ANO 2023 EDIÇÃO Nº 40
DOS PIONEIROS AOS CONTEMPORÂNEOS:DOS PIONEIROS AOS CONTEMPORÂNEOS:
REVISTA VINCULADA AO PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA FEUFF
ISSN 1807-6211
O QUE HÁ DE INSTITUINTE NA EDUCAÇÃO?
Rua Professor Marcos Waldemar de Freitas Reis, s/n - Bloco D, Faculdade de Educão - Sala 536Rua Professor Marcos Waldemar de Freitas Reis, s/n - Bloco D, Faculdade de Educação - Sala 536
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Capa da Revista Aleph 40.
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Em um fundo branco com letras grandes em negrito, ao alto, após o logo da revista,
lê-se: REVISTALEPH. Logo abaixo, também em letras pretas pequenas lê-se: revista
vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da FEUFF. Mais abaixo entre
duas linhas pretas paralelas lê-se também em letras pretas miúdas: ano 2023 Edição
40 ISSN 1807-6211 Abaixo em negrito lê-se: Dos pioneiros aos contemporâneos: o
que de instituinte na educação? Abaixo, centralizada, foto de época, em preto e
branco, de homens e mulheres que fizeram parte do Manifesto dos Pioneiros da
Educação. Em destaque Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira. No
rodapé, em letras pretas bem miúdas o endereço da revista, localizada na Rua
Professor Marcos Waldemar de Freitas Reis, s/n - Bloco D, Faculdade de Educação -
Sala 536. ademais, outras formas de contato, como e-mail e o nosso site
aleph.ese@id.uff.br https://periodicos.uff.br/revistaleph.
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Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40 ISSN 1807-6211
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá/SDC/UFF
R454 Revista Aleph / Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação. - Ano
1, n. 1 (jun. 2004). - Niterói: ESE/UFF, 2004- . Dois números por ano (fev., nov.): ano 23,
n. 40 , jul. 2023 . Irregular: ano 1, n. 1, jun. 2004 -ano 5, n. 15, ago. 2011.
Modo de acesso: World Wide Web. Disponível em: http://revistaleph.uff.br
ISSN: 1807-6211 1. Educação. 2. Ensino. I. Universidade Federal Fluminense. Faculdade
de Educação. CDD 370.
_______________________________________________________________________
Biblioteca do Gragoatá
Fonte: https://bibliotecas.uff.br/bcg/
[início da descrição de imagem] Foto em preto e branco da Biblioteca Central da
Universidade Federal Fluminense. Prédio em estilo arquitetônico moderno, onde
predominam linhas retas e bem definidas em forma geométrica retangular. Na fachada
em concreto, ao alto, no canto direito do prédio, vê-se o logo da UFF seguido do nome
da universidade. Na parte baixa a entrada tem portas e janelas de vidro, protegidas por
grades brancas, retas. As copas de árvores compõem a paisagem e tomam as partes
laterais do prédio. A entrada é ampla e plana [Fim da descrição de imagem].
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Editoras de Acessibilidade e Inclusão
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Bolsista 2023
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Capa
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Responsabilidade dos Autores
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Avaliadores
Adriana Patrício Delgado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Anna Carolina Cabral de A. da Matta Machado, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Cláudia Maria Costa Alves, Universidade de São Paulo
Cristiano Ferreira de Barros, Universidade Federal Fluminense
Felipe Franklin de Lima Neto, Universidade Federal do Ceará
Fernando Gouvêa, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Jaqueline Luzia da Silva, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Jordanna Castelo Branco, Universidade Federal do Rio de Janeiro
José Ricardo Dordron de Pinho, Colégio Pedro Ii
Katia Luciene de Oliveira e Silva Santana, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Leandro Teofilo de Brito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Luis Paulo Cruz Borges, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Luiz Paulo Labrego de Matos, Universidade Federal Fluminense
Luiza Alves de Oliveira, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Marcelo Loures dos Santos, Universidade Federal de Ouro Preto
Maristela da Silva Pinto, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Marta Cardoso Guedes, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Patrícia Coelho da Costa, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Rafael dos Santos da Silva, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Régis Frances Telis, Universidade Federal Fluminense
Rejany dos Santos Dominick, Universidade Federal Fluminense
Renato Pontes Costa, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Simone Silva, Universidade Federal do Rio de Janeiro
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Sumário
Expediente I
Avaliadores III
Informações para Autores V
Normas de Formatação para Envio VI
Editorial
Desafios Instituintes: dos Pioneiros aos Contemporâneos da Educação
Erika Leme, Nazareth Salutto, Rejany Dominick e Walcea Alves 12
Autora Convidada
Sobre Pioneiros e Movimentos Instituintes da Educação Brasileira
Libânia Nacif Xavier 17
Experiências Instituintes
As Vantagens do Contexto Operacional-situacional para o Domínio do
Texto Argumentativo no Ensino Médio
Juan A. Martínez López 33
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Por Uma Educação do Campo Como Ecologia dos Saberes: Considerações
Sobre a Experiência da Educação do Campo e Seu Papel Transformador.
Ronald Apolinario de Lira 58
Pulsações Contemporâneas
No Caminho Entre o Refeitório e a Sala de Aula Tem Língua Portuguesa e
Muita Prosa Afinada
Kelfany Antonio Pereira e Maria Inmaculada Chao Cabanas 80
A Gordofobia Em Questão: dos Estigmas à Redução de Danos nas Práticas
Educativas Em Biociências e Saúde
João Paulo Cunha Parada e Francisco José Figueiredo Coelho 91
Técnicos em Assuntos Educacionais: Diretrizes para Atuação nos
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
tia Felix da Silva e Ana Paula Furtado Soares Pontes 106
Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40 ISSN 1807-6211
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EDITORIAL
DESAFIOS INSTITUINTES: DOS PIONEIROS AOS CONTEMPORÂNEOS DA
EDUCAÇÃO BRASILEIRA
INSTITUTIONAL CHALLENGES: FROM PIONEERS TO CONTEMPORARY
PEOPLE IN BRAZILIAN EDUCATION
Elaborar o número 40 da Revista Aleph foi um grande desafio visto que o
quadro sócio-político nacional, apesar dos avanços, ainda apresenta inúmeras
limitações que reverberam no contexto acadêmico e, especificamente, no processo de
editoração das revistas científicas. Quando elaboramos o tema deste número vivíamos
o fim de um governo no Brasil que sufocava as iniciativas instituintes. Inspiradas pelos
ares renovadores na política, buscamos articular contribuições de pensadores e
movimentos educacionais de referência na história da educação brasileira, como mote
propulsor para repensarmos as propostas pedagógicas do Brasil que queremos
(re)construir.
Contudo, apesar de vermos muitas construções instituintes nestes primeiros
meses do governo atual, cujo slogan é “Brasil - União e Reconstrução”, os ecos
autoritários e de redução de verbas do governo passado ainda nos atingem. Junta-se às
condições locais as agruras de um mundo que convive com drásticas mudanças
climáticas, com guerras, fome e o recrudescimento de intolerâncias de todo tipo. Os
que estão desenvolvendo trabalhos nas escolas da educação básica convivem com
crianças, jovens e adultos afetados em suas aprendizagens pela pandemia provocada
pelo vírus do Sars-COV 2.
Dialogando com Bauman (2013)1, percebemos que é real a necessidade de
pensarmos a construção de um ‘Planeta social’ para recuperarmos formas de
organização e de associação que alcancem de maneira direta quem se encontra em
condição de vulnerabilidade e desvantagem social, não tendo os seus direitos humanos
1BAUMAN, Zygmunt. Danos colaterais: desigualdades sociais numa era global. Tradução Carlos Alberto
Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
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DESAFIOS INSTITUINTES: DOS PIONEIROS AOS
CONTEMPORÂNEOS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
atendidos pelo estado-nação neo-liberal. A tomada de consciência de que vivemos
uma comunidade de destino planetário, como sugere Edgar Morin (2011) 2, nos
conduz a pensar em estruturar políticas de civilização diante do mal-estar no qual
vivemos hoje.
O ideário de anarquistas, liberais e socialistas chegou a se concretizar em alguns
estados-nação do mundo moderno, mas nas Américas a inclusão de todas as pessoas e
a igualdade de direitos nunca se concretizou plenamente. Apesar disso, lançamos o
desafio: o que de instituinte nas propostas educacionais desde os pioneiros da
educação ao contemporâneo? Em resposta a essa instigação, apresentamos as
reflexões de nossa autora convidada, prof.a Dra. Libania Xavier (UFRJ), que aborda as
proximidades existentes entre o ideário republicano e as concepções e experiências
que caracterizaram o movimento liderado pelos pioneiros da educação nova, no Brasil
do século XX. Tomando três eixos orientadores, a autora tece relações do movimento
da escola nova e seus filiados com a organização da educação pública e a educação
democrática em nosso país; aborda princípios, práticas e instituições criadas por
lideranças do movimento; e analisa o legado instituinte das lideranças e do movimento
para o contexto contemporâneo.
Na Seção Experiências Instituintes publicamos dois artigos: o primeiro aborda
fazeres e saberes constituídos na Educação do Campo sob uma perspectiva decolonial
e emancipatória, retratando políticas públicas de implementação desta modalidade no
contexto do Estado do Rio de Janeiro e explicitando os embates entre a epistemologia
ocidental excludente e dominante ainda hoje no contexto educacional versus propostas
alternativas e emancipadoras, existentes nas discussões para a construção de uma
Educação do Campo inclusiva feita a partir do campo. No segundo, a narrativa de
uma experiência instituinte realizada na cidade de Jerez de la Frontera, Cádiz-España,
numa escola de ensino médio sobre as dificuldades de assimilação dos estudantes com
relação ao texto argumentativo. O trabalho demonstra que é de grande importância o
conhecimento do aluno sobre o contexto operacional-situacional dos atos de
argumentação para a superação de suas dificuldades na escrita.
2MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da
Silva e Jeanne Sawaya; revisão técnica de Edgard de Assis Carvalho. 2. ed. São Paulo: Cortez, Brasília,
DF: UNESCO, 2011.
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Érika Leme, Nazareth Salutto, Rejany Dominick, Walcéa Alves
Na seção Pulsações e Questões Contemporâneas contamos com três artigos
que abordam temas de fundamental importância para pensarmos sobre os ecos
produzidos pelos pioneiros da educação nos estudos contemporâneos. Estes artigos,
embora não citem diretamente os pensadores da educação dos anos de 1930,
abordam muito do que ainda estamos hoje por construir na educação brasileira,
conforme proposto e problematizado pelos pioneiros. A escola como lugar de vida e
não de preparação para a vida, potencializa nossas reflexões sobre a formação na e
para a diversidade em seus diferentes tempos-espaços. No primeiro texto,a autora
analisou respostas recolhidas de pesquisa anterior realizada com docentes e discentes
da EJA no Ensino Médio, na cidade de Parintins (AM). As respostas foram revisitadas
com o objetivo de analisar as Representações Sociais instituídas pela atividade
educativa e admitidas na educação escolar. A autora compreende que a representação
social dominante sobre a Língua Portuguesa ensinada para tal grupo está fortemente
limitada à gramática normativa em detrimento do uso social da língua. O segundo
artigo foca a gordofobia e a discriminação resultante de diversos fatores sociais, porém
pouco discutida, principalmente nas escolas. Os objetivos do artigo são trazer para a
discussão os estigmas do corpo gordo que geram bullying e expressar a importância da
discussão sobre o tema em aulas de Ciências e Biologia a partir dos pressupostos
teóricos da Redução de Danos. Propõem um debate acolhedor e emancipatório, com o
intuito de potencializar práticas inclusivas, assim como lidar com os desafios que
cercam a temática no cotidiano educacional e social. Também de fundamental
importância para a educação universitária brasileira está o debate proposto no artigo
que encerra esta edição. O papel dos técnicos em assuntos educacionais (TAE) nos
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, seu desenvolvimento profissional
e identitário são problematizados a partir da interlocução entre os documentos oficiais
que regulamentam a função e o olhar sobre esses sujeitos com formações e trajetórias
diversas, bem como para a sua integração efetiva no campo da atuação
técnico-pedagógica. A pesquisa, exploratória e descritiva foi realizada em três
instituições e seguiu a abordagem qualitativa com levantamento bibliográfico e
documental.
Nesta edição, buscamos tornar explícitas a amplitude do tema a partir de
elementos históricos e contextuais, bem como das relações dos diversos atores, cujo
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DESAFIOS INSTITUINTES: DOS PIONEIROS AOS
CONTEMPORÂNEOS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
legado nos ajuda a compreender e a analisar os desafios de hoje. Esse reconhecimento
revela a contínua tensão pela qual passa a Educação no nosso país, e nos convoca a
continuar a luta pela educação pública. Nesta jornada, é preciso seguir com coragem
reafirmando o verbo esperançar, como nos ensinou Paulo Freire:
“[] É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem
gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é
esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é
construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se
com outros para fazer de outro modo []”
(Pedagogia da Esperança, 1992).
A despeito dos desafios que persistem, a exigência de seguir com coragem e
audácia na (re) construção da educação pública, gratuita e socialmente referenciada
nos impulsiona a reunir autoras e autores comprometidas/os com essa luta, tanto no
tempo presente, como nos do passado, porque a luta pela educação democrática e
cidadã sempre foi marcada pela luta. Se andamos algumas casas para trás, a esperança
de tecer conhecimento coletivamente nos mantém perseverantes no compromisso
com o conhecimento e a sociedade.
Erika Leme3
Nazareth Salutto4
Rejany Dominick5
Walcéa Alves6
6Professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. Doutora em
Educação. Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano (PPGMC/UFF). E-mail:
walceaalves@id.uff.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8294-917X
5Doutora em História, Filosofia e Educação (UNICAMP). Professora, extensionista e pesquisadora da
Faculdade de Educação da UFF e do Curso de Mestrado em Diversidade e Inclusão do Instituto de
Biologia-UFF. Secretária da Associação Internacional de Inclusão, Interculturalidade e Inovação
Pedagógica, coordenadora de área do PIBID-UFF Pedagogia - Niterói 2023 e Editora da Revista Aleph.
E-mail: rejany_dominick@id.uff.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0456-4201
4Professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluninense. Doutora em
Educação Brasileira (PUC-Rio). Coorenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Infância,
Bebês e Crianças (GERAR). Editora da Revista Aleph. E-mail: m_n_salutto@id.uff.br. ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-8043-595X
3Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutora em
Educação (UFF). Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas LaIFE-Laboratório de Inclusão,Formação Cultural
e Educação. Membro da AIIIIPE-Associação Internacional de Inclusão, Interculturalidade e Inovação
Pedagógica. Editora da Revista Aleph. E-mail:erikaleme@id.uff.br
ORCID:http://orcid.org/0000-0002-8088-6002 Revista Aleph, Niterói, V. 3, Dezembro. 2022, nº39, p. 8 -
12 ISSN 1807-62118
Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40, p. 12-15 ISSN 1807-6211 15
Érika Leme, Nazareth Salutto, Rejany Dominick, Walcéa Alves
[início da descrição da imagem] Autora Convidada [Fim da descrição da imagem].
Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40 ISSN 1807-6211
SOBRE PIONEIROS E MOVIMENTOS INSTITUINTES DA EDUCAÇÃO
BRASILEIRA7
ABOUT PIONEERS AND INSTITUTING MOVEMENTS IN BRAZILIAN
EDUCATION
Libânia Nacif Xavier8
0
Resumo: O artigo aborda as proximidades existentes entre o ideário republicano e as
concepções e experiências que caracterizaram o movimento liderado pelos pioneiros
da educação nova, no Brasil do século XX. São três os eixos orientadores, a saber: O
primeiro destaca a relação entre o movimento da escola nova e os indivíduos a este
filiados com a organização da educação pública e com a instituição de uma educação
democrática em nosso país; o segundo eixo examina, ainda que brevemente, os
princípios, práticas e instituições criadas por duas lideranças do movimento da
educação nova: Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira; o terceiro procura analisar o
legado instituinte destas lideranças e deste movimento no contexto contemporâneo.
