiares e crianças nos destinos da RME. Um ardil central para a formatação e subordinação do professor ao Acordo encontra- se na mudança da carreira e num sistema de avaliação ainda não inteiramente explicitados. No Regulamento Operativo (BID, 2012, p. 4) se prevê a “contratação de consultoria para revisão do Plano de Carreira do Magistério”; no Projeto (BID, [2013], p. 7) se propõe mejora de la evaluación del profesor para agregar otros aspectos vinculados a su desempeño, además de los ya utilizados como capacitación y años de servicio. Na análise econômica afirma-se que


    [...] não há, ainda, uma ação de política educacional que resulte em melhores salários para os profissionais melhor qualificados e que, efetivamente, coloquem em sua prática diária na sala de aula tal qualificação no futuro. Entretanto, no componente 2, umas das atividades é exatamente propor um redesenho da carreira docente com este objetivo, e que poderá servir como parâmetro futuro para a mensuração dos supostos benefícios diretos a tais profissionais (BID, 2010, p. 3, grifo nosso).


    Uma vez que a Rede possui uma política de progressão na carreira, garantida por lei (Florianópolis, 1988), que leva em conta o tempo de serviço e assiduidade, acesso (mudança de categoria funcional de acordo com o nível de formação) e aperfeiçoamento (participação em cursos de formação continuada), o excerto insinua que estes aspectos não contribuem efetivamente para a melhoria da prática pedagógica do professor, o que soa como um contrassenso ou mesmo uma provocação, dada a luta da categoria pela manutenção de seu plano de carreira.

    Outra política sugere uma desqualificação do professor, a implantação do sistema de coaching:


    O sistema de assistência técnica a professores (coaching) beneficiará inicialmente 1.400 profissionais que atuam em sala de aula, ao longo de 3 anos da execução do Projeto [...]. Esse sistema será desenvolvido por consultoria especializada, a qual proporá também o melhor mecanismo para seu funcionamento:


    presencial, semi-presencial ou totalmente remoto (virtual). Esse serviço se alimentará de dados coletados no Sistema de Gestão da RME, a ser desenvolvido e implantado com recursos do Projeto, e permitirá que professores recebam uma avaliação do seu desempenho em sala de aula, e instruções para aprimorá-lo, a partir da observação in loco ou de gravações (vídeo) feitas nas unidades educativas e enviadas para a SME. (BID, 2012, p. 17, grifo nosso)


    De fato, o trabalho do professor será esquadrinhado, seja em sala de aula, seja em outras atividades – como as ligadas à gestão – porque seu pecado capital é o de ser “frágil” em sala de aula, ser mal formado, ser débil nas atividades pedagógicas que implementa, não praticar o uso ativo da língua para que as crianças possam aprender ciência e matemática (BID, [2013]). As inúmeras “falhas” dos professores não impedem que seja reconhecido como el recurso más importante (BID, [2013], p. 5) do processo educativo, razão pela qual urge mejorar la selección, contratación y entrenamiento de profesores para atender esta nueva demanda, además de la necesidad de fortalecer los procesos de acompañamiento (coaching) a todo el cuerpo docente (BID, [2013], p. 5), entendido como un sistema de acompañamiento a los profesores al frente de classe (BID, [2013], p. 5). O sistema de assessoramento para docentes eficazes contará com instrumentos adicionales de diagnóstico de lecto-escritura y matemática [...], así como instrumentos de diagnóstico de prácticas en el aula. (BID, [2013], p. 15). Propõe-se ademais a construção de uma plataforma de formación permanente para los docentes (BID, [2013], p. 8).

    No que se refere à melhoria da qualidade da Educação, entre outras medidas, deverá ser revisto o


    proceso de selección y contratación de profesores, incorporando módulos de práctica docente en los concursos, así como la revisión del período de prueba por el que pasan los profesores contractados; ii) la formación y calificación de profesionales de educación con cursos de capacitación en educación integral, contenidos específicos y habilidades pedagógicas requeridas para cada nivel, con énfasis en mejorar las capacidades en la sala de aula [...]; iv) la elaboración de una propuesta de matrices curriculares para la educación básica (0 a 14 años), que orienten la atención en tiempo integral y que faciliten las transiciones de un nivel educativo al siguiente; v) el desarrollo de proyectos de enseñanza de matemática, portugués y ciencia, y de utilización de tecnologías de información en la clase que refuercen los


    desempeños y la permanencia en el sistema escolar. (BID, [2013], p. 7).


    As observações feitas pelo BID sobre os professores da Rede não soam bem. Admite que existe un cuerpo de profesores con buen nivel de formación, 68,7% que cuentan con alguna especialización además de la formación básica y 10% con maestrías, mas tal formação não seria suficiente dado que problemas de desempenho refletiriam nas notas obtidas pelos alunos, em português e matemática, na Prova Brasil de 2010. (BID, [2013], p. 4). O não alcance dos escores desejados justificaria a prática de coaching a todos os professores, melhorando não apenas sua prática pedagógica, como a própria gestão da escola e da sala de aula. (BID, [2013]). Para o Banco, investir na capacitação e acompanhamento do professor para o melhor desempenho dos alunos é uma “evidência robusta” comprovada pela literatura (sic) da área (BID, [2013], Anexo I,

    p. 1). Trata-se de fato de um ataque frontal ao professor, particularmente no serviço de coaching, também denominado mentoría, escrutínio direto da ação docente cujos desdobramentos meritocráticos estão explícitos. Há aqui um objetivo de produção de alienação: o professor é basilar na escola dado que interfere diretamente na formação humana objetivada nas relações ensino- aprendizagem.


  4. Considerações finais

O esforço analítico por nós realizado foi o de compreender as determinações mais gerais que possibilitaram o Acordo PMF-BID, embora não estejam claras todas as negociações que o envolveram. De todo modo, foi possível verificar que, numa economia capitalista dependente como a nossa, as burguesias internas procuram apropriar-se do fundo público, convertendo-o em fundo de acumulação do capital. Também os recuos nas políticas sociais podem ser entendidos por esse viés: a contrarreforma transfere a riqueza social para esse fundo. Não é outro o sentido do que vive o país nesse momento histórico, meados de 2016, quando os interesses burgueses internos, articulados aos interesses internacionais, lançam mão de todas as suas armas para manterem suas condições de acumulação e espoliação do trabalhador brasileiro. Nesse


âmbito encontramos o sentido das mudanças propostas para a Educação pública municipal.

Interessou-nos chamar atenção para o modo como o discurso presente nos documentos do BID e da PMF procura tornar o Acordo uma necessidade, especialmente porque os recursos financeiros, objeto do contrato, conduziriam à qualidade da educação referenciada nos padrões internacionais da OCDE e, assim, ao sucesso no mercado de trabalho em um futuro imprevisível. Aos interesses econômico-políticos presentes na PMF confere-se uma aparência de demanda social, impondo-se um projeto educativo aos professores e alunos e à sociedade calcado sobre padrões de qualidade produtivistas e meritocráticos. Estamos frente a uma armadilha de convencimento poderosa, pois sobre a ideia de melhoria da qualidade da educação, da qualificação de capital humano, da conquista da empregabilidade acusa-se os professores da rede de frágeis e sutilmente se responsabiliza as universidades públicas pelo seu despreparo. Faz parte desse discurso de justificação da reforma e de produção de consentimento um argumento que apela à vaidade dos incautos: tornar as práticas exitosas da RME um padrão internacional (Florianópolis, 2014). Mas, quanto realmente vai custar para a população produzir essa demanda de qualidade internacionalizada?


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Recebido em: 27 de março de 2017 Aprovado em: 15 de maio de 2017 Pubicado em: 4 de junho de 2017

A NOVA CONFIGURAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NA

EDUCAÇÃO SUPERIOR: o caso do curso de Pedagogia/UFJF da Universidade Aberta do Brasil¹


Mariana Novais Vieira2


Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar a configuração do trabalho docente no âmbito da política de expansão de educação superior, por meio da Educação a Distância (EaD), com a institucionalização do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB). A política de expansão do ensino superior a partir da UAB, baseado nos pressupostos do modelo de Estado gerencial, vem redefinindo a configuração do trabalho do professor por meio da intensificação e precarização de seu trabalho, revelando que a opção ideológica do bloco no poder em assegurar o direito de acesso à educação superior se processa pelo comprometimento das condições de trabalho/vida dos trabalhadores docentes.


Palavras-chaves: Trabalho docente – Universidade Aberta do Brasil – Intensificação do trabalho.


Abstract

This article aims to analyze the configuration of the teaching work in the context of the policy of expansion of higher education, through distance education (EaD), with the institutionalization of the Open University of Brazil (UAB) system. The policy of expansion of higher education at the UAB, based on the state management assumptions, has been redefining the teacher's work layout through the intensification and precariousness of their work, revealing that the ideological choice of the bloc in power to ensure the right of access to higher education is processed by the commitment of the teachers’ conditions of life and work.


Keywords: Teaching – Open University of Brazil – Work intensification.


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1 DOI: https://doi.org/10.22409/tn.15i26.p9626

2 Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais; Mestre em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Professora da Educação Básica da Rede Municipal de Juiz de Fora. E-mail: marijf_2006@hotmail.com

Introdução

As reflexões presentes neste artigo foram desenvolvidas em uma pesquisa2 do Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), defendida no ano de 2013, sob orientação do professor André Silva Martins. A pesquisa em questão buscou analisar o trabalho docente no contexto da política de expansão do ensino superior, por meio da Educação a Distância (EaD), com a institucionalização do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB). Com o intuito de dar continuidade ao estudo relacionado ao trabalho docente na EaD, atualmente realizo o Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cuja pesquisa pretende analisar criticamente o trabalho do tutor nos cursos de graduação a distância das universidades públicas federais.

A opção teórico-metodológica adotada é pelo materialismo histórico. Não se trata de uma escolha arbitrária, ao contrário, essa opção é sustentada na compreensão de que os fundamentos do método materialista histórico permitem ao pesquisador: (i) construir o conhecimento a partir de uma prática social, já que toda teoria do conhecimento se apóia sobre uma determinada realidade; (ii) apreender os dados da realidade como sínteses de múltiplas determinações, considerando os fenômenos sociais para além de suas manifestações imediatas ou aparentes.

Reconhece-se que o materialismo histórico não é um método de redução da realidade, mas sim de reprodução da realidade no plano teórico, por meio de diferentes mediações realizadas pela atividade humana com auxílio de categorias de análises, que emergem da dinâmica do mundo real. Esse método permite compreender as manifestações sociais (políticas, econômicas, educacionais, etc.) como atividade prática e objetiva dos homens e mulheres reais organizados em um tempo histórico e em uma sociedade (KOSIK, 1976).

A pesquisa buscou responder às seguintes questões: a UAB, como parte da política de ampliação do acesso ao ensino superior e de formação de professores, produziu algum tipo de mudança na configuração e na dinâmica do trabalho docente na universidade pública? No contexto da UAB, o trabalho


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2 Dissertação disponível em: <http://www.ufjf.br/ppge/files/2013/09/Disserta%C3%A7%C3%A3o- Final.pdf> Acesso em: 07 fev. 2017.

docente se desenvolve de forma precarizada e/ou intensificada?

Com base nessas indagações, o objetivo geral da pesquisa foi analisar a configuração do trabalho docente no contexto da política de expansão e consolidação da educação superior no âmbito da UAB, tendo em vista as relações sociais que delineiam a realidade concreta e a política educacional de modo específico. Como objetivos específicos, buscou-se analisar o trabalho docente no curso de Pedagogia da UAB/UFJF, a partir da figura do professor, de forma a apreender: (i) a natureza e a dinâmica do trabalho do professor nessa modalidade de ensino; (ii) as condições de trabalho desses sujeitos; (iii) o significado político do trabalho do professor para a política da UAB.

Para tanto, foram utilizadas as seguintes técnicas de investigação: (i) estudo teórico, de caráter descritivo-analítico, para traçar a base de compreensão sobre o trabalho e a educação nas relações sociais capitalistas e apreender estratégias de controle sobre o trabalho, de forma geral, e o trabalho docente, de forma específica; (ii) estudo documental da política de educação implementada nos anos de 1990 e 2000 no âmbito federal, tendo a educação superior como base; (iii) análise de dados obtidos através de questionários aplicados junto aos professores do curso de Pedagogia/UAB da UFJF, considerando os aspectos teóricos e organizativos sobre EaD e trabalho docente, no conjunto das relações societais e das políticas educacionais.

A fim de analisar a configuração do trabalho docente na educação superior, com a institucionalização da UAB, torna-se necessário definir alguns conceitos teóricos referentes à sociedade capitalista, a partir do pensamento de Gramsci e Poulantzas. Para tanto, o caminho teórico-metodológico percorrido viabilizou abordar conceitos a respeito do Estado, buscando uma compreensão crítica da realidade, assim como a apreensão do fenômeno em estudo no conjunto das relações sociais, permeada por contradições.

Nessa perspectiva, o Estado na sociedade capitalista não se limita à aparelhagem estatal (Executivo, Legislativo e Judiciário), é uma complexa construção social formada pelo bloco histórico, que se refere à unidade do diverso e do contraditório, no qual há indissociabilidade dos fenômenos sociais a partir da relação dialética entre estrutura (nível concreto do mundo, que envolve a produção das condições da existência) e superestrutura (nível simbólico, que envolve valores, ideias, comportamentos). Nas palavras de Gramsci (2011), bloco

histórico é a “[...] unidade entre a natureza e o espírito (estrutura e superestrutura), unidade dos contrários e dos distintos” (GRAMSCI, 2011, p.26).

Nessa linha de pensamento e de acordo com Poulantzas (2000), o Estado deixa de ser interpretado como instrumento passivo e neutro (Estado como coisa), bem como superior, com racionalidade própria, apartado das relações sociais (Estado como sujeito), para ser compreendido como resultante das relações sociais estabelecidas entre classes e frações de classe, em que os diferentes interesses são incorporados sob uma determinada classe ou fração, subordinando as demais nesse processo (Estado como relação).

A constituição relacional do Estado conduz a outro conceito importante, referente ao bloco no poder. Esse constructo possibilita compreender a unidade e a diversidade de interesses de classes, presentes numa aliança política, assumidas pelas instâncias de exercício de poder no aparelho de Estado, na forma de governo. O conceito de bloco no poder permite revelar como as frações de classe se organizam nas instâncias da aparelhagem estatal e como os interesses distintos ou mesmos contraditórios entram em relação no interior dos governos e suas repercussões nas funções do Estado (POULANTZAS, 2000).

Com isso, o Estado atua como educador a partir dos resultados dos processos de hegemonia (GRAMSCI, 2011). As relações de classe estabelecidas, e que dão vida ao Estado, transformam-se em relações educativas e se materializam nas políticas sociais, nas políticas econômicas e nas diferentes práticas culturais. Assim, “[...] a função do Estado educador é organizar a sociabilidade capitalista e, ao mesmo tempo, desestruturar e assimilar de modo subordinado as outras formas de sociabilidade existentes nos espaços sociais” (MARTINS, 2011, p.81).

Segundo Gramsci (2011), “[...] por ‘Estado’ deve-se entender, além do aparelho de governo, também o aparelho ‘privado’ de hegemonia ou sociedade civil” (GRAMSCI, 2011, p.254-255). Nessa concepção, o Estado passa a ser Estado ampliado, sendo formado pela aparelhagem estatal e pela sociedade civil. Enquanto a primeira corresponde à instância de disputas e coerção, para manter o consenso, a segunda refere-se aos aparelhos privados de hegemonia e ao espaço da luta de classes e de projetos societários antagônicos. Na ampliação do Estado, ao conceber a aparelhagem estatal como instância da luta de classes, há um reconhecimento por parte da burguesia da classe trabalhadora enquanto

classe, a fim de que o consenso seja mantido.

Os conceitos teóricos aqui apresentados – bloco histórico, bloco no poder, Estado relacional, Estado educador, Estado ampliado – são fundamentais para compreender as relações estabelecidas na sociedade capitalista, uma vez que proporcionam uma explicação crítica do significado das políticas sociais, dentre elas a educação, no contexto da produção e reprodução das relações sociais no capitalismo, possibilitando ir além das manifestações imediatas do fenômeno social estudado, desvendando suas contradições e apreendendo os dados da realidade como sínteses de múltiplas determinações.

Além desses conceitos, acrescenta-se outro de grande importância. Trata- se do conceito de trabalho. Para delimitá-lo, será trabalhado com Marx e a partir de Marx.

Ao longo da história, as mudanças políticas e econômicas ocorridas na sociedade trouxeram implicações para a configuração do trabalho. O trabalho é diversificado e alterado no seu conteúdo histórico: as produções que dependiam exclusivamente do trabalho manual passaram a ser feitas por meio de máquinas; os atos de planejar e executar foram cindidos, novas exigências comportamentais e intelectuais foram definidas.

É preciso considerar que o trabalho é condição básica para a vida humana e é através dele que o ser torna-se social. Com o trabalho o homem exerce influência sobre a natureza de modo intencional e planejado, o que o diferencia dos demais animais (ENGELS, 1876).

Na sociedade capitalista, o processo de trabalho torna-se um meio de subsistência e a força de trabalho, uma mercadoria. Isso faz com que o trabalho torne-se um meio e não uma necessidade fundamental de realização humana. O resultado disso é expresso no estranhamento e, também, na alienação do trabalhador, o que inibe a realização da ominilaterialidade humana, ou seja, o desenvolvimento do ser na sua totalidade, na sua integridade. Para Antunes (1997), há uma tendência geral no capitalismo pela forma como o trabalho se realiza: “[...] o trabalhador repudia o trabalho; não se satisfaz, mas se degrada; não se reconhece, mas se nega” (ANTUNES, 1997, p.125).

Nesse sentido, ao mesmo tempo em que o trabalho é considerado a condição básica para a vida humana, também promove a alienação humana, sendo, portanto, uma unidade contraditória.

Isso significa ultrapassar a noção de trabalho no capitalismo concentrado como pura negatividade ou como pura positividade. Dessa forma, o trabalho passa a ser compreendido como uma unidade contraditória indivisível entre positividade e negatividade, já que produz tanto a libertação do ser humano da sua condição animalesca (positividade), transformando-o em ser social; quanto produz sua degradação (negatividade), por meio da alienação.

De acordo com Marx (1983), o processo de trabalho é uma atividade orientada para produzir valores de uso que se convertem em valores de troca. O valor de uso é aquilo que resulta do trabalho para satisfazer as necessidades humanas. Ao produzir valores de uso, o trabalho é considerado material. Na medida em que o resultado da força de trabalho ultrapassa o plano do atendimento das necessidades do trabalhador, assumindo a forma mercadoria, converte-se em valor de troca. Nas relações capitalistas, o processo de trabalho gera mais-valia, o que significa exploração, já que para se obter a mais-valia, prolonga-se a jornada de trabalho do trabalhador e não se paga por estas horas a mais trabalhadas, também chamada de “horas de sobretrabalho”. Denomina-se “[...] mais-valia ou lucro, aquela parte do valor total da mercadoria em que se incorpora o sobretrabalho, ou trabalho não remunerado” (MARX, 1950, p.77).

No trabalho imaterial a questão é mais complexa, pois o resultado final não assume uma forma material, um valor de uso. Em outras palavras, o trabalho imaterial não se expressa no objeto físico que pode ser manipulado. Com isso, embora necessário para a reprodução ampliada do capital, o trabalho torna-se improdutivo, isto é, não produz imediatamente o valor de uso e nem valor de troca, sendo difícil precisar a geração de mais-valia.

Marx (1975), apud Bomfim (2008), distingue duas formas de sujeição do processo de trabalho no capitalismo: a subsunção real e a subsunção formal. A primeira refere-se ao que denominou de mais-valia absoluta, dada pelo prolongamento da jornada de trabalho; a segunda funda-se na mais-valia relativa, possibilitada pela revolução no modo de produzir e na produtividade, devido, principalmente, à aplicação da ciência e da maquinaria na produção.

É interessante ressaltar que a distinção entre trabalho produtivo e improdutivo é, somente, uma maneira de especificar o trabalho na dinâmica da sociedade capitalista. É a relação que se estabelece com o trabalho e não o conteúdo que o define como produtivo ou improdutivo. Nesse sentido, “trabalho

produtivo não é senão expressão sucinta que designa a relação integral e o modo pelo qual se apresentam a força de trabalho e o trabalho no processo capitalistas de produção” (MARX, 1978, p.131)

Assim, um mesmo trabalho pode ser imaterial e produtivo e, também, imaterial e improdutivo, como é o caso do trabalho docente. O professor da rede privada exerce um trabalho produtivo, pois gera mais-valia para os proprietários dos estabelecimentos de ensino; mas este mesmo professor, atuando no setor público, exerce um trabalho improdutivo. Em ambas as formas o trabalho pode ser qualificado de imaterial.

O resultado final do trabalho docente, que é o ensino, não atinge uma forma definida ao final do processo, sendo, portanto, imaterial, pois seu valor de uso acontece ao longo do processo e não se transforma em valor de troca. O trabalho de ensinar refere-se à formação do homem, assim, “pelo trabalho, os professores ensinam outros seres humanos a produzir sua própria existência, visto que o ser humano não nasce pronto. Precisa, portanto, ser educado” (BOMFIM, 2010, p.89). O que é ensinado ao aluno passa a ter um valor indireto diante de outros tipos de trabalho material, isto é, o conhecimento ensinado pelo professor e apropriado pelo aluno não é algo que se aplica imediatamente, mas sim mediatamente no seu trabalho futuro.

Diante disso, pode-se considerar que apenas os trabalhadores produtivos, aqueles que produzem mais-valia, passam pelo processo de exploração do sistema capitalista?

Considera-se, assim como Frigotto (2009), que tanto os professores da rede pública, quanto os professores da rede privada – mesmo o primeiro exercendo um trabalho imaterial e improdutivo e o segundo, um trabalho imaterial e produtivo – são explorados. A diferença central está nas mediações em que se processa a exploração. Enquanto a exploração dos professores do setor privado é direta, seguindo a forma clássica, no caso dos professores do setor público, a exploração se faz pelas intermediações do aparelho de Estado e das políticas públicas, envolvendo o controle sobre o fundo público. A exploração dos professores do setor público significa, em geral, uma economia do fundo público, algo que passa a ser apropriado por diferentes meios pela classe empresarial.

No contexto capitalista, o trabalho improdutivo é submetido ao processo de exploração, mesmo que não haja extração direta da mais-valia, nada escapa a

ordem do capital. Portanto, defende-se que, no processo histórico, mesmo o trabalhador assalariado do setor público, que não produz valor de troca, torna-se também um ser explorado e submetido aos mesmos princípios da exploração que envolve o trabalho concreto. Como resultado, esse trabalhador vive os efeitos dramáticos diretos/indiretos da exploração capitalista em sua especificidade.

Nesse sentido, os trabalhadores docentes, mesmo exercendo um trabalho imaterial, são trabalhadores assalariados, seja na rede pública ou na rede privada de ensino, e estão submetidos às leis gerais da exploração capitalista.

A relação contratual baseada no assalariamento é uma forma de relação de produção especificamente capitalista, independente se o trabalhador exerce ou não trabalho produtivo, seja vinculado às agências da aparelhagem estatal ou empresas de ensino. Marx (1978) defende que


[...] com o desenvolvimento da produção capitalista todos os serviços se transformaram em trabalho assalariado, e todos os seus executantes em assalariados, tendo, pois, essa característica em comum com o trabalhador produtivo, leva tanto mais à confusão entre uns e outros porquanto fenômeno característico da produção capitalista, e por ela gerado. (MARX, 1978, p.130)


Então, apesar dos trabalhadores docentes do setor público exercerem um trabalho improdutivo, também passam pelo processo de exploração, deixando de controlar o seu próprio trabalho. Isso significa que esses trabalhadores também sofrem o processo de exploração, pois aquilo que não se paga na forma salário transforma-se em processo de valorização do fundo público, geralmente servindo para financiar a valorização do capital em seu conjunto.

Desse modo, constata-se que as relações sociais capitalistas ao definirem a lógica de funcionamento da produção, definem, também, as relações de trabalho, levando-as, no contexto atual, a novas formas de exploração, precarização e intensificação, independente do trabalho ser produtivo ou improdutivo.

Estabelecida as delimitações conceituais mais significativas é possível delimitar a estrutura deste artigo. Além da introdução o artigo conta com mais três seções: “Estado Capitalista e Educação: elementos históricos e teóricos que antecedem a expansão da educação superior”; “A configuração do Sistema UAB

no processo de expansão da educação superior”; e “A condição de trabalho docente na UAB: caso Pedagogia/UFJF”. E para finalizar, é apresentado as “Considerações Finais”


Estado Capitalista e Educação: elementos históricos e teóricos que antecedem a expansão da educação superior

O sistema capitalista de produção da existência humana, em função de sua constituição orgânica contraditória, demonstra ser um sistema que vive crises, mais ou menos intensas, devido à dinâmica das relações sociais e de poder constituídas em cada momento histórico nas diferentes formações sociais. As crises de 1929, 1970, 1997 e 2008 são exemplos da dinâmica desse sistema.

As crises têm uma mesma origem, com uma materialidade específica, “[...] a crise é um elemento constituinte, estrutural, do movimento cíclico da acumulação capitalista, assumindo formas específicas que variam de intensidade no tempo e no espaço” (FRIGOTTO, 2003, p.62). As medidas de superação das crises são processadas na dinâmica das relações sociais, envolvendo reorganização do processo produtivo em crise, mudanças nos procedimentos de gestão da força de trabalho e redefinição das relações de poder por meio de diferentes mecanismos políticos.

No século XX, uma das crises mais significativas foi a de 1929. Os efeitos dessa crise foram duradouros, impactando de forma incisiva na condição de vida e no modo de ser da classe trabalhadora. A superação temporária da crise de 1929 foi viabilizada por mudanças significativas na conduta política da classe burguesa. Em linhas gerais, as mudanças envolveram a redefinição das funções da aparelhagem estatal e suas agências nas questões econômicas e sociais. No quadro de crise, esse processo envolveu mecanismos de força para controle dos trabalhadores considerados “rebeldes”; processos de convencimento da sociedade para a nova dinâmica social, exercidas pelos aparelhos privados de hegemonia da classe empresarial; a adoção do planejamento macroeconômico como medida anticrise; o desenvolvimento de políticas sociais destinadas, de um lado, à reprodução ampliada da força de trabalho, de outro, a responder às demandas dos trabalhadores empobrecidos no contexto de desemprego. Tudo isso em nome da retomada do progresso e da coesão social.

Essas medidas, iniciadas nos Estados Unidos a partir da reorganização das relações sociais, com repercussões importantes em países da Europa ocidental abalados pelos efeitos da guerra, resultaram na criação de um novo modelo de Estado − o chamado: Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) −, que contou com políticas sociais para minimizar as desigualdades e viabilizar o consumo em massa da produção em grande escala.

Nesse modelo estatal, trabalhadores e empresários, sem alterar as posições no processo de dominação-exploração, estabeleceram um contraditório pacto social que propiciou, ao mesmo tempo, atender os interesses dos trabalhadores, fazendo com que a burguesia reconhecesse os direitos de cidadania política e social desses segmentos, e recuperar a hegemonia burguesa e o sistema capitalista. As políticas sociais possibilitam a elevação da condição civilizatória, no entanto, jamais superarão os elementos centrais do capitalismo de dominação e exploração.

No âmbito da sociedade civil, os trabalhadores redesenharam seus horizontes de luta e de contestação, admitindo, ainda que com divergências, a possibilidade histórica de um capitalismo de face humanizada. Os empresários, por sua vez, reconstruíram suas práticas políticas, aceitando o diálogo e passando a influenciar no padrão de sociabilidade por meio de mecanismos de novo tipo. O bloco no poder (invariavelmente hegemonizado por frações da burguesia com ou sem participação de frações da classe trabalhadora), nas formações capitalistas centrais, se empenhou em ordenar uma aparelhagem estatal forte e atuante nas questões econômicas e sociais, assegurando uma suposta harmonia entre capital-trabalho com base na ideologia do desenvolvimento e do progresso.

Em relação à educação, os desdobramentos do pacto social nos países centrais resultaram na afirmação de sistemas públicos de ensino rapidamente reestruturados e abrangentes, no que diz respeito ao acesso e à permanência, e um intenso debate sobre perspectivas pedagógicas, principalmente considerando a condição infantil no pós-guerra.

