A SEGURANÇA HÍDRICA NO CONTEXTO DA COVID-19**
WATER SAFETY IN THE COVID-19 CONTEXT
PURL: http://purl.oclc.org/r.ml/v7n1/a5
Victor dos Santos Souza Santos†
Gabriel Guanabarã Lemos Marques‡
Fernanda Pereira dos Santos§
Resumo: A epidemia da Covid-19 evidenciou as duras condições de vida de boa parte da população das metrópoles brasileiras, pelo viés da falta de acesso regular de muitos domicílios aos serviços urbanos mais elementares, como a água tratada, rede coletora de esgoto e infraestrutura habitacional, o que é considerado pelas organizações de saúde como elementos básicos e essenciais no enfrentamento a Covid-19. Neste artigo aborda-se: (i) as questões do desabastecimento de água nas aglomerações subnormais em meio à pandemia diante da necessidade de se assegurar a segurança hídrica como uma ferramenta essencial a vida e ao combate da Covid-19. (ii) como os aspectos excludentes da urbanização, vide a diferenciação de condições que as populações tiveram para se proteger e enfrentar o Coronavírus. Expressões como: “fique em casa”, “lave as mãos com frequência” e “mantenha distanciamento”, (não) se efetiva a depender da realidade que é vivida. A metodologia utilizada consistiu em uma revisão bibliográfica a partir de periódicos científicos e o uso de matérias de jornais. Em vias finais deste artigo, concluímos que alguns dos elementos básicos para o enfretamento da Covid-19, como a segurança hídrica e a efetivação dos direitos básicos sociais são resultados dentro do ponto de vista socioespacial da diferenciação na perspectiva do direito à cidade.
Palavras-Chave: Covid-19. Segregação urbana. Segurança hídrica.
Abstract: The Covid-19 epidemic highlighted the harsh living conditions of a large part of the population of Brazilian metropolises, due to the lack of regular access of many households to the most basic urban services, such as treated water, sewage collection network and housing infrastructure, which is considered by health organizations as basic and essential elements in facing Covid-19. This article addresses: (i) the issues of water shortages in subnormal agglomerations in the midst of the pandemic in view of the need to ensure water security as an essential tool for the life and combat of Covid-19. (ii) as the exclusionary aspects of urbanization, see the different conditions that populations had to protect themselves and face the Coronavirus. Expressions such as: "stay at home", "wash your hands frequently" and "keep your distance", (no) are effective depending on the reality that is experienced. The methodology used consisted of a bibliographic review based on scientific journals and the use of newspaper articles. In the final stages of this article, we conclude that some of the basic elements for facing Covid-19, such as water security and the fulfillment of basic social rights, are results from the socio-spatial point of view of differentiation from the perspective of the right to the city.
Keywords: Covid-19. Urban segregation. Water security.
1 Introdução
O coronavírus, síndrome respiratória aguda grave, causada pelo SARS-CoV-2 foi diagnosticado inicialmente na China na província de Wuhan em dezembro de 2019. Em fevereiro de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) denominou a doença causadora do novo coronavírus como sendo Corona Virus Disease 2019, que passou a ser abreviada pela sigla Covid-19.
A pandemia atual escancarou problemas existentes em todo o Brasil e especificamente na região metropolitana do Rio de Janeiro, como a fragilidade do sistema de saúde, ineficiência do saneamento básico, principalmente no que tange a oferta e distribuição de água para a população, além da crise financeira que impede gastos públicos por causa da Lei complementar nº 101 de 4 de maio de 2000 de responsabilidade fiscal, que estabelece um teto de gasto para as finanças públicas, conforme descrito no Art. 1º inciso 1º.
A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar (BRASIL, 2000)
O fato de ter demorado dois meses (novembro/2019, notificação do primeiro caso chinês de contaminação pela Covid-19 – fevereiro/2020 – notificação do primeiro caso brasileiro de contaminação pela Covid-19) para efetivamente ser registrado o primeiro caso no Brasil e posteriormente a primeira morte (março/2020), permitiria ao Brasil observar e aprender com as experiências vividas em outros países como a China, Itália, Espanha, Inglaterra, Vietnã.
Logo, diariamente a OMS divulgava algumas medidas que poderiam ser tomadas pela população mundial para diminuir o contágio e retardar a propagação da Covid-19, como: isolamento social, o uso de máscaras caseiras, utilização de álcool 70% em gel e lavagem das mãos com água e sabão. Essa última forma de prevenção é a mais simples e estaria ao alcance de todos os cidadãos, não fosse a realidade recorrente que já se tinha conhecimento e que agravaria os problemas que algumas regiões teriam no enfrentamento a COVID-19. As áreas de aglomerações subnormais – AGSN – (IBGE, 2010) compreendem as favelas, as palafitas, os loteamentos irregulares e assemelhados, não têm acesso à água, nem a sabão como retratado pelas reportagens de Lola Ferreira do veículo de comunicação UOL (Figura 1), Eduardo Miranda do veículo de comunicação Brasil de Fato (Figura 2) e Gustavo Goulart do O Globo (Figura 3).