Palavras-chave: Pioneiros da educação nova. Movimentos instituintes. Educação
brasileira.
Abstract: Abstract: The article discusses the proximity between the republican ideals
and the conceptions and experiences that characterized the movement led by the
pioneers of new education, in Brazil in the 20th century. There are three guiding axes,
namely: The first highlights the relationship between the new school movement and
the individuals affiliated to it with the organization of public education and with the
institution of a democratic education in our country; the second axis examines, albeit
briefly, the principles, practices and institutions created by two leaders of the new
education movement: Fernando de Azevedo and Anísio Teixeira; the third seeks to
analyze the founding legacy of these leaders and this movement in the contemporary
context.
Keywords: Pioneers of new education. Instituting movements. Brazilian education.
8Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
libanianacif@gmail.com ;https://orcid.org/0000-0003-4422-2118
7O artigo articula os resultados de várias pesquisas realizadas, com vistas a desenvolver a reflexão
proposta no título. Contou com apoio do CNPq, através da bolsa de produtividade em pesquisa.
Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40, p. 17-31 ISSN 1807-6211 17
Libânia Nacif Xavier
SOBRE PIONEIROS E MOVIMENTOS INSTITUINTES DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
O termo pioneiros se aproxima da ideia de vanguarda, pessoas que estiveram
à frente das ideias e práticas usuais em seu tempo. Aplicado à educação, o termo
pioneiros da educação nova reforça o simbolismo que envolveu as ações de renovação
do ensino e as políticas educacionais que tiveram curso no século XX. Este tema tem
sido objeto de minhas pesquisas, por meio das quais desenvolvi a reflexão a respeito
do movimento da escola nova e de sua estreita relação com as bandeiras republicana e
democrática. Tais questões permanecem como tema de pesquisa e problemática para
a reflexão sobre a educação brasileira, tanto no passado quanto no presente.
O interesse por entender o movimento da escola nova em escala internacional
me levou a buscar nexos e aproximações entre o movimento de renovação educacional
brasileiro e o português. Hoje, temos uma extensa rede de pesquisadores que estudam
ou estudaram o movimento em diferentes regiões do Brasil, estabelecendo diálogos
com estudiosos dos continentes europeu e americano. Ademais, contamos também
com linhas de estudo que abordaram a participação de mulheres nesse movimento,
enquanto outros estudos abordaram a apropriação de métodos e instrumentos de
ensino propostos pelos pioneiros por educadores católicos, entre outras questões que
o tema suscita. Resolvi introduzir o texto com esta digressão, justamente para destacar
o quanto esse movimento se faz instituinte de um profícuo campo de reflexões sobre a
história da educação brasileira.
O presente artigo explora as proximidades existentes entre o ideário
republicano e as concepções e experiências que caracterizaram o movimento da
educação nova, no Brasil. Este constituiu expressão de um conjunto de experiências
educativas levadas a efeito em diferentes países do mundo ocidental, configurando um
movimento internacional que teve presença marcante no cenário intelectual do início
do século XX e permaneceu inspirando diferentes projetos de experimentação
pedagógica que contemplam a articulação da escola e do ensino com os problemas
candentes da sociedade.
São três os eixos que orientam o artigo: O primeiro aborda a relação entre o
movimento da escola nova, bem como dos indivíduos a este filiados, com a instituição
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de uma educação republicana em nosso país; o segundo examina as ações de duas
lideranças do movimento da educação nova no contexto em que se deram as primeiras
iniciativas de organização da educação pública nos principais centros urbanos do país,
focalizando, em particular, a cidade do Rio de Janeiro, durante a gestão de Fernando de
Azevedo (1927-1930) e de Anísio Teixeira (1930-1935); o terceiro eixo analisa o legado
instituinte destas lideranças e deste movimento para a conformação de uma educação
pública e democrática na contemporaneidade.
Os pioneiros e a instituição da escola republicana
A relação entre a educação e a democracia é, assim, algo essencial,
constituindo os dois processos, na realidade um e único processo,
podendo-se admitir que o grau de democracia em qualquer
comunidade se medirá pelo grau de educação que se houver atingido
(Anísio Teixeira, 1956).
A epígrafe que abre esta seção expressa uma certeza e, ao mesmo tempo,
uma crença partilhada por Anísio Teixeira. A certeza é racional, na medida em que se
explicita na vasta produção escrita do autor e se ancora na convicção de que a
democracia demanda a educação dos sentidos e o enquadramento civilizatório de
todos. Mas a crença, esta é quase religiosa! A crença que moveu Anísio Teixeira ao
longo de sua densa trajetória como intelectual público se assenta na confiança de que
a escola pública é, de acordo com suas próprias palavras, uma máquina de fazer
democracia. Assim, a nas virtualidades democráticas da escola pública, associada à
convicção de que seu papel é crucial para a concretização dos ideais democráticos,
alimentou o seu ímpeto educador, a sua verve renovadora e a sua capacidade de
liderança, em diferentes momentos de sua trajetória profissional. A imbricação entre
certeza e na educação pública permanece, ainda hoje, recebendo a adesão de
muitos profissionais que se dedicam à educação e ao ensino em suas mais variadas
frentes. Ainda bem!
Como sabemos, o debate sobre a educação pública no Brasil antecedeu a
implantação do regime republicano que, nos países europeus, a escola é coetânea
do processo de formação e consolidação dos Estados Nacionais e, portanto, da
sociedade moderna / capitalista. Nesse contexto, a necessidade de enquadramento
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escolar a todos emergiu em decorrência das transformações políticas e econômicas
que marcaram a história europeia, inscrevendo nos diversos contextos nacionais um
dado modelo escolar que logo foi difundido em nível mundial, em vista da posição
hegemônica dos países do continente europeu. Conforme observou Nóvoa (1993),
para que o modelo escolar então erigido alcançasse a estabilidade e a permanência
que o caracterizam, ainda, hoje, foi necessária a estruturação de uma tripla base,
ancorada no reforço da responsabilidade do Estado para com a educação do povo; na
afirmação e reconhecimento do magistério como grupo profissional; na produção de
racionalidades aplicadas ao ensino e ao funcionamento do sistema escolar, em
simultâneo a um movimento de legitimação científica da pedagogia, entendida como
componente das ciências humanas e sociais.
Como consequência, se fixou um modelo padronizado de escola por meio da
articulação de técnicas de homogeneização das normas de funcionamento e das
metodologias de ensino que, rapidamente se generalizaram. Tais processos instituintes
contaram, para além de uma racionalidade organizativa, também com a imposição de
regras rígidas de comportamento a professores e alunos. E foi contra esse modelo
padronizado e naturalizado (pelas e nas escolas) que o movimento da escola nova
definiu as suas bandeiras e os seus programas de ão. Este se definiu, assim, por
oposição à escola tradicional. Nessa perspectiva, defendeu uma escola alternativa,
atenta às características individuais de seus alunos e, ao mesmo tempo, aberta às
questões presentes no meio social circundante. Tais propósitos incidiram sobre a
configuração dos conteúdos ensinados, bem como sobre as atividades didáticas,
propugnando todos ativos de aprendizagem, desenvolvidos individual e
coletivamente, e se beneficiando dos avanços alcançados pelas ciências.
No Brasil, a Proclamação da República, em 1889, aprofundou as
transformações em curso na segunda metade do século XIX e que se faziam sentir
nos esforços de modernização urbana, assim como na construção dos primeiros
prédios escolares por iniciativa do Governo Monárquico, mesmo que não totalmente
subsidiado por verba pública ou fazendo parte de uma política definida para o setor.
Foi a partir do advento da República que a preocupação com a materialidade da
educação pública se concretizou nas reformas educacionais nos estados, culminando
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com a criação do Ministério da Educação e Saúde, em 1931, ou seja, com a organização
do sistema de ensino em nível nacional. Por seu turno, a separação entre Igreja e
Estado, paralelamente à expansão do movimento da educação nova, exerceu forte
influência sobre a formulação de uma concepção acerca do papel da educação como
instrumento de democratização da sociedade. A escola laica se colocou então como
garantia de construção da escola comum ou única, acessível a todos.
No âmbito da organização política, a República estabeleceu o Governo
Constitucional e representativo, apoiado no voto universal, masculino e alfabetizado.
Tal imperativo colocado em um país como o Brasil, de base rural e fundado em uma
economia escravista, com uma população de maioria analfabeta teve desdobramentos
nas campanhas cívicas e nacionalistas, dentre as quais se destacaram as campanhas de
combate ao analfabetismo, descrito por uns como vergonha nacional e considerado
por outros como um impeditivo à participação popular nas eleições e, portanto, como
obstáculo à plena efetivação do ideal republicano. Ao lado da preocupação com o
analfabetismo, a educação elementar e, depois, a escola primária de caráter popular
ocupou as atenções dos intelectuais e políticos republicanos que atuaram nas
primeiras décadas do século XX.
Com a formação da Liga Internacional da Educação Nova e de associações
nacionais similares no Brasil e em diferentes países tornou-se possível ampliar as
potencialidades deste movimento. Contribuíram, também, para a vitalidade do debate
sobre o ensino a participação em congressos regionais, nacionais e internacionais; a
circulação de impressos pedagógicos de diferentes procedências; a realização de
viagens oficiais assim como as ações dos gestores filiados ao movimento renovador
com a criação de escolas experimentais; universidades alternativas; centros de
pesquisa pedagógica e das demais áreas das ciências humanas e sociais. Em resumo,
que se observar a adoção de um amplo rol de políticas inovadoras e de iniciativas
pertinentes aos princípios e objetivos do movimento, ao longo de todo o século XX9.
9No Brasil, a Associação Brasileira de Educação (ABE), fundada em 1924, desempenhou o papel de
propulsora do debate educacional, congregando as diversas correntes pedagógicas existentes, inclusive
os educadores filiados ao movimento da educação nova. Na década de 1950, a criação do Centro
Brasileiro de Pesquisas Educacionais com seus Centros Regionais de Pesquisa representou grande
incentivo para o desenvolvimento e interiorização da pesquisa no âmbito das ciências sociais e da
educação.
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Outro aspecto que nos interessa destacar acerca deste movimento é
justamente o propósito de refundar a educação e a escola com base na construção de
uma nova forma de participação do professor e do aluno, bem como do papel da
educação na sociedade. Consoante um modelo de sociedade e de cidadão que atende
às demandas da sociedade moderna em processo de expansão, a Educação Nova
abraçou as bandeiras republicanas fundadas na defesa da laicidade do Estado e da
Escola; na participação ativa dos cidadãos nos processos políticos, inclusive nos
processos eleitorais; na responsabilidade do Estado para com a universalização do
ensino e a inclusão de todos os cidadãos no universo da cultura letrada; aliados a uma
promessa de progresso social gradual proporcionada pela difusão do pensamento
racional por meio das instituições de ensino. Mas, isto não quer dizer que os pioneiros
não tenham se utilizado de acordos e mediações com atores e práticas tradicionais (ou
conservadoras), visando alcançar seus objetivos. Também não significa que os seus
princípios pedagógicos, assim como as suas experiências e modelos institucionais
sejam inquestionáveis e tenham alcançado continuidade e estabilidade plenas, a
despeito de sua força instituinte.
As estratégias discursivas presentes no texto do manifesto de 1932 expressam
o intuito de legitimar as credenciais do grupo de signatários, que se apresentaram
como os mais preparados para ocupar posições de liderança na burocracia estatal com
vistas a liderar a promoção da almejada renovação do ensino. Daí, a auto atribuição do
título de pioneiros da educação nova. Assim, eles se apresentaram como um grupo de
profissionais habilitados para a tarefa proposta, com suas formações profissionais, suas
experiências em diferentes postos ligados ao ensino e à administração pública e com
suas adesões à causa educacional.
Adiante, vamos analisar a diversidade de experiências que impulsionaram o
movimento, bem como a pluralidade de indivíduos abrigados no termo pioneiros da
educação nova. Além disso, vamos sublinhar as particularidades que marcaram a ação
instituinte de duas de suas principais lideranças: Fernando de Azevedo e Anísio
Teixeira.
Os Pioneiros da educação nova e suas lideranças
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Para a escola progressiva as matérias são a própria vida, distribuídas
por centros de interesse e ou projetos. Estudo é o esforço para
resolver um problema ou executar um projeto. Ensinar é guiar o
aluno na sua atividade e dar-lhe os recursos que a experiência
humana obteve para lhe facilitar e economizar esforços (Anísio
Teixeira, 2000).
O conteúdo da epígrafe que abre esta seção o tom da mudança de
perspectiva que marca a oposição entre a escola e o ensino tradicionais e a educação
renovada, propugnada pelos pioneiros. Ainda assim, este conteúdo, aparentemente
consensual, pode não ter sido plenamente acatado por todos aqueles que se
identificaram e/ ou foram reconhecidos como pioneiros da educação nova. Isto, porque
o grupo reuniu indivíduos com perfis e concepções diversas sobre as questões
educacionais e os problemas nacionais. Membros de uma restrita elite letrada, muitos
possuíam formação católica, ainda que defendessem o ensino laico. Alguns, como
Fernando de Azevedo, comungavam a ideia de que a formação das elites era o ponto
central da renovação educacional pretendida, entendendo que seria por meio do
ensino superior e da formação de elites esclarecidas e aptas para assumirem postos de
comando que se dariam as mudanças que o Brasil necessitava para o seu
desenvolvimento. Outros, como Anísio Teixeira, estavam mais interessados em ampliar
a escolarização primária, defendendo a expansão e abertura de vagas a toda a
população, proporcionando uma escola única e uma educação comum, isto é, igual
para todos. As filiações partidárias também eram variadas, tendo em Paschoal Leme o
único signatário que se declarou militante comunista. Havia signatários com perfis
gestores, outros eram ligados à literatura, à psicologia infantil, ensino superior ou à
educação de adultos, ao jornalismo e a programas de rádio, entre outras atividades.
Apenas três mulheres assinaram o Manifesto de 1932 e, por isso, merecem ser
mencionadas. Foram elas Armanda Álvaro Alberto, Cecília Meireles e Noemi da Silveira
Rudolfer. O elo que uniu toda essa diversidade de indivíduos convergiu para a
preocupação em intervir nos rumos políticos do país, focalizando na educação do povo
como centro em torno do qual gravitaram suas afinidades e contribuições.
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Ainda que o grupo seja amplo e tenha recebido adesões de novas gerações,10
nós vamos destacar as contribuições de apenas duas de suas lideranças: Fernando de
Azevedo (1894-1974) e Anísio Teixeira (1900-1971). Ambos atuaram em instituições e
redes de sociabilidade nacionais, circulando também em âmbito internacional. Ambos
tiveram formação jesuítica e se formaram bacharéis em Direito. Nos primeiros anos
republicanos, eles dirigiram reformas de ensino em estados como Bahia (Anísio
Teixeira), Rio de Janeiro (ambos) e São Paulo (Fernando de Azevedo). Além disso,
tiveram atuação incisiva na configuração de uma legislação específica para a educação,
bem como nos esforços de aproximar a reflexão sobre a questão educacional aos
parâmetros científicos válidos naquele contexto.