A partir do restabelecimento das relações de poder, a educação nesses países passou a ser disputada como um “direito social”, mesmo que esse direito fosse atrelado, já nos anos de 1950, à teoria do capital humano, sob forte controle estatal nos marcos do esforço de reconstrução europeia dirigida pelos Estados

Unidos (TEODORO, 2000).

Nesse contexto, a EaD também teve um crescimento significativo. Embora os primeiros registros sobre essa modalidade de ensino se manifestem no final do século XIX, com cursos por correspondências, foi em 1962 que iniciou a primeira experiência de ensino com tecnologia mais arrojada: rádio e televisão.

A proposta de Universidade Aberta (Open University) surgiu em 1965 com o Projeto AIM (Articulated Instructional Media Project) da University of Wisconsin, nos Estados Unidos, e “[...] constitui em avaliar a utilização de diferentes tecnologias de comunicação para oferecer ensino de alta qualidade com um custo reduzido” (TREIN; CHAGAS, 2009, p.4). O governo britânico, ao tomar conhecimento do Projeto AIM, propôs a discussão e criação de uma universidade, visto que o protótipo experimental do Projeto AIM apresentava falhas em relação ao corpo docente, currículo e recursos financeiros.

A partir desse modelo de Universidade Aberta, presencia-se a expansão da EaD em diversos países, evidenciando as preocupações do bloco no poder com a ampliação da formação da classe trabalhadora, tendo em vista a aceleração do ritmo de crescimento econômico. Acompanhando esse movimento, foram criadas também a Univesid Nacional de Educacion a Distancia na Espanha (1972) e a Fern Universität in Hagen na Alemanha (1975).

O bloco no poder, portanto, diferentemente do período anterior ao de 1929, reordenou o Estado e as políticas públicas, assegurando uma intervenção direta em todos os temas sociais – especialmente na educação – e na economia a partir da nova correlação de forças restabelecidas nesses países.

Vale esclarecer que as experiências internacionais que viabilizaram o modelo de Estado de Bem-Estar Social nos países centrais não se materializaram do mesmo modo nos países periféricos. Na América Latina, especialmente, as relações de poder resultaram no Estado desenvolvimentista – um modelo baseado na forte intervenção estatal no desenvolvimento industrial, de urbanização e de infraestrutura para as atividades econômicas, com atendimento seletivo das demandas de frações urbanas sem, contudo, assegurar direitos sociais amplos. A função do Estado desenvolvimentista foi a de assegurar novas bases para a produção e acumulação privada da riqueza e de acomodação das tensões sociais, sem alterações nas relações de poder.

Nos anos de 1930, a política educacional brasileira foi definida como

necessidade de preparação seletiva da força de trabalho para a nova fase de desenvolvimento político-econômico capitalista do país. Nesse processo, a educação se configurou como um dos mecanismos de reprodução ampliada da força de trabalho. Isso significou algum tipo de formação do cidadão-trabalhador para operar com uma racionalidade compatível com o trabalho fabril e com a vida social urbana.

A partir da segunda metade dos anos de 1970, nos países centrais, o padrão de desenvolvimento centrado num Estado com muitas funções econômicas e sociais, passou a ser questionado por setores da burguesia inconformados com a desaceleração do ritmo de crescimento econômico. Tais setores passaram a defender novas referências para ordenamento da aparelhagem estatal, tanto nas questões sociais quanto nas de ordem econômica. Defendiam a retomada de princípios liberais para orientar as sociedades capitalistas modernas, valorizando o mercado como centro da atividade vital, marcando, assim, o encerramento da “era de ouro do capital” (HOBSBAWN, 1995).

A diminuição no ritmo de crescimento econômico nos países capitalistas centrais e o nível de correlação de forças estabelecidas entre as classes sociais e suas frações, resultaram na vitória de forças políticas alinhadas ao ideário “neoliberal”.

Com base em “novas” ideias sobre Estado, economia, política e educação, as forças burguesas, por meio de mecanismos de força e de consenso, foram estabelecendo referências importantes para reordenar as bases do padrão de sociabilidade. O pacto em torno do modelo de Estado de Bem-Estar Social foi rompido e com ele novas referências ganharam espaço, instruindo, não sem resistência, o novo papel das classes nas relações sociais e também o modo de ser de cada classe.

Nesse contexto de reconstituição do bloco histórico, o ideário neoliberal foi confirmado como a base ideológica do caminho alternativo de recuperação econômica e de edificação da nova sociabilidade. As referências desse projeto consideraram a suposta superioridade do mercado sobre o Estado como um fato; a necessidade de uma interferência mínima do Estado sobre as questões sociais

− entre elas a educação − como um princípio; e o aumento da produtividade do trabalho como uma necessidade. Assim, derrubar o modelo de Estado de Bem-

Estar Social e todo sistema por ele articulado seria um imperativo de primeira ordem.

Contudo, a proposta de Estado mínimo, defendido pelo neoliberalismo ortodoxo, mostrou seus limites, uma vez que seria pouco eficiente em relação às funções do aparelho de Estado e à organização da sociedade civil, o que levariam a problemas na coesão social e no ordenamento da sociabilidade, especificamente para a produtividade da força de trabalho (MARTINS, 2011).

Convém ressaltar que a difusão ideológica do neoliberalismo no Brasil se deu com o surgimento do Instituto Liberal (IL), nos anos de 1980. As atividades desses Institutos baseiam-se na divulgação da concepção de mundo neoliberal, assim como na doutrinação ideológica entre as elites brasileiras e na formulação de propostas de políticas públicas de caráter neoliberal, tendo na lógica empresarial a orientação para reforma do Estado. O responsável pela difusão dos principais aspectos do neoliberalismo no Brasil, em consonância com as diretrizes do Consenso do Washington, foi o bloco no poder instituído a partir dos anos de 1990.

As formulações do neoliberalismo e seu modelo de Estado mínino demonstraram ser insuficientes para atender as demandas políticas e econômicas dos anos de 1990. Para tanto, buscou-se a elaboração de um projeto político que seria um caminho alternativo entre os ideais da social-democracia clássica e as formulações do neoliberalismo ortodoxo, sendo este denominado de neoliberalismo da Terceira Via, no qual o aparelho de Estado incorpora o modelo gerencial de administração, configurando-se em Estado regulador, e a sociedade civil converte-se em espaço da colaboração social. Esse projeto foi sistematizado por Antonhy Giddens a partir dos pressupostos da atualização da agenda da social-democracia em nível mundial. Trata-se de um projeto que visa estabelecer um modelo capitalista de face mais humanizada.

A política neoliberal da Terceira Via é baseada numa nova dinâmica: atuação do governo em parceria com organizações de cunho econômico ou social a fim de fomentar a renovação do desenvolvimento. Trata-se de [...] uma nova sinergia entre os setores público e privado, utilizando o dinamismo dos mercados mas tendo em mente o interesse público. (GIDDENS, 2001, p.109-110)

Tanto para o programa neoliberal da Terceira Via quanto para o neoliberalismo ortodoxo, deve ser eliminada toda e qualquer política estatal que

incentive a passividade dos indivíduos, que gere obstáculos para a expansão do mercado e que crie dificuldades para o pacto entre capital e trabalho. Assim, o Estado deve ter suas funções alteradas, ao invés de interventor ou ausente, deve se configurar como regulador da economia e da dinâmica social por ser o centro legítimo de poder, assumindo um modelo gerencial.

Uma das características do Estado segundo o modelo gerencial, nos termos propostos pela Terceira Via, é o incentivo à incorporação das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) na vida social, tanto naquilo que envolve as políticas públicas quanto no que se relaciona aos processos sociais mais gerais.

A defesa de novos modelos tecnológicos e organizacionais, possibilitado pelas TIC, são concebidos como referências para o aumento da eficiência e aumento da produtividade. A ideia de flexibilidade presente nas TIC permite a racionalização do trabalho, a diminuição dos custos e o controle de tipo “não burocrático”, princípio político que deve abranger todos os assuntos e temas públicos, segundo esse modelo estatal.

Mais do que um processo natural, o avanço das TIC no campo educacional, principalmente com a difusão da modalidade da EaD, é resultado de uma concepção de Estado e de uma forma de funcionamento da política educacional defendida pelo bloco no poder, independentemente das implicações negativas sobre os processos de trabalho e de formação humana que isso possa causar. Para os defensores do modelo de Estado gerencial, a utilização de tecnologias representa o aumento da produtividade e a racionalização dos gastos, com bons resultados finais.

As reformas educacionais brasileiras ocorridas ao longo dos governos, a partir dos anos de 1990, responderam às novas demandas do mercado de trabalho, estando em conformidade com a política de acumulação flexível e com as políticas das agências financeiras internacionais. Isso gerou consequências para o trabalho docente em todos os níveis de ensino, em especial para o ensino superior, diante da política de expansão desse nível de ensino por meio da EaD.

No que se refere ao avanço da modalidade a distância, mediada pelas TIC, faz-se necessário analisar até que ponto a inserção das TIC no campo educacional, interfere no processo de trabalho docente. A EaD na educação superior brasileira, consolidou-se com institucionalização do Sistema UAB,

dirigida à formação de professores.

Com a UAB, um novo quadro político delineia-se, já que foram estabelecidas novas regulamentações de funcionamento dos cursos; criou-se novas funções no processo de ensino e aprendizagem, assim como novas relações de trabalho e institucionais; e instituiu-se diferenciações salariais, devido à distribuição de bolsas para os professores participantes do programa (OSÓRIO; GARCIA, 2011).

A EaD passou a ocupar lugar estratégico na política educacional para o ensino superior, sendo tratada pelos organismos internacionais como uma possibilidade de expansão do acesso ao ensino superior, com o objetivo de solucionar os problemas educacionais (OLIVEIRA, 2008). Isso trouxe novas relações para o trabalho docente nas universidades públicas, uma vez que as tecnologias estão sendo posicionadas no lugar dos sujeitos para aumentar a produtividade e racionalizar os gastos, fazendo com que professores das universidades assumam novas responsabilidades, intensificando o trabalho dos mesmos. Portanto, as políticas de educação superior do Estado capitalista nos anos do neoliberalismo da Terceira Via buscam otimizar os gastos, com aumento da produtividade docente.

Dessa maneira, o mercado de trabalho é reorganizado e o processo de intensificação, precarização e novas formas de exploração do trabalho docente é evidenciado.


A configuração do Sistema UAB no processo de expansão da educação superior

A UAB, instituída por meio do Decreto nº 5.800/06, concerne em um sistema integrado por universidades públicas, que disponibilizam cursos de nível superior, por meio da EaD, para a população que possui dificuldade de acesso à formação universitária, sendo que os professores que atuam na educação básica têm prioridade de formação, seguidos dos dirigentes, gestores e trabalhadores em educação. A EaD foi o principal meio de expansão do ensino superior nos últimos anos.

O sistema UAB começou a se concretizar a partir da promulgação do Decreto nº 5.622, de 19 de Janeiro de 2005, que regulamenta o artigo 80 da LDB

nº 9.394/96, dando ordenamento legal à EaD e estabelecendo diretrizes para a oferta de cursos na educação básica e superior, bem como na pós-graduação. Assim, experiências a distância no ensino superior, realizadas anteriormente a partir de consórcios estabelecidos entre universidades públicas, foram aprofundadas e deram origem à UAB.

Foi no âmbito do Ministério da Educação (MEC) que a UAB institucionalizou-se, sob responsabilidade da Diretoria de Educação a Distância (DED), ligada à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em parceria com a Secretaria de Educação a Distância (SEED) do MEC, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) e Empresas Estatais.

A UAB, especificamente, foi regulamentada pelo Decreto nº 5.800, de 8 de junho de 2006, com a finalidade de expandir e interiorizar cursos e programas de educação superior, constituindo-se como um sistema nacional público de formação de professores a distância. Assim, apresenta cinco eixos fundamentais, que sinalizam para a expansão e consolidação de uma nova política de formação de professores no país. São eles:



A Lei nº 11.502, de 11 de julho de 2007, modifica as competências e a estrutura organizacional da CAPES, que passou a ser denominada “nova” CAPES, e, com isso, assume a função de coordenar ações direcionadas à formação inicial e continuada dos professores (DOURADO, 2008).

Em 2 de abril desse mesmo ano, a Portaria MEC nº 318, transfere à CAPES a operacionalização da UAB, cabendo a SEED fornecer todos os dados, as informações e os recursos materiais e humanos necessários à CAPES.

Nesse sentido, a UAB passou a ser um dos principais meios das políticas de expansão de matrículas na educação superior, bem como passou a representar um sistema nacional de EaD, consolidando um novo modelo de educação.

Nesse contexto, novos sujeitos passam a integrar o processo ensino- aprendizagem: professores das universidades públicas e tutores. Em contrapartida, recebem uma bolsa de estudo e pesquisa concedida pela CAPES, pagas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Tal política coaduna-se com a política de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), já que ambos se inserem na lógica de ampliar o acesso à educação superior pública, ampliando o número de alunos por professor.

A remuneração dos profissionais que atuam na UAB (coordenadores, professores e tutores) diferencia-se de acordo com a função exercida por cada um, não sendo cumulativas para aqueles que exerçam mais de uma função.

Os coordenadores-adjuntos, os coordenadores de curso, assim como os coordenadores de tutoria e os professores-pesquisadores, são professores ou pesquisadores designados/indicados pelas instituições públicas de ensino superior vinculadas à UAB, e todos, além de outras funções, desenvolvem projetos de pesquisas relacionados aos cursos. Enquanto o coordenador-adjunto atua nas atividades de coordenação e no apoio aos polos presenciais, o coordenador de curso atua mais diretamente na coordenação do curso. Já o coordenador de tutoria coordena os tutores e o professor-pesquisador desenvolve atividades típicas de ensino.

Diferentemente dos coordenadores e dos professores, o tutor é um profissional selecionado pelas instituições de ensino superior, sendo sua principal atribuição mediar a comunicação de conteúdos entre professores e estudantes. Nos processos seletivos de tutores cabe a cada instituição especificar as atividades a serem desenvolvidas por esses profissionais, conforme as especificidades das áreas e dos cursos. Já o coordenador de polo é um professor da rede pública selecionado para responder pela coordenação do polo de apoio presencial.

Para que os cursos a distância sejam oferecidos, a UAB estabelece parcerias com universidades públicas e secretarias de estados e municípios que se interessam em participar dos programas. Assim, é firmado um convênio sem a

qual o curso não se realiza; estados e municípios assumem a responsabilidade de manterem os polos de apoio presencial.

Nos municípios participantes são criados polos presenciais, para que os alunos entrem em contato com tutores e com os professores formadores, vinculados às instituições federais, e tenham acesso a biblioteca e laboratórios de informática, biologia, química e física.

A adesão das instituições públicas de ensino superior e dos polos de apoio presencial – mantidos pelos governos estaduais e municipais – ao Sistema UAB necessita ser realizada no âmbito dos Fóruns Estaduais Permanentes de Apoio à Formação Docente, que, através de reuniões periódicas, autorizam ou não os pedidos de abertura de novos pólos, feitos à DDE.

O papel da UAB é articular, entre as instituições superiores e os governos estaduais e municipais, o atendimento de demandas locais de educação superior. Por isso, as instituições superiores participantes necessitam, obrigatoriamente, realizar atividades presencias na sede da instituição ou em polos de apoio presencial, que, de acordo com o Decreto nº 5.800/06, caracteriza-se “[...] como unidade operacional para o desenvolvimento descentralizado de atividades pedagógicas e administrativas relativas aos cursos e programas ofertados a distância pelas instituições públicas de ensino superior” (BRASIL, 2006).

Desse modo, a UAB trata-se de um sistema e não de uma universidade, já que é formada por várias instituições públicas de ensino superior e não se baseia no tripé ensino, pesquisa e extensão. Portanto, difere-se dos projetos das Universidades Abertas dos países centrais, por não se configurar como uma universidade e por funcionar como um sistema que articula diferentes instituições da educação superior. Significa dizer que não há identidade própria, pois o sistema é multifacetado.


A condição de trabalho docente na UAB: caso Pedagogia/UFJF

Considerando a EaD um meio importante de expansão do ensino superior, será tratado, mais especificamente, da experiência do curso de Licenciatura em Pedagogia a distância da UFJF, vinculado ao Sistema UAB, tendo como foco de análise o trabalho docente na UAB.

Convém esclarecer que no âmbito da UFJF, os cursos a distância

encontram-se lotados nas unidades acadêmicas distribuídas de acordo com o campo de saber, sendo que a maioria desses cursos contam com seu correspondente no presencial. Em algumas Instituições Federais de Educação Superior, os cursos a distância ficam concentrados no Centro de Educação a Distância (CEAD), um órgão que passa a ter o peso de uma unidade acadêmica.

De acordo com a Resolução nº 02, de 26 de março de 2010, o CEAD da UFJF – antigo Núcleo de Educação a Distância (NEAD) existente desde 2005 –, a partir de março de 2010 fica institucionalizado como um órgão suplementar da UFJF, vinculado à Reitoria, tendo como responsabilidade coordenar, supervisionar e apoiar as atividades relacionadas a EaD, que fazem parte do sistema UAB.

A formação e capacitação de professores da educação básica são prioridades da UAB, por isso, oferece cursos de licenciatura e de formação em serviço (aperfeiçoamento e especialização). No entanto, também disponibiliza cursos superiores em outras áreas do saber.

O curso de Licenciatura em Pedagogia a distância, vinculado à Faculdade de Educação (FACED) da UFJF e ao Sistema UAB, tem como objetivo formar professores para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, ampliando o acesso à educação superior pública, já que atinge diferentes regiões de Minas Gerais, principalmente aquelas em que há dificuldade de acesso pelos professores em exercício a cursos presenciais. Desse modo, o curso de Pedagogia/UAB não substitui ou sobrepõe ao curso presencial, mas configura-se como um mecanismo de ampliação do acesso à educação superior pública, tendo como alunos profissionais em exercício, inseridos na educação básica.

De acordo com o Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso, a Pedagogia/UAB da UFJF teve início em 2007, com 350 vagas disponíveis. Nessa primeira fase do curso, denominada UAB I, foram contemplados 7 polos, com 50 vagas destinadas para cada um. Dando continuidade a oferta do curso, em 2009 iniciou-se a turma da UAB II, com 400 vagas; em 2011, a UAB III, com 250 vagas; e no segundo semestre de 2012, a UAB IV, com 250 vagas.

Em 2013, o curso possuía aproximadamente 505 alunos, distribuídos, principalmente, entre as turmas da UAB III e IV, sendo que das primeiras turmas, UAB I e UAB II, em torno de 170 alunos e de 130 alunos, respectivamente, concluíram o curso. As turmas em andamento contam com um total de 18 professores responsáveis pelas disciplinas (entre efetivos, substitutos e

convidados), além dos professores vinculados à coordenação; bem como 62 tutores a distância, responsáveis por ministrarem as atividades no Ambiente Virtual da Aprendizagem (AVA) da Plataforma Moodle.

Além disso, ainda fazem parte do curso os tutores presenciais, vinculados aos polos atendidos. Esses sujeitos têm a função de auxiliar os alunos na utilização da Plataforma Moodle e trabalham junto com o coordenador do polo.

Ainda de acordo o PPP curso, o quadro docente da Pedagogia/UAB é composto por: professores gestores-orientadores, que assumem a docência em sua área de atuação e pesquisa, sendo professores da UFJF (ativos, substitutos, aposentados ou convidados); tutores, licenciados em diferentes áreas que atuam diretamente com os alunos no AVA a partir de uma determinada disciplina; equipe de coordenação, formada por professores e pesquisadores efetivos da UFJF, que se revezam na gestão da coordenação geral.

Segundo dados disponíveis na página eletrônica da Pedagogia/UAB da UFJF3, a grade curricular do curso é estruturada por disciplinas ordenadas nos seguintes eixos: (i) eixo de educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental; (ii) eixo de conhecimentos pedagógicos; (iii) eixo de integração. Verifica-se que há distinções entre a grade do curso presencial e do curso a distância. Os eixos marcam bem essa diferença. Enquanto no curso a distância encontra-se os eixos supracitados, no presencial predomina os seguintes eixos:

(i) eixo de fundamentos; (ii) eixo de gestão educacional; (iii) eixo de saberes escolares; (iv) eixo transversal4.

A vinculação dos docentes às disciplinas segue a mesma dinâmica do curso presencial, ou seja, obedece a área de formação e/ou domínio epistemológico do professor frente a um campo de conhecimento tematizado no currículo.

Os tutores são selecionados por edital público para a respectiva disciplina ofertada em cada polo. A formação mínima exigida é a licenciatura na área temática ou em área afim. Além disso, segundo termos do Edital nº 037/125 de seleção de tutor para o curso de Pedagogia/UAB da UFJF, é exigido às


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3 Disponível em: <http://www.ufjf.br/uabpedagogia/ > Acesso em: 14 jan. 2015.

4 Disponível em: <http://www.ufjf.br/deptoeducacao/files/2008/07/Reestrutura%C3%A7%C3%A3o- Curricular-Pedagogia.pdf> Acesso em: 23 ago. 2016.

5 Disponível em: <http://www.cead.ufjf.br/media/editais/2012/edital37_pedagogia.pdf> Acesso em: 23 ago. 2016.

seguintes condições: ter vínculo com o setor público durante o período de atuação na tutoria; ser aluno de Programa de Pós-Graduação; ou ser profissional vinculado à Instituição de Ensino Superior de origem da tutoria.

Na pesquisa desenvolvida, trabalhou-se com dados do curso de Pedagogia/UAB da UFJF do segundo semestre de 2007 ao segundo semestre de 2012, o que abarcou 8 semestres da UAB I e a mesma quantidade da UAB II; 3 semestres da UAB III; e 1 semestre da UAB IV. Com isso, tem-se um total de 20 semestres. Nesse período, o curso contou com a atuação de 56 professores: 26 professores efetivos; 6 professores aposentados; 16 professores substitutos (sendo que 4 destes encerraram e continuaram atuando sem vínculo); 7 professores convidados sem vínculo trabalhista com a UFJF; e 1 Técnico Administrativo em Educação (TAE) exercendo a função de docente do curso.

Tendo em vista que o presente estudo objetivou analisar a nova configuração do trabalho docente na UAB, a partir da figura do professor, dos 26 professores efetivos que atuaram no curso, 23 foram convidados para responderem um questionário eletrônico com questões abertas e fechadas.

Optou-se pelos professores efetivos por considerar que os aposentados que atuam na UAB se encontram em outra condição institucional e de vida, e que os professores substitutos estão inseridos em outra dinâmica profissional (em geral são professores da educação básica). Dos 26 professores efetivos, 3 não foram convidados para responder o questionário pelos seguintes motivos: um deles se vincula a presente pesquisa na condição de orientador; outro por ter se aposentado recentemente e o terceiro por não pertencer mais ao quadro da UFJF. Todos os professores convidados receberam o Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido, assim como o link do questionário via e-mail, com questões abertas e fechadas, para que pudessem respondê-lo de forma online. Dos 23 questionários enviados, obtive-se o retorno de 18, somente 5 professores não responderam o questionário.

Vários aspectos foram abordados no questionário em relação ao trabalho do professor na UAB, dentre eles: tempo de atuação no ensino superior presencial e a distância; experiência com ensino a distância ; inserção docente na UAB; motivo de vinculação ao curso de Pedagogia/UAB ; bolsa concedida pela CAPES e a adesão dos professores; condição do trabalho docente na UAB; rotina de trabalho com a inserção na UAB; quantidade de turma e alunos;

horas de trabalho em ensino, pesquisa e extensão; realização de atividades do ensino a distância em casa; utilização do tempo livre e de lazer para realização de atividades da UAB; contato e relação com os tutores; condição assumida pelo tutor; contato com o tutor e implicação para o trabalho.

As análises dos dados obtidos a partir dos questionários aplicados aos professores compõem a reflexão apresentada nas considerações finais a seguir, visto que este trabalho, por se tratar de um artigo, não comporta a análise detalhada de todas as questões, conforme foi feito na dissertação6.


Considerações finais

O presente estudo buscou analisar o trabalho docente no âmbito do Sistema UAB, com foco no curso de Pedagogia/UAB da UFJF, tendo o materialismo histórico como método de análise.

No decorrer da pesquisa realizada, foi possível verificar que a política de expansão da educação superior brasileira, que teve início nos anos de 1990 e foi aprofundada nos governos posteriores, não é neutra; está carregada de valores, concepções e intencionalidades, propostos pelo projeto político neoliberal da Terceira Via.

As estratégias para o delineamento do Estado e das políticas públicas nesse contexto, especificamente em relação à educação, envolveram a difusão de um novo senso comum acerca dos direitos sociais e das relações humanas referenciado no projeto hegemônico de poder.

Uma das características da configuração do Estado, verificada na teoria e prática social concreta, é o predomínio do modelo gerencial como referência para ordenar as políticas e as responsabilidades constitucionais do Estado em relação aos direitos de educação. Verificou-se também que as TIC foram introduzidas para alavancar certas ações estatais, principalmente na política educacional que, em nome do direito social à educação, vem produzindo consequências ainda não percebidas no plano imediato da vida.

As TIC nesse campo, mais do que um processo natural, foram convertidas sob a lógica instrumental do modelo gerencial de Estado. Verificou-se que isso



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6 Disponível em: <http://www.ufjf.br/ppge/files/2013/09/Disserta%C3%A7%C3%A3o-Final.pdf> Acesso em: 07 fev. 2017.

significou a aceitação social de que a forma pragmática pode e deve predominar sobre o conteúdo social. Isto é, tomam-se os resultados imediatos sem considerar as implicações de longo prazo.

Compartilhando responsabilidades com os estados e municípios “parceiros”, efetuando o pagamento de pessoal por meio de bolsas e intensificando e explorando o trabalho de professores, e porque não dizer, dos tutores, o bloco no poder criou mecanismo, talvez, sem precedentes em nossa história, qual seja: ampliou o direito ao acesso à educação superior às custas da exploração do trabalho de professores e tutores. Dessa forma, sem alterar substantivamente os investimentos públicos na educação superior, o bloco no poder acomoda as tensões e orienta a base da coesão social na educação e, ainda, consegue legitimar o modelo como válido socialmente.

Nesse sentido, as TIC, consideradas pelos professores um avanço do conhecimento que abre novas fronteiras para o trabalho, converte-se para o bloco no poder e seu modelo de Estado gerencial como um novo meio para o aumento da produtividade do trabalho com a racionalização (leia-se: economia) de gastos, com bons resultados finais. O caso do trabalho docente do curso de Pedagogia/UAB da UFJF investigado neste estudo exemplifica o que isso significa na prática concreta.

Se antes, a intensificação, a precarização e a terceirização do trabalho (contratação dos tutores que não possuem vínculo institucional trabalhista) eram marcas do setor privado, o caso da Pedagogia/UAB exemplifica que tal processo se tornou realidade no setor público.

Acredita-se que a afirmação do direito social à educação não pode ser operada na negação do direito social ao trabalho digno. Isso tende a invalidar as possíveis conquistas sob o ponto de vista econômico-gerencial, em função dos efeitos negativos de médio (qualidade da formação dos discentes em decorrência do estranhamento do trabalho) e de longo prazo (custos do adoecimento docente). Usando uma linguagem direta: questiona-se a validade de um modelo em que os professores e tutores arcam com os custos da expansão do ensino superior.

Com efeito, acredita-se que o modelo em curso da Pedagogia/UAB, apesar de suas características singulares no contexto mais amplo da EaD, precisa ser avaliado sobre o ângulo das formas não aparentes que o constitui e dinamiza.

Isso significa que: se é importante considerar que pessoas estão obtendo um título acadêmico, inserindo-se sob novas condições no mercado de trabalho e ampliando seus horizontes de vida, é importante considerar também quais são os custos pessoais da forma com que essa modalidade se desenvolve.

Não se trata de questionar a potencialidade da EaD, mas sim inquirir se as bases sociais e fundamentos políticos, ideológicos e financeiros com as quais essa modalidade se desenvolve na atualidade são adequados quando pensa-se a condição do ser humano que trabalha.