Figura 1 - ‘Somos excluídos’: prevenção ao corona ‘esquece’ favelas sem saneamentos
Fonte: Ferreira (2021)
Figura 2 - As Favelas do Rio Sofrem com falta d’água e população fica mais vulnerável a coronavírus
Fonte: Miranda (2020)
Figura 3 - Moradores da Rocinha enfrentam falta d’água em meio à pandemia
Fonte: Goulart (2020)
A região metropolitana do Rio de Janeiro - RMRJ, recorte espacial deste artigo, vem enfrentando problemas com abastecimento de água há alguns anos. A falta de água na RMRJ, é uma realidade vivida, sobretudo nas aglomerações subnormais e naqueles bairros onde não existe uma infraestrutura adequada para a distribuição de água, as torneiras estão vazias ou ficam dessa forma por longos períodos, fato este agravado pela crise de abastecimento de água no Rio de Janeiro gerada pela proliferação da substância orgânica chamada geosmina** no início do ano de 2020 - momento coincidente ao início dos casos de contaminação da Covid-19 no Estado do Rio - e novamente presente no início do ano de 2021 - momento este preocupante dado o crescimento de casos de Covid-19 em escala nacional e regional, como é documentado pelo consórcio de veículos de impressa a partir de dados da secretarias estaduais de saúde (Figura 4)
Figura 4 - Média móvel de morte por Covid-19
Fonte: G1 (2021)
Assim, a pandemia da Covid-19 tem chamado a atenção para o tema envolvendo a água e saneamento básico em aspectos relacionados à essencialidade do seu provimento como uma forma de diminuir o contágio mais a circulação do vírus ou se precaver dele, mas, sobretudo, como uma efetivação da consolidação do direito à cidade. A Organização das Nações Unidas - ONU definiu na resolução nº 64/292 o acesso à água limpa e o saneamento como direito humano essencial. Como passa a destacar Melo et al (2020) após cinco anos, a ONU estabeleceu os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), cujo Objetivo seis por sua vez, está dividido em metas, das quais a 6.1 se referem alcançar até o ano de 2030 o acesso universal e equitativo à água potável e segura para todos, algo que mesmo que passamos a adotar medidas para providenciar a consumação desta resolução ainda estaríamos longe de conseguir, pois temos que incluir o aspecto altamente inerente e excludente da formação socioespacial urbana.
Sob o ponto de vista socioespacial percebe-se que o exercício do direito a cidade vem sendo subtraído das populações menos favorecidas e para reverter esse cenário, considera-se o direito à cidade aos aspectos relacionados à organização social, as relações de poder, a produção e apropriação dos espaços, como fatores que determinam, em última instância, a qualidade de vida de uma parcela significativa da população.
Para analisar tais indagações, divide-se o artigo em duas seções. Na primeira seção, faz-se análise sobre a segurança hídrica nas áreas urbanas no contexto da Covid-19, tecendo ponderações sobre o abastecimento de água e o esgotamento sanitário, inserindo-os na perspectiva do conceito de direito à cidade, com vistas à garantia de um meio ambiente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida (artigo 225 da Constituição Federal de 1988) e um ambiente urbano capaz de propiciar o bem-estar a seus habitantes conforme o artigo. 182, da Constituição Federal.
Na seção seguinte, expõem-se aspectos de natureza sócio geográfica da urbanidade, isto é, como que a resultante dos processos de produção, apropriação, ocupação dos espaços urbanos excludentes e periféricos - que se tornam lócus da ocupação, habitação e trabalho de mais da metade da população - estão em objeção aos direitos sociais.
Do ponto de vista metodológico, utilizou-se a pesquisa bibliográfica que de acordo com Boccato (2006),
[...] busca a resolução de um problema (hipótese) por meio de referenciais teóricos publicados, analisando e discutindo as várias contribuições científicas. Esse tipo de pesquisa trará subsídios para o conhecimento sobre o que foi pesquisado, como e sob que enfoque e/ou perspectivas foi tratado o assunto apresentado na literatura científica. Para tanto, é de suma importância que o pesquisador realize um planejamento sistemático do processo de pesquisa, compreendendo desde a definição temática, passando pela construção lógica do trabalho até a decisão da sua forma de comunicação e divulgação. (BOCCATO, 2006, p. 266).
Além desse levantamento da literatura sobre o assunto, este artigo utilizou o jornal como fonte de pesquisa, pois esta metodologia, ligada a Escola dos Annales proporciona trabalhar com fontes variadas, nesse contexto, a análise é formada a partir de uma multiplicidade de documentos, revelando não mais a história, mas as histórias.
O uso do jornal como fonte de pesquisa é um importante aliado, se considerarmos que:
a Imprensa é rica em dados e elementos, e para alguns períodos é a única fonte de reconstituição histórica, permitindo um melhor conhecimento das sociedades ao nível de suas condições de vida, manifestações culturais e políticas, etc. Seu estudo é enriquecedor sobretudo quando se tem interesse pela História Social, História das Mentalidades e História das Ideologias. (ZICMAN, 1985, p. 89 apud WEBER, 2012, p. 11).