A experiência de Fernando de Azevedo como diretor da Instrução Pública no
Rio de Janeiro, à época Distrito Federal (1927 1930) se apoiou em um plano de
reforma que colocou em foco os três princípios fundamentais com base nos quais ele
pretendia conformar o sistema de ensino: o princípio da comunidade (autonomia do
sujeito, integração ativa na comunidade); o princípio da escola única (escola cidadã, de
formação integral, aberta e igual para todos) e o princípio da escola do trabalho
(calcada na experiência do aluno e nos métodos ativos). Em relação ao currículo das
escolas primárias, Azevedo (1934, p. 23) defendeu substituir a divisão tradicional dos
programas em matérias isoladas pela repartição em complexos agrupados em três
grandes seções: a natureza, o trabalho e a sociedade. 11
Ele atribuiu importância à formação do magistério, acrescentando que todo
sistema de educação dependia, antes de qualquer inovação administrativa, da
capacidade dos professores de aplicá-las. Preocupado em reforçar a profissionalização
do magistério, ele expressou a compreensão de que a Escola Normal da Capital devia
ser reestruturada como um centro de estudos e pesquisas pedagógicas, que permitisse
aos professores evoluírem em um contínuo aperfeiçoamento. A construção do
imponente prédio destinado a abrigar a nova escola normal do DF, teve início na
11 O livro Novos Caminhos e Novos Fins: a nova política de educação no Brasil reúne vários discursos nos
quais o autor apresenta e defende os princípios em que se assentou o seu plano de reforma; considera
as resistências postas pelo Conselho Municipal (hoje Câmara dos Vereadores e, destaca o apoio que ele
recebeu de jornalistas e membros da ABE e responde aos seus críticos.
10 A adesão de uma nova geração às bandeiras do movimento da escola nova pode ser confirmada pelos
nomes que subscrevem o Manifesto Mais uma vez convocados, publicado em 1959. Cf:
http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/fran/artigos/convocados.html
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administração de Azevedo, mas sua organização e funcionamento se concretizaram
na administração seguinte.12
No entanto, ao realizar concurso público para contratar professores para
atuarem na Escola Normal, Azevedo feriu o costume da contratação por indicação
política, que era usual à época.13 Visando estabelecer critérios universais e profissionais
para regular o ingresso de professores na carreira, Azevedo reformulou a legislação
educacional, entrando em conflito com a Câmara Municipal, que exerceu pesada
pressão sobre sua gestão, ameaçando, inclusive a aprovação do orçamento da gestão
do Prefeito Antônio da Silva Prado Junior (1926-1930). Com a chamada Revolução de
1930, Fernando de Azevedo foi afastado da Diretoria da Instrução Pública, mas as
linhas gerais de seu projeto de reforma tiveram continuidade na gestão de seu
sucessor, Anísio Teixeira.
A Reforma Educacional promovida por Anísio Teixeira na cidade do Rio de
Janeiro (1930-1935) se destacou pelas medidas tomadas em prol da expansão
quantitativa de vagas nas escolas públicas, assim como da elevação da qualidade do
ensino. Para atingir esses objetivos, outras medidas foram tomadas, tais como a
criação das escolas experimentais, a criação da Universidade do Distrito Federal (UDF)
e a racionalização do aparato administrativo do setor educacional. As cinco escolas
experimentais criadas na década de 1930 - Escola Bárbara Otoni, Escola Manuel Bonfim
e as Escolas Argentina, Estados Unidos e México - desenvolveram projetos pedagógicos
próprios e diferentes entre si. Porém, algumas características comuns podem ser
assinaladas.
No que tange à organização do trabalho pedagógico, articularam-se no plano
das escolas experimentais as atividades didáticas propriamente ditas, a observação e
experimentação teórico-empírica, o debate intelectual e a permanente avaliação e
reconstrução da prática docente. Disto, decorre o entendimento de que a capacitação
do magistério deveria ser um processo contínuo e ininterrupto, articulado às teorias
13 Atualmente, a legislação estabelece que a contratação de professores para atuarem nas redes públicas
de ensino deve ser feita por meio de concurso público. No entanto, diferentes formas de contratos
temporários têm sido adotadas por Governos e Prefeituras, contrariando esta determinação
constitucional e ferindo os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade como
norteadores da administração pública no Brasil. Cf: Fernandes, s/d.
12 Trata-se do atual Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ), vinculado à Fundação de
Apoio à Escola Técnica do Rio de Janeiro (FAETEC) e localizado na Rua Mariz e Barros, no bairro da Tijuca
- RJ.
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científicas e à reflexão sobre as práticas pedagógicas em curso. Desse modo, o
processo de capacitação se mesclou com a própria rotina de atividades docentes,
reforçando a autonomia intelectual do professor ao mesmo tempo em que integrou, na
própria organização do trabalho escolar, os fatores imprescindíveis para sua efetivação,
como tempo para a realização de estudos e espaço para a discussão teórica dos
experimentos realizados. que se destacar, por fim, a associação a um programa de
intercâmbio profissional, de estágios e demais atividades formadoras, em serviço.
Tal perspectiva foi reforçada com a criação da UDF, instituição de nível
superior que, além de formar cientistas em diferentes áreas, atribuiu importância à
formação de professores, buscando articular teoria e prática, pesquisa e ensino. Esta
experiência inovadora foi efêmera, mas, ainda hoje, apresenta um interessante
contraponto com o modelo de universidade em vigor na contemporaneidade,
conforme demonstramos em artigo que aborda o modo pelo qual se deu a
articulação entre ensino, pesquisa e formação de professores nesta instituição
universitária, criada por Anísio Teixeira em 1935 e extinta em 1939. Como interpretou
Fávero (2008) para Anísio Teixeira, a UDF representou o ápice de um projeto integrado
de educação, no qual o ensino superior e os demais níveis de ensino se desenvolveriam
de modo articulado.
As experiências inovadoras no âmbito da administração educacional, da
organização de escolas experimentais e universidades alternativas foram interrompidas
no regime do Estado Novo (1937-1945). Anísio foi tachado de comunista e perdeu os
postos que ocupava. Porém, ele retornou à cena pública nos anos 1950. Sobre suas
ações instituintes nesse período, merece destaque para o interesse deste artigo, a
criação do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, a Escola Parque. Tratou-se de uma
escola organizada em tempo integral para crianças de um bairro popular da cidade de
Salvador, o bairro da Liberdade. Ali, se aprimorou a perspectiva de proporcionar, por
meio da escola pública, uma formação integral e integrada. As crianças frequentaram a
escola-classe, disseminadora dos conhecimentos formais em um turno para, em
seguida, se dirigirem para a escola-parque, onde receberiam, no contraturno, a
formação artística, física e profissional. Por sua riqueza arquitetônica e pelas artes
murais expostas em suas paredes, o conjunto da Escola Parque foi tombado pelo
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Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (IPAC) da Bahia. Pela pertinência e
consistência de sua proposta pedagógica, inclusive, a Escola foi reconhecida pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como
patrimônio cultural da humanidade. Por fim, olhando para a nossa história, cabe
ressaltar que esta foi uma experiência pioneira e bem-sucedida de educação integral,
no Brasil.
Para finalizar, vamos ensaiar algumas reflexões sobre continuidades e rupturas
a partir das experiências destacadas.
Princípios instituintes para a educação contemporânea
Que haverá, hoje, que nos possa sugerir o
que poderá vir a ser a escola de amanhã?
(Anísio Teixeira, 1963)
A epígrafe é interessante para a questão proposta no presente dossiê, tendo
em vista que ela anuncia uma preocupação para com o futuro da educação. A que
ponto estamos preparando o futuro da educação pública brasileira? Esta é a
preocupação de Anísio. A resposta pode se configurar, hoje, com base na busca do
legado dessa geração de “pioneiros”. O que foi instituído, o que permanece instituinte,
o que não vingou?
Para além das descontinuidades educacionais provocadas pelas disputas
partidárias, de ontem e de hoje, nós temos, sim, um legado de ricas experiências,
inscrito em nossas histórias e em nossas próprias trajetórias profissionais. Mas, para
torná-lo visível, é preciso exercitar as memórias que acolhem as nossas preocupações,
os nossos sucessos e desilusões. É necessário, também, escrever e disseminar as
histórias que nos apresentam soluções criativas, ainda que não conclusivas, para os
desafios que ainda permanecem sem solução, no longo percurso da educação pública
brasileira.
O relato dessas histórias nos apresenta algumas possibilidades de
estruturação do sistema educacional; de organização do trabalho escolar e de
adequação do ensino, demonstrando que a padronização e a repetição de modelos
pedagógicos podem ser superadas em prol de uma escola viva e ativa, organizada com
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criatividade e racionalidade. Estas experiências se apresentam, assim, como um legado
instituinte de ideias e ações. Evidenciam, também, o compromisso com o direito à
educação e com a democracia.
Os pioneiros compartilharam alguns valores e princípios educacionais comuns
e, com base neles, adotaram modelos particulares de organização dos sistemas de
ensino e das escolas sob sua supervisão, como vimos anteriormente. Entre as
características convergentes, podemos destacar a perspectiva de uma educação
integral. A ambição política que animou as experiências pedagógicas protagonizadas
por Anísio e Fernando, aqui apresentadas, foi a de oferecer oportunidades
educacionais às crianças de camadas populares, organizando a escola a arquitetura,
os programas, os métodos de ensino e a variedade de cursos de forma a adequá-la
às necessidades e possibilidades dos alunos advindos dos setores populares. Verifica-se
assim, o entendimento da democracia não como uma forma de Governo, mas,
também, como um princípio básico da vida social (e da organização escolar).
Importa lembrar que o modelo de organização da Escola Parque inspirou a
elaboração do Programa Especial de Educação (PEE), por meio do qual Darcy Ribeiro14
implantou, no Rio de Janeiro dos anos 1980-1990, as escolas de educação integral, isto
é, os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps). O PPE gerou forte impacto na
educação pública estadual com reflexos em âmbito federal, inclusive influenciando a
criação dos Centros Integrados de Atendimento à Criança (CIACS) que, mais tarde,
receberam o nome de Centros de Atenção Integral às Crianças (CAICS). A questão da
educação integral e da adoção de medidas assistenciais articuladas no interior dos
Cieps animou um fervoroso debate sobre o papel da escola pública e os custos
pertinentes para sua expansão e manutenção.
Posteriormente, a educação integral permaneceu como retórica política em
tempos de eleição, assim como esteve presente em programas e projetos educacionais
que ascendem e refluem ao sabor da hegemonia partidária do momento. De qualquer
maneira, é certo que sua importância foi reconhecida pelos Governos, ainda que sob a
14 Quando jovem, o antropólogo Darcy Ribeiro trabalhou junto a Anísio Teixeira e, desde então, ele
abraçou definitivamente a causa educacional.
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forma de programas complementares, como foi o Programa Mais Educação15 ou, ainda,
compondo Projetos de Lei16.
De resto, muitas experiências ainda merecem ser contadas, a partir do legado
dos pioneiros. O conhecimento das práticas e ideias pregressas nos inspiram, hoje, a
identificar caminhos e soluções para atuar nesse campo complexo e delicado, que é o
campo da educação. Dentre os princípios e ões enfatizados pelos pioneiros, a
pesquisa educacional se desenvolveu e se institucionalizou a passos largos. Quase
ausente nas instituições escolares de educação básica, a pesquisa educacional ocupou
o espaço das universidades públicas, produzindo conhecimentos relevantes para se
avaliar a aprendizagem dos alunos, o desempenho dos professores e a eficácia das
escolas públicas. Desenvolveu-se, também, no sentido de compor uma racionalidade
crítica que esquadrinha os conhecimentos produzidos no campo e produz novos
conhecimentos passíveis de contribuir para orientar e redimensionar políticas para o
setor, ampliando o campo de reflexão sobre questões candentes da educação
contemporânea. Na Universidade também são formulados e desenvolvidos projetos
pedagógicos em parceria com as escolas de educação básica, muitas vezes buscando
meios de atender às necessidades das crianças de classes populares; de adultos com
defasagem na escolarização; daqueles que enfrentam dificuldades de aprendizagem,
dentre outras questões.
Houve avanços no que tange à reparação das injustiças sociais, como
demonstra a adoção das políticas de ação afirmativa, com destaque para a introdução
dos critérios de cotas étnico-raciais, sociais e para pessoas com necessidades especiais
para regrar o ingresso no ensino superior. A garantia de permanência e de conclusão
do curso, surge, então, como um outro desafio posto à ampliação das oportunidades
educacionais (HERINGER, 2018). De qualquer maneira, a inclusão de jovens que a os
anos 2000 tinham muito pouca chance de ingressar nas universidades públicas é um
16 Há, inclusive, um projeto recentemente aprovado no Senado (PL 2.617/2023) que permite à União
financiar matrículas em período integral nas escolas de educação básica, por meio de transferências de
recursos para estados e municípios.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2273738
15 Criado em 2007 no âmbito do Ministério da Educação, o Programa Mais Educação teve como meta a
ampliação da jornada escolar nas redes estaduais e municipais de ensino para, no mínimo 7 horas
diárias, por meio de atividades optativas, oferecidas no contraturno escolar, visando a construção de
uma agenda de educação integral. Cf:
http://portal.mec.gov.br/programa-mais-educacao/apresentacao?id=16689
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indicador de que o processo de democratização do acesso à escolarização plena
permanece não como desafio, mas, também, como conquista a ser ampliada.
Por outro lado, ainda muito o que avançar em relação às condições de
trabalho dos professores. A precarização e a intensificação do trabalho docente têm se
aprofundado rapidamente nos últimos anos. A democratização do acesso e o
reconhecimento das diferenças tem estabelecido complexas exigências pois, raramente
as políticas de apoio a estas novas exigências são suficientes, sobrecarregando os
professores e, ao mesmo tempo, criando uma insatisfação permanente com os
resultados do seu próprio trabalho, que sem o apoio necessário eles não conseguem
atender plenamente à diversidade de demandas que se lhes apresentam, ainda que as
reconheçam como legítimas. A precarização das condições laborais dos professores
tem se agravado, ainda, com a flexibilização dos contratos de trabalho, enfraquecendo
o estatuto profissional docente, conforme demonstrou Oliveira (2004).
Outro aspecto grave, sobre o qual não tem havido respostas eficazes das
autoridades governamentais e dos gestores da educação pública contemporânea, tem
relação com os efeitos deletérios da violência urbana. No Rio de Janeiro, em particular,
a ausência de políticas integradas de segurança pública, assistência social, saúde e
educação tem deixado os professores que trabalham em áreas conflagradas por
conflitos armados muito estressados e, não raro, com a saúde fragilizada, conforme
observamos em estudos anteriores. No entanto, mesmo vivendo situações de
insegurança, muitos professores têm consciência da relevância social do papel que eles
desempenham na vida de seus alunos, principalmente daqueles mais vulneráveis. A
esse respeito, os professores entrevistados pela nossa equipe de pesquisa expressaram
a percepção de que a escola pública é uma instituição prenhe de possibilidades para a
construção de uma sociedade mais inclusiva e democrática. Demonstram, desse modo,
que o alto valor atribuído à escola pública vem sendo atualizado constantemente, de
acordo com as demandas do tempo presente e em sintonia com as expectativas de
construção do futuro do país.
Referências
AZEVEDO, Fernando de. Novos Caminhos e Novos Fins: a nova política de educação no Brasil,
subsídios para uma história de quatro anos. São Paulo, Melhoramentos, 1923.
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https://www.researchgate.net/publication/266594635_Anisio_Teixeira_e_a_Universidade_do_
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Data do envio: 11/04/2023
Data do aceite: 15/09/2023.
Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40, p. 17-31 ISSN 1807-6211 31
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Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40 ISSN 1807-6211
AS VANTAGENS DO CONTEXTO OPERACIONAL-SITUACIONAL PARA O
DOMÍNIO DO TEXTO ARGUMENTATIVO NO ENSINO MÉDIO
LAS VENTAJAS DEL CONTEXTO OPERATIVO-SITUACIONAL PARA EL
DOMINIO DEL TEXTO ARGUMENTATIVO EN LA ENSEÑANZA SECUNDARIA
THE ADVANTAGES OF OPERATIVE-SITUATIONAL CONTEXT FOR
MASTERING THE ARGUMENTATIVE TEXT IN SECONDARY EDUCATION
Juan A. Martínez López17
Resumo
O texto argumentativo é provavelmente a tipologia textual mais difícil de assimilar
pelos alunos do Ensino Médio. Especialistas na área como Janik & Toulmin (2001) ou
Huamán (2016) têm destacado a relevância de se ter o contexto
operacional-situacional no processo didático do texto argumentativo. Nesse ambiente,
o presente estudo tem como objetivo quantificar as vantagens da utilização de um
contexto operacional-situacional amplo em relação ao modelo mais tradicional,
geralmente mais teórico e com contextos menores. Como ponto de partida teórico,
foram consideradas algumas noções de pragmática em comunicação, a teoria
sociocultural de Vigotski (1978) e alguns postulados da chamada aprendizagem
ativa. Através da aplicação de uma sequência didática com e sem a devida referência
contextual, em duas turmas de série do Ensino Médio, e da utilização de uma
rubrica de 10 itens, evidencia-se que os alunos que possuem o contexto
operacional-situacional superam aqueles que o carecem no processo didático. Os
resultados do experimento também indicam que os primeiros estão mais envolvidos do
que os segundos na prática do debate argumentativo na resolução dos conflitos
cotidianos que enfrentam.