Nesse sentido, considera-se que a Faculdade de Educação da UFJF se encontra diante de um desafio: analisar as implicações políticas e sociais sobre o trabalho docente no âmbito do curso de Pedagogia/UAB e se posicionar politicamente sobre a condição humana do trabalhador docente e sobre o direito social do trabalho digno.

Novos estudos precisam ser realizados sobre essa temática para ampliar a apreensão do fenômeno em questão e, assim, permitir a construção de posições críticas, tendo como referência a condição de vida/trabalho dos professores.


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Recebido em: 08 de fevereiro de 2017 Aprovado em: 05 de abril de 2017 Pubicado em: 4 de junho de 2017


A TENDÊNCIA PRAGMATISTA E O SEU CARÁTER

INSTRUMENTAL: inflexões teóricas presentes na área da Educação¹


Giandréa Reuss Strenzel2


Resumo

Contemporaneamente, ocorre no interior da área da educação uma resignificação de conceitos, tendo como principais desdobramentos a noção esvaziada de conhecimento, a ênfase na experiência do indivíduo, no cotidiano e nas práticas empíricas. Esse corpo de ideias será discutido à luz da ontologia crítica, pois se acredita que seu estudo recoloca o problema filosófico essencial do ser social das coisas, abrindo a possibilidade de buscarmos outro tipo de entendimento do real, contra o predomínio manipulatório a que se vê a ciência na sociabilidade capitalista.

Palavras-chave: Ontologia crítica; educação; pragmatismo


Abstract

Contemporaneously, a reframing of concepts occurs in education, having as ramifications the emptied notion of knowledge, emphasis on the individual's experience, in daily life and in the empirical practices. These ideas will be discussed in the light of critical ontology because it is believed that their study replaces the essential philosophical problem of the social being of things, opening the possibility of seeking other types of understanding of what's real, against manipulative dominance which sees science in the capitalist sociability.

Key words: critical ontology, education, pragmatism



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1 DOI: https://doi.org/10.22409/tn.15i26.p9627

2 Doutora em Educação. Professora do Centro de Ciências da Educação da UFSC, no Núcleo de Desenvolvimento Infantil. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ontologia Crítica – GEPOC/UFSC.(giandrea.reuss@ufsc.br)


Introdução

O universo ideológico contemporâneo carrega uma concepção de educação voltada para a capacidade de adaptação dos indivíduos aos processos de produção e reprodução do capital. Vemos uma forte descrença na capacidade de conhecer o mundo objetivamente, aonde sustenta-se o ceticismo nas teorias que defendem esse pressuposto, qual seja, o que pretende assegurar o conhecimento e o agir humano de um ponto de vista ontológico.

Do outro lado, o delineamento empiricista e tópico anuncia a tendência pragmatista e utilitária do conhecimento que toma dimensões cada vez mais avassaladoras nas várias esferas da vida social, subjugando a capacidade emancipatória que a teoria nos dá, no sentido de contribuir para a construção de uma contra-hegemonia. Essas questões são o mote do presente artigo, que procurará pô-las em debate por meio da crítica ontológica, bem como indicar de que modo esse corpo de ideias se manifesta no complexo educacional.

No Brasil, as políticas de ajustes para a educação gestadas no quadro histórico-social entre as décadas de 1980 e 1990, em nível nacional e internacional, implantaram novas medidas legislativas na Educação Básica e no Ensino Superior nas suas diferentes áreas científicas. A partir dessas reformas, a educação foi eleita como o mais importante condão de sustentação para a erradicação da pobreza e um dos principais determinantes da competitividade entre os países (Shiroma, Moraes, Evangelista, 2002).

Entre os protagonistas das políticas estão os organismos multilaterais, difusores de princípios que penetraram o meio educacional nacional e internacional por meio de documentos diagnósticos, analíticos e propositivos, realçando-se uma perspectiva de educação redentora, salvação para as adversidades sociais. A agenda é globalmente estruturada, porém se estrutura de modo diferente com relação aos países e continentes, devido não só à posição política e econômica de cada um, assim como à organização dos agentes econômicos. Contudo, o que torna a agenda semelhante é a prioridade ontológica do complexo econômico sob qualquer outro complexo. Isso significa afirmar que toda reestruturação ou resignificação ocorrida na área da educação tem como fundamento a manutenção do status quo da sociabilidade capitalista.


Nas políticas para a primeira etapa da Educação Básica, a Educação Infantil, por exemplo, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Banco Mundial têm papel protagonista. Estes organismos estabelecem políticas compensatórias pautadas pelo discurso de atender pobremente a pobreza, com modelos a baixo custo e materiais sucateados (Rosemberg, 2002; 2010), (Campos, 2008). A educação é equacionada como mercadoria que deve ser repartida de forma justa, de modo que todos possam competir com as mesmas ‘ferramentas’.


[…] em especial, nos países da Comunidade Europeia, as justificativas para essas políticas fundamentam-se em um discurso pelos direitos da criança quanto ao acesso à educação e aos bens culturais, e pela igualdade de direitos e oportunidades de homens e mulheres. Já nos países em desenvolvimento, o discurso para ricos e pobres é bastante diferenciado, particularmente quando estabelece políticas para expansão do atendimento. Quando o alvo é a população pobre, negra e de zona rural, essas políticas se pautam por um discurso da necessidade de atender pobremente a pobreza, que transparece de maneira clara nos documentos do Banco Mundial (Rosseti-Ferreira; Ramon; Silva, 2002, p. 66).


Por ocasião das reformas, o papel que o Estado exerce no desenvolvimento da educação se modifica. Além de promover políticas, o Estado passa a regular, orientar e criar condições para que a população dê prioridade à educação. As organizações não governamentais e a iniciativa privada entram em cena e assumem gradativamente o papel do Estado, que deixa de ser o provedor e passa a ser um organizador das relações capitalistas de produção. A avalanche de diretrizes, normatizações, resoluções etc., ocorrida na última década, teve o papel de regular a vida social. Nesse contexto, ocorre uma resignificação de conceitos e terminologias. Entre estas, as palavras que mais tomaram destaque foram: competência, consenso, verdade, conhecimento, entre outras. Elas adquiriram outros significados, adequados aos novos tempos.

Nesse âmbito, a perspectiva pragmatista, cujo foco é a racionalidade instrumental, a geração de conhecimentos úteis, é parte de um conjunto de procedimentos adotados nas reformas políticas nacionais e internacionais, as


quais se inserem nos contextos das reformas da América Latina e da Europa. A educação entendida como alavanca para a sociedade do conhecimento produz uma política em que se exige aperfeiçoamento constante do sujeito, uma “educação ao longo da vida2” para a integração na realidade em contínua mudança. A política globalizante, envidada pelas reformas dos anos 1990, deriva de uma sociedade cada vez mais adaptada aos ditames da sociabilidade capitalista.


O conhecimento como utilidade para a orientação da prática

Uma das questões fundamentais que se coloca diante dessa problemática, diz respeito às inflexões teóricas presentes no complexo educacional, mais precisamente, no campo da formação3 docente e as posturas relativistas das teorias que têm adotado a excessiva ênfase na experiência empírica e na redução da verdade ao que é útil. Esse é um movimento consensual na área da educação.

Tal movimento


[…] prioriza a eficiência e a construção de um terreno consensual que reduz o horizonte da pesquisa e da formação docente ao saber tácito, à prática instrumental, plasmando-se o processo cognitivo no interior de limites que se definem pela empiria das tarefas cotidianas, pela formatação da capacidade adaptativa dos indivíduos, pela narrativa descritiva da experiência imediata e busca da eficácia da manipulação do tópico (Moraes, 2009, p. 317).


Essa é a noção esvaziada de conhecimento defendida pelo pragmatismo, em que o saber tácito e o conhecimento baseado na experiência empírica, retiram a reflexão crítica da formação docente, à medida que procura formar o professor capaz de pensar unicamente nas demandas que a prática lhe impõe. A prática diária torna-se o critério de reflexão sobre ela mesma e as ações dos indivíduos ficam reduzidas ao saber tácito. Sendo assim, atado à experiência imediata, o conhecimento se restringe ao individual, circunstancial e funcional. É analisado,


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2 O conceito “educação ao longo da vida” é um eixo delineador difundido mundialmente pelas organizações internacionais, especialmente a UNESCO e a Comissão Européia (UE). Cf. Rodrigues (2007).

3 Cf. Evangelista; Triches (2012; 2015), Triches (2010), Pimenta (2005), Brasil (2006).


portanto, em sua eficácia de instrumento por meio do qual o indivíduo adapta-se ao meio ambiente.

Nesse universo ideológico, ocorre uma valorização de saberes e práticas construídas na ação cotidiana, no desenvolvimento de competências do futuro professor e no seu treinamento. Por outro lado, na formação inicial, o futuro profissional é formado para desenvolver competências, conceber teorias sobre sua própria prática e ser um investigador dela.


[...] o fascínio do modo de operar do ato educativo no quotidiano escolar no mais das vezes transforma a experiência imediata no limite da inteligibilidade. [...] a teoria é substituída pelo senso comum e, em consequência, não há inadequação entre o senso comum e a prática [...]. Ao se reduzir o senso comum ao praticismo, deduz-se “[...] a verdade ao que é útil para orientar a ação” (Küenzer; Moraes, 2006, p.185-186).


A centralidade na aquisição de competências, e não nos conhecimentos, deriva da noção de que o conhecimento prático é quem garantiria um bom trabalho pedagógico, sendo sustentado em “esquemas de pensamento prático” ou “esquemas de ação” escolhidos pelo professor em função da sua eficácia para responder imprevisibilidades e não em mediações teóricas (Scalcon, 2007).

O caráter instrumental contido na formação a leva a ser definida como um desenvolvimento de competências para a prática e seu entorno, criando mecanismos de reflexão por parte do adulto que, por sua vez, desenvolve competências na criança. O profissional deve construir conhecimentos na relação teoria e prática que “[…] permitam saber-ser, saber-estar e saber-fazer”. Desenvolve, ademais, competências pessoais ligadas à criação de um ambiente facilitador de bem estar e competências profissionais mais ligadas à observação, análise e reflexão, gestão da instituição e intervenção pedagógica. É um utilizador e prático da investigação formativa. Nesse raciocínio, as competências “[…] são, então, estruturas mentais que orientam a ação. Ou seja, adequadas estruturas levam ao desempenho desejado” (Evangelista, 2004, p. 14).

A elaboração e a apropriação do conhecimento dão lugar à valorização do que é tópico, imediato e superficial, ou seja, a prática subsidia o desenvolvimento das competências. Trata-se, portanto, da noção de um sujeito que se molda, se


adapta aos ditames do momento, isto é, “[…] a formação docente deve adequar- se às demandas do ‘mundo do trabalho’ – abstraído da lógica do mercado” (Evangelista, 2004, p. 12).

Das críticas tecidas acima, não se trata de desqualificar a experiência do professor, adquirida no cotidiano de sua atividade profissional em sala de aula, mas destacar a insuficiência desta experiência para a captação do caráter estruturado do mundo, que determina os fenômenos empíricos e seguem para além deles, ou seja, os conhecimentos do campo empírico, circunscritos ao imediato, são insuficientes para dar conta da complexidade dos fenômenos educativos. Nesse sentido, Lukács (2012, p. 304) argumenta que:


Quer tomemos a própria totalidade imediatamente dada, quer seus complexos parciais, o conhecimento imediatamente direto de realidades imediatamente dadas desemboca sempre em meras representações (Lukács, 2012, p. 304).


Outra colocação interessante que se contrapõe à ação imediata do docente é de Martins (2004, p. 68). Sobre essa questão assevera que


[…] a captação da realidade por si só não assegura o seu real conhecimento, dado que este exige a construção da inteligibilidade sobre a realidade captada, isto é, uma vez conhecida ela precisa ser explicada. É na condição de possibilidade explicativa, ou abstração mediadora na análise do real, que a teoria, e, portanto, a transmissão dos conhecimentos clássicos entre as gerações, assume sua máxima relevância, possibilitando o estabelecimento de relações causais inteligíveis sobre os fenômenos, na base dos quais essa realidade passa a ser conhecida, compreendida e problematizada em sua essência.


Com o desenvolvimento de competências, o professor fica restrito ao campo de atuação da prática imediata. Nesse sentido, calcado nos limites do empírico, não é capaz de fazer as mediações sociais para ter domínio e uma compreensão aproximada da realidade, além de ficar distante de uma formação mais ampla, capaz de lhe fornecer subsídios que lhe permitam interferir e colaborar na transformação das condições da sua escola, da educação e da sociedade. A noção de competências é uma pedagogia integrante de uma ampla corrente educacional contemporânea denominada pedagogias do “aprender a aprender” (Saviani, 2007). Destaco, nesse ponto, a noção de competência


trabalhada pelo autor, com o objetivo de indicar que tal abordagem carrega em si os mesmos pressupostos pragmatistas.

A pedagogia das competências alia-se às pedagogias do “aprender a aprender”. Tal lema identifica-se com uma posição pedagógica progressista e inovadora e seu maior representante é o construtivismo. Surge nos anos de 1960, sob o lema da inovação e modernização, contrapondo-se à pedagogia tradicional. Sua repercussão decorre de suas interfaces com o universo ideológico contemporâneo.


Hoje em dia a pedagogia do «aprender a aprender» é a grande referência da orientação dominante. Tanto que está nos documentos oficiais e internacionais que depois se reproduzem em cada nação, como está nos meios de comunicação onde tentam convencer os professores das suas virtudes. O Relatório Jacques Delors das Nações Unidas sobre educação para o século XXI tem como eixo essa orientação do «aprender a aprender» e os países reproduzem isso nas suas políticas educativas. É uma pedagogia que tem origem na escola nova, no construtivismo de Piaget, que estava apoiado no keynesianismo. Agora foi recuperada, no contexto político do neoliberalismo, pelos pós- modernos. A ideia é que todo o ambiente é educativo – aprende- se em diferentes lugares, em diferentes circunstâncias e … também na escola! O argumento que dão para isso é que aquela visão rígida foi superada em benefício de uma sociedade flexível em que nada se pode prever. A escola não pode formar para 5 ou 10 anos, não se sabe como vai ser o futuro que está em constante mudança. Portanto, a escola não deve ensinar algo mas apenas aprender (Saviani, 2011, 5dias.net).


O lema “aprender a aprender” remete ao núcleo das ideias pedagógicas da Escola Nova, como foi referenciado acima. No escolanovismo esse lema se referia à valorização dos processos de convivência entre as crianças, do relacionamento entre elas e com os adultos, de sua adaptação à sociedade. Significava também adquirir a capacidade de buscar conhecimentos por si mesmo, se adaptar a uma sociedade entendida como um organismo em que cada indivíduo tinha um lugar e cumpria um papel social em benefício de todo o corpo social (Saviani, 2007). O “aprender a aprender” é também preconizado nos resultados de dois trabalhos de comissões internacionais da UNESCO. Um no início dos anos de 1970, conhecido como Relatório Faure (1972) e o segundo publicado nos finais de década de 1990, conhecido como Relatório Jacques


Delors (1998). Esse último define linhas orientadoras para a educação mundial no século XXI.

Atualmente, o “aprender a aprender” liga-se à necessidade de constante atualização exigida pela necessidade da ampliação da esfera da empregabilidade. Essa visão veio a ser propagada de modo amplo no decorrer da década de 1990, a partir da publicação do Relatório Jacques Delors. No lema “aprender a aprender” configurou-se uma teoria pedagógica em que o mais importante não é ensinar e nem mesmo assimilar determinados conhecimentos. O que importa é aprender a aprender, isto é, aprender a estudar, a buscar novos conhecimentos, a lidar com novas situações.


Trata-se de preparar aos indivíduos formando as competências necessárias […] Aos educadores caberia conhecer a realidade social não para fazer a crítica a essa realidade e construir uma educação com as lutas por uma transformação social radical, mas sim para saber melhor quais competências a realidade social está exigindo dos indivíduos (Duarte, 2001, p. 38).


O lema “aprender a aprender” atrela-se à desvalorização da transmissão do saber objetivo, contribuindo para a descaracterização do papel do professor, a negação do ato de ensinar e a isenção da escola de sua função social na transmissão do saber objetivo. Trata-se de um lema que sintetiza uma concepção de educação voltada para a capacidade de adaptação dos sujeitos aos processos de produção e reprodução do capital.

Se o conhecimento a ser ensinado aos futuros docentes tem um caráter instrumental, no pragmatismo opera-se também uma resignificação do papel do professor. O profissional é apenas um facilitador, um orientador, ou seja, desvincula-se da profissão sua função de ensinar, transmitir os conhecimentos históricos das gerações passadas. Esse pressuposto pode ser observado nas recomendações dos organismos multilaterais, como afirma Rodrigues, (2008, p. 15).


No documento produzido pela CEPAL e UNESCO (1995) reafirma-se que um dos fatores decisivos para o desenvolvimento dos países latino-americanos refere-se à elevação da qualidade dos recursos humanos. Em se tratando do professor, o discurso apela para a necessidade de reelaboração do que é ser professor,


de uma nova identidade ajustada ao novo contexto tecnológico em que “o trabalho docente consistirá muito mais em orientar, dirigir, dar exemplos e animar, do que em transmitir os conteúdos da matéria.” (CEPAL; UNESCO, 1995, p. 164). Deriva dessa mesma perspectiva a noção de que não basta apenas educar, é preciso assegurar o desenvolvimento de competências vinculadas à lógica do mercado e da chamada “sociedade do conhecimento”. (Rodrigues, 2008, p. 15, grifos meus).


A organização do trabalho pedagógico e, por sua vez, o papel que o professor exerce nessa perspectiva, tem no seu cerne as ideias do polonês Suchodolski (1992). Entre outras questões, o autor parte da ideia da formação de um ser humano essencial; discorre sobre a educação enquanto afloramento das qualidades inatas do homem, a valorização excessiva da experiência do indivíduo como centro do processo.

Desse ponto de vista, a naturalização se faz presente, posto que a condição de historicidade do ser social é eliminada. Ao se naturalizar as relações sociais, o desenvolvimento humano não é considerado como resultado do desenvolvimento histórico “[…] porque os julga unilateralmente como processos e formações naturais, confundindo o natural e o cultural, o natural e o histórico, o biológico e o social no desenvolvimento psíquico da criança […]” (Vygotski, 1995,

p. 12). Sendo assim, sublinha Lukács (1979), provoca-se o cancelamento das contradições enraizadas na existência objetiva. Sob essa ótica, as relações sociais são vistas apenas na sua forma acabada e não em sua gênese real e contraditória. Como afirma Lukács (1979, p. 112), as “[…] relações categoriais ontológicas tão fundamentais como fenômeno-essência e singularidade- particularidade-universalidade, são ignoradas, pelo que a imagem da realidade sofre uma excessiva homogeneização privada de tensões”.

Dessa perspectiva, opera-se pelo pragmatismo uma naturalização das concepções de homem e sociedade na medida em que os fenômenos produzidos pelo homem ao invés de serem analisados como sociais e históricos são encarados como naturais. As determinações históricas das relações sociais são tomadas como determinações naturais e o indivíduo não é considerado como sujeito das relações sociais. Sendo assim, a formação do homem é tida como um processo natural, espontâneo e adaptativo e o seu desenvolvimento fica


deslocado do processo histórico na medida em que o desconsidera como ser social.

É com esse sentido que o trabalho pedagógico postulado pelo pragmatismo é desenvolvido pelo professor, centrado no sujeito e não nas experiências sócio-históricas, resultantes do processo de desenvolvimento das relações humanas vivenciadas pelas necessidades postas historicamente pelo homem, como essenciais aos processos de produção e reprodução da sua existência. Sem história e sem conhecimento objetivo, resta aos indivíduos aprenderem a se adaptar da melhor maneira possível ao meio social no qual estão inseridos, sempre aprendendo a aprender, sem encontrar outro sentido que não o da estrita sobrevivência para aprendizagens vazias de conteúdo.

Ora, quem intervém propõe algo, em outras palavras, a intervenção supõe do professor a busca dos meios para realizar um fim. Não há como intervir sem fazer uma proposição, sem ensinar. Como afirma Lukács (2013, p. 48), “[…] todo processo teleológico implica numa finalidade e, portanto, numa consciência que estabelece um fim. […] com o ato de pôr, a consciência dá início a um processo real, exatamente ao processo teleológico”.

É por meio da atividade orientada e dirigida por outros homens que o homem se educa, adquire conhecimentos e habilidades, forma e desenvolve suas capacidades. Isto vem a favorecer o seu desenvolvimento e criar novas necessidades e possibilidades. Por isso, a conduta intencional das pessoas que convivem com o sujeito e agem sobre o seu desenvolvimento, é imprescindível para que a aprendizagem ocorra. O trabalho pedagógico realizado pelo professor recai, então, sobre a apropriação da experiência histórico-cultural e dos conhecimentos produzidos por nossos antepassados e não somente por um guiar, observar e animar, como preconizam os documentos internacionais citados acima que, por sua vez, tem na sua gênese o caráter pragmático dos conhecimentos. A aprendizagem é força motriz do desenvolvimento da inteligência e da personalidade do sujeito.

Na descoberta do conhecimento subjacente à prática, e utilizando-a como critério de reformulação dela própria, os professores ficam circunscritos à prática e acabam por apegar-se ao senso comum. Operando uma desvinculação da prática com a teoria, a prática é julgada como suficiente, contrapondo-se à teoria.


Com a postulação de Küenzer (2003, p. 9), acrescento que:


A teoria passa a ser substituída pelo senso comum, que é o sentido da prática, e a ela não se opõe. Em decorrência, justifica- se uma formação que parte do pressuposto que não há inadequação entre o conhecimento do senso comum e a prática, o que confere uma certa tranquilidade ao profissional, posto que nada o ameaça; o contrário ocorre em relação à teoria, cuja intromissão parece ser perturbadora.


Lukács (2012) faz uma interessante consideração a esse respeito, em razão da valorização da exclusiva eficácia do conhecimento científico na prática imediata. Na análise do filósofo húngaro, esse problema reside no conceito de práxis operado pelas correntes contemporâneas da filosofia da ciência. Entre elas, o autor cita o pragmatismo, no qual tem maior eficácia o conhecimento obtido por meio da prática imediata, que, por sua vez, encobre a essência. Com suas palavras,


A especificidade da relação entre essência e fenômeno no ser social chega até o agir interessado; e quando este, como é habitual, está baseado em interesses de grupos sociais, é fácil que se abandone seu papel de controle e torne-se, ao contrário, o órgão com o qual se encobre a essência, com o qual se faz com que ela desapareça, [...] (Lukács, 2012, p. 295).


No entanto, não se pode deduzir que o conhecimento da prática seja sempre um conhecimento válido e não passível de questionamento. O conhecimento, afirma o autor, deve estar atrelado às categorias do universal e do particular. Ao se suprimir o conhecimento na experiência sensível, ou seja, na prática imediata, o sujeito isola o universal ou o cria no pensamento. No entanto, o singular – a prática imediata – não existe sem as determinações do universal e do particular e, por isso, não pode ser apreendido automaticamente pelo sujeito. Para uma correta apreensão da realidade é necessário obter o universal mediante a análise dos objetos e das suas relações.

Essa é uma constatação filosófica, como afirma o autor húngaro, que tem a função de crítica ontológica de falsas representações, isto é, tem como desígnio avivar a consciência científica a fim de restaurar no pensamento a realidade autêntica, existente em si.


O professor tem uma função primordial. É ele na escola quem irá criar as mediações entre o sujeito da ação e o objeto do conhecimento a ser apropriado. Para que seu trabalho ocorra é fundamental a realização de posições teleológicas, ou seja, de ações intencionais. A prévia ideação do seu trabalho de intervenção tem objetivos definidos que levam os sujeitos da aprendizagem à apropriação dos conhecimentos, em patamares cada vez mais ampliados “[...] do inferior ao superior, do velho ao novo e mais progressivo [...] se movendo com frequência em zig zag ou retornando para trás” (Rosental; Straks, 1958, p. 341). É necessário também que o profissional transforme uma causalidade natural, que pode ser trazida pela criança, em uma causalidade posta. E para que isso se dê, é necessário que haja a investigação dos meios para que ocorra a posição de finalidade. Com outras palavras, é necessário que o professor, por meio da prévia ideação, conheça o que vai ser ensinado, os meios necessários para realizar a ação e as condições para que possa realizá-la. Desse ponto de vista, defendo uma formação teórica sólida, tanto inicial como continuada, que ultrapasse a concepção pragmática de conhecimento.


Palavras finais

No atual contexto de ceticismo epistemológico e relativismo ontológico apresentado, retomo aqui a questão principal delineada na introdução do artigo, qual seja, a do caráter instrumental da teoria presente hoje na área da educação, ou seja, o ideário pragmatista. Este parte de uma concepção de mundo, de sociedade, de história e de conhecimento. Também pode ser caracterizado como um sistema de crenças (Duayer, 2006), uma ontologia acrítica que pode ser utilizada para a manipulação dos fatos.

Lukács (2012), em seu tempo, antecipou muito dos acontecimentos na filosofia da ciência, ao afirmar que se fazia necessário à ciência orientar-se para o conhecimento adequado da realidade existente em si e esforçar-se para descobrir as verdades ontologicamente fundadas. Do contrário, sua atividade seria reduzida à sustentação da práxis imediata. Em suas palavras: “Se a ciência não pode ou conscientemente não deseja ir além desse nível, então sua atividade transforma- se numa manipulação dos fatos que interessam aos homens na prática” (Lukács, 2012, p. 47). O autor alertou, desde o início da década de 1960, sobre a


impossibilidade ontológica da humanidade negligenciar em definitivo as questões ontológicas. Ocorreu que as categorias ontológicas do campo filosófico e científico foram excluídas pelo positivismo desde o início do século XX. Segue-se daí que a verdade é reduzida ao que é útil. Tal posicionamento é recorrente na área educacional, como vimos, e vem provocando consequências desastrosas.

Quanto menos desenvolvida for a ciência, maior é a frequência de enquadramento de falsas teorias gerais do conhecimento, ou falsas crenças, que funcionam na imediaticidade. Conhecimentos adquiridos na prática, aqueles que têm utilidade, permanecem circunscritos à sua direta utilização na prática imediata e são considerados suficientes para a manipulação de determinados complexos, com o auxílio dos conhecimentos práticos. Pode-se atribuir a esse respeito, o problema ontológico da diferença, da oposição e da conexão entre fenômeno e essência, pois, “[...] na vida cotidiana, os fenômenos frequentemente ocultam a essência de seu próprio ser em lugar de iluminá-la” (Lukács, 2012, p. 294). Se circunscrever somente à prática imediata, sem sair dos seus limites seria um equívoco, pois “[...] pode-se pensar a educação como um continuum, jamais totalmente concluído, mediando sempre a abertura de novos campos às ações humanas nas escolhas dos sujeitos” (Moraes, 2009, p. 332).

A valorização instintiva da realidade imediatamente dada, das coisas singulares e das fáceis percepções é uma atitude apenas periférica perante a realidade, reflete Lukács (2012). Ao contrário, há que se partir da totalidade do ser na investigação das próprias conexões e buscar apreendê-las em todas suas múltiplas e intricadas relações, no grau máximo de aproximação possível. Para tanto, trata-se de recorrer à capacidade emancipatória que a teoria pode dar aos sujeitos. Nesse sentido, as disciplinas que dão sustentação sólida ao futuro professor têm prioridade ontológica à sua experiência empírica.

O pragmatismo, acerca do qual fizemos algumas colocações, se insere naquilo que Moraes (2004) afirma possuir vitalidade e permanência, especialmente no caso do complexo educacional, a agenda pós moderna4, na qual estão expressas várias correntes teóricas. Não é lugar para tecer considerações sobre cada uma delas, porém o que neste momento importa



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4 Cf. Duayer; Moraes (1997, 1998), Moraes (1996, 2003), Wood; Foster (1999).


ressaltar é que para estas teorias ocorre uma incapacidade de distinção entre a realidade objetiva e a maneira como a descrevemos ou a representamos. O mundo é visto como construído socialmente de acordo com jogos de linguagem, isto é, a construção social é linguística ou discursiva. A possibilidade do conhecimento objetivo é aqui visto como uma adequação empírica, o que Bhaskar (1977) chama de realismo empírico: uma ontologia implícita calcada no empírico, na experiência sensível do sujeito.