Longe de nos atentarmos e veicular a imprensa, enquanto isenta, sabemos que ela tem seus interesses (sociais – políticos – econômicos) e que é constituída por empresas privadas. Entretanto, é tarefa do pesquisador analisar as fontes e executar o trabalho de reconstituição do concreto. “Partindo desse pressuposto, o historiador (pesquisador) busca estudá-lo como agente da história e captar o movimento vivo das ideias e personagens que circulam pelas páginas dos jornais.” (CAPELATO, 1988, p. 21 apud WEBER, 2012, p. 13).
2. Segurança hídrica nas áreas urbanas no contexto da Covid-19
A água é um recurso natural dotado de valor econômico e essencial para o desenvolvimento da vida em todos os sentidos, logo é motivo de conflitos relacionados aos seus múltiplos usos (CUNHA; FREITAS, 2004). A população urbana vem aumentando a passos largos nos últimos anos, porém os investimentos na infraestrutura de distribuição de água não acompanham esse ritmo.
Esse desequilíbrio é percebido principalmente nas áreas de aglomerações subnormais, nesse contexto a questão hídrica nas áreas urbanas assume também um caráter social que precisa ser debatido pelos diferentes atores sociais. Em tempos de pandemia de Covid-19, esse problema torna-se cada vez mais latente, visto que, a água é um dos elementos primordiais no combate a proliferação e contágio do vírus. Como seguir as recomendações das autoridades de saúde para lavar as mãos com frequência quando a falta da água é uma ocorrência frequente e não uma exceção nas comunidades.
A água é o elemento que une todos os aspectos do desenvolvimento da sociedade, nesse contexto a segurança hídrica corresponde à solução para a qualidade de vida, desenvolvimento e proteção de toda a sociedade. Entende-se por segurança hídrica garantir que os mananciais sejam protegidos a fim de garantir o desenvolvimento das sociedades garantindo a oferta e o acesso à água em termos quantitativo e qualitativo (MELO, 2016).
Grey e Sadoff (2007) ressaltam ainda que a segurança hídrica depende da disponibilidade de água para atender a demanda da população e para a manutenção dos ecossistemas. Em escala mundial esse conceito começa a ganhar destaque a partir da década de 1990 e passou a se consolidar com as crescentes publicações (LAUTZE; MANTHRITHILAKE, 2012). No Brasil essa discussão está implícita na Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela Lei Federal 9433/1997, porém a discussão passou a ganhar volume e estar frequentemente sendo discutida nas esferas Federal, Estadual e Municipal devido à crise hídrica de 2014 no sudeste do país (MELO; JOHNSSON, 2017). Axworth e Sandford (2012) asseguram que a segurança hídrica é essencial para nortear a gestão dos recursos hídricos e para o desenvolvimento socioeconômico a longo prazo, isso porque a água é o elemento fundamental para a saúde, alimentação, bem-estar além do progresso econômico.
A primeira vez que ocorreu um pronunciamento a nível intergovernamental sobre a segurança hídrica foi no ano 2000 durante o segundo fórum mundial da água. Nesse encontro foram estabelecidos alguns desafios que precisam ser vencidos para que as nações possam alcançar a segurança hídrica em seus territórios, conforme observado no Quadro 1.
A escassez funciona como estressor que gera insegurança, gerando um retrocesso ou uma estagnação no plano de ampliação e regularização da distribuição de água de qualidade nas cidades. A escassez hídrica possui uma dimensão física, que está atrelada a não disponibilidade de mananciais que atendam a demanda, e uma dimensão econômica que se caracteriza pela existência de recursos hídricos em termos quantitativos suficientes para atender os múltiplos usos, porém a água não chega à população devido à falta de planejamento e investimentos na rede de distribuição e tratamento (MELO, 2016).
Quadro 1 ‐ Desafios para alcançar a segurança hídrica
Satisfazer as necessidades básicas da população |
Garantir o abastecimento de alimentos, promovendo a segurança alimentar, principalmente das populações mais vulneráveis economicamente. |
Proteção aos ecossistemas. |
Compartilhamento de recursos hídricos. |
Gerenciamento de riscos. |
Valorização da água |
Controle racional da água. |
Fonte: Ministerial Declaration of The Hague on Water Security in the 21st Century (2021)
Briscoe (2004) e Melo (2016) apontam como notado no Quadro 2 as seguintes soluções para resolver ou atenuar o efeito negativo da insegurança hídrica:
Quadro 2 ‐ Ações a serem realizadas pelos gestores dos recursos hídricos de forma participativa:
Intervenções em recursos hídricos de base ampla, incluindo barragens e canais, que oferecem benefícios econômicos nacionais e regionais para todos (políticas mais amplas e investimentos que afetem o desenvolvimento e gerenciamento dos recursos hídricos). |
Intervenções que aprimorem a gestão de recursos hídricos, como projetos em ambientes degradados nas bacias hidrográficas, de forma a beneficiar diretamente parte da sociedade com menor condição financeira, que, via de regra, reside próxima a esses locais. |
Investimentos para melhoria do desempenho dos componentes dos sistemas de água, que beneficiará a todos (políticas e investimentos mais amplos que afetem ou propiciem a gestão e desenvolvimento dos serviços de água). |
Intervenções na prestação de serviços direcionados, incluindo água e esgoto, irrigação e energia hidrelétrica, abrangendo a população de baixa renda. |
Fonte: Adaptado de Briscoe (2004) e Melo (2016)
No Brasil, no ano 2019, o Ministério do Desenvolvimento Regional por meio da Agência Nacional de Águas (ANA), lançou o Plano Nacional de Segurança Hídrica - PNSH que visa nortear o planejamento e investimentos realizados na infraestrutura hídrica nacional. O documento deixa claro também a importância dos demais atores envolvidos na gestão dos recursos hídricos, Estados, Municípios, Concessionárias, Comitês de Bacia, Usuários e Sociedade Civil, a fim de que o plano seja posto em prática e possa resultar em benefícios à sociedade.