Palavras-chave: Texto argumentativo. Contexto. Dialógico. Operativo. Situacional.
Resumen
El texto argumentativo es, probablemente, la tipología textual más difícil de asimilar
por los estudiantes de Enseñanza Secundaria. Expertos en la materia como Janik &
Toulmin (2001) o Huamán (2016) han destacado la relevancia de contar en el proceso
didáctico del texto argumentativo con el contexto operativo-situacional. En este
entorno, el presente estudio tiene como objeto cuantificar las ventajas de usar un
contexto operativo-situacional amplio frente al modelo más tradicional, normalmente
más teórico y con contextos más reducidos. Como punto de partida teórico se han
considerado algunas nociones de la pragmática en la comunicación, la teoría
sociocultural de Vygotsky (1978) y algunos postulados del llamado aprendizaje
activo. A través de la aplicación de una secuencia didáctica con y sin el referente
17 Catedrático de Lengua Española en la Universidad Pablo de Olavide, de Sevilla (España). Email:
jamarlop@upo.es. Teléfono: (34) 954977629. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9113-7931
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contextual adecuado en dos clases de de Enseñanza secundaria, y mediante la
utilización de una rúbrica de 10 items, se evidencia que los alumnos que cuentan con el
contexto operativo-situacional superan a los que carecen de él en el proceso
didáctico. Los resultados del experimento también indican que los primeros se implican
más que los segundos en la práctica del debate argumentativo a la hora de resolver los
conflictos cotidianos a los que se enfrentan.
Palabras clave: Texto argumentativo. Contexto. Dialógico. Operatorio. Situacional.
Abstract
The argumentative text is probably the textual typology that is most difficult to
assimilate by students of Secondary Education. Experts in the field such as Janik &
Toulmin (2001) or Huamán (2016) have highlighted the relevance of having the
operational-situational context in the didactic process of the argumentative text. In this
environment, the present study aims to quantify the advantages of using a broad
operational-situational context compared to the more traditional model, usually more
theoretical and with smaller contexts. As a theoretical starting point, some notions of
pragmatics in communication, the sociocultural theory of Vygotsky (1978) and some
postulates of so-called active learning have been considered. Through the application
of a didactic sequence with and without the appropriantextual reference, in two
classes of 4th grade of Secondary Education, and through the use of a rubric of 10
items, it is evident that students who have the operational-situational context surpass
those who lack it in the didactic process. The results of the experiment also indicate
that the former are more involved than the latter in the practice of argumentative
debate when resolving the everyday conflicts they face.
Key words: Argumentative text. Context. Dialogical. Operative. Situational.
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LAS VENTAJAS DEL CONTEXTO OPERATIVO-SITUACIONAL PARA EL
DOMINIO DEL TEXTO ARGUMENTATIVO EN LA ENSEÑANZA
SECUNDARIA
Introducción
Una de las tipologías textuales que más contribuye al desarrollo del discurso
lógico deductivo-inductivo entre los alumnos del Ciclo de la Enseñanza Secundaria
Obligatoria (ESO) en España es el texto argumentativo. De la importancia de propiciar
la praxis del discurso argumentativo en esta etapa educativa es bien consciente la
Administración Educativa, a tenor de lo dispuesto en el Anexo I del Real Decreto
217/2022, de 29 de marzo, por el que se establece el currículo y las enseñanzas
mínimas de la Educación Secundaria Obligatoria (Boletín Oficial del Estado, 76, de
30.3.2022). En dicho texto normativo, y en alusión al “perfil del alumno al terminar la
enseñanza básica”, se subraya que para que el alumno alcance el grado requerido en el
dominio de la Competencia en Comunicación Lingüística (CCL) al término de la
Enseñanza Secundaria Obligatoria (ESO), se hace preciso que haga de ella “la base para
el pensamiento propio y para la construcción del conocimiento en todos los ámbitos
del saber. Por ello, su desarrollo está vinculado a la reflexión explícita acerca del
funcionamiento de la lengua en los géneros discursivos específicos de cada área de
conocimiento” (p. 41579). Un propósito que se hace aún más explícito al precisar los
“Descriptores operativos” que determinan el nivel de adquisición de la CCL, de tal
modo que, al finalizar la enseñanza básica, el discente debe comprender, interpretar y
valorar con actitud crítica textos orales, escritos, signados o multimodales de los
ámbitos personal, social, educativo y profesional para participar en diferentes
contextos de manera activa e informada y para construir conocimiento (CCL2) (p.
41597). Un reto que demanda el dominio del discurso argumentativo para lograrlo.
Sin embargo, una cosa son las pretensiones del legislador y otra bien distinta
la realidad observada en las aulas de las instituciones de enseñanza. Tras llevar a cabo
una consulta a un número representativo de docentes que imparten el área de Lengua
Castellana y Literatura en de la ESO, se constata que gran parte de aquellos admite
que sus alumnos terminan dicha etapa educativa sin contar con la habilidad requerida
para hacer del discurso argumentativo oral y escrito una herramienta útil para la
solución de conflictos en su vida diaria. Y es precisamente esta laguna la que se
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Juan A. Martínez López
constituye en el punto de partida de nuestro estudio, pues el objeto del mismo es
demostrar que cuando el alumno de de ESO descubre las ventajas que le reporta
utilizar con acierto los resortes del texto argumentativo, se implica mucho más en la
adquisición de esta tipología textual. Con el fin de demostrar que este cambio de
actitud por parte del alumno es posible, la presente investigación se sustancia en la
elaboración y puesta en práctica de una secuencia didáctica sobre el texto
argumentativo en dos aulas de de la ESO del IES Alvar Núñez, de Jerez de la
Frontera (Cádiz-España). Dicha secuencia se aplica a los dos grupos preestablecidos:
grupo A (de contraste), al que no se le aporta el contexto operativo-situacional durante
el aprendizaje; y grupo B (grupo de experimentación), al que se le ha proporcionado
durante el aprendizaje los datos propios del contexto operativo-situacional. La
evaluación de los distintos ítems establecidos al final de la secuencia didáctica
permitirá dilucidar en qué medida los alumnos del grupo B superan en sus puntaciones
a los del A y, en su caso, en qué parámetros de los evaluados.
1. La importancia del contexto operativo-situacional para el dominio del
discurso argumentativo
Al objeto de sustentar los postulados teóricos que confirmen la tesis
defendida; esto es, que el discurso argumentativo precisa de un contexto
operativo-situacional explícito para alcanzar el más alto grado de significatividad, se
parte de la definición de argumento, entendido como “un conjunto de dos o más
proposiciones relacionadas de tal manera que las proposiciones llamadas premisas
apoyan a la premisa llamada conclusión” (FINGERMANN, 1977, p. 10). Otra manera de
caracterizar un argumento es definirlo como un conjunto de enunciados declarativos,
uno de los cuales se designa como la conclusión y los otros como las premisas.
Definición que es completada por Atienza (1997, p. 26), para quien “argumentar o
razonar es una actividad que consiste en dar razones a favor y en contra de una
determinada tesis que se trata de sostener o refutar. Esta actividad puede ser muy
compleja y consistir en un número muy elevado de argumentos (de razones parciales)
conectados entre de muy diversas formas”. No obstante, ambas definiciones se
olvidan del factor situacional, necesario para que el acto de argumentación culmine su
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LAS VENTAJAS DEL CONTEXTO OPERATIVO-SITUACIONAL PARA EL
DOMINIO DEL TEXTO ARGUMENTATIVO EN LA ENSEÑANZA
SECUNDARIA
desarrollo y logre pleno sentido. Una carencia que es subsanada por Janik &Toulmin
(2001), para quienes aquellos que ignoran el contexto en el que se hallan las ideas
están destinados a malentenderlas”, es decir que desgajar contextos y razonamientos
de los medios histórico-culturales en los que se introdujeron y usaron” carece de
sentido (JANIK & TOULMIN, 2001, p. 31). Por ello Toulmin (1958) crea un modelo de
análisis del texto argumentativo que nos permite estudiar cualquier tipo de argumento
empleado en los contextos laborales, familiares, académicos, etc. En este sentido, su
concepto de argumentación se aleja de la lógica deductiva tradicional aristotélica y
centra su atención en la lógica práctica, pues aquella atiende a lo abstracto y esta a lo
concreto.
Y dado que los seres humanos pensamos y argumentamos ante situaciones
concretas, hemos de contar con el contexto explícito en el que los hechos suceden para
poder convencer y persuadir a nuestros interlocutores de la veracidad de aquellos.
Para que el proceso de la argumentación funcione, Toulmin (1958) sostiene que todos
los elementos que intervienen en el mismo deben funcionar correctamente: desde la
aserción” (claim), que es la tesis que se va a defender; la evidencia (ground), los datos
y razonamientos empleados para persuadir; la garantía (warran), los apoyos con los
que contamos para que tanto la aserción como la evidencia sean válidas; el respaldo
(backing), que son los medios con los que contamos para ubicar nuestra tesis en el
contexto que la actualiza y visualiza; los calificadores/modificadores
(qualifiers/modality), las construcciones lingüísticas con las que damos forma a nuestra
tesis o atenuamos los argumentos; y finaliza con las refutaciones (rebuttals), las
posibles objeciones que pueden desmontar nuestra propuesta. No obstante, y dado
que el acto de argumentación oral y escrita sucede en un tiempo y lugar concretos y en
una situación de comunicación específica, en dicho acto “the backings” desempeñan
un papel fundamental, pues si el hablante carece del referente situacional no puede
construir las premisas sobre las que sustentar la tesis que defiende. Nos referimos a
que, como señala Huamán (2016, p. 18).
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Juan A. Martínez López
[] el contexto situacional comprende no sólo la argumentación en
misma, sino también el cúmulo de experiencias previas que tienen
tanto el oyente como el hablante, la percepción y cognición que cada
uno tenga sobre la tesis en debate. Dado que los interlocutores no
deben compartir el mismo punto de vista con respecto al tema en
cuestión, porque de serlo así ya no sería necesaria la argumentación.
En esta práctica incluyen además los elementos paralingüísticos y
extralingüísticos que el hablante emplea.
1.1. La competencia comunicativa
Y resulta tan determinante contar con el contexto comunicativo en los actos
de argumentación, que cuando Hymes, a principios de los 70, acuñó el término
competencia comunicativa”, definido como la capacidad de comunicación de las
personas, que abarca tanto su conocimiento de la lengua como su habilidad para
utilizarla, precisó que la adquisición de tal competencia viene determinada por la
experiencia social del sujeto, sus necesidades y motivaciones, y por el contexto
comunicativo en el que se ejecuta dicha competencia. Es decir, que para contar con
una adecuada competencia comunicativa, necesaria para sostener un debate
argumentativo, se precisa que el hablante cuente con un determinado contexto en el
que todos los enunciados que intercambia con su interlocutor cobren pleno sentido.
De aquí que Hymes (1972) señale que el hablante tiene que contar con solvencia en el
uso de la competencia pragmática, para asociar correctamente los enunciados con los
contextos en los que se producen, siendo estos no solo el marco físico en el que se
ejecuta el acto comunicativo, y por ende la argumentación, sino, ante todo, los
conocimientos que son compartidos por los intervinientes en dicho acto. Hymes, entre
otros estudiosos, critica el concepto de competencia lingüística (CHOMSKY, 1965), pues
este teórico separa la competencia: conocimiento que el hablante y el oyente tienen de
la lengua, de la actuación: el uso real de dicha lengua en situaciones concretas,
dedicándose al estudio de la primera y no al de la segunda. Para Hymes (1972) el
concepto de competencia” en la gramática generativa es reduccionista porque en él
no se incluyen los elementos del contexto sociocultural. En su opinión, la competencia
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LAS VENTAJAS DEL CONTEXTO OPERATIVO-SITUACIONAL PARA EL
DOMINIO DEL TEXTO ARGUMENTATIVO EN LA ENSEÑANZA
SECUNDARIA
lingüística es insuficiente cuando los enunciados que emite el hablante no son los
apropiados en el contexto en el que se expresan.
Del mismo modo que las reglas sintácticas pueden controlar aspectos de la
fonología, y las reglas semánticas quizás controlar aspectos de la sintaxis, las reglas de
los actos de habla actúan como factores que controlan las formas lingüísticas en su
totalidad” (HYMES, 1972, p. 278). Una totalidad que incluye al texto argumentativo oral
y escrito, que demanda del significado social y referencial de la lengua y que va más
allá de la gramaticalidad de los enunciados, que tan solo pueden ser comprendidos en
su totalidad si son los adecuados al contexto en el que emisor y receptor realizan el
acto de habla. A diferencia del concepto chomskiano de competencia lingüística,
centrado en el conocimiento de determinadas reglas, la competencia comunicativa
incluye la habilidad o destreza para actuar adecuadamente en el acto de la
comunicación. Mientras la competencia lingüística tiene un carácter abstracto, es
innata y tiene base biológica, la competencia comunicativa es un concepto dinámico
que, en el caso del acto argumentativo, requiere de la negociación del significado entre
dos o más personas y precisa de un contexto operativo-situacional preciso para lograr
su pleno desarrollo. De aquí, que, tal como precisa Chocobar (2019, p. 243), el estudio
de la argumentación informal, tanto en la vertiente teórica de los distintos enfoques
interdisciplinares, como en la propuesta de un modelo didáctico de carácter procesual,
responde a bases cognitivas, lingüísticas, retóricas y pragmáticas, propias de la entidad
dialógica de la competencia comunicativa”.
1.2. La naturaleza dialógica
Otro de los rasgos que convierten el contexto situacional en un componente
inseparable del discurso argumentativo es la naturaleza dialógica de este. En los textos
argumentativos escritos, el lector establece un permanente diálogo con el autor del
texto, trata de interpretar sus mensajes y se empeña en conocer las claves con las que
dichos mensajes fueron formulados. En cuanto al texto argumentativo oral, su
componente dialógico es obvio, resultando que en ambos casos el contexto es
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Juan A. Martínez López
indispensable para lograr una comunicación plena. Por ello se hace preciso que en la
escuela se desarrollen las habilidades comunicativas del alumno necesarias para
formular procesos argumentativos, mediante los cuales exprese sus puntos de vista de
forma razonada, admitiendo planteamientos divergentes y propiciando el consenso
entre sus compañeros. Al contar con dichas habilidades, el discente se enfrentará a los
conflictos de una forma constructiva y solventará los problemas de su vida diaria de
forma exitosa. De aquí que “una de las tareas en la práctica educativa es incluir
procesos didácticos que permitan orientar a los estudiantes hacia el desarrollo de
habilidades que hagan posible la gestión de conflictos a partir de la argumentación,
para plantear alternativas razonadas y razonables que regulen de forma coherente sus
argumentos” (RODRÍGUEZ, CORAL, ANDINO & PORTILLA, 2017, p. 34). Una tarea que
conlleva que “las soluciones a los conflictos () surgen de un discurso, de un diálogo,
de una negociación, en donde las distintas opiniones tengan la oportunidad de salir a la
luz y ser confrontadas entre (HABA, 1978, p. 21). Por ello, la argumentación es una
estrategia dialógica en la que se contemplan las opiniones a favor y en contra de la
tesis que mantiene el emisor. Una estrategia que, a juicio de Fraca (2003), ha de ser
promovida desde la escuela y a la edad más temprana posible, pues la institución
escolar tiene la tarea de favorecer el desarrollo de la competencia textual en los
alumnos, entendida la cual como la capacidad de un escritor y un lector para identificar
determinadas estructuras textuales y diversos órdenes de discursos, y para emplear
estos de forma adecuada en las diferentes situaciones que demandan de los sujetos
textos escritos” (p. 60).