Nesse sentido, cada pessoa apenas pode supor que compartilha com o outro, conhecimentos aproximados, sem ter uma referência objetiva que assegure a identidade dos significados supostamente compartilhados. Fica evidente que uma vez que os conhecimentos são propriedades dos sujeitos e, portanto, subjetivos, não é possível transmiti-los objetivamente de uma pessoa para outra. Com esta posição, portanto, não há conhecimento objetivo e universal. A realidade é construída na atribuição de significados dados por cada sujeito. Esse é um posicionamento relativista, onde a prática emancipatória não pode apreender as legalidades objetivas que governam o mundo social. A prática bem sucedida é negada no relativismo. A certeza da prática imediata é a contrapartida necessária a toda e qualquer forma de ceticismo em relação ao conhecimento objetivo da historicidade do ser social. A historicidade do mundo fica como absoluta contingência, acaso. Sendo assim, resta aos sujeitos circunscreverem sua prática ao imediatamente dado, anistórico, positivo (Duayer, 2010).

Ao contrário do que defendem os posicionamentos relativistas, sustento que a sociedade não é uma construção do pensamento dos sujeitos e, sim, expressa o conjunto das relações dentro das quais os sujeitos ou grupos se situam (Bhaskar, 1998). Qualquer atividade considerada científica procura se aproximar das causas e estruturas subjacentes dos fenômenos manifestos e, dessa maneira, fornecer uma explicação do que acontece com os fenômenos que experimentamos (Nanda, 1997).

As disputas teóricas são dependentes das concepções sobre o ser em que tais posições teóricas se fundamentam. Nesse sentido, toda teoria ou sistema teórico tem por pressuposto uma ontologia que compõe ou fornece um conjunto

de fundamentos que delineiam o campo empírico no qual possuem validade. O que denota que disputas e debates entre teorias não supõe resolução empírica,


pois o terreno empírico em relação ao qual são plausíveis é distinto, tem ontologias próprias. Portanto, a resolução só pode ser ontológica (Duayer, 2010).

Nesse ponto, concluo com Moraes (2009), que a opção está posta. Ou escolhemos uma teoria para perenizar o presente e administrar o existente, como é o caso das várias versões da epistemologia da prática que convergem no pragmatismo, ou uma teoria que execute uma análise crítica e imanente do existente. Que informe a prática científica consciente de si mesma, pois é no processo histórico crítico do conhecimento científico, que a teoria nos ensina como seres sociais, a capacidade emancipatória que nos torna conscientes do nosso papel de intelectuais e educadores que não ignoram que a transmissão dos conhecimentos e da verdade dos fatos. É um instrumento de luta, e tem a função de ser mediação na apreensão e generalização dos conhecimentos sobre a realidade objetiva, sob a perspectiva de domínio sobre a realidade segundo as exigências humanas.


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Recebido em: 09 de novembro de 2016 Aprovado em: 15 de maio de 2017 Pubicado em: 4 de junho de 2017

A DUPLA FACE DO TRABALHO INFANTOJUVENIL: a dialética

entre o princípio educativo e o trabalho explorado¹


Laura Souza Fonseca2 Luciana Francisca de Oliveira3


Resumo

Este artigo é parte de uma pesquisa desenvolvida no Programa de Pós- Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no período entre 2012-2014. Um dos objetivos de tal pesquisa foi compreender quais as concepções e as práticas sobre o trabalho infantojuvenil que apresentam algumas famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF). Nesta escrita, trazemos uma reflexão acerca dos dados obtidos pela pesquisa, apoiando-nos no Materialismo Histórico Dialético como método de análise da realidade social em suas múltiplas determinações.


Palavras-chave: Trabalho infantojuvenil; Programa Bolsa Família; princípio educativo/exploração


Resumen

Éste artículo es parte de una investigación desarrollada en el Programa de Posgrado en Educación de la Universidad Federal del Rio Grande del Sur en el periodo comprendido entre 2012-2014. Uno de los objetivos de la investigación fue entender las concepciones y prácticas sobre el trabajo de niños y adolescentes de familias beneficiarias del Programa Bolsa Familia. Este artículo tiene como objetivo reflexionar sobre los datos obtenidos de la encuesta, basándose en el materialismo histórico dialéctico como el método de análisis de la realidad social y sus múltiples determinaciones.


Palabras llave: Trabajo de niños y adolescentes. Programa Bolsa Familia. Principio Educativo/Explotación


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1 DOI: https://doi.org/10.22409/tn.15i26.p9628

2 Pós-doutorado em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH/UERJ PDJ/CNPq) e em Estudios Latinoamericanos (UNAM/México EPD/CAPES). Professora Associada da FACED/UFRGS, área de EJA, Grupo Trabalho e Formação Humana (GTFH); E-mail: lsfonseca.lsf@gmail.com

3 Psicóloga, mestre em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: lupsicosocial@gmail.com.br

A dissertação intitulada “Pobreza, Trabalho Infantojuvenil e Escolarização: Concepções e Práticas a partir do Programa Bolsa Família” (Oliveira, 2014) desenvolvida no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no período entre 2012-2014, teve como um de seus objetivos compreender quais as concepções e as práticas sobre o trabalho infantojuvenil que apresentam algumas famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF) e assistidas pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). A pesquisa partiu da atuação profissional da autora enquanto técnica de referência em um Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS), situado em um município da Região Metropolitana de Porto Alegre/RS. Utilizamos o estudo de caso como metodologia, tendo como instrumento de coleta de dados a análise documental de expedientes de famílias acompanhadas, bem como diário de campo, registros de grupos socioeducativos, reuniões, abordagens de rua e denúncias. A pesquisa mapeou ainda concepções e práticas de famílias beneficiárias e de educadoras/es acerca da infrequência e/ou evasão escolar.

Neste artigo, expomos alguns dados obtidos na pesquisa acerca da concepção de trabalho infantojuvenil apresentada pelas famílias, e trazemos algumas considerações levantadas a partir dos mesmos, apoiando-nos no Materialismo Histórico Dialético como método de análise da realidade social em suas múltiplas determinações.

Segundo Marx (2008), a realidade social se expressa como síntese relacional de múltiplas determinações historicizadas, sendo que o concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações, ou seja, unidade do diverso.

Partimos da concepção marxista de que os homens não são livres para escolher suas forças produtivas, porque estas são circunscritas pelas condições em que eles se encontram colocados e pelas forças produtivas adquiridas pela geração precedente.

Ao analisarmos a categoria trabalho, nos reportamos a Frigotto (1995), que sustenta que este é, por excelência, a forma pela qual o homem produz suas condições de existência, a história, o mundo propriamente humano, ou seja, o próprio ser humano. O trabalho, portanto, é o princípio educativo, sendo

“fundamental que todo o ser humano, desde a mais tenra idade, socialize este pressuposto” (FRIGOTTO, 1995, p.31).

O trabalho, enquanto relação material de produção social da existência é fundante da especificidade humana. Pelo trabalho, o ser humano modifica a realidade que o circunda e modifica a si mesmo, alterando sua maneira de estar na realidade objetiva e de percebê-la.

No modo de produção capitalista, modo pelo qual atualmente estão organizadas as relações sociais de produção, a centralidade do trabalho como criador da condição humana recebe mediações que o transformam em alienação e mercadoria força de trabalho.

Buscamos apreender a categoria trabalho em sua dimensão ontológica, como mediação de primeira ordem (Mészáros, 2009) e, considerando o empírico da pesquisa, enunciamos determinações da exploração do trabalho, mediação de segunda ordem (Mészáros, 2009). Ou, na síntese de Frigotto (2002), apreendemos o trabalho pela sua dupla face; particularmente, na vida de crianças e adolescentes e na materialidade do fenômeno estudado.

Um dos limites do desenvolvimento capitalista é o da destruição dos postos de trabalho, o que gera a síndrome do desemprego estrutural3, a precarização e a flexibilização do trabalho vinculada à abolição dos direitos sociais duramente conquistados pela classe trabalhadora, bem como a ampliação da possibilidade de superexploração da força de trabalho.

A precarização, segundo Galeazzi e Holzmann (apud CATTANI, 2011) é definida como o processo de redução ou supressão de direitos laborais, decorrente da disseminação de formas de inserção no mercado de trabalho em substituição ao trabalho assalariado e às proteções a ele associadas. A noção de precarização do trabalho tem como parâmetro o regime de trabalho assalariado e se referencia na ausência ou redução de direitos e garantias do trabalho e a qualidade no exercício da atividade. Um movimento do capital para recuperação



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3 Aumento do excedente de trabalhadores, ou seja, a não necessidade, para a produção, de milhões de trabalhadores, em razão da diminuição dos postos de trabalho decorrentes do aumento da produtividade pela incorporação da microeletrônica e da nova base científico-técnica ao processo produtivo, significando assim, o aumento da miséria da fome e da barbárie social (Frigotto, 1996).

da taxa de lucro, espoliando direitos conquistados pela luta da classe trabalhadora.

A reestruturação produtiva a partir dos anos 1970 provocou uma heterogeneidade nas formas de inserção ocupacional no mercado de trabalho, resultando na emergência do trabalho precário. Inscrevem-se neste âmbito as subcontratações como na condição de autônomo, terceirizações, trabalho por tempo determinado, contratação de estagiários e aprendizes, as quais acarretam perda das proteções legais e previdenciárias, conduzindo uma importante parcela de trabalhadores a uma situação de vulnerabilidade. (GALEAZZI e HOLZMANN, 2011, apud CATTANI). Em todos os casos, formas de trabalho que ampliam os lucros dos capitais, pela retirada de direitos trabalhistas, que resultaram de lutas classe.

A exploração do trabalho infantojuvenil também é uma forma precária de inserção no mercado de trabalho e que está associada à exploração do/a trabalhador/a adulto como um dos elementos que constituem o modo de produção capitalista e a consequente desigualdade social por ele produzida. Tal como coloca Fonseca (2009), ao apontar que a precariedade da vida do adulto provedor do sujeito de direitos, instituída pela ausência/insuficiência de políticas públicas de Estado, é o que afinal rouba a infância, e não o trabalho infantojuvenil em si.

A exploração do trabalho infantojuvenil, enquanto trabalho humano vivo e não formalizado, localiza-se dentro da divisão social do trabalho, constituindo uma das consequências bárbaras da acumulação do capital que se alimenta da exploração do trabalho. A materialidade disso se expressa no baixo custo dos produtos, jornada de duração indefinida, naturalização e invisibilidade de algumas formas de exploração como o trabalho doméstico, exploração sexual, tráfico de drogas, entre outros. Tais contradições enunciam a dupla face do trabalho – como organizador da vida do ser social e como exploração da mercadoria força de trabalho.

O trabalho enquanto valor de uso, por exemplo, no auxílio de tarefas domésticas é necessário, pois organiza a criança na medida em que o valor do trabalho vai compondo sua formação. O trabalho explorado, por sua vez, retira o seu tempo de estudo e sua energia vital é extirpada com a intensificação do trabalho. Isso fortalece um contingente grande de crianças e adolescentes

sobrantes que acabam saindo da escola e ingressando no mundo do trabalho como estratégia de sobrevivência.

O trabalho infantojuvenil enquanto exploração da mercadoria força de trabalho produz subjetividades marcadas pelo desamparo social e, por consequência, afetivo e moral. Percebe-se a exclusão social concebida não como uma condição natural, mas como fruto de um processo histórico necessário à acumulação capitalista; que se reproduz através das gerações, numa perpetuação da precariedade das condições sociais materiais e morais que são fundantes da formação humana – marcas, a um só tempo, da exploração e da opressão. No entanto, há uma distorção, ou melhor, uma indiferenciação entre o trabalho como princípio educativo e como exploração na percepção das famílias e crianças que vivenciam o trabalho infantojuvenil e dos órgãos que se propõem a combatê-lo. Muitas crianças se submetem à exploração da sua força de trabalho e não entendem isso como violação de seus direitos. Simultaneamente, alguns adolescentes recusam o princípio educativo do trabalho e da partilha das tarefas domésticas, utilizando-se dos jargões que criminalizam o trabalho infantojuvenil, muito difundidos nas campanhas que se propõem a combatê-lo.

Fonseca (2009) compreende o trabalho como tensionado por uma dupla condição: produtor de valor de uso e produtor de valor. Na primeira condição, é princípio organizador da vida; na segunda, é materialidade de exploração/alienação. A autora explicita que o trabalho, categoria fundante do ser social, e cuja centralidade determina a vida humana, vem sendo (des) constituído. Nomeado de ajuda, utilizado de forma coercitiva em simulacro de trabalho educativo, organiza a vida para a precariedade desde tenra idade, porque mutila presente e futuro, não raro reproduzindo passados familiares, ou seja, potências (des) constituidoras do sentido do trabalho como valor de uso, porque transformam o trabalho educativo em subordinação. Isto porque, como trabalhadores precoces, estes sujeitos têm sua vida subordinada à exploração do capital, formando-se na opressão e espoliação em força maior do que nos laços socioafetivos (familiares, escolares, comunitários, culturais).

Tendo em vista a disputa de concepções acerca do trabalho, particularmente de sua dupla face, agravada em uma conjuntura que gira o princípio educativo para as formas de exploração, Fonseca (2013) analisa alguns materiais de divulgação de organizações governamentais e não governamentais

que se propõem a erradicar/eliminar o trabalho infantil4. A autora faz um movimento de captura da temática trabalho infantil nestes materiais e cartilhas e tece algumas considerações. Em uma das cartilhas, o trabalho não aparece como princípio educativo, nem mesmo para as/os filhas/os da burguesia. O portador de texto ressalta a naturalização da ideia de trabalho como exploração, como tripalium5, como castigo, como violência, fortalecendo o campo que propugna o fim da centralidade do trabalho. Além de escamotear o trabalho como organizador da vida, muitas destas publicações fazem a crítica por um viés moralizante que culpabiliza os pais. Em diversos materiais há uma minuciosa explanação sobre trabalho forçado, informal, mas em momento algum o trabalho aparece como formativo.

Além disso, há uma naturalização de que crianças e adolescentes devem ajudar em casa, o que permite pensar que a tarefa de organizar o lugar onde moram não compete a elas, que devem apenas ajudar o adulto a fazer o que é de sua (do adulto) responsabilidade. O princípio educativo da partilha dos afazeres nos lugares onde moramos, estudamos e trabalhamos não é mencionado (FONSECA, 2009). Defendemos que os afazeres domésticos não são tarefas exclusivas de adulto, mas responsabilidade de todos e todas, de acordo com a capacidade de cada um/a. Com isso, salientamos a necessidade de que sejam explicitadas as duas formas de trabalho infantojuvenil – como princípio educativo e como exploração. Perspectiva pela qual defendemos o combate à exploração da mercadoria força de trabalho infantojuvenil, e não a erradicação do trabalho infantojuvenil.



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4 Foram fontes da pesquisa da autora: (1) Programa Internacional para Erradicação do Trabalho Infantil (IPEC/OIT); (2) Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF/ONU); (3) Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI); (4) Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Trabalho Adolescente/RS (FEPETI/RS); (5) Central Única dos Trabalhadores (CUT); (6) Central dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Brasil (CTB); e (7) Rede Promenino da Fundação Telefônica/Vivo.


5 Do latim “tripalium”, palavra que denominava um instrumento de tortura que consistia em um gancho de três pontas, cuja função era a evisceração ou a retirada e exposição das tripas, região de intensa dor, causando lenta agonia. Foi criado e utilizado durante a Inquisição. Do termo originou-se a palavra “trabalho”. (BONZATTO, 2013).

Discussão acerca das concepções e práticas familiares sobre o trabalho infantojuvenil

A pesquisa encontrou como resultados as seguintes concepções sobre o trabalho infantojuvenil nas famílias estudadas, ideias que discutiremos em seguida:


Uma das constatações da pesquisa foi de que há uma percepção por parte dos adultos das famílias estudadas, de que o trabalho realizado pela criança/adolescente é fruto de um desejo/necessidade deste/a de comprar itens para si, tais como objetos, comidas, roupas e lazer, itens que os adultos geralmente não podem prover. Nos discursos suscita uma ideia de que as crianças trabalham porque tem vontade de adquirir itens para si, não havendo uma distinção entre desejo e necessidade. Indaga-se, com isso, se os itens mencionados pelas famílias (calçado, brinquedos, jogos, comidas e bebidas), traduzidos como vestuário, lazer e alimentação, não estariam no âmbito do direito e não como itens supérfluos ou extraordinários.

Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar,

com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Direitos fundamentais os quais devem permitir “o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência” (BRASIL, 1990). Importa colocarmos atenção no ordenamento de quem deve prover os direitos das crianças e adolescentes, ao iniciar pela família. O ECA (como o Art. 227 da Constituição Federal que o embasa) retira a responsabilidade do Estado de garantir, pelo investimento do fundo público, as condições necessárias para que as famílias da classe trabalhadora assegurem a reprodução da vida.

As falas que sustentam a existência de um querer por parte das crianças vêm acompanhadas do anúncio da impossibilidade do adulto de prover suas necessidades em razão da insuficiência de recursos. Bebel et al (1980) colocam que, infelizmente, para muitas famílias, serve de alento o ato de saber que rapidamente seus filhos estarão prontos para adquirir o valor de instrumentos de trabalho e em certa medida, cobrirão os gastos de sua manutenção.

Assim, o trabalho infantojuvenil é admitido como forma de contribuir com a renda familiar ou ainda para que a criança possa suprir suas próprias demandas. E novamente na imprecisão da dupla face – a ajuda – aparece tanto na partilha das tarefas de casa como na composição da renda da família – neste caso sugerindo duas trabalhadoras pelo preço de uma, normalmente as gurias cuidando da casa e/ou de irmãs/os mais novas/os para que a mãe vá trabalhar ou buscar emprego.

Constata-se que a insuficiência da renda familiar é utilizada como argumento para justificar o trabalho de crianças e adolescentes. De acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu artigo sétimo, o salário mínimo6, fixado em lei, nacionalmente unificado, é um direito dos trabalhadores urbanos e rurais, devendo ser capaz de:

[...] atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos



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6 O salário mínimo é fixado pela jornada integral de 8 horas diárias de trabalho ou 44 horas semanais. Pode ser reduzido para trabalhadores com jornada parcial. (BRASIL, CF, 1988, art. 7º. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui cao.htm>. Acesso em: 18 dez 2014.)

que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim (BRASIL, CF, 1988, art. 7º).


A Consolidação das Leis Trabalhistas conceitua o salário mínimo como:


[...] a contraprestação mínima devida e paga diretamente pelo empregador a todo trabalhador, inclusive ao trabalhador rural, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, e capaz de satisfazer, em determinada época e região do País, as suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte. (BRASIL, 1943, 2014, art. 76)


O DIEESE7 faz um comparativo entre os valores do salário mínimo e do salário mínimo necessário, cujos valores, no período de novembro de 2014, foram respectivamente de R$ 724,00 e R$ 2.923,22. O Salário Mínimo Necessário é calculado mensalmente pelo DIEESE, levando em consideração o preceito constitucional que diz que o salário mínimo deve ser capaz de suprir as necessidades básicas de um trabalhador e de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. A família considerada é de dois adultos e duas crianças, que, juntas, consomem como um adulto.

Nas famílias pesquisadas constatou-se que o orçamento doméstico não comporta o valor necessário ao provimento das necessidades. À discussão do salário mínimo, o qual é inferior à possibilidade de sustento de uma família, soma- se a ideia de renda mínima, propagada pela Política Nacional de Assistência Social e materializada no Programa Bolsa Família. Desloca-se, portanto a discussão pela garantia de um salário mínimo que dê conta das necessidades de uma família, para a ideia de “renda mínima”, cujos valores estão aquém do salário mínimo constitucional. Desloca-se a centralidade do trabalho como modo de produção e reprodução da vida para a pobreza como determinante da desigualdade social, e proliferam políticas de alívio à pobreza – a bolsificação da vida.

E mais, na medida em que os adultos não conseguem obter recursos necessários para a sobrevivência, os infantes acabam ingressando em um mercado de trabalho informal e ilegal, tornando-se, desde cedo, vítimas da


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7 DEPARTAMENTO Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Salário mínimo nominal e necessário. Disponível em < http://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html > Acesso em 20 Dez 2014.

precarização do trabalho. Em condições insalubres, crianças, adolescentes e adultos são expostos a riscos de contrair doenças, atropelamentos, bem como todas as doenças decorrentes da sobrecarga de trabalho. O trabalho destes adultos na maioria das vezes é precarizado e informal, tais como guardar carros, pedir esmolas na sinaleira, recolher lixo reciclável em carroças ou carrinhos.

A pesquisa concluiu que as famílias concebem o trabalho infantojuvenil como uma necessidade de complementação da renda familiar, que se mostra insuficiente para atender as necessidades dos filhos. Entendemos que tal prática configura uma violação dos direitos fundamentais, que devem garantir a vida em condições dignas de existência. Sob o sistema capitalista, os filhos são para a família proletária uma carga pesada e insustentável. Além disso, o salário reduzido, a insegurança no trabalho e até a fome frequentemente convertem uma criança em um pequeno trabalhador.

Outra concepção sobre o trabalho infantojuvenil pelos adultos pesquisados foi de que o trabalho serve como ocupação dos filhos, pois assim ficam protegidos contra a ociosidade e contra o risco do envolvimento com o uso ou tráfico de drogas, que também constitui uma fonte de renda para os filhos da pobreza. Cabe lembrarmos, no entanto, que o tráfico de drogas é considerado uma das piores8 formas de trabalho infantojuvenil e talvez uma das mais difíceis de combater.

Em muitos casos, observamos nos históricos de alguns jovens encaminhados para cumprirem medida socioeducativa que estes trabalhavam desde crianças e foram “migrando” para formas de trabalho que lhes conferissem renda de forma mais imediata como o tráfico de drogas, ainda que estas lhe oferecessem maior risco de morte.

O envolvimento com o tráfico de drogas, colocado pela moral burguesa como um caminho “escolhido” pelos jovens da periferia, talvez seja uma alternativa possível para o usufruto dos “modos de gozo próprios do modelo econômico neoliberal” (ROSA, 2002), já que as possibilidades de ganhar a vida com o próprio esforço estão limitadas pela desigualdade de condições sociais,



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8 A Convenção 182, de 1999, foi ratificada pelo Brasil em 2000; dispõe sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2013)

morais e afetivas. O filme Notícias de uma Guerra Particular9 traz alguns relatos de meninos que ingressam no tráfico de drogas em razão da necessidade de suprir as lacunas do Estado nas comunidades pobres (direitos sociais não garantidos), além da necessidade de reconhecimento e valorização, o que não é encontrado em outras fontes.

Observou-se que estes adultos repetem a moral burguesa para a qual, às/aos filhas/os da classe trabalhadora não podem ficar sem trabalhar porque “cabeça vazia, oficina do diabo”; não raro, são taxados de vagabundos ou desocupados ou, ainda, que estão na condição de pobreza porque não querem trabalhar. Assim, reproduz-se o mito da classe trabalhadora desocupada, sendo que o ócio só é “permitido” às/aos filhas/os da burguesia. Trotsky (2006) nos ajuda a pensar quando refere que a eficácia de preceitos morais universais é muito limitada, pois as normas “obrigatórias para todos” são tanto menos eficazes quanto mais áspera se torna a luta de classes. A burguesia, cuja consciência de classe é superior (pela sua coesão e intransigência) à do proletariado, tem interesse vital em impor a sua moral às classes oprimidas. As normas concretas da burguesia são mascaradas com a ajuda de abstrações morais sob a égide da religião, da filosofia ou do “bom senso”. No plano ideológico, as normas morais obrigatórias para todos, assim como a categoria trabalho, adquirem um conteúdo de classe, constituindo, portanto, uma construção social.

Ainda que exista uma confusão entre o trabalho explorado e o trabalho como princípio educativo, a pesquisa mostra que alguns tipos de trabalho são menos aceitáveis que outros. Por um lado condenam a exploração sexual e comercial, o tráfico de drogas e a mendicância, mas naturalizam o trabalho doméstico e domiciliar (Fonseca, 2015) em vendas e catação de materiais recicláveis ou ainda quando as crianças apenas acompanham o trabalho dos pais. Há também uma indistinção entre a exploração do trabalho doméstico e partilha das tarefas de casa, justificado pelo fato de que a maioria deles (adultos) trabalhou quando criança.

Entendemos que esta naturalização desconsidera outros aspectos da formação humana (escola, lazer, brinquedo, tempo livre, arte, cultura,


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9 NOTÍCIAS de uma guerra particular. Direção: João Moreira Salles e Kátia Lund. Rio de Janeiro, Videofilmes,1999. DVD, 57 min.

adolescência), os quais sofrem uma espécie de apagamento em detrimento dos imperativos de sobrevivência. O imperativo da sobrevivência e, paradoxalmente, o do consumo vêm constituindo as subjetividades destas crianças/adolescentes, particularmente das famílias pobres.

Rosa (2002) nos alerta que devemos levar em consideração o lugar que ocupa o sujeito na estrutura social, ou seja, na lógica discursiva do mercado, para que se consiga detectar as sutis malhas da dominação e a não confundir seus efeitos com o que é próprio do sujeito. Aponta que a apatia, a solidão e o emudecimento, assim como a reprodução, na subjetividade, da violência e da pobreza afetiva e intelectual, produz no sujeito um efeito de resto.

Estes efeitos se reproduzem nas subjetividades e se perpetuam nas gerações posteriores. Nas infâncias destes adultos, muito comum era que uma criança pobre, do sexo feminino e ainda muito pequena, saísse de casa para trabalhar em casa de famílias ricas realizando todas as tarefas domésticas, além de cuidar dos filhos, em troca de abrigo e comida. Numa perspectiva de classe, vemos que às crianças pobres destina-se o trabalho que garanta sua própria sobrevivência e sirva aos ricos, ao passo que às/aos filhas/os da burguesia reserva-se o estudo, o lazer e a alimentação.

Na perspectiva de gênero, percebe-se ainda a banalização do trabalho doméstico, como se toda menina pobre estivesse predestinada a tomar conta da casa e das/os irmã/os e depois trabalhar como doméstica, afinal, este foi o seu aprendizado.

Vemos que, atualmente, o capitalismo impôs à mulher que esta saísse do lar para engrossar a fila do desemprego, o que serve à manutenção da acumulação. Aliado a este interesse capitalista, soma-se a impossibilidade de sobrevivência com o salário de apenas um membro da família, sobrecarregando a mulher com o trabalho doméstico, cuidados com filhas/os e ainda o trabalho assalariado.

A mulher é lançada ao mercado de trabalho, mas em um contexto de degradação das condições de trabalho, somado à desvalorização do trabalho doméstico. As crianças também acabam sofrendo o ônus destas mudanças. Às meninas, resta a obrigação da tarefa não valorizada e não remunerada do cuidado com a casa e com outras crianças ou ainda como objeto de exploração sexual.

Fica uma questão: a quem se outorga o dever do trabalho doméstico e do cuidado e educação com as crianças, especialmente as/os filhas/os do proletariado? Trotsky (apud Bebel et al, 1980) defende a socialização do trabalho doméstico e da educação. Fraser (2009) defende uma forma de vida que descentralize o trabalho assalariado e valorize as atividades desmercantilizadas, como o trabalho de cuidar, o qual é socialmente necessário.

Junto à ideia do trabalho infantojuvenil como forma de ocupação e a consequente reprodução na vida familiar e cotidiana das múltiplas violências e violações de direitos sofridas, prevalece uma concepção negativa da proibição do trabalho infantojuvenil. A pesquisa apontou que tanto as famílias como a escola reproduzem o discurso do trabalho de crianças e adolescentes como ocupação, prescrevendo o trabalho infantojuvenil sem observar outras possibilidades educativas.

Tais constatações refletem as contradições sociais sentidas principalmente pelas pessoas que estão em lugar social marginalizado na engrenagem capitalista. As famílias pobres são exigidas quanto à proibição de bater nos filhos, sendo que o aparelho repressor policial tem autorização para espancá-los e não respeitá-los como sujeito de direitos. Estas falas nos remetem às reflexões de Scheinvar (2009), que destaca como um exemplo de criminalização das famílias pobres a prática do Conselho Tutelar, que opera no sentido da judicialização da vida, muitas vezes sob a forma de prescrição de normas e castigos, no intuito de garantir a lei.