Segundo a Agência Nacional de Águas (2019), a PNSH estabelece quatro dimensões para haver segurança hídrica no Brasil, conforme quadro 3. São elas:
Quadro 3 ‐ Dimensões para segurança hídrica
Garantir o acesso à água adequada às necessidades básicas e bem-estar da população.
Preservar ecossistemas em benefício da natureza e das pessoas.
Resiliência a eventos extremos, como secas e inundações.
Garantia de suprimento de água para as atividades produtivas dos usos múltiplos
Fonte: Agência Nacional de Águas (2019).
Em boa parte do território brasileiro a garantia da segurança hídrica é vista como um desafio, isso porque o aumento da população urbana, desenvolvimento de setores como indústria e agropecuária, associada aos eventos climáticos extremos, têm pressionado a infraestrutura existente que não dá conta de atender à crescente demanda. O resultado dessa dinâmica é um desequilíbrio no balanço hídrico que contribui para gerar insegurança hídrica no país.
Dentro dessa discussão sobre a gestão dos recursos hídricos não se pode esquecer os conflitos pelo uso da água, esses correm em diferentes escalas e usos. A falta de água nas torneiras de muitos brasileiros não está necessariamente ligada à falta de reservatórios para abastecimento, está relacionada a falhas técnicas, de planejamento e investimento no setor. Esses fatores levam os diferentes atores sociais usuários de água em seus usos múltiplos a tomarem iniciativas como ações judiciais exigindo a regularização do serviço ou mesmo a captação de água nos rios por conta própria, no caso da agricultura.
Outro fato que torna evidente os conflitos pelos recursos hídricos e a pressão do crescimento urbano sobre o fornecimento de água diz respeito ao plano do governo de São Paulo que queria desviar água do Rio Paraíba do Sul para abastecer o sistema Cantareira, que está no volume morto e é responsável pelo abastecimento de milhões de pessoas. Porém esse mesmo curso d’água é responsável pelo abastecimento da região metropolitana do Rio de Janeiro. Essa discussão gerou críticas de vários segmentos da sociedade, visto que, o corpo hídrico é o principal responsável pelo abastecimento do rio Guandu que por sua vez abastece 85% da RMRJ, a polêmica chegou ao Supremo Tribunal Federal onde foi realizada uma audiência de conciliação (SANTOS, 2016).
O Plano Nacional de Segurança Hídrica visa conseguir frutos que levem a expansão da oferta de água por meio de um planejamento hídrico eficiente acabando com a segregação hidrossocial, permitindo que os brasileiros tenham o direito de usar água potável que resultará em melhor qualidade de vida e a possibilidade de se proteger de doenças de vinculação hídrica e higienizar as mãos para se prevenir da Covid-19.
Cirilo (2015) propõe como solução para resolver as disparidades hídricas no território brasileiro explorar as potencialidades hídricas dos aquíferos, construindo reservatórios, barragens, transferências de água entre bacias menos utilizadas. Outra solução, menos custosa, para atenuar a situação crítica dos centros urbanos é melhorar a eficiência dos sistemas hídricos, investindo em tecnologia que evite o desperdício de água ao longo do processo até chegar ao seu destino, o reuso pode ser uma opção, visto que pode gerar uma economia de água limpa que será utilizada em situações específicas.
3. Água, um direito humano
Com base nos dados de que cerca de dois bilhões de pessoas não têm acesso à água potável no mundo, a ONU, reconheceu que a água limpa e potável é essencial na vida de qualquer indivíduo. Diante desse reconhecimento institucional, em 2010 a ONU estabeleceu a água como um direito humano. Alguns anos depois a instituição estabeleceu metas para o desenvolvimento sustentável, denominada Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, cabe destacar que o sexto objetivo defende a tomada de iniciativas para garantir a universalização do acesso à água limpa e ao saneamento básico até 2030 (MELO et al, 2020).