Este carácter dialógico del acto argumentativo se debe al hecho de que la
argumentación, como proceso discursivo, forma parte del uso del habla y no de la
lengua. Una opinión defendida por Anscombre & Ducrot (1999); para ellos la
argumentación pertenece al uso de la lengua, al habla o al discurso y no al sistema.
Ambos sostienen que la argumentación es una propiedad intrínseca al acto del habla o
enunciación. De aquí que la argumentación sea una característica innata al enunciado
mismo “puesto que se emplea para conseguir algo del interlocutor, ya sea para
convencerlo, persuadirlo o simplemente para ser considerado como individuo con
entidad social” (FUENTES & ALCAIDE, 2007, p. 11-12). Y es esta naturaleza dialógica del
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SECUNDARIA
acto argumentativo la que identifica a la argumentación oral y escrita como género
discursivo, entendido según Bajtin (1982) como un conjunto relativamente estable de
enunciados que pertenecen a una esfera discursiva. Un género, en el que hemos de
entender la secuencia discursiva como aquella que da cuenta de operaciones
abstractas de orden lógico destinadas a explicar la relaciones causa-efecto entre
hechos o acontecimientos o de presentar diferentes puntos de vista (enunciados)
(ADAM, 1995). Sin embargo, para que esta secuencia sea interpretada correctamente
por el interlocutor del hablante, esta necesita de un contexto explícito. Por ello los
investigadores de la llamada Escuela Francesa de Análisis del Discurso estudian este en
relación con las condiciones socio-históricas en las que se produce. Desde esta
perspectiva, la enunciación está fuertemente condicionada por aspectos sociales,
políticos, culturales, etc., y, por ello, es preciso recurrir al contexto al analizar los
discursos”, (DOMÍNGUEZ, ELIZALDE & FERRATTO, 2020, p. 33). Un contexto que también
está presente en el concepto de discurso establecido por la Pragmática, la cual toma en
consideración los factores extralingüísticos que regulan el uso de la lengua, de aquí que
para esta disciplina “resulta de interés estudiar las condiciones que determinan el
empleo de enunciados concretos emitidos por hablantes concretos en situaciones de
comunicación concretas” (ESCANDELL, 1996, p. 13). Un nivel de concreción que, a
juicio de Charandeau & Maingueneau (2005) hace necesario que todo discurso sea
contextualizado, puesto que todo enunciado adquiere su sentido dentro de un
contexto. Un contexto cuya presencia es resaltada por Vilà & Castellà (2002) para
quienes son los rasgos contextuales los que destacan el carácter no universal y su
condición de objeto acústico, efímero, producido en un tiempo real; la incidencia de un
contexto situacional compartido y una comunicación relativamente unidireccional.
Rasgos que son recogidos por Unzúe (2012) en su texto Argumentar para debatir. Una
propuesta para todas las áreas de la Secundaria. Lo que, dicho con otras palabras,
equivale a precisar que el discurso argumentativo se define como el intento que lleva
a cabo un argumentador para modificar o reforzar, a través del lenguaje, las respectivas
creencias y valores de un individuo o de un grupo (el argumentado) esperando a
continuación que las reacciones observables en el argumentado se ajusten a estos
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Juan A. Martínez López
cambios nuevos o reforzados” (BASSART, 1995, p. 43). Un intento que solo puede
culminarse contando con el contexto situacional correspondiente. Por ello, se hace
preciso presentar en el aula el discurso argumentativo al objeto de
Activar un dialogismo discursivo que cuestione la prevalencia de
criterios monológicos y antagónicos propios de las posiciones
dialécticas del comentarista y del ensayista respecto a la otredad
(.), puesto que la dialéctica de las tesis opuestas promueve una
reflexión deliberativa muy eficiente para que los alumnos aclaren,
cuestionen, contraargumenten, pongan en tensión sus ideas, las
confronten con las de sus compañeros y evalúen su pertinencia y la
validez de sus fuentes (MATEO y VALVERDE, 2021, p. 56).
En síntesis, podemos afirmar que contexto y discurso argumentativo son las
dos caras de la misma moneda, máxime si tenemos en cuenta que, tras los estudios de
Tolumin (1958) sobre la argumentación, esta comenzó “a desligarse del estrecho rigor
de la lógica formal y a considerar los discursos de la lengua natural, es decir, el lenguaje
producido en entornos cotidianos” (CARO & GÓMEZ, 2018, p. 87). A ello alude Camps
(1995), al afirmar que la argumentación es un discurso con bases dialógicas en el que
un interlocutor pretende influir sobre otros para convencerles de que su modo de ver
el mundo está equivocado.
1.3. La enseñanza del texto argumentativo desde los principios del aprendizaje activo
Para lograr que el alumno del Ciclo de la ESO pueda practicar en el aula el
discurso argumentativo contando con el contexto situacional adecuado, se hace
preciso utilizar herramientas pedagógicas que se avengan a tal propósito. Tal es el caso
de la secuencia didáctica, entendida como unidad mínima del proceso de
enseñanza-aprendizaje, que reúne todos los elementos del proceso (objetivos,
contenidos, actividades, criterios, procedimientos e instrumentos de evaluación) y los
pone en marcha en un determinado orden (COLL, COLOMINA, ONRRUBIA & ROCHERA,
1992), frente a la unidad didáctica definida como la interrelación de todos los
elementos que intervienen en el proceso de enseñanza-aprendizaje con una
coherencia interna metodológica y por un periodo de tiempo determinado (IBÁÑEZ,
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DOMINIO DEL TEXTO ARGUMENTATIVO EN LA ENSEÑANZA
SECUNDARIA
1992). De acuerdo con Cotteron (1995), la secuencia didáctica debe seguir los
siguientes pasos:
Primera fase: se elaborará y discutirá con los alumnos un proyecto de
producción de textos que terminará cuando acaben las actividades
propuestas. Se pone en marcha una situación de argumentación de la
cual se derivan unos objetivos de aprendizaje. Segunda fase: se
produce un primer texto argumentativo que permite al enseñante
evaluar no solo los problemas de escritura de los alumnos, sino
también sus capacidades en este ámbito. Tercera fase: los alumnos
realizan una serie de talleres que les permiten familiarizarse con los
diferentes contenidos de la enseñanza propios de la argumentación.
Cuarta fase: finalmente, gracias a lo que han aprendido en los talleres
mencionados, los alumnos revisan y reescriben su primer texto
argumentativo. Al comparar este texto con el primerio, los alumnos y
el profesor pueden medir los progresos alcanzados (p. 81).
Una vez delimitado el modelo de secuencia didáctica que se aplica en nuestro
estudio, procede determinar cuál es el paradigma de enseñanza-aprendizaje que se
ajusta a la importancia que en nuestro caso tiene el contexto para el aprendizaje
significativo del texto argumentativo por parte de los alumnos que intervienen en la
experimentación. Un paradigma que se corresponde con el denominado aprendizaje
activo”, el cual hunde sus raíces en el concepto de “zona de desarrollo próximo” (ZPD)
sustentado en la “teoría sociocultural de Vigotski (1978), para quien la ZDP se define
como la distancia entre el nivel real de desarrollo, determinado por la solución
independiente de problemas, y el nivel de desarrollo posible, precisado mediante la
solución de problemas con la colaboración de un adulto o de otros compañeros más
diestros. Poner en práctica los postulados vigotskianos por medio de la
enseñanza-aprendizaje a través secuencias didácticas supone asumir que:
En las situaciones de aprendizaje, al principio el tutor hace la mayor
parte del trabajo, pero, después, comparte la responsabilidad con el
alumno. Conforme el estudiante se vuelve más diestro, el profesor va
retirando la mediación para que se desenvuelva
independientemente. La clave es asegurarse que el discípulo se
mantiene en la ZDP, que se modifica en tanto que este desarrolla sus
propias capacidades. Se incita al estudiante a que aprenda dentro de
los límites de la ZDP (VALLE, 2020, p. 20).
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Juan A. Martínez López
2. Material y método
Como ya se ha señalado, en aras de cuantificar en qué medida es fundamental
para el aprendizaje de los textos argumentativos el papel del contexto, se realizó un
experimento real con dos grupos de alumnos: el A y el B. Sobre el primero se realizó el
experimento y el segundo actuó como grupo de contraste. Dichos pormenores se
detallan a continuación.
2.1. Informantes
La secuencia didáctica elegida y a la que más adelante haremos referencia
detallada, se aplicó de forma simultánea a dos grupos de de la ESO. Ambos grupos
constan de 30 jóvenes de ambos sexos en cantidades similares, y de entre 15 y 16
años.
2.2 Procedimiento
El grupo A cuenta con el contexto situacional durante el desarrollo de la unidad
didáctica; es el grupo en el que se aplica la experimentación. El grupo B no cuenta con
el contexto situacional durante el desarrollo d la secuencia; es el grupo de contraste o
aula ordinaria. Ambos cuentan con 30 alumnos cada uno. La puesta en práctica de la
secuencia se lleva a cabo en 8 horas (2 horas durante 4 días)
2.3. Diseño de la secuencia didáctica
Título de la secuencia didáctica: ¿Es o no determinante el conocimiento y el
uso correcto de los dispositivos móviles para la solución de los problemas de tu vida
diaria?
a. Objetivos
Se plantean los siguientes objetivos:
a) Dominar los distintos tipos de argumentos propios de la tipología textual
argumentativa y reconocer las ventajas que conlleva el conocimiento del contexto para
la correcta interpretación del texto argumentativo oral y escrito.
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DOMINIO DEL TEXTO ARGUMENTATIVO EN LA ENSEÑANZA
SECUNDARIA
b) Reconocer las diferencias entre textos científicos, legales, periodísticos, ensayos,
publicitarios como manifestaciones y variedades del texto argumentativo.
c) Distinguir e identificar las marcas lingüísticas del texto argumentativo.
d) Identificar el debate como un discurso polifónico de carácter argumentativo
centrado en un tema, con una estructura cerrada.
e) Valorar la utilidad del buen dominio del discurso argumentativo oral y escrito de cara
a la resolución de conflictos y problemas de su vida diaria.
f) Producir textos argumentativos orales y escritos para expresar y defender sus tesis,
debidamente contextualizados.
b. Contenidos
1.- Conceptuales:
a) El texto argumentativo como recurso para la persuasión mediante el debate.
b) El contexto operativo-situacional en el debate argumentativo.
c) Los marcadores lingüísticos en el discurso argumentativo.
2.- Procedimentales:
a) Utilización de distintos textos argumentativos en función de los contextos de
comunicación.
b) Producción de textos argumentativos breves, ajustados a la estructura
argumentativa y atendiendo a situaciones contextuales precisas.
c) Empleo de los marcadores textuales propios del texto argumentativo por medio de
la sustitución, introducción y ampliación, entendidos como agentes de la coherencia y
cohesión textual.
3.- Actitudinales:
a) Reconocer y valorar la importancia del dominio del debate argumentativo como
recurso para la defensa de sus derechos como ciudadano.
b) Apreciar la importancia de contar con el contexto en cada acto de argumentación
como elemento necesario para posibilitar la comprensión y el alcance del discurso
argumentativo.
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Juan A. Martínez López
c) Estimar el valor de la negociación y del consenso como estrategias básicas para
lograr resultados positivos en la práctica del debate argumentativo.
2.4. Desarrollo por fases de la secuencia didáctica
1. Fase 1ª: Puesta en marcha de una situación de comunicación de la que
derive un borrador de texto argumentativo, partiendo de los conocimientos previos.
Introducción: Al objeto de comprobar los conocimientos previos que tiene el alumno
sobre el texto argumentativo, y tras ello poder especificar los contenidos objeto de
estudio, el profesor consensua con sus alumnos la elaboración de un texto relativo al
tema o tópico de la secuencia didáctica.
A. Actividad: Grupo A (con contexto situacional):
Redacta un texto breve (250-300 palabras) sobre las razones por las que utilizas los
dispositivos móviles en las tareas escolares, en las comunicaciones con tus amigos, en
la obtención de información, etc.
B. Actividad: Grupo B (sin contexto situacional):
Redacta un texto breve (250-300 palabras) aportando tus razones a favor y en contra
de la utilidad del uso de los dispositivos digitales en tu día a día: móviles, tabletas,
portátiles, etc.
2. Fase 2ª: Talleres de aprendizaje
Introducción: Una vez que el profesor conoce el nivel de conocimiento que tienen sus
alumnos sobre el texto argumentativo, procede a desarrollar distintos talleres en los
que se practica el aprendizaje de los distintos textos argumentativos y de los tipos de
argumentos a utilizar en cada uno de ellos para lograr la mejor defensa de la tesis que
se expone.
Actividad 1ª: Texto científico. Argumento de autoridad
Actividad Grupo A (con contexto situacional):
Dispositivo móvil: Reloj biométrico. Amazfit Bip U Pro A 2008
Manual de instrucciones: 01 Emparejamiento de reloj, p. 15.
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DOMINIO DEL TEXTO ARGUMENTATIVO EN LA ENSEÑANZA
SECUNDARIA
1.- Escanea el código QR del manual de instrucciones con el teléfono móvil para
descargar la aplicación en tu teléfono. También puedes descargar la versión más
reciente desde la aplicación Google Play Store o Apple App Store.
2.- Abre la aplicación, registra una cuenta e inicia sesión.
3. Sigue los pasos en la aplicación para emparejar el reloj correctamente. Una vez
realizado en emparejamiento, el reloj mostrará la hora correcta.
4. Puedes configurar las otras opciones del reloj según sea necesario.
5.- El sistema operativo debe ser Android 5.0. i0S 10.0 o versiones superiores.
Cuestiones:
Supón que te has perdido en medio de un bosque, ¿cómo te puede ayudar el reloj
biométrico a orientarte y recuperar el sendero perdido?
Has tenido una jornada muy estresante. ¿Cómo puede ayudarte este dispositivo a
controlar tus taquicardias?
Actividad Grupo B (sin contexto situacional):
Cuestión:
¿En qué situaciones de tu vida diaria te puede resultar de utilidad el reloj biométrico?
Actividad 2ª. Texto legal. Argumento de ilustración
Actividad Grupo A (con contexto situacional):
Ley Orgánica 3/2018, 5 de diciembre sobre protección de datos y garantía de derechos
digitales. Título II:
Artículo 6. Tratamiento basado en el consentimiento del afectado. 1.
De conformidad con lo dispuesto en el artículo 4.11 del Reglamento
(UE) 2016/679, se entiende por consentimiento del afectado toda
manifestación de voluntad libre, específica, informada e inequívoca
por la que este acepta, ya sea mediante una declaración o una clara
acción afirmativa, el tratamiento de datos personales que le
conciernen. 2. Cuando se pretenda fundar el tratamiento de los datos
en el consentimiento del afectado para una pluralidad de finalidades
será preciso que conste de manera específica e inequívoca que dicho
consentimiento se otorga para todas ellas. 3. No podrá supeditarse la
ejecución del contrato a que el afectado consienta el tratamiento de
los datos personales para finalidades que no guarden relación con el
mantenimiento, desarrollo o control de la relación contractual (BOE,
n. 294, 6.12.2018)
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Juan A. Martínez López
Cuestiones: Te han sustraído el vil, ¿qué puedes hacer para que no te usurpen la
información confidencial que contiene?