É facilmente observável que a lei não vale para todos. Percebemos que a garantia dos direitos fundamentais não é cumprida quando se trata da população pobre. No entanto, a ela reserva-se o cumprimento à risca do direito penal, testemunhado nas formas de combate à pobreza hoje vigentes. O controle, o disciplinamento e a criminalização dos pobres como manutenção da estrutura social tem sido uma prática constante não somente pela polícia, mas legitimada por uma rede de equipamentos da assistência social, saúde, educação, conselho tutelar, entre outros.

A pesquisa observa ainda, nas famílias estudadas, outras contradições que demarcam suas existências indignas. As mulheres, que são na maioria das vezes as pessoas de referência de tais famílias, acumulam a dupla responsabilidade de sustento e cuidado com os filhos. A lei proíbe que os filhos sejam deixados

sozinhos em casa, proíbe o trabalho infantil ou que os mesmos acompanhem os pais no trabalho; contraditoriamente, as políticas não garantem o acesso à educação em tempo integral nem trabalho decente, nem salário necessário à manutenção da família. Sendo assim, quem se encontra nestas condições, e que não acessaram a educação (ou que dela foram expulsas), ficam sem alternativas.

As famílias atendidas pela assistência social vivenciam o dilema entre a necessidade de gerar renda para sustentarem seus filhos e a ausência de uma alternativa de local para deixá-los enquanto trabalham. Somado a isso, faltam vagas na educação infantil e nas escolas de turno integral, levando muitas mulheres a submeterem-se a trabalhos precarizados e dependendo de “benefícios” assistenciais para sobreviver.

Na falta de uma rede de apoio familiar que possa auxiliar no cuidado com os filhos, o ônus do cuidado se torna alto, geralmente maior do que a renda, considerando a baixa escolaridade que dificulta as possibilidades de trabalho. Este contexto frequentemente acaba forçando o reordenamento das tarefas domésticas, em que o cuidado com as crianças e com a casa é assumido pelas crianças mais velhas. Assim, o trabalho precoce vai tomando a forma de exploração, uma vez que ele vai acontecendo quase naturalmente pelo deslizamento gradual da criança da escola para o trabalho.

Entre a eventual catação de uma latinha daqui ou dali para comprar um pão ou entre uma e outra falta à escola pra cuidar dos irmãos, a criança vai iniciando precocemente no mundo do trabalho alienado, o qual prolonga-se por sua adolescência e vida adulta. A precarização do trabalho deste adulto que nunca vivenciou um trabalho decente, assim como a falta de um sentido mais imediato do processo de escolarização, sinalizam a transgeracionalidade do ciclo da pobreza.

Retomamos aqui as discussões em torno da superexploração e da produção de sobrantes. Tais questões socioeconômicas têm suas repercussões na função protetiva da família, a qual se choca diretamente com a desproteção estatal em relação aos cidadãos em condições de miséria, escolaridade inconsistente, incapacidade de provisão do sustento e dependência de bolsas para sobrevivência.

As múltiplas violações de direitos sofridas fragilizam as famílias para o exercício da parentalidade enquanto proteção e provimento das necessidades de

crianças e adolescentes, uma vez que precisam desempenhar esta função dentro das condições materiais insuficientes para se viver.

A proteção à criança, dever de todos, quando exercida no âmbito da família, fica prejudicada por conta de uma série de fatores que geram a fragilização dos vínculos, dentre eles o desamparo pela não garantia de exercício dos direitos fundamentais condizentes com uma vida digna.

Entretanto, quando o Estado deixa de cumprir o dever na proteção no que lhe cabe, ou seja, garantir direitos, podemos considerá-lo omisso e negligente? O ECA prevê responsabilidades mútuas entre família, escola e Estado na efetivação dos direitos de crianças e adolescentes, porém, há uma ênfase na responsabilidade parental.

Quando trata das Medidas Específicas de Proteção aplicadas pela autoridade competente, por exemplo, estas são voltadas aos pais, sem, portanto, mencionar algum tipo de punição ou responsabilização ao Estado no caso de violação de direitos à criança ou ao adolescente. As autoridades competentes, Conselho Tutelar e Poder Judiciário, acabam não sendo fiscalizadas ou responsabilizadas nos casos em que ferem os direitos estabelecidos no ECA.

Quando se trata de garantir direitos é necessário que tenhamos a preocupação em como punir, a quem punir e quem punir. As políticas sociais adotadas pelo Estado tais como PBF e PETI, não problematizam a existência de uma produção da desigualdade social, sendo que os resultantes desta serão tratados/remediados pelo aparelho de Estado através de políticas compensatórias e/ou criminalizantes.

No caso da proteção social a ser afiançada pela PNAS, se faz necessário ampliarmos o entendimento sobre como se produz a demanda por proteção, quem é o sujeito da proteção e qual a forma de exercê-la.

Tais concepções nos ajudam a entender que a realidade destas famílias é parte de uma estrutura social marcada por uma lógica que favorece a exclusão necessária à acumulação capitalista e cronifica a desigualdade social. Percebe-se também a fragilidade das conquistas da legislação e das políticas públicas de Estado. A materialidade da vida da classe trabalhadora revela a grande distância entre o direito tal como está posto e o cotidiano de muitas famílias que se ajustam a formas específicas de sobrevivência, dentre elas o trabalho infantojuvenil explorado.

Considerações finais

A infância e a adolescência enquanto etapas do desenvolvimento humano passível de investimentos como arte, cultura, esporte, lazer, educação foram devidamente apropriadas apenas para as/os filhas/os da burguesia. Ao analisarmos a materialidade da vida das famílias que não dispõem de condições dignas de existência, constata-se que as violações dos direitos fundamentais preconizados na Constituição Federal, afetam diretamente os laços familiares, o exercício da parentalidade e o rompimento do ciclo da pobreza. As diversas formas de ‘ocupar’ o tempo infantojuvenil estão diretamente ligadas ao acesso às mínimas condições materiais de existência, tais como o direito à saúde, educação, moradia, trabalho etc.

A ausência de materialidade da criança e o do adolescente como sujeito de direitos e sua condição peculiar enquanto ser em desenvolvimento, bem como a repetição dos padrões vividos nas infâncias dos adultos, marcadas pelo início precoce no mundo do trabalho em detrimento do acesso/permanência e conclusão com qualidade na escola e em espaços socioeducativos, mostra múltiplas violações de direitos sofridas desde a tenra idade e que se perpetua nas gerações posteriores. O descontentamento com as políticas de proteção e defesa da criança são um reflexo de sua inoperância, no sentido de proporcionar alternativas às famílias que têm a exploração do trabalho de suas/seus filhas/os como estratégia de ocupação e sobrevivência material.

O trabalho infantojuvenil realizado como forma de garantir sobrevivência é, portanto, uma forma de trabalho explorado. Há um conjunto de condições sociais e materiais degradantes, além de aspectos culturais, como causas que levam estas famílias a inserirem crianças e adolescentes no trabalho explorado. Ou seja, a exploração do trabalho infantojuvenil não é uma opção, e sim constitui um fenômeno social de múltiplas determinações.

O trabalho como formador do humano, num contexto de vulnerabilidade social, corre o risco de tomar a dimensão de exploração, devido à precariedade das condições materiais de sobrevivência. A centralidade do trabalho como criador da condição humana, recebe mediações que transformam o trabalho criador em alienação, mercadoria e força de trabalho. Há que se problematizar a diferença entre ajuda e exploração, pois tal contradição enuncia a concomitância das duas faces do trabalho (como organizador da vida do ser social e como

exploração da mercadoria força de trabalho). Neste sentido, o que se pretende erradicar é a exploração do trabalho infanto-juvenil. Não basta criminalizar as práticas de trabalho infantojuvenil sem que sejam pensadas as raízes da questão, e suas determinações históricas, culturais e políticas.

O fenômeno do trabalho infantojuvenil explorado possui determinações estruturais e conjunturais, as quais possuem implicações nas subjetividades e nos modos de organizações familiares. Constatamos uma estrutura de permanente violação de direitos, em que problemas sociais resultantes do modo de produção capitalista são individualizados e se tornam alvo de políticas compensatórias e ordens criminalizantes. Esta engrenagem perpetua a desigualdade social favorecendo a acumulação capitalista em detrimento de uma classe cada vez mais apartada da esfera dos direitos sociais.

A divisão de classes e a nítida desigualdade social que caracteriza nossa sociedade capitalista nos apontam para determinações estruturais. Não obstante, de forma recorrente, localizamos tais determinações exclusivamente nas individualidades ou em núcleos familiares, o que não tem nos ajudado na compreensão do fenômeno nem tampouco no rompimento de sua continuidade.

Há uma tendência, própria do ideário neoliberal, que associa as defasagens escolares e a evasão escolar a uma “escolha” pessoal ou a alguma deficiência pessoal ou familiar. Isso significa o deslocamento da responsabilidade social para o plano individual – culpabilizando vítimas da desigualdade social. Tais ideias são reafirmadas por uma consciência alienada de que os vencedores ou os incluídos devem seu sucesso ao seu esforço e competência – reificando a meritocracia; enquanto os excluídos, os miseráveis do mundo pagam o preço de sua incompetência ou de suas escolhas – como se, de fato, as condições materiais de existência não compusessem as determinações das possibilidades desta mesma existência humana.

Retomando a perspectiva de Marx (1982; 2008), consideramos que a realidade social, composta por relações sociais e econômicas, é ordenada por uma estrutura de classes e não por uma escolha individual. A solução da crise da organização familiar e da educação fica, portanto, condicionada à superação do capitalismo e à socialização dos meios de produção, das funções e dos serviços de forma completa.

Por vezes ainda contribuímos para sua perpetuação, ao reproduzirmos enunciados moralistas que depreciam a classe trabalhadora em favor da acumulação capitalista. Pensamos que esta reprodução quase sempre se naturaliza em nossos discursos e práticas sem que percebamos, uma vez que está espalhada no tecido social como verdade absoluta.

Acreditamos em avanços possíveis por processos formativos que ampliem nossa compreensão acerca dos mecanismos que engendram as subjetividades e as relações sociais das quais compartilhamos. Dar-se conta de que nada é por acaso, que a desigualdade social não é algo natural ou individual, já é um passo para nos colocarmos em luta por um mundo em que todos tenham a garantia de condições dignas de existência. Ou, na belíssima síntese de Rosa Luxemburgo “Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.

Entendemos que a reflexão produzida nesta pesquisa contribui com os diversos espaços em que a questão dos direitos do infantojuvenil estejam colocados como objeto de trabalho e de estudo. Estes espaços, atravessados por inúmeras contradições que impedem a garantia da proteção a este sujeito, carecem de maior aprofundamento acerca da compreensão dos fenômenos que caracterizam as violências e violações por ele sofridas, elaboração fundamental para a proposição e avaliação de políticas sociais, de Estado e de governo.


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Recebido em: 24 de junho de 2016 Aprovado em: 19 de janeiro de 2017 Pubicado em: 4 de junho de 2017

A ESCOLARIZAÇÃO MÉDIA DA CLASSE TRABALHADORA NO BRASIL:

desafios contemporâneos e suas raízes históricas¹


Valci Melo2


Resumo

O presente estudo analisa os principais avanços e desafios que afetam o Ensino Médio no Brasil, investigando suas configurações atuais e suas raízes históricas. Para tal, além de uma pesquisa bibliográfica e documental, recorre-se às estatísticas educacionais oficiais e a um exame minucioso do mais recente dispositivo legal dedicado à intervenção na etapa educacional em tela: a Lei n. 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, oriunda da Medida Provisória 746, de 22 de setembro de 2016. A investigação se deu à luz do materialismo histórico-dialético, partindo diretamente das contribuições de Marx e Engels e dialogando com outros autores que, ligados ou não a esta perspectiva teórico-metodológica, ajudam a entender a escolarização da classe trabalhadora. Ao longo do estudo, demonstra- se que, apesar dos avanços obtidos na última década, estes são insuficientes para enfrentar de forma adequada os desafios históricos que ainda recaem sobre o Ensino Médio. Por fim, conclui-se que a Lei n. 13.415/2017 representa um enorme retrocesso para a referida etapa educacional, sobretudo, para a educação dos filhos da classe trabalhadora.


Palavras-chave: Ensino Médio. Avanços e desafios. Lei n. 13.415/2017.


Abstract

This study examines the main advances and challenges that affect the high school in Brazil, investigating their current design and their historical roots. To this end, besides to a bibliographical and documentary research, It was made use the official education statistics and a detailed examination of the most recent legal apparatus dedicated to intervention in the educational modality in analysis: Law n. 13.415, dated February 16, 2017, arising from Provisional Measure 746 of September 22, 2016. The research occurred in the light of historical-dialectical materialism, starting directly from the contributions of Marx and Engels and dialoguing with others thinkers who, associated or not linked to this theoretical- methodological perspective, help to understand the schooling of the working class. Throughout the study It is showed that, despite of advances during the past decade, these are insufficient to address adequately the historical challenges that still to affect the high school. Finally, it is concluded that the Law n. 13.415/2017 represent a major regression for that educational stage, especially for the education of students of the working class.


Keywords: High school. Progress and challenges. Law n. 13.415/2017.


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1 DOI: https://doi.org/10.22409/tn.15i26.p9629

2 Graduado em Pedagogia pela Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL, 2011) e em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL, 2017). Mestre (2016) e doutorando em Educação pela Universidade Federal de Alagoas e professor de Ensino Fundamental na rede pública municipal de São José da Tapera, Sertão Alagoano.


Introdução

Embora o consenso se constitua em um feito quase impossível no âmbito das ciências humanas e sociais, tal façanha parece realizável quando o assunto é a consideração do Ensino Médio como a etapa mais problemática da Educação Básica no Brasil.

No entanto, grande parte dos desafios que assolam o Ensino Médio não é novidade na historia educacional brasileira, conforme apontam vários estudos que trataram da problemática em tela (Cury, 1998; Kuenzer, 2000; Abreu, 2005; Zibas, 2005; Krawczyk; 2009; Gomes et al., 2011).

De acordo com esses autores, entre os problemas educacionais que vêm, desde longa data, caracterizando o Ensino Médio, destaca-se a acirrada dualidade entre formação geral (Ensino Médio propedêutico e, portanto, voltado à formação geral e à continuidade dos estudos em nível superior) e preparação imediata para o trabalho (ensino profissionalizante e, neste caso, com caráter terminativo).

Ao apontarem essa dualidade, os estudos demonstram que a primeira categoria esteve, majoritariamente, apenas ao alcance dos filhos da classe dirigente, ao passo que restou, quase sempre, aos filhos dos trabalhadores, quando muito, uma escolarização diretamente voltada à instrução profissional para a venda da força de trabalho.

Essa separação sócio-histórica entre a educação oferecida aos homens das palavras e aquela disponível aos homens das ações, como nos lembra Manacorda (1992), é uma constante na história da humanidade, desde a Antiguidade. Seu alicerce, como nos ensinaram Marx e Engels (1998), é a divisão da sociedade em classes sociais com interesses antagônicos e em permanente luta, ocasionada pela apropriação privada dos meios de produção material da vida social por apenas uma dessas classes.

A educação2, neste cenário, se constitui em um dos espaços privilegiados de disputa societária, na medida em que é por meio dela que as classes sociais transmitem não apenas seus conhecimentos, técnicas e habilidades, mas também, seus valores e seus projetos de sociedade.

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2 Referimo-nos à educação aqui em sentido amplo, englobando o processo de aprendizagem em geral, quer este se dê de forma assistemática (educação informal), de modo planejado, mas não escolar (educação não formal) ou de maneira escolarizada (educação formal) (Libâneo, 2007).

No caso da escolarização como direito social, embora represente uma conquista importante dos trabalhadores na disputa pelo acesso ao patrimônio cultural historicamente acumulado, não dispõe ela, na sociedade de classes, de condições objetivas para ser, efetivamente, universal e democrática. Isto porque, conforme problematiza Marx (2012, p. 45, grifos do autor), em sua Crítica do Programa de Gotha3: “Educação popular igual? O que se entende por essas palavras? Crê-se que na sociedade atual (e apenas ela está em questão aqui) a educação possa ser igual para todas as classes?”.

Respondendo negativamente ao seu questionamento, dirá o autor, mais adiante:


[...] Uma coisa é estabelecer, por uma lei geral, os recursos das escolas públicas, a qualificação do pessoal docente, os currículos etc. e, como ocorre nos Estados Unidos, controlar a execução dessas prescrições legais por meio de inspetores estatais, outra muito diferente é conferir ao Estado o papel de educador do povo! (Marx, 2012, p. 45-46).


Como se vê, Marx não ignora a necessidade e a possibilidade de se garantir, por meio do Estado, condições objetivas para a existência de uma escola pública, gratuita, laica e de qualidade socialmente referenciada. Pelo contrário, desde o Manifesto Comunista que a “educação pública e gratuita a todas as crianças” (Marx; Engels, 1998, p. 58) já figurava como uma das medidas a serem postas em prática para melhorar a qualidade de vida da classe trabalhadora.

No entanto, Marx tinha consciência de que o antagonismo de classes não poderia ser superado no âmbito de uma política educacional, e sim, através da coletivização dos meios de produção. Por isso, ele critica a ingenuidade de se esperar que o Estado possa assumir a liderança de um processo educativo libertador e igualitário no interior de uma sociedade baseada na exploração e na desigualdade.

Em oposição à proposta liberal de uma educação supostamente igual para todos no seio de uma sociedade desigual, sugere Marx (2012, p. 45): “o parágrafo


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3 Esta obra foi escrita por Marx, em 1875, em forma de comentário ao programa de unificação de dois partidos operários alemães, realizada na cidade de Gotha, no mesmo ano. Os partidos que se fundiram foram: “[...] a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães (na sigla alemã, ADAV), fundada em 1863, em Leipzig, por Ferdinand Lassalle [...], e o Partido Social-Democrata dos Trabalhadores (SDAP), fundado em 1869, em Eisenach, por Wilhelm Liebknecht, Wilhelm Bracke e August Bebel, dirigentes socialistas próximos de Marx” (Löwy, 2012, p. 13).

sobre as escolas devia ao menos ter exigido escolas técnicas (teóricas e práticas) combinadas com a escola pública” (Marx, 2012, p. 45).

Vejamos que Marx procura enfrentar o problema da unilateralidade educacional, considerando as condições sócio-históricas, e não, de forma voluntarista e extremista. Ou seja, ele não entra na falácia liberal de ignorar a existência de classes sociais e requerer para todas as pessoas um processo educativo que as prepare, ou somente para o exercício das faculdades teórico- espirituais, ou apenas para o exercício das tarefas prático-manuais. Pelo contrário, o que propõe Marx é que a escolarização dos filhos da classe trabalhadora, que tem interesses, valores e necessidades diferentes daquela oferecida aos filhos da classe dominante, se dê no horizonte da omnilateralidade, da politecnia, do domínio das letras, das ciências, das artes e da técnica.

Vejamos que as reflexões educacionais de Marx são coerentes com a sua teoria social que vê no trabalho não apenas o fundamento ontológico do ser social, mas o núcleo organizador do mundo dos homens. Isto é, na esteira do materialismo histórico-dialético, teoria social desenvolvida por Marx e Engels, é por meio do trabalho, entendido como relação entre o homem e a natureza para a satisfação de suas necessidades, que nós superamos a condição de ser animal e nos erguemos ao status de ser social. Com isso, o intercâmbio entre nós e a natureza cumpre a função, não apenas, de satisfazer as necessidades imediatas, mas também de criar novas necessidades e as condições apropriadas para a sua satisfação. Assim, o trabalho é entendido, na teoria marxiana e marxista, como o elemento criador e organizador do mundo dos homens (Marx; Engels, 2007; Marx, 2013; Engels, 1999).

Contudo, com a divisão social do trabalho (intelectual e manual), a apropriação privada dos meios fundamentais de produção material da vida social (terras, fábricas, matérias-primas, ferramentas...), a consequente fragmentação da sociedade em classes sociais e a criação do Estado como mecanismo voltado à defesa e manutenção dos interesses das classes dominantes, o trabalho deixa de cumprir a função de realizador das potencialidades humanas, de forma universal, para se constituir em instrumento de dominação de classe (Marx; Engels, 1998; 2007; Marx, 2004; 2013).

Com o surgimento da sociedade de classes, a riqueza produzida pelo trabalho não mais pertence à coletividade humana; menos ainda àqueles que a

produzem: escravos, servos ou trabalhadores assalariados. Pelo contrário, ela passa a ser apropriada pelas classes sociais dominantes (senhores de escravo, senhores feudais e burguesia) que, por terem sob o seu domínio privado os meios de produção, se dão ao luxo de viver bem sem trabalhar, em detrimento da pauperização absoluta ou relativa4 na qual se encontram as classes trabalhadoras.

Deste modo, para Marx, não se trata de reivindicar para os trabalhadores uma escolarização que ignore a reprodução material da vida social (o trabalho). Trata-se de garantir, por meio do Estado, as condições necessárias para que os filhos dos trabalhadores desenvolvam tanto as faculdades espirituais (cognitivas, estéticas, afetivas...), como também, as técnicas e habilidades corporais e laborais.

Considerando que esse debate remonta à segunda metade do século XIX, vejamos, então, como ele tem sido considerado na operacionalização da política educacional do Estado brasileiro, mais especificamente, no que tange ao ensino de nível médio, desde a segunda metade do século XX.


Breves notas sobre o Ensino Médio nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)

Ainda que a polarização entre formação geral e instrumentalização, como nos mostra Saviani (2008), não seja privilégio do Ensino Médio, nessa etapa educacional, ela se intensificou e vem provocando consequências sociais mais danosas.

Na história da educação brasileira, não somente tivemos essa dualidade como uma das principais características, como também, as formas pelas quais se buscou superá-la, quase sempre, foram extremistas.

Ressalvadas as tentativas de enfrentamento, ao longo da década de 19505, do caráter dual e inflexível dos vários ramos de ensino médio, a equivalência


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4 Ver a distinção em Paulo Netto (2007, p. 143, nota de rodapé nº 23).

5 Entre as iniciativas do período está a Lei nº 1.076, de 31 de março de 1950. Por meio dela, a inflexibilidade e o caráter de terminalidade do ensino técnico começou a ser abalado. Ela abria a possibilidade dos estudantes desse ramo de ensino (o técnico) acessarem o segundo ciclo (clássico e científico) do então ensino secundário, desde que aprovados em exames pautados em disciplinas desse último curso. Foi, também, por essa lei que os estudantes do curso comercial ficaram autorizados a acessarem o ensino superior (caso passassem nos exames). Para um conhecimento mais detalhado desta e das outras iniciativas, conferir: Cury (1998) e Brasil (1999, p. 8-15).

entre estes somente se efetivou com a aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 4.024, de 20 de dezembro de 1961). Essa lei, ao equiparar os variados ramos de ensino médio, permitindo legalmente o fluxo entre este e o ensino superior, deu um passo à frente. No entanto, como a sociedade no interior da qual a prática educativa se dá continuou divida em classes sociais com interesses antagônicos, a dualidade persistiu, pois aquilo que a justifica e fundamenta permaneceu inalterado.

Ressalte-se, também, que embora tal possibilidade tenha se dado a partir da LDB 4.024/616, esta fica subentendida, uma vez que a referida lei trata desta questão apenas no capítulo alusivo ao Ensino superior, mais especificamente na alínea “a”, do artigo 69. Na ocasião, a LDB 4.024/61 destaca que o acesso ao Ensino Superior, nos cursos de graduação, estava aberto aos “candidatos que hajam concluído o ciclo colegial ou equivalente, e obtido classificação em concurso de habilitação”. Isto é, como a referida Lei, ao tratar do Ensino Médio, no artigo 34, esclarece que este é composto de dois ciclos (o ginasial e o colegial), e “abrangerá, entre outros, os cursos secundários, técnicos e de formação de professores para o ensino primário e pré-primário”, entende-se que os variados ramos tinham sido equiparados e formalmente davam acesso ao Ensino superior.

Na década de 1970, por sua vez, é aprovada uma nova LDB (Lei 5.692/717). Esse acontecimento se dá em um contexto de cerceamento dos direitos políticos e das liberdades civis, embora com algumas conquistas no campo dos direitos sociais, a exemplo do que já tinha acontecido durante o Estado Novo – a Ditadura Vargas8. É também nesse período que se busca integrar a política educacional brasileira às exigências internacionais e que se

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6 Nessa Lei, o sistema de escolarização nacional ficou disposto da seguinte forma: educação de grau primário (educação pré-primária e ensino primário), educação de grau médio (ensino médio, ensino secundário, ensino técnico e formação do magistério para o ensino primário e médio) e educação de grau superior (BRASIL, 1961, título VI ao título IX; art. 23 ao art. 87).

7 Já a partir da LDB 5.692/71, a organização educacional passa a se dar da seguinte maneira: ensino de 1º grau, ensino de 2º grau, ensino supletivo e ensino superior (BRASIL, 1971, capítulo 1 ao capítulo 5, art. 1º ao art. 40).

8 Conforme destacam Behring e Boschetti (2011) é no governo Vargas, inclusive no período do Estado Novo, que contrastam repressão e negação aos direitos políticos com conquistas significativas no âmbito da política social, entre as quais, cabe citar, a regulamentação dos direitos trabalhistas, coroada com a outorgação, em 1943, da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Já sobre o período 1964-1985, as referidas autoras apontam que, além de uma “[...] intensa institucionalização da previdência, da saúde e, com menor importância, da assistência social [...], a ditadura impulsionou uma política nacional de habitação, com a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH)” (Behring; Boschetti, 2011, p. 137).

registra o crescimento do assalariamento urbano e a intensificação da demanda popular por escolarização.

Frente a essas exigências, a LDB 5.692/71 busca inverter, ao menos teoricamente, a lógica, até então, predominante nessa etapa educacional: a dualidade com maior valorização do ramo secundário. Alicerçada na profissionalização compulsória de todas as modalidades de ensino médio, a LDB 5.692/71 acaba por comprometer tanto o caráter técnico-profissionalizante, como também a dimensão formativo-propedêutica dessa etapa educacional. Isso porque, como observa Cury (1998, p. 79-80):


Ao ignorar os condicionantes do processo produtivo e ao ignorar a própria estratificação social e sua segmentação de classe, a lei nem atendeu à sua letra, antes favorecendo mesmo seu mascaramento, e nem foi um dique à demanda por ensino superior de vez que o setor privado desse nível conheceu uma expansão jamais vista. Além disso, a lei pecava na base, por exigir, cartorialmente, o que o sistema não tinha: uma geração de docentes competentes para as novas funções e uma infraestrutura capaz de propiciar a necessária experimentação e aplicabilidade exigidas por um ensino dessa natureza.


Embora mudanças na LDB 5.692/71 tenham ocorrido ao longo das décadas de 1970-809, somente a Constituição Federal de 1988 foi capaz de promover alterações significativas, não apenas para esta etapa de ensino, mas para a educação em geral. A partir desta Lei (a CF de 1988), a educação foi reconhecida como o primeiro dos direitos sociais, e o Estado foi desenhado na perspectiva do bem-estar social10 (Montaño, 2002). No entanto, o contexto mundial já remava fortemente na contramão desse tipo de funcionamento estatal. Essa situação, por sua vez, colocava o Brasil em uma encruzilhada, visto que situava-se entre a proposta de um Estado providência, rascunhado na CF de


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9 Conforme Cury (1998), além das modificações introduzidas pela Lei nº 7.044, de 18 de outubro de 1982, a qual flexibiliza a exigência de profissionalização compulsória, facultando tal escolha aos estabelecimentos de ensino, outras leis, pareceres e decretos buscaram, ao longo da década de 1970, minimizar a rigidez da LDB 5.692/71.

10 O Estado de bem-estar social ou Welfare State consiste em um experimento dos países capitalistas desenvolvidos, especialmente os países da Europa Ocidental e os Estados Unidos da América, em contraposição ao risco oferecido pela União Soviética no combate às desigualdades sociais, ao crescimento do sindicalismo e da oposição de esquerda e aos efeitos drásticos da desregulamentação da economia. Como resultado, têm-se, ao longo das três décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial, um modelo societário baseado na intervenção estatal na economia, mediante o qual o fundo público financiava tanto o setor privado como também a reprodução da força de trabalho, por meio da garantia de direitos sociais como educação, saúde, previdência social e emprego (PAULO NETTO; BRAZ, 2011, p. 205-216).