A garantia do direito humano a água e ao saneamento no Brasil será um grande desafio e quase impossível de se alcançar as metas estabelecidas, visto que, segundo o Instituto Trata Brasil com base nos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 18,4 milhões de domicílios ficaram ao menos um dia sem água encanada em 2019 e, mais de 3 milhões de domicílios ficaram sem água ao menos três vezes por semana. São aproximadamente 35 milhões de brasileiros sem acesso a esse serviço. A ONU defende que a quantidade mínima para uma pessoa realizar suas necessidades é de 110 litros de água por dia. Outro dado alarmante, que vai contra o otimismo do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável é que 35,7% dos domicílios no Brasil não tem esgoto. Como já foi noticiado pela mídia e defendido pelos organismos internacionais e autoridades de saúde, o saneamento básico é essencial para conter o avanço e a contaminação pelo coronavírus.
O reconhecimento da inclusão do direito à água em condições de consumo como direito humano universal é necessário para o aumento da expectativa de vida de toda a coletividade, uma vez que estudos realizados apontam que milhares de pessoas morrem em decorrência do consumo de água poluída. [...]. Os direitos humanos integram o conjunto de normas que tem por objetivo a proteção e/ou promoção de bens jurídicos elementares, através da implementação, garantia e respeito das condições de uma vida humana livre, igual e digna pela ordem jurídica, incluindo o Estado, seu principal instrumento. (MORLIN; EUZÉBIO, 2018, p. 60 - 61).
Os direitos humanos possuem quatro dimensões, sem grau de importância de um em relação a outro, isso porque são indivisíveis e se complementam. A primeira dimensão está relacionada aos direitos individuais, a segunda diz respeito aos direitos sociais, a terceira está baseada nos direitos insusceptíveis de apropriação pessoal e a última está relacionada aos processos sociais no contexto da globalização (MORLIN; EUZÉBIO, 2018).
O Brasil é um país de dimensões continentais, onde existem grandes disparidades econômicas regionais, com municípios muito pobres com pouca arrecadação, o que dificulta investimentos nos setores básicos e essenciais à população. Porém, nesse contexto, cabe ao governo federal ofertar subsídios para que os municípios mais pobres possam cumprir suas metas de oferta de água, coleta e tratamento de esgoto.
Uma vez que o direito humano ao acesso à água potável encontre uma dimensão material e outra instrumental, de forma a dar densificação e concretude aos princípios já balizados na legislação brasileira, de forma clara, dará segurança jurídica para que a população cobre do Estado a garantia desse direito. Caso ocorra uma negativa do cumprimento, de fazer valer esse direito na prática os governos estarão cometendo uma ofensa à saúde e à dignidade humana (MORLIN; EUZÉBIO, 2018).
Todos os anos são perdidas aproximadamente 2 milhões de vidas, resultantes da utilização de água fora dos padrões necessários ao consumo humano, além da falta de saneamento e higiene. Cerca de 10 % das doenças, a nível global, poderiam ser evitadas com acesso ao saneamento básico e melhores condições de higiene (VIEIRA, 2020).
A Covid-199 trouxe grandes limitações e desafios à humanidade, independente de fatores geográficos, econômicos, sociais e culturais. Porém é evidente que as pessoas sofreram esses impactos de forma diferentes, os mais pobres foram os que mais sentiram os impactos diretos e indiretos do coronavírus. Pessoas que habitam em ambientes insalubres, que necessitam utilizar o transporte público lotado, diariamente, são exemplos dessas dificuldades enfrentadas.
Ou seja, como Dias, Raiol e Nonato (2017) tratam, o direito à cidade passa, necessariamente, pela promoção do direito ao saneamento, de modo que se pode dizer que os aspectos material e instrumental que compõem a política de saneamento necessitam estar em plena harmonia com o direito à cidade, em especial com a justiça socioambiental, diante da relação umbilical entre o referido serviço e o bem-estar de cada pessoa.
4. A produção do espaço urbano capitalista restringe o direito à cidade
Parafraseando Tom Jobim em seu samba do avião - “Dentro de mais uns minutos / estaremos em Guarulhos”, relembramos que o primeiro paciente infectado pela Covid-19 no Brasil, foi um cidadão residente na capital paulista, que tinha feito uma viagem para Itália (um dos epicentros da pandemia na época, fevereiro/2020). Desde então, os números da doença só cresceram no Brasil e fomos impactados a viver mais reclusos, praticando a quarentena†† como uma forma para mitigar a propagação do vírus.
No entanto, a parada brusca imposta pela pandemia global, impactou não só o nosso comportamento cotidiano de ir e vir, como expôs diversas das fragilidades sociais – econômicas – ambientais – políticas vivenciadas em nosso país, sobretudo, pelas populações urbanas de áreas de aglomerações subnormais, afora, todo o impacto causado / sentido na cadeia produtiva (do sistema capitalista) assentada no labor físico do trabalho, em que, “para a maioria das pessoas (o dinheiro), é obtido pela venda da força de trabalho na forma do ‘trabalho assalariado.” (RAMOS, 2020, p.2), enquanto que para uma minoria, a acumulação de capital ocorre via extração da mais valia (da mão de obra ou do espaço urbano).