Cuando alguno de tus compañeros insiste en que le muestres los mensajes de tu móvil,
¿cómo logras persuadirle de que no lo harás?
Actividad Grupo B (sin contexto situacional):
Cuestión: En tu opinión ¿por qué el legislador dispone que los datos contenidos de
nuestros dispositivos móviles sean de uso exclusivamente privado? Aporta tus razones
a favor y en contra de los argumentos empleados en el texto para defender la
protección de los datos personales del usuario de estos dispositivos.
Actividad 3ª: Foro de opinión. Argumento causa-consecuencia
Introducción: el profesor abre un foro de debate sobre ventajas e inconvenientes del
uso de las tabletas en lugar de los libros de texto para el aprendizaje de contenidos en
el aula. Se pretende que los alumnos utilicen los argumentos de causa-efecto para
defender sus opiniones. Se divide el aula en grupos de cinco alumnos, cada grupo con
un moderador y se les proporciona un guion orientativo para el desarrollo del debate.
Actividad Grupo A (con contexto situacional):
Cuestiones: Exposición ante el resto de la clase de las conclusiones a las que ha llegado
cada grupo en el debate realizado. ¿Por qué ha resultado difícil alcanzar un consenso
sobre este tema en tu grupo de trabajo?
Actividad Grupo B (sin contexto situacional):
Cuestiones: ¿Con qué argumentos a favor has convencido a tus compañeros de grupo
de que las tabletas no pueden sustituir al libro de texto? ¿En qué tipo de ejercicios o
actividades de Lengua Castellana y Literatura te es útil la tableta y en cuáles no?
Actividad 4ª: Texto periodístico. Argumento de pruebas concretas o de principio
Título: Una aldea de la India se desconecta de Internet y de las tecnologías para que
sus habitantes hablen entre ellos.
Actividad Grupo A (con contexto situacional):
“Son las 7PM y en una aldea de Vadgaon (Sangli, India) suena una
alarma para que sus residentes apaguen la televisión y sus
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DOMINIO DEL TEXTO ARGUMENTATIVO EN LA ENSEÑANZA
SECUNDARIA
smartphones e interactúen entre ellos. Tras una hora y media de
desconexión digital (y conexión real), la sirena vuelve a sonar para
que las personas puedan encender los dispositivos. Vijay Mohite,
presidente del consejo de la aldea, señaló para BBC Hindi que
tomaron la decisión en una reunión que hicieron el 14 de agosto, la
víspera del Día de la Independencia de la India: “Necesitábamos
detener esta adicción”.
Aunque la medida trataba de unir a la aldea, fue complicado que
todos los residentes estuviesen de acuerdo con dicha desintoxicación
de una hora y media. Según el consejo de la aldea, las primeras veces
que sonó la alarma, algunos aldeanos tuvieron que instar a otros a
que apagaran sus televisores y móviles. Meses después, todos
parecen ver con buenos ojos esta novedad. Manoj Kumar Sharma,
profesor de psicología clínica en el Instituto Nacional de Salud Mental
y Neurociencias (Nimhans), ha afirmado también para BBC Hindi que
"podría" servir de algo apagar el televisor y el teléfono durante ese
corto periodo de tiempo” (20 Minutos.com. 23.10.2022)
Cuestión: Estás en una reunión de amigos y sigues enganchado al móvil, un compañero
te recrimina tu comportamiento. Justifica tu modo de proceder y las ventajas de la
desconexión para participar activamente en la conversación.
Actividad Grupo B (sin contexto situacional):
Cuestión: A este grupo no se le proporcionan los datos de identificación de la noticia
¿En qué lugar del mundo piensas que se ha producido esta noticia?
Señala las 4 partes que forman la estructura argumentativa de este texto
Redacta una noticia en la que se constaten las ventajas de la desconexión digital
temporal.
Actividad 5ª: Con esta actividad se pretende que los alumnos ejerciten del
discurso argumentativo a partir de sus experiencias en el uso de los dispositivos
móviles. Se pretende crear un debate en relación con las nocivas consecuencias para la
vista del exceso de tiempo en la exposición ocular a las pantallas de estos recursos
tecnológicos.
A. Actividad Grupo A (con contexto situacional):
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Juan A. Martínez López
El primer problema es de sobra conocido por madres y padres y
quizás el más sencillo de diagnosticar. No es otro que el problema de
visión. Desde edades tempranas el uso excesivo de pantallas, ya sea
el teléfono móvil, la tablet, los ordenadores o incluso la televisión,
provoca que nuestros parpadeos por minuto disminuyan, dando lugar
a la sequedad ocular, que conlleva ciertas lesiones, acabando incluso
en glaucoma si se da de forma muy prolongada. Relacionado con la
visión otro problema presente es el efecto Tetris o fenómeno de
transferencia. Es muy común en menores y también en adultos
después de jugar varias partidas a videojuegos del tipo: Comecocos,
Pong o Tetris, este último es el mejor ejemplo, que las imágenes se
nos queden grabadas en nuestra retina por mirar la pantalla
fijamente y con un importante grado de concentración. La reacción a
este efecto empieza justo después de una partida, cuando
empezamos a ver bloques cayendo incluso después de haber
apartado la vista de la pantalla, o empezamos a fantasear, hasta el
punto de llegar a la obsesión, con dichos bloques en sueños (Ciudanía
digital. Blog Adicción, 21.11.2019).
Cuestiones: Estás buscando información en Internet para elaborar tu trabajo escrito
sobre las características de la poesía de Antonio Machado y sientes sequedad en tus
ojos. ¿Por qué piensas que esto te sucede? ¿A quién acudes en busca de una solución?
¿Con qué cuatro contraargumentos refutarías los argumentos de quienes sostienen la
nula importancia de la excesiva exposición ocular a las pantallas para tu salud ocular?
B. Actividad Grupo B (sin contexto situacional):
Cuestiones: ¿Has observado cuándo fue la última vez que sentiste pinchazos en tus
ojos tras muchas horas de uso del móvil? Explica las razones por las que esto te sucede.
Redacta cinco razones a favor de la desconexión digital temporal en beneficio de tu
salud ocular.
3.- Fase 3ª: Revisión y reescritura del texto inicial
Introducción: En esta fase el alumno vuelve sobre el texto inicial redactado en la Fase
1º, para revisarlo y modificarlo teniendo en cuenta todo lo aprendido. Lo redacta de
forma definitiva y lo compara con la primera redacción. A la hora de la redacción final,
se aportan al alumno estas sugerencias:
a) Ten en cuenta las posibilidades reales de persuasión de tus argumentos.
b) Elabora estrategias adecuadas para discutir, refutar y desmontar las razones
aportadas por tus interlocutores contrarias a tu tesis.
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DOMINIO DEL TEXTO ARGUMENTATIVO EN LA ENSEÑANZA
SECUNDARIA
c) Cuenta con la necesidad de negociar y llegar a consensos con quienes no opinan
como tú.
d) Ten presente la solidez de los argumentos con los que tus interlocutores pueden
desmontar tu tesis
Fase 4ª: Fase final: Producto final y evaluación. Dicha producción final consiste
en la redacción de un texto argumentativo siguiendo unas pautas de orientación dadas
por el profesor.
2.4.1. Recogida de datos.
La producción final de cada estudiante fue evaluada por los profesores del
mismo colegio a la luz de la rúbrica de 10 items que se detalla a continuación.
Tabla 1. ¿Cómo evaluamos los ítems?
ÍTEMS
EVALUADOS
EXCELENTE
BUENO
ACEPTABLE
MALO
MUY MALO
Nivel de dominio
de la estructura
del texto
argumentativo
Domina con
total destreza la
estructura del
texto
Tiene un alto
dominio de
la estructura
del texto
Su dominio de
la estructura del
texto
argumentativo
es aceptable
Es deficiente
su dominio de
la
estructura del
texto
No muestra
ningún
dominio de la
estructura
del texto
Reconoce,
distingue y aplica
las marcas
lingüísticas del
texto
argumentativo
Muestra un alto
nivel de
corrección en el
uso de las
marcas
lingüísticas
Utiliza con
cierto grado
de soltura
Las marcas
lingüísticas
Su nivel de
corrección en el
uso de las
marcas
lingüísticas es
aceptable
Muestra claras
deficiencias en
el uso de las
marcas
lingüísticas
No domina en
modo alguno
el uso
correcto de las
marcas
lingüísticas
Emplea los
argumentos
precisos para
defender la
viabilidad de su
tesis
Demuestra un
alto nivel en el
uso de los
procedimientos
argumentativos
Muestra un
buen nivel
de dominio
de los
recursos
argumentos
Manifiesta
tener un nivel
suficiente en el
uso de los
argumentos
Tiene muchas
deficiencias en
el uso de los
argumentos
No domina en
modo alguno
el uso de los
argumentos
en defensa de
su tesis
Emplea
contraargument
os precisos para
defender su tesis
Manifiesta un
alto nivel de
dominio de esta
técnica
Tiene un
cierto
dominio de
esta técnica
Parece conocer
esta técnica,
aunque no con
solvencia
Su nivel de
dominio del
contexto
situacional es
bajo
Desconoce el
uso de los
contraargu-m
entos
Utiliza
correctamente
los distintos
tipos de
Demuestra un
nivel muy alto en
el uso correcto
Manifiesta
un grado
elevado de
Posee un nivel
suficiente de
Su grado de
dominio de los
No domina el
uso de los
distintos tipos
de
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argumentos para
sustentar la tesis
que defiende
de los distintos
los tipos de
argumentos
dominio de
los distintos
tipos de
argumentos
dominio de los
distintos tipos
de argumentos
distintos tipos
de argumentos
es escaso
argumentos
Refuerza
adecuadamente
con conectores
las partes del
texto y las
relaciones
lógicas de su
discurso
Posee un nivel
alto de dominio
en el uso de los
conectores
del texto
Evidencia un
buen nivel
de dominio
de los
conectores
del texto
Cuenta con un
nivel suficiente
de dominio en
el uso de los
conectores
del texto
Posee un
escaso
grado de
dominio
en el uso de
los conectores
No cuenta con
ningún
grado de
dominio en el
uso de los
conectores
Apuntala su tesis
con diferentes
fuentes
informativas que
la ratifican
Domina en muy
alto grado el uso
de fuentes
externas
para ratificar su
tesis
Tiene un
buen nivel
de dominio
de las
fuentes
externas
Demuestra un
grado suficiente
de domino en el
uso de fuentes
externas para
ratificar su tesis
Muestra un
bajo
nivel de
dominio en el
uso de fuentes
externas
Es deficiente
en el dominio
de fuentes
externas
Interrelaciona
adecuadamente
cada uno de los
argumentos con
los que defiende
su tesis
Cuenta con un
muy alto nivel
de destreza en la
Interrelación de
los argumentos
Muestra un
nivel alto de
destreza en
la
interrelación
de los
argumentos
Manifiesta un
grado suficiente
de destreza en
la
interrelación de
los argumentos
Es bajo su
grado de
destreza en la
interrelación
de los
argumentos
No cuenta con
ninguna
destreza en la
interrelación
de los
argumentos
Utiliza de modo
convincente
ejemplos
concretos que
confirmen su
tesis
Evidencia un y
alto grado de
dominio en el
uso de ejemplos
concretos
Tiene un
buen nivel
de dominio
en el uso de
ejemplos
concretos
Posee un nivel
Suficiente en el
uso de
ejemplos
concretos
Cuenta con un
escaso grado
de dominio en
el uso de
ejemplos
concretos
No posee
grado alguno
de dominio en
el uso de
ejemplos
concretos
Usa
correctamente
las formas de
interrogación,
exclamación e
insinuación para
atraer el interés
y persuadir a su
interlocutor
Manifiesta un
grado elevado
de dominio de
los recursos
lingüísticos para
la persuasión
Muestra un
buen nivel
de dominio
de los
recursos
lingüísticos
para la
persuasión
Cuenta con un
grado suficiente
de dominio de
los recursos
lingüísticos para
la persuasión
Evidencia un
bajo nivel de
dominio de los
recursos
lingüísticos
para
la persuasión
No domina en
modo
alguno el uso
de los
recursos
lingüísticos
para la
persuasión
Fuente: archivo del proyecto
Una vez corregidas y puntuadas individualmente las producciones finales de
los dos Grupos en una escala de 0 a 10, los resultados ponen de manifiesto que los
alumnos del Grupo A obtienen mejores calificaciones en todos los ítems evaluados, en
comparación con sus pares del Grupo B.
3. Análisis de los resultados y discusión
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SECUNDARIA
Como puede observarse en el gráfico que sigue, Los resultados obtenidos
evidencian que los alumnos que han contado con las herramientas propias del
aprendizaje activo y el auxilio del contexto situacional para la realización de las
actividades, obtienen mejores resultados que sus compañeros a los que no se les
propició tal ayuda.
Tabla 2. Resultados obtenidos
ÍTEMS
Calificaciones
medias grupo A
Calificaciones
medias grupo B
Diferencial a favor
del grupo A
Diferencial en % a
favor del grupo A
1
8.3
6.5
+ 1.8
18%
2
8.1
7
+ 1.1
11%
3
7.9
6.7
+ 1.2
12%
4
7.5
7.1
+ 0.4
4%
5
8.1
6.6
+ 1.5
15%
6
7.5
7.2
+ 0.3
3%
7
8.5
6.9
+ 1.6
16%
8
8.1
8
+ 0.1
1%
9
8.7
6.5
+ 2.2
22%
10
8.5
6.7
+ 1.8
18%
Fuente: archivo del proyecto
Fuente: archivo del proyecto
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No obstante, ello no significa que las diferencias establecidas en los ítems sean
constantes. A este respecto, podemos ver que las diferencias más acusadas se
manifiestan en los ítems relacionados con cuatro aspectos:
a). En primer lugar, con el dominio de la estructura del texto argumentativo
(+18%). Cabe destacar a este respecto que, aunque ambos grupos partían para los
trabajos de evaluación de los mismos presupuestos teóricos, los ejercicios realizados
con contextos amplios le han permitido una mejor comprensión de la tipología de
estos, así como una mejor relación entre las exposiciones teóricas y el acomodo de los
argumentos en función de su peso y de los objetivos perseguidos.
En segundo lugar, el relacionado con el uso de ejemplificación propia como
elemento confirmatorio de la propia tesis (22%). Hemos podido constatar, a este
respecto, que el conocimiento de aspectos amplios de un problema concreto tratado
abre la puerta a que el alumno se atreva en mayor grado a entrar en su propio
conocimiento enciclopédico para ayudar a consolidar argumentos.
En tercer lugar, el dominio de recursos focales subjetivos como el uso de la
interrogación o la exclamación (18%). En este punto, tuvimos ocasión de constatar algo
de lo que ya viene hablando la moderna pragmática y la lingüística cognitiva: una
mayor intensidad en nuestra percepción sensorial del mundo estimula nuestro
comportamiento, incluyendo, lógicamente, también el lingüístico. Lo analizado sugiere,
por tanto, que el ampliar el contexto y la situación de los hechos estimula a los
alumnos a la hora de poner en marcha mecanismo existentes en la lengua, pero poco
utilizados en ocasiones por falta de un mayor conocimiento y, por ende, de hábito en
dicha práctica.
En cuarto lugar, el recurrir a diferentes fuentes informativas para apuntalar
una tesis (16%). A nuestro juicio, y más allá de las explicaciones detalladas de carácter
teórico del profesor, una amplia contextualización de los hechos ayuda a poner sobre la
mesa una situación de mayor complejidad cognitiva que termina redundando en la
mejora de la capacidad del alumno para hacer emerger sus propias fuentes para
argumentar su tesis.
Todo lo expuesto parece sugerir que la iniciativa del proceso por parte del
alumno, sumado a la necesidad de someterse a un contexto sobre el que extraer
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DOMINIO DEL TEXTO ARGUMENTATIVO EN LA ENSEÑANZA
SECUNDARIA
argumentos, despierta nociones de la argumentación que, sin este tipo de esfuerzo,
quedan solapadas.