1988, e o Estado mínimo, como um dos pilares fundamentais do projeto societário neoliberal, imposto aos novos tempos.

Neste cenário, o Ensino Médio aparece, na CF de 1988, como uma etapa a ser progressivamente universalizada - o que representava um enorme avanço em face de todo o histórico segregacionista anterior -, mas ficava condicionado ao total atendimento do ensino fundamental (a prioridade constitucional).

Com a LDB 9.394/96, a lógica de profissionalização, predominante na LDB 5.692/71, é superada, dando-se ao agora denominado Ensino Médio, um caráter universal e uma dimensão formativa e propedêutica.

Concebendo essa modalidade da educação como última etapa da Educação Básica11, a referida Lei, inicialmente, proíbe a integração entre formação geral e formação técnico-profissional, conforme definirá o Decreto 2.208, de 17 de abril de 1997. Contudo, a partir de 2004, não somente é retomada a perspectiva da integração entre Ensino Médio e ensino técnico (Decreto n. 5.154, de 23 de julho de 200412), como também, se desenvolverá um conjunto de políticas, no sentido de intervir junto aos desafios que persistem na etapa educativa em análise.

É, pois, para os avanços e desafios decorrentes dessas políticas em curso que se voltará a nossa análise a partir de agora. Além disso, examinaremos como a Medida Provisória 746, de 22 de setembro de 2016, convertida na Lei n. 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, impactará nas configurações e nos destinos do Ensino Médio.

Avanços e desafios do Ensino Médio no Brasil contemporâneo

Conforme dados do Relatório Educação para Todos no Brasil: 2000-2015 (Brasil, 2014) e do Censo Escolar da Educação Básica 2013: resumo técnico (INEP, 2014a), o Ensino Médio brasileiro tem registrado, nas últimas décadas, significativas conquistas e importantes avanços, entre os quais cabe destacar:


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11 Nessa Lei, a educação nacional se organiza em dois níveis: Educação Básica e Educação Superior. A Educação Básica agrupa-se em três etapas: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. As etapas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio podem organizar-se em modalidades, a saber: Educação de Jovens e Adultos – EJA; Educação Profissional e Educação Especial (BRASIL, 1996, título V, art. 21 ao art. 60).

12 Para uma análise deste decreto, ver os estudos Krawczyk (2012), Bremer e Kuenzer (2012).

  1. Garantia da universalização do Ensino Médio, mediante a aprovação da Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009, que estabelece a obrigatoriedade da Educação Básica dos 4 aos 17 anos de idade, bem como, da Lei nº 12.061, de 27 de outubro de 2009, que trata especificamente destas alterações no âmbito do Ensino Médio;

  2. Inserção do Ensino Médio no Fundo de Desenvolvimento e Manutenção da Educação Básica e Valorização do Magistério (FUNDEB), mediante a Lei n. 11.494, de 20 de junho de 2007;

  3. Reintegração do Ensino Médio à Educação Profissional, por meio do Decreto 5.154, de 23 de julho de 2004 e da Lei n. 11.741, de 16 de julho de 2008 (Brasil, 2008a);

  4. Aprovação de novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM 2012), através da Resolução CNE/CEB nº 02, de 30 de janeiro de 2012;

  5. Aumento da frequência de pessoas pretas/pardas, indígenas, pobres e daquelas que moram na Zona Rural ao Ensino Médio (Brasil, 2014a, p.32-36);

  6. Elevação da oferta e das matrículas no Ensino Médio Integrado à Educação Profissional (Brasil, 2014, p.37-38).

No entanto, conforme indicam estudos como os de Ferreira (2011), Kuenzer (2011), Gomes et al. (2011), Pinto, Amaral e Castro (2011), Machado Costa (2013), Pereira (2014) e dados dos documentos acima referidos (Brasil, 2014; INEP, 2014a), o Ensino Médio ainda é a etapa de escolaridade na qual concentram-se, desde longa data, os mais gritantes problemas educacionais brasileiros.

Para além das conquistas e avanços, que abrem diversas possibilidades no sentido de enfrentamento do que Frigotto e Ciavatta (2011, p. 620) classificam de uma etapa educacional precária “tanto na sua base material quanto pedagógica”, persistem diversos desafios. Um deles, que vem se intensificando há uma

década, como se pode ver na tabela 1, é a oscilação negativa na taxa de matrículas.


Tabela 1 – Estudantes matriculados no Ensino Médio entre 1994 e 2016

Ano

Quantidade de

Estudantes13

Ano

Quantidade de

Estudantes

1994

4.932.552

2005

9.031.302

1995

5.374.831

2006

8.906.820

1996

5.739.077

2007

8.369.369

1997

6.405.057

2008

8.366.100

1998

6.968.531

2009

8.337.160

1999

7.769.199

2010

8.357.675

2000

8.192.948

2012

8.376.852

2001

8.398.008

2013

8.312.815

2002

8.710.584

2014

8.301.380

2003

9.072.942

2015

8.076.150

2004

9.169.357

2016

8.131.988

Fonte: INEP: Sinopses estatísticas da Educação Básica (INEP, 2014b).


Apesar de ser vista oficialmente como estável (INEP, 2014a, p.20), essa situação em que se encontram as matrículas do Ensino Médio contrasta, tanto com o crescimento do Ensino Fundamental que, segundo dados do Censo Escolar da Educação Básica 2013: resumo técnico (INEP, 2014a, p. 20), apresentou, entre 2007 e 2013, “crescimento de 9,4% no número de concluintes”, como também está aquém do atendimento ao universo populacional de 15 a 17 anos (faixa etária que deve atender), o qual, em 2012, era de 10.444.705 jovens, contra pouco mais de 8 milhões de matrículas (INEP, 2014a, p. 21).

Ainda neste aspecto, é preciso considerar que, embora a taxa de escolarização do Ensino Médio tenha atingido 84,3% em 2013 (IBGE, 2014), além de esse percentual representar um ínfimo crescimento na última década (2,5 pontos entre 2004 e 2013), esconde o fato de que, em termo de matrícula líquida, isto é, considerando-se os estudantes regularmente matriculados na etapa educacional para a qual têm idade compatível (no caso em tela, os jovens com idade entre 15 e 17 anos) este percentual cai para 55,2%, o que mesmo representando um crescimento significativo no período analisado (11 pontos percentuais na correção do índice de distorção idade-série entre 2004-2013),


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13 O quantitativo de alunos matriculados corresponde à soma dos estudantes do Ensino Médio Propedêutico, Ensino Médio Normal e Ensino Médio Integrado.

ainda está muito longe da universalização desejada no Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), que almeja atingir 85% até o final de sua vigência.

Outro elemento que desafia a universalização14 do Ensino Médio a ir além do que Pinto, Amaral e Castro (2011, p. 663) chamam de “massificação barata” é o baixo rendimento estudantil, marcado por altas taxas de abandono e retenção.


Tabela 2 – Taxa de rendimento do Ensino Médio entre 1999 e 2015

Ano

Reprovação

(%)

Abandono (%)

Total (%)

1999

7,2

16,4

23,6

2001

8,0

15

23

2002

10,0

14,7

24,7

2005

11,5

15,3

26,8

2007

12,7

13,2

25,9

2008

12,3

12,8

25,1

2009

12,6

11,5

24,1

2010

12,5

10,3

22,8

2012

12,2

9,1

21,3

2013

11,8

8,1

19,9

2014

12,1

7,6

19,7

2015

11,5

6,8

18,3

Fonte: INEP: Indicadores Educacionais - Educação Básica.


Como é possível ver na tabela 2, apesar da soma dos dois principais fatores responsáveis pelo índice de rendimento (reprovação e abandono) vir caindo na última década, especialmente com a diminuição da taxa de abandono, ainda alcançou, em 2015, a marca de 18,3%, o que corresponde a quase 1/5 (um quinto) de insucesso escolar nesta etapa educacional.

A esfera estadual, constitucionalmente responsável pelo Ensino Médio, em 2015 respondia por 97,1% dos estudantes matriculados na rede pública (Brasil, 2016b, p. 52). Considerando as assimetrias entre as diversas unidades da federação, tanto no que se refere às suas possibilidades materiais e pedagógicas, como também, no modo como têm lidado com as políticas educacionais, vê-se que a universalização do acesso ao Ensino Médio exige o fortalecimento da articulação e da cooperação entre os estados e a União.



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14 Destaque-se aqui que se trata somente da universalização do acesso, pois no interior do sistema capitalista é impossível universalizar a educação formal como um todo, uma vez que isso exigiria condições objetivas que estão para além da ordem social vigente. Sobre o assunto, ver o capítulo 3º da dissertação de mestrado intitulada (Im)possibilidades e limites da universalização da educação sob o capital, (Maceno, 2005, p. 85-117).

É, pois, nesse particular que se inserem as condições de formação, trabalho e carreira docente, as quais, conforme sinalizam estudos como os de Kuenzer (2011) e Machado Costa (2013), também se constituem aspectos que desafiam o Ensino Médio.

Um primeiro ponto diz respeito à formação inicial, visto que, conforme dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em 2015, somente 93,1% dos professores que atuavam no Ensino Médio tinham formação superior, o que demonstra a existência de professores lecionando esta etapa educacional sem ter uma graduação ou até mesmo, como sugere Machado Costa (2013, p. 97), com a possibilidade de alguns deles não terem cursado, nem ao menos, o próprio Ensino Médio. Esta situação, por sua vez, se agrava quando constatamos que, segundo dados do Censo da Educação Básica 201515, no referido ano, dos professores com educação superior atuando no Ensino Médio, somente 52,6% lecionavam disciplinas para as quais têm formação em licenciatura e/ou bacharelado com complementação pedagógica.

Já sobre as condições em que se dá a atuação destes trabalhadores em educação, os dados são abundantes em mostrar um intenso e contínuo processo de precarização, seja no que tange à quantidade de estudantes que atendem, na medida em que, conforme dados do INEP16, o Ensino Médio registra a maior média de estudantes por sala da Educação Básica (30,2 estudantes); seja na extensa jornada de trabalho, uma vez que parte considerável destes trabalhadores acumula carga horária, muitas delas em escolas diferentes; seja na desvalorização social e salarial, visto que, apesar da aprovação da Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008 (Brasil, 2008b), que estabelece diretrizes para um piso nacional para os professores da Educação Básica, a remuneração paga aos docentes e a consideração da jornada com hora-atividade varia, consideravelmente, de acordo com as unidades da federação. Segundo levantamento da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE, 2014), em 2013 a maioria dos estados brasileiros não cumpria a Lei do Piso em sua integralidade (remuneração mínima mais destinação de 1/3 da


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15 Disponível em: http://portal.inep.gov.br/indicadores-educacionais. Acesso em: 08 out. 2016. 16 Indicadores Educacionais da Educação Básica/Média de alunos por turma no Brasil em 2015 (INEP, 2015).

jornada de trabalho para hora-atividade) e alguns deles chegavam a não cumprir nenhum dos requisitos exigidos pela Lei.

A estes desafios históricos, soma-se, entre outros que poderiam ser aqui listados, o fato de que é nessa etapa da Educação Básica que a relação entre educação e trabalho se torna mais direta e conflituosa, seja porque parte considerável dos estudantes precisa, desde já, assumir a dupla condição de estudante e trabalhador (Ferreira, 2011), seja porque a equação escolaridade – mercado de trabalho - ascensão social começa a ser percebida pelos estudantes como uma meia verdade ou uma promessa cada vez mais distante.

Um indicador neste sentido é a elevada quantidade de estudantes que frequenta o Ensino Médio no período noturno, o qual, mesmo em decréscimo, ainda correspondeu, em 2014, a 25,91% da matrícula desta etapa educacional. Em 2009, o período noturno respondia por 37% das matrículas do Ensino Médio. Ou seja, diante da necessidade de garantir, desde muito cedo, a própria reprodução material, parte considerável dos estudantes tem como alternativa ou o Ensino Médio noturno (quando este possibilita tal conciliação), ou o abandono escolar, como atestam os índices já indicados neste trabalho.

Diante desse cenário, não é estranho que essa etapa educacional tenha registrado desempenho aquém das metas oficialmente postas, a exemplo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) que apresenta, conforme se pode ver na tabela 3, uma estagnação desde o ano de 2011, inclusive com piora na nota obtida pelas instituições privadas.

Tabela 3 – Resultados e metas do Ensino Médio no IDEB de 2005 a 2015


IDEB Observado





Metas




2005

2007

2009

2011

2013

2015

2007

2009

2011

2013

2015

Total

3.4

3.5

3.6

3.7

3.7

3.7

3.4

3.5

3.7

3.9

4.3

Dependência Administrativa

Estadual

3.0

3.2

3.4

3.4

3.4

3.5

3.1

3.2

3.3

3.6

3.9

Privada

5.6

5.6

5.6

5.7

5.4

5.3

5.6

5.7

5.8

6.0

6.3

Pública

3.1

3.2

3.4

3.4

3.4

3.5

3.1

3.2

3.4

3.6

4.0

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP17.


Claro que se poderia problematizar aqui, tanto a metodologia utilizada pelo MEC, através do INEP, para medir a qualidade do serviço educacional prestado à população brasileira, como também, o nível de confiança desses resultados,


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17 Disponível em: http://ideb.inep.gov.br/resultado/resultado/resultadoBrasil.seam?cid=382278. Acesso em: 08 out. 2016.

considerando-se o que aconteceu, em outubro de 2016, com a divulgação dos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM de 2015. Conforme noticiou a imprensa18 e admitiu o próprio INEP, em sua página na internet19, houve a desconsideração de 96% dos institutos federais (que são escolas públicas de Educação Básica) na divulgação da nota por escola - equívoco bastante tendencioso, em tempos de desqualificação do serviço público como estratégia de justificação das políticas de privatização.

No entanto, o que nos interessa aqui é o fato de que, duas semanas depois que tornou público o resultado do IDEB 2015, o Poder Executivo Federal, sob a alegação de que era urgente intervir no Ensino Médio brasileiro, publicou uma Medida Provisória, reformando essa etapa educacional. Trata-se da MP 746, de 22 de setembro de 2016, posteriormente aprovada como Lei n. 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, a qual se propõe a fomentar a implementação de escolas de Ensino Médio de Tempo Integral e modifica a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/96) e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB).

Por ser a Lei 13.415/2017, fruto da MP 746/2016, o principal instrumento a partir do qual o governo se põe a intervir nos desafios do Ensino Médio brasileiro, nos dedicaremos a analisá-la a seguir.


A reforma que deforma: o Novo Ensino Médio e o falso enfrentamento dos velhos desafios da educação brasileira

Prevista no artigo 62 da Constituição Federal de 1988, a Medida Provisória se constitui em uma lei editada pelo Presidente da República que, apesar de ser submetida à apreciação do Congresso Nacional e poder ser alterada ou rejeitada por este, já passa a vigorar no ato de sua publicação pelo Poder Executivo.

Outra característica importante desse dispositivo jurídico é que ele deve ser usado em casos de relevância e urgência e força o Congresso Nacional a apreciá- lo dentro de um prazo de apenas 60 dias, na medida em que, mesmo


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18 Disponível em: Acesso em: http://g1.globo.com/educacao/noticia/governo-exclui-96-dos- institutos-federais-em-divulgacao-do-enem-por- escola.ghtml?utm_source=facebook&utm_medium=share-bar-desktop&utm_campaign=share-bar . 05 nov. 2016.

19Disponível em:

http://portal.inep.gov.br/c/journal/view_article_content?groupId=10157&articleId=169771&version=

1.1. Acesso em: 22 nov. 2016.

podendo ser prorrogável por igual período, caso transcorram 45 dias de sua publicação e não seja concluída, a MP tranca a pauta da Casa Legislativa na qual se encontra.

Por aí, podemos ter uma ideia da gravidade da situação: a Lei 13.415/2017 resulta de um dispositivo jurídico-político que procura reformar uma etapa educacional repleta de problemas estruturais e históricos sem debates com a sociedade20 e de forma aligeirada no Congresso Nacional. Vamos ao documento.

Embora exista uma diferença na quantidade de artigos entre a versão inicial (Medida Provisória 746/2016) e a versão final (Lei n. 13.415/2017) dos dispositivos legais que instituem a reforma do Ensino Médio, eles podem ser agrupados em três eixos temáticos: 1) Ensino Médio em Tempo Integral; 2) Reestruturação Curricular; 3) Dispensa da licenciatura para atuação como professor na área de conhecimento “formação técnica e profissional”.

No aspecto temático, a reforma do autoproclamado Novo Ensino Médio não é inovadora. Em dois dos eixos ela não somente assume, como também torna pior as propostas já debatidas no âmbito do Projeto de Lei nº 6.840, de 2013, fruto de 17 meses de trabalho de uma comissão especial, instituída na Câmara dos Deputados, e incumbida de promover estudos e proposições para a reformulação do Ensino Médio21. Entre as polêmicas propostas do PL 6.840/2013 que a MP 746/2016 e a Lei 13.415/2017 assumem estão: a adoção do Ensino Médio em tempo integral; a efetivação da organização curricular por áreas de conhecimento (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas); e o direcionamento de parte do Ensino Médio para aprofundamento em uma das áreas de conhecimento ou em uma habilitação profissional22.

O primeiro dos eixos temáticos é a inclusão, no artigo 24 da LDB 9.394/96, de um parágrafo que prevê a progressiva ampliação da carga horária mínima



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20 Embora todo o processo de tramitação da MP 746/2016 tenha sido marcado por protestos e resistência de estudantes (inclusive por meio da ocupação de escolas), professores e instituições educacionais de todo o país, a referida proposta de lei chega à sua versão final (Lei n. 13.415/2017) sem alterações substanciais ou incorporação das demandas dos manifestantes contrários à MP.

21 Uma síntese dessas críticas pode ser consultada em texto do Movimento Nacional pelo Ensino Médio, composto por 10 entidades do campo educacional, que resistem à aprovação do PL 6.840/2013. Este e outros textos contrários ao referido projeto podem ser acessados no Portal do Observatório do Ensino Médio, da Universidade Federal do Paraná (UFPR): http://www.observatoriodoensinomedio.ufpr.br/movimento-nacional-em-defesa-do-ensino-medio/. 22 O PL 6.840/2013 propunha que apenas o terceiro ano de escolaridade tivesse esse direcionamento diferenciado.

anual do Ensino Médio de 800 horas para 1.400 horas. Com isso, a reforma do Ensino Médio procura incentivar a adoção do Ensino Médio em Tempo Integral, instituindo, no âmbito do Ministério da Educação (MEC), uma política de fomento e transferência de recursos financeiros aos sistemas de ensino que aderirem à proposta.

Vista de forma isolada, a medida parece interessante, pois supostamente assume o desafio de contribuir com a implementação de escolas de Ensino Médio em tempo integral, oferecendo, entre outras possibilidades, maior dedicação aos estudos, ampliação das potencialidades estudantis em áreas como esporte, cultura e lazer e melhor aproveitamento do tempo escolar.

No entanto, dizemos supostamente porque o referido dispositivo legal não dispõe de condições reais para se efetivar, tendo em vista que, para tal, precisaria enfrentar, entre outros, desafios como: forte investimento na infraestrutura das escolas para adaptá-las à nova realidade, adoção de uma política de formação e trabalho docente em tempo integral e com dedicação exclusiva, e concessão de bolsas de estudo para os estudantes de baixa renda que, desde cedo, precisam conciliar escola e trabalho.

Apesar de o Censo Escolar da Educação Básica de 2013 mostrar que é razoável a infraestrutura das escolas de Ensino Médio, na medida em que 87,7% delas apresentam bibliotecas ou salas de leitura; 93,2% têm acesso à internet; 91,5% possuem laboratório de informática e 75,5% têm quadra esportiva, esses recursos são insuficientes para a demanda de tempo integral, tendo em vista que os estudantes não somente precisariam passar todo o dia nas dependências da escola, como também, necessitariam de espaços e equipamentos para desenvolver atividades esportivas, culturais, cientificas e/ou tecnológicas, que vão além do ambiente e dos recursos hoje oferecidos.

Sobre a atual situação dos docentes e dos estudantes do Ensino Médio, conforme já indicamos na seção anterior, esta não é nada favorável à escolarização em tempo integral sem o seu devido enfrentamento.

A reforma do Ensino Médio (MP 746/2016 e Lei n. 13.415/2017) até se propõe a garantir recursos para atender essas e outras demandas. No entanto, essa promessa, além de difícil, se torna impraticável sob a vigência da Emenda

Constitucional n. 95, de 15 de dezembro de 201623, a qual instituiu um novo regime fiscal, estabelecendo limites para o aumento das despesas públicas. Isso afeta diretamente direitos sociais como educação e saúde, pois, na prática, a EC 95, ao condicionar, por um período de 20 anos (até 2036), os gastos públicos ao montante investido no ano anterior mais o reajuste da inflação, congela os investimentos sociais e legitima a ideologia do Estado mínimo. Neste cenário, como garantir o repasse de recursos de forma suficiente para atender as demandas dos sistemas de ensino na implementação da escola de tempo integral?

O segundo eixo temático da reforma do Ensino Médio diz respeito à reestruturação curricular do Ensino Médio. De acordo com a Lei 13.415/2017, somente Língua Portuguesa e Matemática são componentes obrigatórios nos três anos do Ensino Médio24, ficando as demais disciplinas condicionadas ao que for estabelecido pela versão final da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)25 e obrigatórias somente até o limite da carga horária máxima destinada ao cumprimento da BNCC (1.800 horas26).

Essa mudança tem sérias implicações, seja no que tange ao lugar dos componentes curriculares na formação dos estudantes, seja no tocante à fragmentação do caráter formativo e universal do Ensino Médio, defendido pela LDB 9.394/96, ou ainda no que diz respeito à vinculação direta e imediata entre o Ensino Médio e a formação de força de trabalho para o mercado, e o aligeiramento da formação média e superior.

No primeiro caso, o cenário é de insegurança para a maioria dos componentes curriculares, tendo em vista que estes deixam de ser garantidos como obrigatórios por uma lei cuja mudança precisa da apreciação do Congresso Nacional (a LDB), e ficam dependentes de “aprovação do Conselho Nacional de



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23 Na Câmara dos Deputados a referida lei tramitou como PEC 241/2016. Já no Senado, ela foi apreciada sob a denominação PEC 55/2016.

24 O ensino de Língua Inglesa também é definido pela MP 746/2016 e pela Lei 13.415/2017 como obrigatório, embora não fique clara a sua duração, como Língua Portuguesa e Matemática.

25 Documento em elaboração, desde junho de 2015, sob a coordenação da Secretaria de Educação Básica (SEB) do MEC, e voltado à definição dos conhecimentos básicos que os estudantes deverão ter acesso, em cada componente curricular, da Creche ao Ensino Médio. A elaboração do documento envolveu vários segmentos da sociedade brasileira, inclusive, com abertura para proposição via internet.

26 A MP 746/2016 propunha que o limite para o cumprimento da BNCC fosse de apenas 1.200 horas.

Educação e de homologação pelo Ministro de Estado da Educação27” (Brasil, 2017, art. 2º, § 10).

Conhecendo a história de disciplinas marcadas pela intermitência e pela falsa suspeita de doutrinação ideológica de esquerda, como é o caso da Sociologia e da Filosofia, não é exagerado o receio de que estas correm sérios riscos de exclusão, sobretudo, em um cenário no qual, propostas como a do Projeto Escola Sem Partido28 recebem adesão de parlamentares e do próprio Ministro de Estado da Educação.

Com relação à fragmentação do caráter formativo e universal do Ensino Médio, isso é ainda mais grave, pois retira do estudante secundarista a possibilidade de ter uma Educação Básica por inteiro, na medida em que reduz a universalidade a no máximo 1.800 horas (pouco mais de 1 ano e meio), tempo insuficiente para desenvolver as habilidades mínimas necessárias para situar-se no mundo como sujeito de sua própria história. Claro que, com isso, não estamos dizendo que o Ensino Médio como “está” cumpra adequadamente esta função. Contudo, tampouco acreditamos que seja a redução do tempo de contato do estudante com o conhecimento historicamente acumulado que irá resolver os problemas que hoje afetam a etapa educacional em tela.

Por outro lado, poder-se-ia argumentar que não haverá fragmentação, na medida em que, após a metade do curso, o estudante teria a possibilidade de prosseguir o Ensino Médio em um dos cinco itinerários formativos indicados, a saber: 1) linguagens e suas tecnologias; 2) matemática e suas tecnologias; 3) ciências da natureza e suas tecnologias; 4) ciências humanas e sociais aplicadas;

5) formação técnica e profissional.

No entanto, isso em nada altera o caráter fragmentário da nova proposta curricular, uma vez que, embora caiba aos sistemas de ensino organizar os seus currículos a partir de uma ou mais área de conhecimento, estes precisarão dispor de condições para concretizarem tal oferta, e os estudantes somente poderão


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27 A MP 746/2016 exigia ainda que fossem ouvidos o Conselho Nacional de Secretários de Educação - Consed e a União Nacional de Dirigentes de Educação – Undime.

28 Trata-se de um movimento criado em 2004, pelo advogado Miguel Nagib, e que, desde 2014, vem protagonizando, nas esferas municipal, estadual e federal, a apresentação de projetos de lei que buscam criminalizar o que denomina “doutrinação ideológica de esquerda” na sala de aula. Os professores Lalo Watanabe Minto, Fabiana Cássia Rodrigues e Anibal Gonzalez, pesquisadores da UNICAMP, organizaram para o blog Marxismo21, um excelente dossiê sobre o assunto, envolvendo artigos, entrevistas, sites, vídeos, manifestos e matérias publicadas na imprensa. Disponível em: http://marxismo21.org/escola-sem-partido/. Acesso em: 09 out. 2016.

cursar um segundo itinerário após a conclusão de outro - e ainda a depender da disponibilidade de vaga na rede. Também destaque-se que a opção pelos itinerários somente eliminaria a fragmentação se o estudante pudesse passar por todos eles, de forma concomitante ou subsequente, o que no primeiro caso (concomitante), dispensaria a existência dos mesmos, e no segundo (subsequente), elevaria a duração do Ensino Médio para cerca de 9 anos de escolaridade.

Além disso, a fragmentação do Ensino Médio também pouco ou nada influi sobre problemas atuais, a exemplo da repetência e do abandono escolar. Comumente atribuídos ao currículo, por ser desinteressante e alheio à realidade juvenil, estes indicadores de rendimento podem piorar sob a nova reconfiguração da etapa educacional em tela, uma vez que os sistemas de ensino oferecerão itinerários formativos limitados e estes nem sempre corresponderão às expectativas dos estudantes, deixando insatisfeitos ou à margem aqueles que preferiam estar cursando outro caminho de estudo.

A terceira consequência da reestruturação curricular é a vinculação direta e imediata entre o Ensino Médio e a formação de força de trabalho para o mercado. Isto é, ao oferecer como um dos itinerários formativos a “formação técnica e profissional” em padrão totalmente diferente daquele proposto aos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs)29, a reforma do Ensino Médio induz os sistemas de ensino a oferecerem força de trabalho o mais rápido possível ao mercado de trabalho, inclusive, abrindo brechas para as parcerias público-privadas e para a contabilização da venda da força de trabalho estudantil como tempo de formação escolar.

Essa medida em nada ajuda a situação do estudante-trabalhador. Pelo contrário, ela legitima a exploração precoce e precariza ainda mais a formação dos estudantes, na medida em que estes agora podem dedicar-se somente à prática profissional sem precisarem compreender minimamente seus elementos histórico-filosóficos, científicos, estéticos e políticos. Também não se pode perder de vista que, neste particular, a reforma do Ensino Médio afronta as Diretrizes

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29 O Ensino Médio Integrado, oferecido pelos IFs, se alicerça na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, bem como, na oferta de uma educação onilateral, sendo o trabalho concebido, não como sinônimo de emprego (venda da força de trabalho), e sim, em sua dimensão ontológica (responsável pela existência e a reprodução do ser social) e histórica. Neste sentido, não se procura, através dos IFs, promover a formação precoce de força de trabalho, como deseja a MP 746/2016, e sim, a formação do ser humano integralmente (Brasil, 2012b; Moura, 2014).

Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Brasil, 2012a), que estabelece como princípios nucleadores da organização curricular dessa etapa educacional, o trabalho em sua dimensão histórica e ontológica, a ciência, a cultura e a tecnologia. Ou seja, ao reduzir o trabalho à sua dimensão histórica capitalista, enquanto venda da força de trabalho, a reforma do Ensino Médio desmerece o papel deste na constituição e na estruturação da vida social, reduzindo-o à condição de emprego. Já com relação aos demais princípios (ciência, cultura e tecnologia), reforma do Ensino Médio os fragmenta e isola, permitindo o acesso limitado a apenas alguns deles, a depender do itinerário formativo escolhido.

A quarta consequência da reestruturação curricular é o aligeiramento da formação média. Ou seja, ao abrir a possibilidade de que o Ensino Médio possa ser organizado em módulos e adotar o sistema de créditos disciplinares, a reforma do Ensino Médio desconsidera a especificidade e o perfil dos sujeitos que frequentam a última etapa da Educação Básica. Como resultado, podemos esperar a entrega de um produto ao mercado (a força de trabalho) nos padrões fast food.

O terceiro eixo temático da reforma do Ensino Médio é tão ou mais problemático que os dois primeiros. Trata-se de uma mudança que fere de morte o processo de formação, trabalho e carreira docente, na medida em que abre brecha para a contratação de professores sem licenciatura, exigindo-se apenas “notório saber” em áreas relacionadas ao itinerário formativo denominado “formação técnica e profissional”. Ora, tal medida desconsidera e segue na contramão da luta histórica e dos debates contemporâneos30 que apontam a necessidade urgente de se investir na formação didático-pedagógica, em nível inicial e continuado, dos professores que atuam com a educação profissional e tecnológica no Brasil, tendo em vista as debilidades que comprometem a qualidade dos serviços educacionais prestados pelos docentes sem a devida formação pedagógica.

Assim, ao invés de avançar no tempo, enfrentando os desafios contemporâneos do Ensino Médio, a reforma do Ensino Médio ressuscita o artigo 9º do Decreto n. 2.208, de 17 de abril de 1997, que abria a possibilidade de que o currículo do ensino técnico fosse ministrado não apenas por professores de


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30 Ver a respeito, entre outros, os estudos de Machado (2008) e Moura (2014).

formação, mas também por instrutores e monitores, selecionados, principalmente, com base em sua experiência profissional (o atual notório saber). É mais um ataque às condições de formação, trabalho e carreira docente, pois além de por em risco os postos de trabalho, com a desobrigatoriedade e a redução drástica da carga horária da maioria dos componentes curriculares, a reforma do Ensino Médio menospreza a formação didático-pedagógica, dando a entender que qualquer profissional pode ser professor, bastando ser considerado portador de “notório saber”.


Considerações finais

No decorrer do presente texto, buscamos apresentar alguns dos avanços e desafios que caracterizam o Ensino Médio no Brasil, bem como, analisamos os possíveis impactos da Lei n. 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, fruto da Medida Provisória n. 746, de 22 de setembro de 2016, na reconfiguração da etapa educativa em discussão.

Ao longo do texto, acreditamos ter demonstrado que, apesar de avanços como: a garantia legal de universalização dessa etapa educacional, sua inserção no FUNDEB, sua reintegração com a Educação Profissional e a aprovação das novas DCNEM, persistem problemas estruturais e históricos como: a oscilação negativa na taxa de matrícula, o baixo desempenho nos exames nacionais, o elevado índice de reprovação e abandono escolar, a falta de políticas de assistência aos estudantes-trabalhadores e as insuficientes condições de formação, trabalho e carreira docente.

Frente a estes desafios, aludimos que propostas de intervenção como aquelas materializadas na Lei n. 13.415/2017, longe de representarem o real enfrentamento dos problemas que assolam a etapa educacional em tela, pioram a situação. Isso porque, na medida em que desconsidera as causas daquilo que busca enfrentar, a referida Lei acaba legitimando a dualidade estrutural, tendo em vista que não somente precariza a formação dos filhos da classe trabalhadora, como também, incentiva-os a se profissionalizarem de forma precoce. Com isso, embora não seja legalmente vetada a possibilidade de prosseguimento dos estudos, na prática, esta se torna mais distante, seja devido as desigualdades de condições que se manifestam nos processos seletivos, seja em face da dura escolha entre o estudo e o trabalho.

Já aos filhos da classe dominante, que dispõem não apenas de melhores condições para se dedicarem aos estudos, mas também, frequentam escolas particulares ou públicas capazes de oferecer itinerários formativos em maior quantidade e melhor qualidade, fica garantida a continuidade dos estudos e a ocupação dos postos de comando.

Assim, concluímos defendendo que não há dúvidas acerca da relevância e da urgência de se intervir no Ensino Médio brasileiro. Contudo, consideradas as questões postas ao longo deste estudo, pensamos que a MP 746/2016, convertida na Lei n. 13.415/2017, não promoverá uma reforma do Ensino Médio, e sim, o deformará ainda mais, na medida em que cria as condições adequadas para a separação de fato e de direito entre aqueles que estudam para mandar e aqueles que estudam somente para fazer.


Referências


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Recebido em: 13 de setembro de 2016

Aprovado em: 02 de maio de 2017 Pubicado em: 4 de junho de 2017

PROJOVEM URBANO: jovens e adultos como sujeitos históricos de um projeto societário excludente¹


Leandro Gaspar2


Resumo

O artigo tem por objetivo analisar a Educação de Jovens e Adultos no contexto das políticas educacionais, especificamente, o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem Urbano). A problemática que insurge desse debate recai na proposta de inclusão social que o Partido dos Trabalhadores tem direcionado à juventude brasileira. Utilizando de fragmentos da pedagogia socialista para dar um novo sentido às políticas de governo, o Estado passa a utilizar o discurso voltado à qualificação social com vistas a proporcionar o desenvolvimento humano. Contudo, o resultado dessa pesquisa aponta para um cenário caótico de precarização na oferta, qualidade social dos cursos e mau uso do dinheiro público, com experiências frustrantes quanto às expectativas dos sujeitos históricos atendidos pelo programa. O objetivo de proporcionar a inclusão social através da qualificação profissional vem materializando-se numa política assistencialista, cuja prática pedagógica resgata a teoria do capital humano em seus fundamentos, reproduzindo a força de trabalho simples necessária à reprodução do capital.


Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos; qualificação profissional; inclusão social


Abstract

The purpose of this article is to analyze the education of young people and adults in the context of educational policies, specifically the National Youth Inclusion Program (ProJovem Urbano). The problem that prompts this debate lies in the proposal of social inclusion that the Workers' Party has directed the Brazilian youth. Using fragments of socialist pedagogy to give a new meaning to government policies, the State starts to use the discourse focused on social qualification in order to provide human development. However, the result of this research points to a chaotic scenario of precarious supply, social quality of courses and poor use of public money, with frustrating experiences regarding the expectations of the historical subjects served by the program. The objective of providing social inclusion through professional qualification has materialized in a welfare policy whose pedagogical practice rescues the theory of human capital in its foundations, reproducing the simple workforce necessary to the reproduction of capital.


Keywords: Youth and Adult Education; professional qualification; social inclusion


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1 DOI: https://doi.org/10.22409/tn.15i26.p9630

2 Doutorando em Educação - Universidade de São Paulo (USP). E-mail: leandrogaspar@usp.br

Introdução

O debate sobre a educação de jovens e adultos, como prática social de mediação na formação do trabalhador, vem demonstrando os caminhos controversos pelos quais as políticas de governo não têm conseguido responder as expectativas da classe trabalhadora. Para Souza (2011), a evolução da história das políticas para a juventude foi determinada pela exclusão dos jovens da sociedade e os desafios de como lhes facilitar processos de transição e integração ao mundo adulto (SOUZA, 2011, p. 19). Esses desafios são reflexos das múltiplas determinações da vida material circunscrita ao capital, na qual a inclusão social configura-se como a questão central das políticas de governo.

A eleição do Presidente Lula da Silva (2003) possibilitou a democratização do acesso ao ensino para os jovens e adultos trabalhadores, no intuito de adaptar a força de trabalho à reestruturação produtiva. Nesse cenário, o Estado passa a oferecer programas de elevação da escolaridade e qualificação rápida para o mercado de trabalho. O Programa Nacional de Inclusão de Jovens surge como proposta de mudança, por meio da Lei no 11.129 de 30 de junho de 2005, incorporando antigos programas sociais como o “Escola de Fábrica”, o “Programa de Erradicação do Trabalho Infantil”, o “Saberes da Terra”, o “Consórcio Social da Juventude” e o “Juventude Cidadã”.

A Lei n 11.692 de 10 de junho de 2008(a) consolida uma reforma estrutural do programa alargando o conceito de juventude. Nessa versão, o Projovem Integrado institui as seguintes modalidades: Adolescente; Campo; Trabalhador e Urbano, modificando os critérios de acessibilidade e chamando a atenção pela sua abordagem reducionista, no que compete ao seu projeto pedagógico.

O Estado passa a priorizar a qualificação profissional se apropriando de fragmentos de proposições da pedagogia socialista, cujo discurso defende a qualificação social e o desenvolvimento humano. O Projovem Urbano assume o elemento constitutivo de política integrada permeada de novos sentidos, na qual a conscientização da participação cidadã ganha destaque no discurso dominante para formar um novo perfil de trabalhador flexível, preparado para se adaptar às mudanças da economia globalizada. De modo que, a temática da Juventude e sua relação com o trabalho, especificamente, o enfoque no processo de formação dos jovens e adultos trabalhadores passa a constituir-se como um objeto de investigação, não apenas urgente, tendo em vista os altos índices do desemprego

entre os jovens no mundo, mas, sobretudo, por abordar o projeto societário de formação da classe trabalhadora. Os sentidos e significados desse projeto societário se apresentam relevantes pelo fato do país estar inserido em uma totalidade concreta, como parte da divisão internacional do trabalho, cujos pressupostos visam o fortalecimento do capitalismo mundial.

Desde sua criação, o Projovem Urbano vem sendo considerado pelo Estado como política de “inclusão social”. Entretanto, na última década, o programa tem sido conduzido através de caminhos controversos como política educacional, não consolidando os objetivos propostos. Desta forma, torna-se fundamental apreendermos o movimento real do Projovem Urbano por intermédio da análise de documentos oficiais e de sua abordagem teórico-metodológica que vem sendo difundida pelo governo como mais uma promessa integradora.

O objetivo do estudo é apreender as implicações e contradições do Projovem Urbano, analisando a perspectiva de “inclusão social” encontrada em seus documentos oficiais. Para isso, realizaremos uma pesquisa de cunho qualitativo, através de análise documental de fontes primárias e secundárias, confrontando com as experiências registradas pela mídia digital: jornais e sites de notícias.

A hipótese é de que a formação profissional oferecida pelo Estado não tem alcançado mudanças significativas no quadro global de redução das desigualdades sociais. Consiste, portanto, numa ideologia que busca reproduzir a força de trabalho socialmente necessária aos interesses do capital. Para isso, utilizaremos o materialismo histórico-dialético como referencial teórico, por entendermos ser o método que melhor responde à dinâmica do tecido social.

O artigo está dividido em três partes, além da conclusão. Na primeira, analisaremos as determinações político-econômicas na educação contemporânea, na qual está inserido o Projovem Urbano. Na segunda, discutiremos a proposta de “inclusão social” a partir da análise de dois documentos do Estado - o Projeto do Programa do Projovem (2006) e o Projeto Pedagógico Integrado (2008b). Por último, e não menos importante, buscamos identificar como o programa tem se materializado na realidade concreta dos jovens e adultos trabalhadores, através do levantamento das experiências do Projovem Urbano pela mídia digital: jornais e sites de notícias.

Pressupostos da educação contemporânea

A tradição excludente da educação brasileira é uma discussão histórica que remonta à própria formação social brasileira. Segundo Souza (2000), “até 1930, no Brasil, a educação da classe trabalhadora não tinha muito significado para a constituição da sociedade e, por isso, foi tratada de forma desorganizada e assistemática” (SOUZA, 2000, p. 77). De acordo com cada período histórico, o capitalismo passou a demandar conformações sociais específicas, adaptando a formação profissional da classe trabalhadora para responder às singularidades de cada etapa do processo produtivo.

Na década de 1970, consolidou-se, no pensamento político brasileiro, a predominância de projetos educacionais de cunho tecnicista, pautados na teoria do capital humano, cujo ideário defendia a relação direta entre educação e trabalho. No Brasil, ao final do século, a política neoliberal consolidou a reestruturação produtiva adaptando novas formas de sociabilidade do capital, na qual as relações de produção passam a se materializar em um cenário de “precarização” do trabalhador, representado pelo aumento do desemprego e da desvalorização da força de trabalho. Ao mesmo tempo, o prolongamento da cadeia produtiva passa a constituir-se no fio invisível que movimenta o capital transnacional, manifestando-se através da produção cooperativada das famílias, dos pequenos produtores individuais, e dos setores informais; construindo barreiras invisíveis que multiplicam a riqueza socialmente produzida nos diversos cantos do mundo por meio da lógica da acumulação, concentração e centralização do capital.

Para Ciavatta (2000), “o Brasil, como os demais países Latino- americanos, propõe-se a gerar um mercado de trabalho dentro dos padrões da globalização e de suas experiências mais avançadas, como o toyotismo, o controle de qualidade e a flexibilização das relações de trabalho para a competitividade internacional” (CIAVATTA, 2000, p. 119).

A autora destaca que, através da globalização “econômica, política e cultural, e da abertura dos mercados, somos integrados, a partir de interesses externos, ao mercado internacional, onde está em curso um processo mais geral de reestruturação do capitalismo e da produção, na busca de um novo padrão de desenvolvimento” (CIAVATTA, 2000, p. 119).

Nesse sentido, o país ratificava sua condição de economia dependente, adaptando-se ao pensamento neoliberal dos organismos internacionais. O fomento as políticas de alívio à pobreza consistia em uma das ideias dominantes para combater a crise do desemprego. Assim, a empregabilidade emergia como horizonte a ser alcançado dando novos sentidos às relações de trabalho para responder às crises do mercado.

Para Saviani (2005), “não se trata mais da iniciativa do Estado e das instâncias de planejamento visando assegurar, nas escolas, a preparação da mão de obra para ocupar postos de trabalho definidos num mercado que se expandia em direção ao pleno emprego” (idem, p. 21). De acordo com o autor, “agora é o indivíduo que terá de exercer sua capacidade de escolha visando adquirir os meios que lhe permitam ser competitivo no mercado de trabalho e o que ele pode esperar das oportunidades escolares já não é o acesso ao emprego, mas apenas a conquista do status de empregabilidade” (SAVIANI, 2005, p. 21).

Nesse contexto, o Estado instituiu a dominação simbólica, promovendo o discurso da educação profissional articulada à educação de jovens e adultos para alcançar o controle social através do convencimento de que os elevados índices de desemprego decorriam da baixa qualificação profissional dos trabalhadores. Tais mecanismos de dominação se propagaram modificando as relações sociais, difundindo um conjunto de “noções” que buscavam conformar a consciência social dos trabalhadores às mudanças do padrão flexível de produção.

Segundo Frigotto (2011), “para o campo trabalho e educação, a esse conjunto de noções pode-se acrescentar a inclusão, sociedade do conhecimento, sociedade tecnológica, qualidade total, competências, empreendedorismo, capital humano, equidade, capital social etc” (2011, p. 114). Nessa direção, as políticas de governo assumem a função de “incluir” os jovens e adultos trabalhadores marcados pelo signo do desemprego, por meio de um projeto societário permeado de interrogações. Para Frigotto (2011),


A noção de “inclusão” desloca a ideia de integração na sociedade e as organizações e instituições sociais que asseguravam direitos coletivos. Por esta razão, as políticas de inclusão, já na origem, nascem marcadas pela precariedade e pela marca do provisório. São políticas não universais e que atingem grupos específicos vítimas das relações sociais de produção (FRIGOTTO, 2011, p. 115).

Em 2005, o Presidente Lula da Silva (2003-2010) deu o primeiro passo para consolidar a Política Nacional da Juventude, com a criação da Secretaria Nacional da Juventude, do Conselho Nacional da Juventude e do Programa Nacional de Inclusão de Jovens. Nessa proposta, o econômico e o social se confundiam estrategicamente dando uma nova configuração às políticas de formação para o trabalho. Alguns conceitos alinhados ao discurso da “inclusão social” reafirmavam a teoria do capital humano sob o conceito da qualificação social e da formação cidadã.

A partir do segundo mandato do governo da Lula da Silva, os anúncios sobre crescimento econômico passam a ser associados ao de desenvolvimento social, justificados pelo que seria a implementação de um modelo alternativo ao neoliberalismo, denominado de “novo-desenvolvimentista2” (MOTTA, 2012, p. 394). Segundo a autora, “é possível constatar a proposta sendo objetivada através de programas de aceleramento do crescimento, de investimentos em infraestrutura, incentivos fiscais e empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao empresariado brasileiro, políticas de redistribuição de renda, etc.”.

Neste período, as políticas de governo passaram a se caracterizar por um misto de políticas de transferência de renda e requalificação profissional. Contraditoriamente, os processos pedagógicos que consolidaram a teoria do capital humano nos últimos cinquenta anos, que buscaram empreender um sentido produtivista à relação trabalho-educação, qualificação e trabalho, educação e produtividade, não consolidaram mudanças significativas na realidade social da juventude. Então, por qual motivo devemos esperar que a Política Nacional de Inclusão de Jovens modifique o quadro de subordinação ao capital? Podemos inferir que este programa tem outra perspectiva de inclusão, sendo a qualificação profissional um papel específico para conformar os trabalhadores ao projeto societário dominante. Perante esse contexto, compete-nos analisar e discutir o Projeto do Programa Projovem (2006) e o Projeto Pedagógico Integrado (2008b), no sentido de apreendermos as implicações da política de governo voltada à formação profissional dos jovens e adultos trabalhadores.



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2 Tal denominação teve como inspiração um artigo de Bresser-Pereira publicado na Folha de São Paulo em 19 de setembro de 2004. Neste artigo, Bresser-Pereira relaciona a ideia de “novo- desenvolvimentismo” como uma estratégia nacional de desenvolvimento (MOTTA, 2012, p.394).

Trajetórias e limites: a Inclusão Subalterna do Projovem Urbano

Para o Estado, “investir em uma política nacional integrada (...) representa uma dupla aposta: criar as condições necessárias para romper o ciclo de reprodução das desigualdades e restaurar a esperança da sociedade em relação ao futuro do Brasil” (BRASIL, 2008b, p. 13). É sobre esse discurso que o Estado cria o Projovem Urbano como política voltada a combater dois dos principais desafios que permeiam a vida material dos trabalhadores, ou seja, a emancipação social através da inserção produtiva.

De acordo com o Projeto Pedagógico Integrado do Projovem Urbano (PPI), o programa tem como finalidade proporcionar “a formação integral ao jovem por meio de uma efetiva associação entre elevação de escolaridade, qualificação profissional e desenvolvimento de ações comunitárias” (2006, p. 12). Nesta perspectiva, a “formação integral” compreende atividades de Formação Básica (1.092 horas), Qualificação Profissional (390 horas) e Ação Comunitária (78 horas), somando 1.560 horas presenciais, além de 400 horas de atividades não- presenciais, totalizando “2.000” horas (BRASIL, 2008b, p. 80).

Segundo o Projeto do Programa Projovem (2006), os arcos são conjuntos de ocupações relacionadas, ou seja, que possuem base técnica comum, abrangendo as esferas da produção e da circulação (indústria, comércio, prestação de serviços), que podem garantir uma formação mais ampla, aumentando as possibilidades de inserção ocupacional do trabalhador (2006, p. 49).

Na proposta do Estado, o programa mostra-se “inovador” pela sua organização em arcos ocupacionais, compostos por quatro ocupações “que abrangem o planejamento, a produção e a comercialização de bens e serviços, de modo que o jovem se prepare para ser empregado, mas também pequeno empresário ou sócio de cooperativa” (BRASIL, 2008b, p. 34).

Na visão neoliberal, a abordagem metodológica do Projovem Urbano assume uma perspectiva totalizante, apresentando-se de forma inovadora, no sentido de propiciar a essa fração de classe, uma qualificação para o trabalho visando a “empregabilidade”. Assim, como, “a ideia do empreendedorismo utilizada no sentido lato e aplicável as mais variadas circunstâncias laborais, ou de preparação para o ingresso na vida produtiva” (RUMMERT, 2011, p. 145).

Sob esse aspecto, o objetivo do projeto dominante é formar um trabalhador capacitado psicofisicamente a desenvolver novas competências. Ainda sim, submetidos a uma certificação rápida e “vazia”, tal programa de governo intenta seus esforços no sentido de preparar os indivíduos, “mesmo que não estejam diretamente envolvidos na produção, partilhar de uma nova maneira de pensar que seja intrínseca a sua ação, isto é, devem incorporar uma concepção de mundo compatível com os novos tempos” (RUMMERT, 2011, p. 140-1). Nesse sentido, a qualificação profissional no Projovem Urbano possibilita a certificação em um arco de ocupações direcionada ao trabalho simples3, adaptando a força de trabalho às características locais e regionais.

O próprio levantamento estatístico do Estado ilustra essa realidade. Na implantação do programa original nas 27 capitais, “o arco ocupacional mais presente foi o de construção e reparos I e II, adotado em 19 capitais. O arco de turismo e hospitalidade foi oferecido em outras 17 e o de telemática em outras 14 capitais” (BRASIL, 2008b, p. 34). O PPI (2008b) registra que houve grande procura nas ofertas de profissionalização em madeira e móveis, que se concentram na região norte do país, nas capitais sobre a influência da floresta amazônica – com exceção de Belém que optou pelo agroextrativismo, também relacionado aos recursos da floresta (BRASIL, 2008b, p. 34).

Analisando a carga horária deparamo-nos com um dado no mínimo contraditório, a qualificação profissional é de 390 horas “presenciais” e 440 horas “não-presenciais” (2008b, p. 80), ou seja, a parte prática da formação que deveria ser enfatizada quanto às possibilidades de aprimoramento técnico-profissional é menor. Segundo o PPI, “as horas não-presenciais são dedicadas às leituras e atividades das unidades formativas, e a elaboração de planos e registros – individualmente ou em pequenos grupos – nos espaços e tempo mais convenientes ao estudante” (BRASIL, 2008b, p. 79). Apesar da mudança no currículo se fazer necessária, dada à reduzida carga horária destinada à qualificação profissional, a proposta dominante determina um “empobrecimento” da prática, o que contribui diretamente para o aumento da evasão escolar, tendo em vista que é a ação prática, ou seja, a qualificação para o trabalho, o principal motivo que conduzem os jovens e adultos trabalhadores a procurarem o curso.


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3 O trabalho simples, “mede-se pelo dispêndio da força de trabalho simples, a qual, em média, todo homem comum, sem educação especial, possui em seu organismo” (MARX, 2011, p. 66).

Segundo dados do governo, os alunos expressaram frustração “pelo fato de se tratar a Formação Técnica Geral nas duas primeiras unidades e se começar o estudo dos arcos de ocupação apenas na terceira unidade, ou seja, na metade do curso” (BRASIL, 2008b, p. 35). Mesmo assim, o projeto pedagógico dominante entende que essas horas devem ser aproveitadas no Projeto de Orientação Profissional (POP), articuladas à FTG e aos Arcos Ocupacionais (AO), constituindo o currículo da qualificação profissional no Projovem Urbano. Segundo o PPI (2008b), o POP “é um trabalho de cunho reflexivo, ao longo de todo o curso, preparando o jovem para melhor compreender a dinâmica do mundo do trabalho e planejar sua formação profissional” (BRASIL, 2008b, p. 72).

Contraponto essa perspectiva reducionista, entendemos que, se o aumento da carga horária da qualificação profissional prática pudesse se efetivar, ao longo do curso, contribuiria para reduzir o quadro de evasão e abandono provocado pelo formato do currículo. Levando em consideração o reduzido cronograma, esse modelo, além de não ser atrativo ao trabalhador, exclui a possibilidade de ampliar ou intensificar a formação profissional dos jovens e adultos trabalhadores.

Analisando os cursos do Projovem Urbano, identificamos profissões baseadas na racionalidade técnica do padrão taylorista/fordista, articuladas com profissões que tem o novo perfil de exigência da produção flexível. Os “arcos ocupacionais” são divididos em: Construção e Reparos I e II, Serviços Domésticos I e II, Metalmecânica, Telemática, Turismo e Hospitalidade, Gestão Pública, Joalheria, perfazendo um total de 23 arcos ocupacionais, englobando 92 ocupações que possuem base técnica comum, constituindo o perfil profissional dos alunos do Projovem Urbano (BRASIL, 2008b, ANEXO II, p.155).

Esse deslocamento da força de trabalho com características de base técnica mais “rígida” para profissões mais “flexíveis” conduz a redução da força de trabalho de alguns setores produtivos, aumentando o custo do trabalhador. No atual projeto neoliberal, o Estado assume a função de recompor o exército de reserva dos seguimentos profissionais que acompanham o padrão de produção taylorista/fordista, reproduzindo a força de trabalho simples necessária à produção do capital. Deste modo, observamos que o projeto pedagógico do Projovem coloca o trabalhador à margem de qualquer possibilidade de ascensão social, pois, tal formação para o trabalho fica aquém das necessidades imperativas do trabalhador.

Para Marx (2011), “a diferença entre trabalho superior e simples, entre trabalho qualificado e não qualificado decorre, em parte, de meras ilusões, ou pelo menos de distinções que cessaram de ser reais, mas sobrevivem convencionalmente, por tradição” (MARX, 2011, p. 231). Além disso, segundo o autor, que é enfático quando aborda a divisão social do trabalho, “não devemos supor que o trabalho superior, qualificado, represente grande proporção do trabalho nacional” (idem).

Na visão dominante, o trabalhador deve proporcionar as próprias condições de inserção produtiva, seja pelas vias formais ou informais, sendo o emprego compreendido a partir da perspectiva do “assalariamento, do autoemprego e da economia solidária” (BRASIL, 2006, p, 49). Não bastasse a formação básica do programa ter uma significativa redução dos conteúdos, haja vista o objetivo de certificar o jovem em nível fundamental em dezoito meses, a proposta de qualificação profissional se materializa sob o discurso da “qualificação inicial em um arco de ocupações” (idem, 2008b, p.63). Segundo o PPI, a formação do trabalhador está deslocada para o desenvolvimento de “competências necessárias para o desempenho de uma ocupação que gere renda” (BRASIL, 2008b, p. 67).

Os arcos ocupacionais são expressões de uma demanda do mercado de trabalho que se materializam de forma precária pelo aligeiramento de sua práxis, refletindo na baixa qualidade social dos conteúdos. Os limites que permeiam a qualificação profissional do programa estão inseridos dentro de um contexto mais amplo, determinado pelo modo de produção capitalista. Como o capital se reproduz através do trabalho coletivizado das forças produtivas, não prescinde de nenhuma força de trabalho, seja ela simples ou complexa.

Desta forma, a “inclusão social” decorre da simbiose entre as bases técnicas de produção rígida e flexível que atuam dialeticamente na reprodução dos meios de produção, através do prolongamento da cadeia produtiva. Todos os setores da produção, mesmo que não aproveitados imediatamente, são articulados e inseridos mediatamente dentro do processo produtivo de acordo com as necessidades do capital, ou seja, a qualificação profissional é direcionada buscando articular antigas qualificações e formar novas competências, remetendo a conteúdos da base técnica de produção flexível para tornarem-se mais atrativos aos trabalhadores em meio à consolidação da nova divisão social do trabalho.

Do ponto de vista do mercado, ocorre um processo de exclusão da força de trabalho dos postos reestruturados, para incluí-la de forma precarizada em outros pontos da cadeia produtiva. Já do ponto de vista da educação, estabelece-se um movimento contrário, dialeticamente integrado ao primeiro: por força de políticas públicas “professadas” na direção da democratização, aumenta-se a inclusão em todos os pontos da cadeia, mas precarizam-se os processos educativos, que resultam em mera oportunidade de certificação, os quais não asseguram nem inclusão, nem permanência (KUENZER, 2006, p. 879-80).