Aproveitamos para destacar que o vírus em nada é democrático, e para mitigação da sua propagação, a profilaxia básica (além de higienização com água e sabão) é o distanciamento social. Mas, como pensar em tal condição quando uma grande parcela da população urbana mora em condições de pobreza extrema e em áreas de aglomerações subnormais em que as “casas” têm 15m², onde residem 3, 4, 5 ou mais pessoas, e o sustento depende diretamente da venda da força de trabalho individual?
Notamos, expressamente, que para o capital, o valor de uso da cidade e do trabalho em si embutido, reside no fato de que são polos produtivos por forças polivalentes produtivas, porque concentram as condições gerais da produção capitalista. Estas condições gerais, por sua vez, são condições do resultado do sistema espacial dos processos: de produção, de circulação, de consumo; processos que contam com a necessidade, última, dos suportes físicos-materiais-territoriais. Podemos complementar este pensando, a partir do entendimento de Harvey (2014) de que,
A reprodução do capital passa pelos processos de urbanização em inúmeras formas. Mas a urbanização do capital pressupõe a capacidade do poder da classe capitalista em dominar o processo urbano. Isto implica a dominação da classe capitalista não só sobre aparatos estatais, mas também sobre populações inteiras - seu estilo de vida, bem como sua força de trabalho, o seu valor cultural e política, bem como suas concepções mentais do mundo. (HARVEY, 2014, p. 65, grifo nosso).
Essa conjunção de fatores agrava um quadro em que passamos a rotular como normal e intrínseco ao cotidiano citadino ao notarmos que, no presente, os direitos a propriedade privada e a taxa de lucro se sobrepõem a outras noções de direitos, e ainda, que “vivemos cada vez mais em cidades divididas, fragmentadas e propensas a conflitos.” (HARVEY, 2009, p. 47).
Essa propulsão reforça o caráter quase que unívoco de que
o direito à cidade como hoje existe, encontra-se muito mais estritamente confinado, na maior parte dos casos, nas mãos de uma pequena elite política e econômica com condições de moldar a cidade cada vez mais segundo suas necessidades particulares e seus mais profundos desejos (PARK, 1967 apud HARVEY, 2009, p. 63).
Isso porque as cidades ao se tornarem mercadorias adotam (com leniência do Estado) o perfil de serem rentáveis para a produção e absorção do excedente de capital, sendo assim,
[...] podemos observar nas cidades uma dualidade entre aqueles que as querem como espaço de vida, colocando em relevo seu valor de uso, e aqueles que a querem como mercadoria e que se utilizam das políticas e dos recursos públicos para preparar as cidades para receber o excedente do capital. (GUANABARÃ, 2020, p. 31).
Dessa forma, o Estado desempenha o papel de um agente modelador do espaço urbano e condutor das relações sociais, numa lógica capitalista, assim como afirma Engels. (1980 apud DIAS; RAIOL; NONATO, 2017), para quem o Estado surge da sociedade e de sua origem se afasta (ao assumir-se como representação de uma fração da sociedade) com a finalidade de intervir no conflito de classes. Essa intervenção não se dá com o intuito de arbitrar as diferenças entre as classes, mas sim, de evitar que elas se destruam no conflito, fazendo com que nesse conjunto, as relações socioespaciais sejam reguladas pelas estruturas capitalistas, de forma a reforçar e reproduzir a riqueza e o poder da classe dominante, por via da acumulação por despossessão, expropriação, desalojamento e expulsão da classe dominada. Em outras palavras: a acumulação capitalista guarda estreita relação com os processos de urbanização (HARVEY, p. 30, 2014 apud DIAS; RAIOL; NONATO, 2017, p. 1790) e por não dizer com o quadro clínico personalizado da Covid-19.
Como noticiado no jornal UOL, o boletim epidemiológico divulgado do dia 19 de maio de 2020 pelo Ministério da Saúde revelou que 54,8% dos óbitos registrados são de pessoas pretas e pardas. As pessoas brancas são maioria entre os internados (51,4%), mas minoria entre os mortos (43,1%).
Estudiosos como Santos et al (2020) apontam que a população negra tem pior condição econômica, o que significa maior insegurança alimentar; e tem menos escolaridade, o que a coloca nas piores posições do mercado de trabalho e vive majoritariamente nas periferias, que são locais onde água de qualidade e saneamento básico raramente chegam. Há ainda o racismo institucional que interfere diretamente nos atendimentos médicos realizados muitas vezes de forma negligente e violenta com pessoas negras.