Por otra parte, en el otro extremo, hallamos ítems en los que las diferencias
son mínimas o poco representativas.: uso de la contraargumentación (4%), uso de
conectores en relaciones lógicas (3%), y la adecuada interrelación de argumentos. De
ello se puede deducir que estos parámetros son los que, a priori, menos esfuerzo
necesitan para ser captados para su uso por parte de los jóvenes.
Más allá de la cuantificación de los parámetros seleccionados en los diferentes
ítems, este estudio permite, asimismo, entrever la existencia de mecanismos en el
mismo proceso de aprendizaje que necesitan ser abordados desde otros enfoques con
el fin de alcanzar mejores resultados.
Conclusiones
Tras el experimento realizado en este estudio, parece haber quedado
demostrada la relevancia de contar con el aprendizaje activo en el contexto
operativo-situacional para la correcta construcción de un discurso argumentativo con
el que resolver los conflictos y discrepancias que el alumno pueda tener en la vida
diaria. Es, por tanto, evidente que el hecho de contar con el respaldo del contexto en el
que se produce el acto argumentativo les permite desarrollar de modo más óptimo su
competencia comunicativa y estructurar sus textos con mayor destreza.
Tras el análisis de los datos obtenidos podemos extraer las siguientes
conclusiones: a) La primera es que en todos los parámetros estudiados los alumnos
que han trabajado en contextos amplios han superado al grupo de control; b) Las
diferencias más acusadas entre ambos grupos aparecen en los ítems 1 (nivel de
dominio de la estructura del texto argumentativo 18% superior); 5 (nivel de
corrección de los diferentes tipos de argumento en aras de sustentar la propia tesis
15% superior); 7 (apuntalamiento de la propia tesis con fuentes informativas que la
ratifiquen 16%); 9 (utilización convincente de ejemplos concretos que confirmen su
tesis 22%); y 10 (uso de las formas de interrogación, exclamación e insinuación para
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atraer el interés al objeto de persuadir 18%). c) Llama la atención que, a diferencia de
lo que acabamos de señalar, hay 3 parámetros (ítems) donde la diferencia de
comportamiento de uno y otro grupo es casi inapreciable.
Los resultados obtenidos tras la aplicación de la secuencia didáctica ponen de
manifiesto que los alumnos de de ESO que dominan los mecanismos de
reformulación, recuperación y refutación del debate argumentativo logran con mayor
eficacia defender sus tesis, esto es, aumentar su capacidad de persuasión. Y esto es tan
solo posible, en opinión de Dolz y Schneuwly (2006, p. 46-49) cuando el tema o tópico
de la secuencia didáctica resulta de interés para el alumno, a la par que propicia el
debate por medio de las réplicas y discrepancias a la tesis defendida por el emisor. A
través de la secuencia didáctica ha aprendido a considerar la elaboración de su texto
argumentativo como su objeto de trabajo, de reescritura, de reconsideración y no
como objeto de estudio teórico y apartado de la realidad en la que vive. A nuestro
entender, este mejor aprendizaje ha sido posible gracias a que el eje de la secuencia
didáctica responde a los intereses del alumno: asume el proceso de aprendizaje en su
conjunto y responde a un principio de retroalimentación, toda vez que los resultados
obtenidos sirven para, por un lado, subsanar las deficiencias del estudiante de cara al
necesario dominio del texto argumentativo, y, de otra, a reforzar sus fortalezas.
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Data do envio: 19/07/2023
Data do aceite: 20/09/2023.
Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40, p. 33-58 ISSN 1807-6211 58
POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO COMO ECOLOGIA DOS SABERES:
CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO E
SEU PAPEL TRANSFORMADOR.
FOR A RURAL EDUCATION AS ECOLOGY OF KNOWLEDGES:
CONSIDERATIONS ON THE EXPERIENCE OF RURAL EDUCATION AND ITS
TRANSFORMATIVE ROLE
Ronald Apolinario de Lira18
Resumo
Nesse artigo trataremos da Educação do Campo como uma proposta educacional
transformadora, resultado da atuação dos movimentos sociais do campo na luta por
educação específica e adequada à sua realidade social. Levamos em consideração as
teorias decoloniais de Boaventura de Sousa Santos sobre Pensamento abissal e
Ecologia de Saberes como eixos analíticos para entendermos os embates entre a
epistemologia ocidental excludente versus propostas alternativas e emancipadoras,
existentes nas discussões de como se construir uma Educação do Campo inclusiva feita
a partir do campo. Em seguida, mostraremos as políticas públicas para a implantação
da Educação do Campo nas escolas do campo e em cursos universitários no Brasil, em
especial na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Palavras-chave: Educação do Campo. Pedagogia da Alternância. Políticas Públicas para
Educação do Campo.
Abstract
This article seeks to present Rural Education as a transformative educational proposal,
resulted from rural organized social movements which search for specific and adequate
education to their social reality. We considered decolonial theories proposed by
Boaventura de Sousa Santos about Abyssal Thinking and Ecology of Knowledges with
analytical axes for understanding the shocks between the western excluding
epistemology versus alternate and inclusive proposals, existing in discussions of how to
build an inclusive Rural Education built out of the rural place. After we will show public
policies made for setting the Rural Education in rural schools and university courses in
Brazil, specially at the Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Key words: Rural Education. Pedagogy of Alternes. Public Policies for Rural Education.
18 Professor adjunto do Departamento de Educação do Campo, Movimentos Sociais e Diversidade da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Docente permanente e membro do colegiado
executivo do Programa de Pós-graduação em História (PPHR-UFRRJ). Doutor e Mestre em Ciências
Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com Licenciatura em História pela mesma
universidade. Email: ronaldapolinario@ufrrj.br. Telefone: (21) 98389-3677. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-4625-049X.
Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40, p. 59-78 ISSN 1807-6211 59
POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO COMO ECOLOGIA DOS
SABERES: CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA DA
EDUCAÇÃO DO CAMPO E SEU PAPEL TRANSFORMADOR
Introdução
Quando pensamos em Educação do Campo, podemos lembrar de uma música
cantada por Gilvan Santos “Não vou sair do campo pra poder ir pra escola/ Educação
do Campo é direito, não esmola”19. Seus versos deixam clara a urgência da adequação
dos espaços de Educação em um país tão vasto e heterogêneo como o Brasil. As
necessidades das camadas camponesas no nosso país nem sempre são enxergadas
com a devida atenção e minúcia, principalmente quando o quesito é Educação.
A Educação do Campo, advindo da união das lutas de camponeses e
camponesas e dos movimentos sociais, leigos e religiosos, é o resultado de uma luta
diária para a garantia milimétrica de direitos que, infelizmente, devem ser
conquistados e reconquistados à medida em que a realidade política brasileira sofre
mudanças de ventos. Tristemente, em nosso país, a conquista de direitos não significa
a sua perenidade, como pudemos assistir com a reforma trabalhista efetivada no
governo do ex-presidente Michel Temer (2016-2018).
Adiante, trataremos da Educação do Campo a partir de duas abordagens
epistemológicas: uma no campo da teoria e outra abordando o mundo da prática.
Primeiramente buscaremos enquadrar a experiência em Educação do Campo como
parte de algo mais amplo, mais abrangente e significativo, que é o embate entre lógicas
pedagógicas geradoras de humanização/emancipação contrárias àquelas que
produzem desumanização/subordinação (ARROYO, 2021, 22), ou parafraseando dois
conceitos propostos por Boaventura de Sousa Santos: a busca de uma ecologia de
saberes contra uma tradicional monocultura das pedagogias capitalistas ocidentais
(SANTOS, MENESES, 2010).
Num segundo momento, trataremos das experiências vividas na Educação do
Campo no Brasil, e as políticas públicas que possibilitaram a existência e manutenção
de projetos populares para o campo. Iniciativas como o Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária (PRONERA), o Programa de Apoio à Formação Superior
em Licenciatura em Educação do Campo (PROCAMPO) e o Programa Nacional de
19 Não referências online que aponte para a real autoria da canção. Mencionamos o nome do cantor
Gilvan Santos por ser ele o mais conhecido a entoá-la. Ficamos abertos a futuras descobertas sobre o
real autor da música.
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Ronald Apolinario de Lira
Educação do Campo (PRONACAMPO) cimentaram o caminho de lutas dos movimentos
sociais do campo e das suas populações por direito a uma escola específica e a criação
de programas de graduação de Licenciaturas em Educação do Campo nas universidades
públicas.
Com um olhar mais pontual, no quesito da formação docente para a atuação
das escolas do campo, veremos que a experiência de construir saberes campesinos em
Educação na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro localizada na Baixada
Fluminense (UFRRJ), periferia do estado, encontrou desafios suis generis para a sua
própria existência. Num recorte espaço-temporal, trataremos do curso de Licenciatura
em Educação do Campo (LEC-UFRRJ),20 sua trajetória e seu papel na construção de
espaço diferencial não na UFRRJ como na vida da sociedade campesina, periférica e
popular do lugar onde es inserida, oferecendo um curso de formação de professores
num espaço de urbanização híbrida, onde as populações camponesas encontram-se
cercadas de ocupação desordenada do espaço e pela iniciativa imobiliária. Acreditamos
que a existência da LEC-UFRRJ seja por si uma experiência de educação decolonial,
promovendo o questionamento da prática educacional tradicional e oferecendo outras
epistemologias.
Entendemos que a existência da LEC-UFRRJ se insere no fazer de uma ecologia
de saberes, que nos mostra as múltiplas possibilidades de convívio de diferentes
saberes educacionais, políticos, culturais em espaços compartilhados, seja nas
comunidades, seja na universidade. Ela representa a práxis de uma educação
libertadora e emancipadora, se aproximando dos ideais da educação popular (FREIRE,
2021a, 2021b, 2021c).
Por uma Ecologia dos Saberes
Cremos que a posse de um conjunto próprio de singularidades na Educação do
Campo natureza de suas metodologias e dos sujeitos a que se propõe faz com que
ela se apresente como experiência pedagógica decolonial, construindo e reconstruindo
um novo conjunto de saberes e práticas. Esse frescor nem sempre é visto com bons
olhos para os que dele não fazem parte. Acreditamos que a existência da Educação do
20 A sigla “LEC Licenciatura em Educação do Campo às vezes pode aparecer como “LEDOC em
alguns periódicos e literatura especializada. Essa nomenclatura é definida a partir dos agentes do seu
meio, cada curso se identifica à sua maneira, variando sua grafia, mas tendo o mesmo significado.
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POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO COMO ECOLOGIA DOS
SABERES: CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA DA
EDUCAÇÃO DO CAMPO E SEU PAPEL TRANSFORMADOR
campo além de mais uma modalidade pedagógica, alcançando uma práxis mais
ampla, onde novas epistemologias possam surgir a contrapelo da lógica do mercado
capitalista. É nesse sentido que a localizaremos na chamada “Ecologia dos saberes”,
uma forma contra-hegemônica de ideias e práticas.
O conceito de Ecologia de Saberes foi proposto pelo sociólogo Boaventura de
Souza Santos no livro Epistemologias do Sul (SANTOS, MENESES, 2010), organizado por
ele e por Maria Paula Meneses, que viria ser expandida por outra obra do autor
(SANTOS, 2019). Ao tecer essa proposta, Santos pondera sobre o papel dos discursos
de colonização existentes muito tempo nos espaços coloniais, não apenas nas
atividades colonizadoras práticas escravidão; espoliação de riquezas mas
principalmente na produção de um discurso colonialmente válido e autoproclamado
como o único existente, o que o autor denomina pensamento abissal. O pensamento
abissal produzido pela experiência da colonialidade se manifestou como a expressão
do real sobre todas as formas de conhecimento do mundo, esse conjunto de saberes
são sempre oriundos do norte (Ocidente) e clamam para si o direito de serem a mais
fiel expressão da percepção do real. Por se tratar de um conjunto de saberes
naturalmente excludentes, o pensamento abissal propõe deslegitimar toda e qualquer
experiência que não se paute na verdade apregoada por suas bases. uma linha
imaginária dividindo as experiências vividas nos espaços da colônia21 de um lado e, do
outro, o lócus colonizador, como nos diz Santos (2010, p. 39):
O pensamento moderno ocidental continua a operar mediante linhas
abissais que dividem o mundo humano do sub-humano, de tal forma
que princípios de humanidade não são postos e causa por práticas
humanas. (...) a criação e ao mesmo tempo a negação do outro lado
da linha fazem parte integrante de princípios e práticas hegemônicos.
O que ocorre do lado colonial da linha não é considerado como real, útil ou
válido para o padrão epistemológico hegemônico, o pensamento abissal representado
pelo moderno pensamento ocidental. Sejam práticas organizativas sociais, ideias
21 A discussão sobre uma geografia delimitadora, onde as bases se sustentam sobre uma diferença
colonial estão presentes em diferentes trabalhos de especialistas em várias áreas, como as Ciências
Humanas e Sociais. Entre eles podemos citar as contribuições de Walter D. Mignolo (2011;2020),
tratando do “Pensamento Liminar (2020, pp. 77-126); Homi Bhabha e o “Lugar da Cultura” (2010) ou
Stuart Hall (2018) que trata sobre a ideia de Diáspora.
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Ronald Apolinario de Lira
filosóficas, pedagogias ou formas próprias de agricultura, se elas são oriundas do lado
subalterno da linha e não reproduzirem a lógica abissal, essas representações não são
consideradas sequer existentes.
Para Santos, seria necessário a construção de epistemologias alternativas e
não-abissais para contrapor o programa hegemônico do pensamento tido como
unicamente válido. Essas novas formas de pensar e agir deveriam vir exatamente do
espaço colonial da linha através da construção associativa do que o autor denomina de
um Pensamento Pós-Abissal, ou uma Ecologia de saberes, pautados nas bases da
partilha, co-presença e a aceitação da diversidade das experiências (SANTOS, 2010, pp.
52-54). Dentro dessa vasta rede de trocas, o pensamento ocidental moderno não
deveria ser sumariamente descartado, mas humildemente ocupar seu lugar como mais
um conhecimento possível (co-presença).
Criar uma ecologia de saberes envolve obrigatoriamente a participação de
pessoas, saberes e ignorâncias.22 Saberes ancestrais no trato da terra e formas
alternativas de educação popular somam-se às possíveis experiências pós-abissais na
vida das periferias e regiões de povos tradicionais como caiçaras, indígenas e
quilombolas; as ignorâncias garantiriam espaços abertos para o acolhimento de
saberes ainda não computados. As suas práticas no campo, a cultura da oralidade e as
peculiaridades que explicam seus mundos religiosidade, tradição, ancestralidade
são bons exemplos de composições válidas na ecologia dos saberes.
Independentemente do peso que o pensamento abissal exerça sobre o lado
colonial da linha, nunca deixamos de propor alternativas para a hegemonia forçada da
lógica do capital. Seja através de práticas agroecológicas no campo, seja pela
manutenção de memória da comunidade tradicional ou, segundo Santos, “(...)
promover a interação e a interdependência entre os saberes científicos e outros
saberes, não científicos” (SANTOS, 2010, p.57).
22 Para Boaventura de Sousa Santos, o conceito de ignorância pressupõe uma dinâmica relacional com
sua contraparte, os conhecimentos. O binômio ignorância/conhecimento é a base da produção sempre
dinâmica de novas epistemologias, segundo o autor (...) a aprendizagem de certos conhecimentos pode
envolver o esquecimento de outros e, em última instância, a ignorância destes. Por outras palavras, na
ecologia de saberes, ignorância não é necessariamente um estado original ou um ponto de partida. Pode
ser um ponto de chegada. Pode ser o resultado do esquecimento ou desaprendizagem (Sic.) implícitos
num processo de aprendizagem recíproca" (SANTOS, 2010, P. 56).