Novas formas de sociabilidade do capital configuram a dimensão subordinada das políticas de inclusão social, na qual os jovens e adultos trabalhadores passam a ter suas trajetórias de vida comprometidas pelos processos de inclusão/excludente e exclusão/ includente. Conforme Kuenzer (2006, p.880):

Do lado do mercado, um processo de exclusão includente, que tem garantido diferenciais de competitividade para os setores reestruturados por meio da combinação entre integração produtiva, investimento em tecnologia intensiva de capital e de gestão e consumo precarizado da força de trabalho. Do lado do sistema educacional e de Educação Profissional, um processo de inclusão que, dada a sua desqualificação, é excludente.


Assim, essas formas subordinadas de “inclusão social” configuram-se no eixo central de uma política educacional na contramão dos interesses dos trabalhadores, dadas à baixa qualidade social da escolarização e da oferta da qualificação profissional. Segundo Kuenzer (2006), as políticas de inclusão social, criadas no período entre 1995 e 2005, tem um caráter subjetivo de formação para o trabalho e a cidadania.


Os projetos contemplam um amálgama de qualificação social entendida como ação comunitária, aprendizagem de fragmentos do trabalho no espaço produtivo como conhecimento científico- tecnológico, domínio de algumas ferramentas da informática e das linguagens como capacidade de trabalho intelectual, discussão sobre algumas dimensões da cidadania como capacidade de intervenção social, levando a entender que o resultado deste conjunto se configura como educação para a inclusão social. Embora estes elementos sejam fundamentais para a educação dos que vivem do trabalho, a forma superficial e aligeirada, na maioria das vezes descolada da educação básica de qualidade, reveste as propostas de caráter formalista e demagógico, a reforçar o consumo predatório da força de trabalho ao longo das cadeias produtivas (KUENZER, 2006, p. 904).

Na mesma abordagem, segue Rummert (2006), considerando que “o binômio inclusão/exclusão é tratado de modo a obscurecer o paradoxo que lhe é inerente, e que só pode ser desvelado quando o analisamos em sua radicalidade” (RUMMERT, 2006, p. 1). Ainda, de acordo com a autora, tal binômio não permite perceber que as formulações teórico-práticas, “centradas nas propostas de propiciar a inclusão dos chamados excluídos são socialmente inócuas. E o são por diversas razões, entre as quais se destaca o fato de que não há exclusão real no modo de produção capitalista” (RUMMERT, 2006, p. 1).

No projeto neoliberal, a “inclusão social” depende do esforço do trabalhador se adaptar às relações do trabalho, devendo recorrer a sua sorte para se inserir no mercado, ou seja, o jovem deve tornar-se “protagonista de sua inclusão social” desenvolvendo ações comunitárias que possibilitem intervir na realidade local (BRASIL, 2008b, p. 13). Por esse motivo, o Projovem Urbano estimula, em suas ações, qualquer forma de inserção profissional que não seja o mercado formal, na qual a “inclusão social” estará sempre subordinada à lógica da inserção produtiva subalterna.

No aspecto formal, a política integrada se constitui numa utopia, pois, os programas não possuem articulação quanto aos objetivos finais, caracterizando- se como políticas sazonais e transitórias. No aspecto material, com a transição dos governos, os programas são reformulados se caracterizando pelo aspecto utilitarista de seus conteúdos que atendem a interesses políticos difusos que não priorizam a classe trabalhadora. Na aparência, são funcionais ao Estado ao perpetuarem o discurso da “inclusão social” justificando suas ações através das estatísticas que não traduzem a realidade concreta. Em sua essência, servem como política de redistribuição de renda, fazendo dos auxílios financeiros moeda de troca para fortalecer o populismo de um partido político que não correspondeu às expectativas dos trabalhadores.

Sendo assim, o atual projeto societário direcionado aos jovens e adultos trabalhadores consolida novas formas de exploração, no qual a inserção produtiva se caracteriza por diversos mecanismos que negam os direitos sociais. De modo que, a juventude passa a buscar o “status” da empregabilidade vendendo sua força de trabalho por meio do trabalho informal, temporário, terceirizado, por jornada parcial etc., desenvolvendo uma característica singular desse “novo perfil” para o trabalho que exige a adaptação e a flexibilização do trabalhador.

Projovem Urbano: da teoria à prática

No decorrer da pesquisa, encontramos estudos dos diferentes matizes epistemológicos que analisaram as diversas interfaces do Projovem Urbano. Entretanto, ao buscarmos dados oficiais sobre a efetividade social nos diversos estados e municípios que foram atendidos pela política nacional da juventude, no que competem ao número de alunos matriculados, alunos que concluíram o curso e alunos certificados, ou seja, aqueles que efetivamente cumpriram os requisitos e estariam qualificados a atuarem no mercado de trabalho, esbarramos em diversas dificuldades que refletem na insuficiência de informações oficiais dos gestores, na falta de transparência das estatísticas e na não confiabilidade das informações oficiais por estarem incompletas.

Ainda existe uma lacuna a ser preenchida pelo Estado, no sentido de realizar um estudo longitudinal com esses alunos assistidos pelo programa, para sabermos se efetivamente, até que ponto, os investimentos do Projovem Urbano conseguiram atender às expectativas da classe trabalhadora, ou seja, quantos alunos foram certificados? Quantos deram continuidade a sua trajetória escolar? Quantos alunos conseguiram a inserção produtiva através dos cursos? Quais os arcos ocupacionais que mais empregaram no Projovem Urbano etc.?

Inclusive, em 2010, o Estado publica o documento Avaliação da Execução do Programa do Projovem Urbano, realizado pela Secretaria de Controle Interno da Casa Civil. A Avaliação do Projovem Urbano (2010) apontou para irregularidades que comprometem os objetivos do programa. Como esta proposta era recente, devido à reestruturação em 2008, a avaliação relata não haver “identificado estudos acadêmicos específicos a respeito da evasão de alunos matriculados no Projovem Urbano” (p. 38).

No que compete ao principal mecanismo de controle do programa, segundo o documento, “no que se refere às responsabilidades da Secretaria Nacional da Juventude, por meio da Coordenação Nacional do Programa, é exercido pelo Sistema de Monitoramento e Avaliação” (BRASIL, 2010, p. 15). Sendo assim, optamos por construirmos um quadro categorial sobre a realidade material do Projovem Urbano, no sentido de identificar as experiências existentes do programa, sem distinção geográfica, nos diversos municípios do país. Como nos deparamos na questão da insuficiência de dados oficiais, consideramos produzir uma pesquisa bibliográfica de fontes secundárias, cuja “finalidade é

colocar o pesquisador em contato direto com tudo que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto” (MARCONI; LAKATOS, 2010, p. 166).

Nossa pesquisa teve por base o levantamento de informações na imprensa digital – jornal e sites de notícias - cujo tema principal era o Projovem Urbano. Todavia, como ressalta Gramsci (2014 p. 196), “o jornal pode defender orientações políticas, econômico-sociais ou científicas”. Assim, intentamos na direção de “fornecer a trama geral de um problema concreto – ou de um tema científico” (p. 202), para compreendermos o movimento histórico complexo, decomposto no tempo, no espaço e em seus diversos planos (GRAMSCI, 2014,

p. 200). Por essa razão, recorremos ao banco de dados da Universidade Federal Fluminense, - Faculdade de Educação – NEDDATE, no endereço eletrônico da página EJA Trabalhadores (http://www.uff.br/ejatrabalhadores/), que apresenta um acervo de notícias sobre o Projovem Integrado (2005 – 2015). Esse universo, composto por cerca de 720 reportagens, serviu de base empírica para analisarmos algumas experiências nas esferas de governo municipal e estadual. Todavia, devido ao espaço-tempo deste artigo, buscamos identificar os principais determinantes que fizeram com que o discurso do programa perdesse força no momento em que faz uma década de existência, em meio a atual crise político- econômica do país.

O Projovem Urbano chama atenção pela dimensão de sua proposta e, principalmente, de seus números, pois, “cerca de 350 mil buscaram inscrição por meio da central de atendimento telefônico nacional. Destes, mais de 120 mil vieram a se matricular efetivamente” (COSTA, 2007).

No plano das relações materiais, o Projovem se afirmava como uma política de qualificação profissional. Entretanto, “trata-se, ao que tudo indica, de tentativa do governo federal de compensar os pífios resultados obtidos até aqui por outra iniciativa voltada para a juventude, o programa Primeiro Emprego” (Folha de São Paulo, 03/02/2005).

Para o primeiro ano de funcionamento, “o Projovem acumulou uma evasão final estimada em 55%, incluindo uma parcela de 15% que jamais frequentou o Programa, apesar de matriculada” (idem). Levando em consideração os recursos públicos gastos somente na primeira entrada do programa, a previsão do orçamento, em 2005, foi da ordem “de R$ 300 milhões, para cerca de 200 mil jovens” (Correio do Povo, 01/02/2005).

A inclusão social por parte do Estado vem se configurando como uma ação política articulada aos interesses dos organismos internacionais. Para Maria Féres, ex-coordenadora do setor de educação da Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura), em Brasília, e secretária de Educação Infantil e Fundamental do Ministério da Educação, “não se trata de um programa assistencialista ou paternalista” (Correio da Paraíba, 03/02/2005).

Para o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Luiz Dulci, “os alunos que participarem do programa receberão educação acelerada, mas de altíssima qualidade” (Portal Último Segundo, 21/09/2005). De maneira que “o jovem carente, de periferia, tenha condições verdadeiras de disputar um lugar ao sol no mercado de trabalho” (idem).

Observa-se, nas informações da mídia, que o caráter ideológico das ações do Estado remete a necessidade dos intelectuais orgânicos estarem sempre se justificando para alcançar o convencimento dos dominados. Essa reprodução de valores é alcançada mediante a conformação de uma realidade invertida, na qual as dificuldades do trabalhador são representações descoladas das relações objetivas do homem com o modo de produção capitalista, ou seja, da realidade que não considera as condições sócio-históricas como produto socialmente determinado pelos meios materiais de produção e reprodução do capital.

No cenário político-econômico demarcado pela desconfiança, no qual a qualificação para o trabalho surge no discurso neoliberal como o caminho mais eficiente para galgar melhores oportunidades, um quadro de insatisfação bem representativo se manifestou no que compete à aceitação do programa na cidade de São Paulo.

Na unidade da federação mais rica do país, mesmo com a grande demanda de jovens na busca pela qualificação profissional, “o Projovem recebeu 10.701 inscrições, para preencher as 22.850 vagas disponíveis na segunda etapa de inscrições” (Portal Último Segundo, 05/05/2006). A baixa procura pelo programa reacende a discussão das individualidades regionais, pois, a metade das vagas ociosas demonstra a insatisfação com as políticas de governo, mesmo com a ajuda financeira de R$ 100,00 que não acompanha o ritmo da economia paulistana. Entretanto, o discurso do Chefe da Casa Civil do Estado do Pará busca ilustrar uma realidade invertida quanto ao valor do auxílio financeiro proporcionado pelo Estado.

Para Cláudio Puty, “o programa é uma estratégia de inclusão social (...) a população sente imediatamente os benefícios, o dinheiro no bolso e a possibilidade real de inclusão”. Segundo o político, estas ações “fogem do assistencialismo e do clientelismo”, pois, essas políticas ainda podem ter um “caráter anticíclico” criando “mais proteção em relação à crise econômica mundial, ajudando a geração de emprego e renda e a melhoria das condições de vida do povo” (SECOM, 19/02/2009).

O descaso com a aplicação da verba pública e a pouca transparência na prestação de contas também foi noticiada. Durante dois anos, o Ministério Público Federal investigou o Projovem na capital paulista. Segundo o noticiário, “não foi encontrada irregularidade, mas o procurador identificou mau uso do dinheiro público, já que boa parte da verba foi devolvida sem ter sido aplicada no programa”. Para Sérgio Suiama, procurador do Ministério Público Federal, “A prefeitura não cumpriu o programa do governo federal ao qual havia se obrigado a cumprir, não apresentou nenhuma alternativa e também não renovou o convênio que havia feito com o governo federal” (O GLOBO - SPTV, 12.06.2009).

Segundo notícias do Plenário, em Brasília, a Senadora Lúcia Vânia (PSDB- GO) cobrou desempenho mais satisfatório e maior transparência no acompanhamento do Projovem. Lançado em 2005, o programa abriu 1,4 milhão de vagas em cursos e treinamentos para os anos de 2008 e 2009, mas as informações sobre o número efetivo de jovens atendidos são escassas. A senadora “mostrou-se preocupada com o fato de que há poucos dados sobre as realizações do programa e muito mais números sobre vagas e recursos disponíveis”.

Em razão disso, a senadora cobrou "relatórios coordenados", capazes de fornecer uma visão do conjunto e não apenas das partes. Ainda, segundo Lúcia Vânia, “os dados apontam que as políticas públicas para a juventude estão falidas”, e o quadro se agrava em meio à falta de transparência do programa. A senadora afirma passar “a semana toda solicitando aos diversos ministérios a que está afeito o Projovem - Ministério do Trabalho, Ministério do Desenvolvimento Agrário e Ministério do Desenvolvimento Social - e não consegui obter dados que pudessem me dar à [sic] garantia da efetivação da execução desse programa” (SENADO FEDERAL, 24/06/2009).

O Projovem Urbano também tem sido objeto de muitas denúncias em virtude não só da má gestão e execução do programa, mas por supostos desvios de recursos em algumas cidades do Brasil (SAMUEL CELESTINO, 24/11/2010). Alunos denunciam atrasos constantes no pagamento das bolsas que auxiliam os jovens a custear as despesas do curso como, por exemplo, transporte e alimentação (UOL, 05/08/2009; O GLOBO, 25/08/2009). Problemas também foram relatados em relação à folha de pagamento dos professores em Alagoas (ALAGOAS 24 HORAS, 22/12/2009); Maranhão (PORTAL HOJE, 14/09/2010); Vale dos Sinos - RS (SINPRO-RS, 15/09/2010); MARÍLIA (DIÁRIO DE MARÍLIA,16/09/2010); Natal (ESPBR, 20/09/2010); Porto Alegre (JORNAL AVS, 07/02/2011); Piauí (PORTAL O DIA, 14/02/2011); Maranhão (JORNAL PEQUENO, 11/05/2011); Bahia (BAHIA NOTÍCIAS 11/05/2011).

O Projovem Urbano, em 2011, passou por uma auditoria e recebeu um certificado negativo do Tribunal de Contas da União (TCU). O motivo estaria nas irregularidades encontradas nos convênios e contratos assinados com os órgãos públicos e privados, referentes a recursos financeiros da ordem de R$ 878 milhões repassados aos parceiros do programa nos exercícios de 2008 a 2009. De acordo com as auditorias realizadas pelo tribunal, o programa apresenta falhas graves como baixa frequência de fiscalização, ausência de procedimentos padronizados e falta de planejamento das ações.

Também foram constatadas irregularidades graves como o pagamento a beneficiários que não se enquadram nos critérios de seleção do programa, além de pagamentos duplicados a bolsistas (180GRAUS, 27/02/2011). Para o tribunal, as falhas mais comuns às quatro modalidades do programa (Adolescente, Campo, Urbano e Trabalhador) são a baixa frequência de fiscalização, a ausência de procedimentos padronizados, a falta de planejamento das ações e a não circulação de informação entre os órgãos centrais e os estados sobre os trabalhos realizados.

Além dessas deficiências, foram detectados outros problemas na execução local do Projovem, como instalações físicas inadequadas, ausência de distribuição de lanches, despesas não comprovadas, movimentação irregular na conta específica e ausência de ajuste de valores no repasse de recursos para entidades conveniadas ou contratadas (180GRAUS, 27/02/2011).

Em 2012, o Programa reiniciou suas atividades com novas regras, mas pouco se sabe do destino das centenas de milhões de reais repassadas a estados e municípios. Considerando-se as 246 prestações de contas de estados/municípios conveniados que executaram o Projovem Urbano, referentes a 2008 e 2009, 214 não foram analisadas pelo governo federal, segundo levantamento do jornal “O Globo”, no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Esse descaso motivou a advertência do Tribunal de Contas da União, que auditou o Projovem (O GLOBO, 04/10/2011).

Além disso, os auditores descobriram que não existia controle formal de frequência dos alunos, apesar de o comparecimento ser requisito para receber o auxílio mensal de R$100,00. Por outros mecanismos, descobriu-se que a presença de jovens nas salas de aulas variava de 1% a 10%, na amostra de 14 cidades fiscalizadas (idem). Na investigação feita no convênio do Rio de Janeiro (2005), o descontrole foi flagrante. Seis anos após repassar R$53,6 milhões para o estado, a capital ainda estava inadimplente. Os dados foram enviados às pressas, mas não foram analisados, apesar das outras irregularidades encontradas. A verba foi repassada a 75 ONGs. A meta era formar 25,5 mil jovens na capital, mas só 10% dos alunos estavam diplomados no fim do segundo ano (O GLOBO, 04/10/2011).

No mesmo ano, o programa passou a ser coordenado pelo Ministério da Educação. O Projovem Urbano é reiniciado tendo suas ações administradas pela SECADI (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão) subordinada ao MEC. Entretanto, em meio à crise nacional do programa, o descrédito chega à impressionante marca de registrar interesse zero, por parte dos trabalhadores, na capital gaúcha.

O Projovem Urbano foi suspenso em todo o Rio Grande do Sul, “devido à ociosidade do fluxo de vagas”. Em Passo Fundo, “200 vagas foram disponibilizadas, mas apenas 20 pessoas se inscreveram”. A viabilidade da questão está sendo discutida pelas autoridades na capital, porém, já ficou definido que durante o ano de 2012 o programa ficará sem atividade nos municípios (DIÁRIO DA MANHÃ, 23.06.2012).

Em Pernambuco, também a procura foi baixa, segundo o Portal Terra Educação (18/12/2012), “foi difícil reunir alunos para as aulas na Escola Municipal de Tejipió, no Recife. Das 175 vagas abertas para a turma da metade do ano,

apenas 110 foram preenchidas. Hoje, cerca de 50 jovens participam das atividades”. Para a professora da escola, “a estratégia não vem sendo suficiente para motivar os alunos”. Marcelle acredita que as lições iniciais sobre mercado de trabalho não têm despertado muito interesse, pois, eles se preocupam muito com o que vai acontecer depois, e cobram o fato de que as aulas práticas ficam para o final do programa. “Nosso arco ocupacional é telemática, mas eles só vão ter noções práticas disso no final. Muitos desistem por não se sentirem estimulados” (PORTAL TERRA EDUCAÇÃO, 18/12/2012).

Portanto, a realidade material do programa se apresenta permeada de denúncias, desvios, atrasos de auxílios financeiros, problemas com a merenda escolar, entre tantas outras formas de negar ao trabalhador o direito à educação. Em face dessa década “perdida” para os trabalhadores, as implicações da (des)qualificação para o trabalho não poderiam ser diferentes, mostrando o lado perverso de uma educação subordinada aos interesses dominantes que não possibilita aos jovens e adultos trabalhadores qualquer forma de emancipação social. De modo que, passada uma década da política hegemônica, o Projovem Urbano constitui uma proposta que mais esconde do que revela uma qualificação profissional visando à emancipação humana através do trabalho.


Considerações Finais

O Programa Nacional de Inclusão de Jovens foi criado com o objetivo de oferecer a qualificação profissional aos jovens e adultos trabalhadores que se encontravam na condição do desemprego, assim, como, aqueles que não conseguiram completar seus estudos, surgindo num momento de muitas expectativas para dar uma nova identidade à educação de jovens e adultos.

Entretanto, ao investigarmos o Projovem Urbano, identificamos uma realidade marcada por formas de precarização na oferta e na formação profissional, pois a política educacional, baseada na abordagem da teoria do capital humano, resgata antigas práticas de subordinação da formação dos trabalhadores para responder ao contexto político-econômico. O Estado vem reproduzindo a força de trabalho simples necessária à reprodução do capital, fazendo da proposta de “inclusão social” mais uma “promessa integradora”.

O discurso hegemônico da educação sob o viés de uma qualificação para o “social” não mudou em nada as formas anacrônicas de outras experiências

direcionadas aos trabalhadores jovens e adultos, reafirmando sua condição subalterna na sociedade de classes. Nessa direção, o programa não tem alcançado mudanças no quadro global de redução das desigualdades sociais, reproduzindo um projeto societário altamente excludente, na qual o trabalhador deve adaptar-se as mudanças estruturais causadas pelas crises cíclicas do capital.

A proposta de qualificação profissional é uma das contradições mais significativas do programa, uma vez que o direito à educação acaba sendo subsumido através das formas mais variadas, quando nos deparamos com a falta de estrutura física dos laboratórios de informática, das oficinas dos arcos ocupacionais, a falta de professores, etc. Ao resgatamos as experiências dos sujeitos históricos do Projovem Urbano, encontramos muitos casos que comprovam o descaso dos gestores com o dinheiro público, frustrando as expectativas de alunos e profissionais da educação que atuam no programa.

O discurso do Estado acaba sendo revelador pela falta de transparência sobre a realidade material do programa, faz-se necessário um mapeamento sobre a efetividade social do Projovem Urbano, na intenção de responder à sociedade sobre o número de alunos inscritos, de alunos que concluíram o curso e daqueles que alunos que, efetivamente, conseguiram a certificação no programa. Algumas das indagações simples que precisam de respostas, por exemplo: quantos deram prosseguimento aos estudos? Quantos desses jovens e adultos trabalhadores conseguiram galgar a inserção produtiva etc.?

Nesse estudo, abordamos algumas questões importantes para a compreensão do Projovem Urbano como política de governo. Entretanto, não esgotamos a análise devido ao espaço-tempo deste artigo. Por isso, recomendamos a continuidade das pesquisas, no sentido de fomentar a produção de dados e compreender a realidade material sobre as políticas de governo e a formação dos jovens e adultos trabalhadores.


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Sem salário, professores do Projovem suspendem aulas e dispensam alunos: antes do início das aulas, empresa responsável recebeu mais de R$ 2 milhões. 15/10/2010. Disponível em:

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Professores do Projovem Urbano mantêm paralisação na capital: os 46 docentes e 34 funcionários do projeto suspenderam as atividades no dia 3. Rio Grande do Sul. 07/02/2011. Disponível em: ˂ http://www.jornalvs.com.br/site/noticias/ensino,canal-8,ed-149,ct-730,cd- 305164.htm ˃Acessado em: 10 de julho de 2014.


Projovem está devendo 3 meses a profissionais. Coordenação diz que atrasos são por causa do governo federal.Piauí. 14/02/2011. Disponível em: http://www.portalodia.com/noticias/piaui/projovem-esta-devendo-3-meses-a- profissionais-102607.html˃ Acessado em 10 de julho de 2014.


TCU encontra 'irregularidades graves' envolvendo o Projovem: também foram constatadas irregularidades graves como o pagamento a beneficiários. 27/02/2011. Disponível em: ˂ http://180graus.com/geral/tcu-encontra- irregularidades-graves-envolvendo-o-projovem-406847.html˃ Acessado em 10 de julho de 2014.


Marcelo Tavares pede que governo pague os professores do Projovem. maranhão. 11/05/2011. disponível em:

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Secult busca resolver atrasos do projovem: apesar dos problemas, prefeitura promete manter programa em salvador. 11/05/2011. disponível em: ˂ http://www.bahianoticias.com.br/noticias/noticia/2011/05/11/93802,secult-busca- resolver-atrasos-do-projovem.html ˃ Acessado em 10 de julho de 2014.


Projovem gasta muito e forma muito pouco: em seis anos, Projovem urbano formou 38% dos alunos; no campo, índice foi de 1%. O globo. 04/10/2011. Disponível em: ˂ http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2011/10/4/projovem- gasta-muito-e-forma-muito-pouco˃ Acessado em: 10 de julho e 2014.


http://samuelcelestino.com.br/noticias/noticia/2010/11/24/79452,projovem- documentos-falsos-e-desvio-de-verbas.html˃ Projovem: cancelamento por baixo índice de procura: o programa nacional de inclusão digital foi suspenso em todo o rio grande do sul, devido à ociosidade do fluxo de vagas. 23/06/2012. Disponível em: ˂ http://www.diariodamanha.com/noticias.asp?id=33648˃ Acessado em: 10 de julho e 2014.


Evasão é um dos grandes problemas do Projovem Urbano. Portal Terra Educação. São Paulo. 18/12/2012.


Recebido em: 13 de junho de 2016 Aprovado em: 02 de maio de 2017 Pubicado em: 4 de junho de 2017

ENSINO MÉDIO INTEGRADO: uma perspectiva abrangente na política pública educacional¹

Carlos Artexes Simões2 No momento atual, em que a reforma do ensino médio do Governo Temer

(Lei 13.415 de 16 de fevereiro de 2017) retrocede na luta por uma educação básica unitária como um direito social de qualidade para todos, torna-se importante trazer ao público documentos relativos a debates conceituais que prevaleceram a partir do Decreto 5154 (23 de julho de 2004) que entrou em vigor em substituição ao Decreto 2208 (15 de abril de 1997) e criou a possibilidade da articulação entre a educação profissional técnica com o ensino médio na forma integrada. Este Decreto apresentou um novo desafio às politicas públicas do ensino médio com o desenvolvimento do então chamado “Ensino Médio Integrado” que, diferentemente do ensino técnico com equivalência de ensino médio, anterior a Lei 9394/96, exigia não só o atendimento das normativas para a educação profissional técnica de nível médio como também a exigência de todas as normativas do ensino médio na LDB, leis complementares e suas diretrizes e regulamentações.

Em dezembro de 2007 um importante documento foi publicado e divulgado pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica/Ministério da Educação, produzido por Dante Henrique Moura, Sandra Regina de Oliveira Garcia e Marise Nogueira Ramos. Divulgado pelo MEC com título: “Educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio/Documento Básico” na perspectiva da formação humana integral inserida nas políticas de educação profissional.

Porém um outro movimento paralelo na Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC), também centrado nas politicas do ensino médio se desenvolveu no interior do Ministério da Educação, com o objetivo de configurar um conceito do Ensino médio integrado ampliado que trouxesse o “trabalho como princípio educativo” para todo e qualquer ensino médio. Neste sentido foi elaborado um outro texto (junho de 2008) que na epoca não foi publicado ou divulgado.



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1 DOI: https://doi.org/10.22409/tn.15i26.p9631

2 Doutorando e Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Professor aposentado no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca.

Também foi elaborada uma carta de apresentação a ser chancelada por Maria do Pilar Lacerda (então Secretaria de Educação Básica) e Eliezer Pacheco (Secretario da SETEC) mas que nunca foi assinada. O texto com o título “ENSINO MÉDIO INTEGRADO: uma perspectiva abrangente na política pública educacional” foi organizada por Carlos Artexes Simões (Diretor de Currículos da Educação Básica-SEB/MEC), Luis Augusto Caldas (Diretor SETEC/MEC) e Maria Eveline Pinheiro Vilar (Coordenadora do Ensino Médio-SEB/MEC) com a finalidade de ampliar a visão do Ensino médio integrado para além da profissionalização. O “ensino médio integrado a educação profissional técnica” era concebido como um dos formatos possíveis para o desenvolvimento do Ensino médio integrado e sem a perspectiva de sua universalização. Prevalecia no documento um conceito ampliado de que o “integrado” não era essencialmente uma integração com a educação profissional stricto sensu e sim de conhecimentos de várias naturezas, visando a formação humana integral. Entretanto, essa perspectiva não foi compreendida no interior e fora do MEC e prevaleceu o entendimento “restrito” do formato do Ensino médio integrado como profissionalização. Vale ainda registrar que o novo documento utilizou de alguns dos argumentos e da produção textual que sustentavam a defesa do Ensino médio integrado à educação profissional técnica conhecido, no senso comum, como “Ensino técnico integrado”.

O conceito ampliado defendido no novo documento, elaborado em conjunto da SEB/MEC e SETEC/MEC, sobre o “Ensino médio integrado” foi também introduzido, de outra forma, na base conceitual no Programa Ensino Médio Inovador (2009) e nas novas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (2012).

Trata-se, nesta publicação, de tornar público o texto “ENSINO MÉDIO INTEGRADO: uma perspectiva abrangente na política pública educacional” como um importante debate conceitual, em um período recente das políticas do ensino médio, que deverão contribuir não só como um registro histórico, mas principalmente nos embates atuais e futuros da educação dos jovens trabalhadores no Brasil.


Pubicado em: 4 de junho de 2017