O novo coronavírus amplifica nossas estruturas de diferenciação social e os modos de operação das desigualdades. A exposição viral da doença marca que a vulnerabilidade não é democrática, pois alimenta e é alimentada pelas estruturas de desigualdade presentes na sociedade brasileira cuja realidade é impiedosa e desse modo vemos esfacelar, a olhos nus, o direito à cidade, sobretudo se nos apegarmos às descrições feitas por Lefebvre (2008) e Harvey (2014) que põem como um platô ao direito à cidade a existência de que este direito traga como prerrogativa básica a possibilidade de mudar, re-inventar a cidade dentro de um espectro coletivo, democrático, igualitário e justo. Em que diferenças de: cor-raça, credo, condição financeiras, escolaridade entre quaisquer outros elementos que possam gerar assimetrias sejam superados, pois a cidade depende inevitavelmente do exercício de um poder coletivo sobre o processo de urbanização.
Por isso é indeclinável não pensar as condições de efetivação do direito à cidade, pois as diferenciações espaciais intraurbanas, evidenciam as fragilidades no enfrentamento à Covid-19, isto é, os espaços urbanos da cidade, e consequentemente seus habitantes que estão inseridos em dinâmicas (sociais-econômicas) totalmente diferentes no enfrentamento ao vírus, como destacado por Bernardes, Arruzzo e Monteiro (2020),
A ilustração mais evidente deste cenário, por mais figurado que pareça ser, foi o caso da primeira morte notificada por COVID-19 no estado do Rio de Janeiro, uma empregada doméstica, moradora de Miguel Pereira, periferia da metrópole, que contraiu o vírus de sua empregadora que voltara da Itália e residia no Leblon. Nada mais revelador que em um dos espectros urbanos mais recortados pela desigualdade no país, o primeiro óbito tenha tal configuração. (BERNARDES; ARRUZZO; MONTEIRO, 2020, p. 195).
Por todas estas circunstâncias, torna-se clara e evidente a importância entre os quesitos à gestão da saúde, por notarmos a revelação dos dados estatísticos, vide a figura 5, de que os números dos contágios, mas, sobretudo, o de óbitos, vai além de dados quantitativos, expressam a geograficidade territorializada da Covid-19.
Figura 5 – Dados da Covid -19 por escolaridade
Fonte: Batista et al (2020)
Podemos notar que por detrás dos números existe uma conotação sócio-espacial das ocorrências dos casos, em que a propagação do vírus nas áreas periféricas e nas populações pardas e pretas é uma constante. Pois estes sujeitos vivem em áreas que apresentam características físicas e ambientais mais propícias à disseminação e propagação do vírus, por haver um grande quantitativo populacional em poucos metros quadrados e terem que ir à rua vender a sua força de trabalho estando mais suscetíveis à contaminação e a propagação do vírus. Esses elementos destacados neste artigo somasse ao não acesso aos serviços adequados de água e esgoto.
Sarlet e Fensterseifer (2011) pontuam que,
[...] a ausência de redes de tratamento de esgoto resulta não apenas em violação ao direito à água potável e ao saneamento básico do indivíduo e da comunidade como um todo, mas também reflete de forma direta no direito a viver em um ambiente sadio, equilibrado e seguro. (SARLET; FENSTERSEIFER, 2011, p. 117).
Bernardes, Arruzzo e Monteiro (2020), destacam que o contexto por de trás dessa perversidade exibe um conteúdo de luta de classe decorrente da economia e da política que vem dominando o país, propagando a pobreza e a exclusão social. Como mencionam Faria e Diniz (2018), junte-se a isso o crescimento do individualismo, do medo, da solidão, da despolitização e do ritmo de vida que marcam o cenário urbano e tornam os indivíduos mais incapazes de confrontar a reprodução da desigualdade sob seu teto, uma vez que os mecanismos de reprodução das cidades capitalistas são desdobramentos da contradição capital-trabalho inerente à reprodução do próprio capital. Aqueles que trabalham e/ou vivem diretamente do circuito inferior (autônomos, informais, empregado de carteira assinada de pequenas empresas, domésticas) e dele extraem sua sobrevivência são e estão sendo altamente afetados com o projeto político-ideológico em curso no Brasil, que reforça as tratativas de implementação de uma política econômica de Estado mínimo, onde o projeto neoliberal opere,
O projeto neoliberal opera não apenas com uma concepção de Estado mínimo, mas também com uma concepção minimalista tanto da política como da democracia. Minimalista porque restringe não apenas o espaço, a arena da política, mas seus participantes, processos, agenda e campo de ação; esse deslocamento obscurece a dimensão política da vida em sociedade e corrói as referências à responsabilidade pública e ao interesse público. (GUANABARÃ, 2020, p. 118, grifo do autor).
Essa necropolítica‡‡ por nós vivenciada, produzida na alienação contemporânea do dinheiro que produz dinheiro que, por sua vez, movimenta a economia, é apresentada como se todos tivessem em igualdade, enquanto tal fábula só é efetiva a uma pequena parcela da população que concentra o poder político-econômico.
5. Considerações finais
A pandemia da Covid-19 para além das atrocidades associadas, tem servido para revelar, de modo ainda mais impiedoso, àqueles que por anos tentaram invisibilizar e silenciar as múltiplas desigualdades e ingerências cultivadas historicamente no país. Nesse contexto, os grupos populacionais que historicamente foram negligenciados, aqueles com baixa proteção ao emprego e as populações sem acesso adequado a cuidados de saúde acessíveis, estão entre os mais atingidos, especialmente, ao maior risco de óbito. (SANTOS et al, 2020).
Consideramos que o momento urge pela democratização dos serviços básicos de saúde, educação, moradia e proteção social, mediante ação política como caminho indispensável à garantia dos direitos sociais e da dignidade humana, que encontram-se diluídas nas esferas constitucional e infraconstitucional, ligados à proteção do meio ambiente (art. 225/CF) e à tutela da ordem urbanística (art. 182/CF). Além de ter importante repercussão na erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais (art. 3º, III/CF) e afirmação da dignidade da pessoa humana (art. 1º, I/CF), especialmente considerando-se a injustiça socioambiental que caracteriza o acesso ao saneamento.
Todas essas disparidades sociais, ambientais, políticas e econômicas enfrentadas ao longo deste período de pandemia são frutos de um retrato de anos de formação histórica brasileira, que opõem grupos sociais entre Brancos x Negros, Ricos x Pobres, Privilegiados x Desprivilegiados, com acesso aos diretos e os sem acesso. A reparação histórica que hora é conclamada, não pode ser reduzida a pequenos benefícios como o auxílio emergencial (vigente de abril a dezembro de 2020, pagos em saques mensais 600,00 reais de acordo com o mês de nascimento, sendo suspenso posteriormente e retomado em abril de 2021 à agosto de 2021, pagos em 4 parcelas com valores de R$ 150, R$ 250 ou R$ 375, dependendo da família, limitado a um benefício por família), é fundamental que o curso da história seja alterado e repensado, pois se faz necessário que lições concretas sejam tiradas deste período pandêmico, sobretudo para aquelas populações que foram altamente afetadas e que tiveram seus direitos básicos violados, como não tendo como se proteger do vírus devido à falta de recursos como água ou infraestrutura urbana.
O artigo apresentado evidencia que as ações do Estado (por meio da regulamentação e suas ações sobre o espaço, tem o poder de desencadear a segregação) no combate à pandemia esbarram entre outros aspectos na falta da segurança hídrica, visto que, a garantia da água, em termos quantitativo e qualitativos, é essencial no enfrentamento da Covid-19 e de muitas outras doenças que estão associadas à vinculação hídrica.
A ineficiência das políticas hídricas tem resultado na diminuição da qualidade de vida e até mesmo no tempo de vida das populações menos assistidas. Fazendo com que as intervenções públicas se mostrem muito mais voltadas para a eliminação dos desarranjos urbanos do que para a produção de serviços sociais e com o bem-estar coletivo.
Se o nosso espaço urbano foi imaginado e feito, mesmo que pelas mãos dos liberais e para o caso brasileiro por uma elite, o espaço urbano, pode ser reimaginado e refeito. Temos de imaginar uma cidade mais inclusiva, mesmo que continuamente fracionada. Temos que pôr na pauta do debate, que o direito à cidade demanda um esforço coletivo e a formação de direitos políticos coletivos, para que possamos caminhar para as conquistas e efetivação dos processos e promoção da democratização dos direitos sociais.
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** Artigo recebido em: 31 de janeiro de 2021. Aceito em: 19 junho de 2021
†Secretaria de Estado de Educação de Campos dos Goytacazes, Campos dos Goytacazes, Brasil. Mestre em Geografia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, Brasil. Autor correspondente. E-mail: vssgeografia@gmail.com.
‡C.P.R Borges Centro Educacional, Campos dos Goytacazes, Brasil. Mestre em Geografia, Universidade Federal Fluminense, Campos dos Goytacazes, Brasil. E-mail: guanabaran@gmail.com.
§Alpha Colégio pré-vestibular, Campos dos Goytacazes, Brasil. Graduada em História, Universidade Federal Fluminense, Campos dos Goytacazes. Especialista em história e cultura do Brasil, Universidade Estácio de Sá. E-mail: fe.saantos@hotmail.com.
** É um composto orgânico produzido por microrganismos presentes no solo, como bactérias e fungos, ou na água, como as cianobactérias. No solo, a geosmina pode ser liberada após uma chuva breve. É justamente esta liberação que está associada ao que costumamos chamar de cheiro de “terra molhada”. Já no ambiente aquático, a liberação da geosmina está associada à alteração do gosto e do odor da água, que causa desconforto para o consumo. Além da geosmina, o MIB (2-metilisoborneol) é outro composto produzido por estes microrganismos que também pode causar alteração de odor e de sabor na água (Jornal da PUC, 2020).
†† O termo quarentena será neste artigo usado de forma livre, sem uma precisão técnica para nos referir, de forma ampla, a um processo necessário de isolamento social dos corpos em função do risco de contaminação e disseminação da doença (RODRIGUES, 2020, p. 3).
‡‡ De acordo com (MBEMBE, 2016), a necropolítica reside em grande medida no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer. Por isso, matar ou deixar viver constituem os limites da soberania, seus atributos fundamentais. Exercitar a soberania é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação de poder.