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POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO COMO ECOLOGIA DOS
SABERES: CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA DA
EDUCAÇÃO DO CAMPO E SEU PAPEL TRANSFORMADOR
A educação do Campo se insere nessa lógica de epistemologias híbridas, onde
os conhecimentos científicos formais se somam mas nunca se sobrepõem àqueles
tradicionais e práticos das comunidades que a acolhe e lhe sentido. Assim como a
proposta de Santos demanda a produção de uma nova epistemologia a partir da
prática coletiva e contra-hegemônica dos atores sociais, a Educação do campo pode
existir a partir da luta dos movimentos sociais e sujeitos concretos, na busca incessante
de políticas públicas que respondam às suas especificidades.
“Outros Sujeitos, outras pedagogias”23
Prafraseamos o título do livro de Miguel G. Arroyo e construimos uma ponte
entre a proposta decolonial de Santos, de reconhecendo a alteridade epistemológica
como algo positivo, e a necessidade da criação de novos espaços através de
ferramentas também novas e coletivas, para que haja pedagogias alternativas e válidas
por seu próprio mérito, defendida por Arroyo. Faz-se mister que se produza, para
Arroyo (2021, p. 25):
Tempos/espaços em que Outros Sujeitos se afirmam, trazendo
experiências sociais, políticas de resistência, de construção de uma
outra cidade, de um outro campo, outros saberes e identidades.
Tempos/ espaços onde se afirmam Outras Pedagogias de
emancipação.
Para que haja efetiva construção de diálogos horizontais contra hegemônicos, é
necessário que os sujeitos não apenas recebam uma nova ou a mesma pedagogia,
mas que eles também possam construir de forma compartilhada os saberes que
reconhecem como válidos. Ainda considerando a proposta de Santos, não supomos
que seja necessário o abandono do saber ocidental moderno nas ciências da educação,
mas que haja a flexibilidade e humildade para que esses saberes possam conviver de
forma horizontal.
23 Título da obra de Miguel G. Arroyo (2021)
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Ronald Apolinario de Lira
A construção de saberes de forma coletiva, participativa e ecológica é a
essência do conhecimento decolonial, onde é superada a dicotomia pedagógica de
dominação/subalternização versus humanização/emancipação, construídas nas tensas
relações políticas, sociais e culturais” (ARROYO, 2021, p. 29), abrindo horizontes para
novos sujeitos para pedagogias também renovadas.
A Educação do Campo traduz- se na busca dos sujeitos do campo por uma nova
pedagogia que leve em consideração sua especificidade, não somente no que tange a
singularidade dos tempos de plantio e colheita, mas também os seus saberes e valores
únicos. Essa busca se deu no tempo e através da participação ativa dos campesinos
como dos movimentos sociais, pressionando os poderes públicos para que seus
direitos fossem enfim garantidos. Infelizmente, essa luta es longe de ser encerrada.
Uma Educação do Campo com os sujeitos do campo
Antes mesmo do reconhecimento institucional da Educação do Campo como
direito garantido às populações campesinas, os movimentos sociais trabalhavam
para pôr em prática uma alternativa às formas de educação tradicionais. Podemos
dizer que o direito à existência é posterior à existência em si das práticas de Educação
do Campo. Um exemplo nos é dado por Roseli S. Caldart (2011a) da atuação do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que, nos anos de 1980,
ousava em desenvolver uma educação camponesa: As famílias sem-terra
mobilizaram-se (e mobilizam-se) pelo direito à escola (...), no início da década de
[19]80” (CALDART, 2011a, p. 91).24
Caldart nos aponta que a Educação do Campo nunca se encontrou de forma
estacionária. Ela descreve a caminhada em três passos: “1) O campo no Brasil está em
Movimento; 2) A Educação Básica do Campo es sendo produzida nesse movimento;
3) Existe uma nova prática de Escola que es sendo gestada nesse movimento”.
(CALDART, 2011a, p. 89). Desde suas origens, dos anseios das populações do campo
por uma educação que dialogasse com seu meio e seus valores, até a sua efetivação
como modalidade pedagógica, a Educação do Campo se fez através dos movimentos
sociais do campo e de agentes comprometidos com outras formas de educação.
24 Grifos no original.
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POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO COMO ECOLOGIA DOS
SABERES: CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA DA
EDUCAÇÃO DO CAMPO E SEU PAPEL TRANSFORMADOR
Ao longo de nosso passado de experiências agrárias, a Educação do Campo foi
precedida por uma modalidade bastante diminuída no que tange a participação dos
camponeses em seu próprio destino. O poder de agência dos sujeitos do campo não
existia nos tempos da chamada escola rural”, projeto de implementação de escolas
nas áreas rurais sem a menor adaptação ou acolhimento dos saberes dos sujeitos do
campo.25 Era uma escola assistencialista, com um currículo produzido para realidades e
valores urbanos que via o camponês de forma preconceituosa e sem qualquer
possibilidade de protagonismo em sua própria educação (BICALHO; OLIVEIRA, 2018,
pp. 272-273). A existência da Educação do Campo através de escolas do campo foi a
virada numa uma mudança de paradigma para os sujeitos camponeses, ao definir o
protagonismo e as vivências próprias do seu meio.
Como afirmamos, a participação de entidades organizadas da sociedade civil
(MST; Comissão Pastoral da Terra - CPT; Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA;
etc.), assim como conglomerados de sindicatos rurais (Federação dos Trabalhadores na
Agricultura - FETAG; Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura -CONTAG
etc.) não apenas contribuíram, mas atuaram diretamente em todas as demandas para
a existência de uma Educação do Campo formal e reconhecida como direito dos
sujeitos do campo. A partir da Constituição de 1988, a luta pela Educação do Campo e
no campo foi acompanhada por derrotas e vitórias no nível das esferas do poder
público. A garantia de instâncias públicas para representar a necessidade de
especificidade da Educação, assim como projetos de fomentos para a construção de
escolas do campo comprometidas com os valores e a realidade camponesas e, mais
adiante, a criação de cursos superiores específicos para a formação de educadores do
campo foram lutas longas e desgastantes que ainda não se concluíram.
Como resultado das lutas organizadas dos movimentos sociais, a Educação do
Campo consiste em promover a adequação da realidade educacional àquela das
populações do campo e não o contrário. Em outras palavras, não é o camponês que
deve se adequar à realidade da escola, mas o seu oposto: é preciso que a educação
seja planejada para a realidade, o espaço e a temporalidade do camponês. A existência
25 Para o debate entre as diferenças do modelo de escola rural para a escola do campo, uma robusta
produção, dentre elas citamos GOHN, 2001, 2002; MARTINS, 2009; VENDRAMINI, 2009.
Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40, p. 59-78 ISSN 1807-6211 66
Ronald Apolinario de Lira
de escolas do campo” não seria sinônimo de escolas no campo”, estas são apenas
uma reprodução do sistema geral de educação, com horários e conteúdo que não
representam a especificidade dos saberes camponeses, mas uma repetição de valores
urbanos voltados para o mercado numa lógica abissal; aquelas, seriam espaços
próprios de ão e protagonismo do sujeito do campo, uma forma de construção e
intercâmbio de saberes formais e locais na escola.
A escola do campo tem seu direito de existir, mas nem sempre ela foi
concretizada como política pública a contento. A própria definição do que seria campo
deve ser considerada com maior profundidade do que apenas “uma questão
geográfica”. Na definição de Bicalho e Oliveira, o campo: “É o cenário de uma série de
lutas e embates políticos. É ponto de partida para uma série de reflexões sociais. É
espaço culturalmente próprio, detentor de tradições, místicas e costumes singulares”
(BICALHO, OLIVEIRA, 2018, p. 271), ele não se resume unicamente aos que plantam,
mas a todo o seu meio contextual. Ainda hoje não chegamos ao ponto de celebrarmos
uma ampla Educação do Campo no lugar que lhe é devido. Admitimos que a realidade
das escolas do campo difere em todo o país assim como ocorre também com a
realidade camponesa; o campesinato de diferentes partes do país possui características
próprias, logo as escolas do campo não apresentam características idênticas. Em certas
regiões temos mais escolas do campo e garantias locais para a sua manutenção, em
outros lugares as configurações camponesas podem não ter tanta sorte, sofrendo de
administrações públicas precárias, como é o caso da Região Metropolitana do Rio de
Janeiro (BICALHO, MACEDO, RODRIGUES, 2021).
Ainda que nos pareça simples e lógico e legal que existam escolas próprias e
adaptadas às realidades específicas das comunidades que atentem, isso não é de todo
verdade. É sugerido que exista um regime que represente essas realidades empíricas,
que dialogue com a realidade do trabalho camponês, como é o caso da proposta
pedagógica conhecida como Pedagogia da Alternância.
Essa pedagogia diferenciada, forma de organização do tempo da educação,
promove a ligação entre saberes escolares e os saberes práticos vivenciados no campo,
construindo uma ponte que vai além do conhecimento descolado da práxis. a
divisão entre o período que o estudante es na escola, o Tempo Escola (TE) e aquele
em que ele retorna para sua comunidade, chamado de Tempo Comunidade (TC). Essa
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POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO COMO ECOLOGIA DOS
SABERES: CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA DA
EDUCAÇÃO DO CAMPO E SEU PAPEL TRANSFORMADOR
temporalidade não se resume unicamente em períodos em que os alunos têm aulas e
outros períodos em que ele é “liberado” para trabalhar, mas vai além, em direção a
agregação de saberes que normalmente não se encontram, ou pior, não são
valorizados ou mesmo tidos como reais na mentalidade do pensamento abissal.
Segundo Castro, Oliveira e Bicalho (2014, p. 129), A alternância considera as
experiências dos educandos e da formação não escolar como suporte para a
emancipação (...) Ela multiplica os atores para possíveis intervenções na educação, tais
como pais, vizinhos e a comunidade como um todo”.
No espectro da administração federal, a Pedagogia da Alternância até hoje
ainda não teve seu reconhecimento, ou sequer seu entendimento devido. Em 23 de
junho de 2022, o então presidente da República Jair Messias Bolsonaro vetou o projeto
de lei PLC 184/2017 do deputado federal Helder Salomão do ES, que versava em seu
caput: Altera a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996 [BRASIL, 1996], que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional’, para possibilitar o uso da
pedagogia da alternância nas escolas do campo”. 26 O veto do presidente se deu sob a
desculpa de que o PLC 184/201727
Contraria o interesse público e incorre em vício de
inconstitucionalidade ao substituir a expressão 'escolas rurais' pela
expressão 'escolas do campo', de sentido mais restrito, pois estas se
referem somente às escolas situadas em ambientes rurais e que se
enquadram na modalidade de educação do campo, enquanto aquelas
podem se enquadrar nas modalidades de educação do campo, de
educação escolar indígena e de educação escolar quilombola.
É curioso que o veto tenha sido dado em nome de uma suposta “isonomia”,
afirmando que as escolas do campo, assim designadas em detrimento de escolas
rurais”, deixassem de lado as demais especificidades, quando o que ocorre é
exatamente o oposto. As escolas do campo, em diferentes lugares do Brasil, atendem
as populações camponesas, compostas amplamente dentro de suas especificidades. Os
sujeitos do campo são assim definidos por Caldart (2016b, pp. 152-153):
27 Cf.
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/06/23/vetado-projeto-que-permitiria-ensino-rural
-dividido-entre-teoria-e-pratica visitado em 20/02/2023.
26 Para o texto integral do PLC 184/2017, Cf.
https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7346162&ts=1655986466047&disposition=inlin
evisitado em 20/02/2023.
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Ronald Apolinario de Lira
São sujeitos da resistência no e do campo: sujeitos que lutam para
continuar sendo agricultores apesar de um modelo de agricultura
cada vez mais excludente. (...) O campo São pequenos agricultores,
quilombolas, povos indígenas, pescadores, camponeses, assentados,
reassentados, ribeirinhos, povos da floresta, caipiras, lavradores,
roceiros, sem-terra, agregados, caboclos, meeiros, assalariados rurais
e outros grupos.
Para que haja Educação do Campo deve haver escolas do campo e ferramentas
adequadas para a construção de saberes próprios e protagonismo dos seus sujeitos.
um longo histórico da luta dos movimentos sociais em prol da Educação do
Campo no Brasil. O trabalho de construção dessa modalidade vem dando passos
estreitos, mas contínuos, a partir dos anos de 1990, quando se abre a possibilidade de
inserção das necessidades do campo nas agendas e nas frestas do aparelho das
instâncias governamentais. Os principais mecanismos que deslancharam políticas
públicas para a Educação do Campo foram fruto desse esforço contínuo dos
movimentos sociais e das pessoas que os compõem.
Educação do Campo como resultado da luta social nas políticas públicas
Como vimos anteriormente, as experiências de Educação do Campo não podem
ser resumidas na existência das escolas rurais, modelos antigos de uma educação
bancária, pautada na reprodução do formato urbano para a população do campo. É
mister que a Educação do Campo propriamente dita possa se fazer existir, dialogando
com o campesino como educação que promova o binômio humanização/emancipação
na educação (ARROYO, 2021) através da adoção de modalidade e ferramentas
adequadas, como é o caso da Pedagogia da Alternância e toda a amplitude de ão
que ela oferece.
O segundo ponto necessário para que haja a Educação do Campo é a existência
de espaços de formação acadêmica para os professores que irão atuar nas escolas do
campo. Docentes que seguirão a partir de uma formação necessariamente libertadora,
promotora de valores do campo e da educação popular. Os cursos de Licenciatura em
Educação do Campo são, assim como as escolas do campo, o resultado da luta e
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SABERES: CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA DA
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reivindicação dos sujeitos do campo, povos tradicionais e acadêmicos frente aos
poderes públicos. Ambas as experiências possuem ligação umbilical tanto em sua
gênese como também nas práticas que promovem e na forma de entender o papel do
campesino como agente de sua própria história.
As experiências de Educação do Campo como modelos de pedagogia de
inclusão e emancipação contra-hegemônica são, como vimos até aqui, práticas
nascidas das necessidades das pessoas do campo, sujeitos concretos que demandam
educação específica para o seu meio de vida. Essas experiências se deram através de
diferentes lutas e atores, entidades e movimentos sociais, e resultaram em ganhos
paulatinos que possibilitaram a existência de escolas do campo, LECs e o fomento para
projetos de pesquisa e extensão para estudantes e docentes do campo.
No final dos anos de 1990, com políticas públicas capitaneadas pelas pressões
massivas do MST, houve diálogos nos espaços federais para o fomento à Educação do
Campo. Programas que perpassaram secretarias e ministérios se traduziram em ações
práticas. Abaixo, temos a lista dos três principais programas que fomentaram as
políticas públicas para a Educação do Campo:
Tabela 01 Programas governamentais para a Educação do Campo
Programa
Criação/
Implementação
Propostas
PRONERA
2001/2004
Fortalecer a educação nas áreas de Reforma
Agrária estimulando, propondo, criando,
desenvolvendo e coordenando projetos
educacionais, utilizando metodologias voltadas
para a especificidade do campo, tendo em vista
contribuir para a promoção do desenvolvimento
sustentável.*
O Programa de Apoio à Formação Superior em
Licenciatura em Educação do Campo (Procampo)
apoia a implementação de cursos regulares de
licenciatura em educação do campo nas
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PROCAMPO
2007
instituições públicas de ensino superior de todo
o país, voltados especificamente para a
formação de educadores para a docência nos
anos finais do ensino fundamental e ensino
médio nas escolas rurais.**
PRONACAMPO
2012/2013
Disponibilizar apoio técnico e
financeiro aos Estados, Municípios e
Distrito Federal para a implementação da
Política de Educação do Campo, visando à
ampliação do acesso e a qualificação da
oferta da Educação Básica e Superior, por
meio de ações para a melhoria da
infraestrutura das redes públicas de
ensino, a formação inicial e continuada de
professores, a produção e a
disponibilização de material específico aos
estudantes do campo e quilombolas, em todas
as etapas e modalidades de ensino.***
Fonte: Documentos do governo federal (*BRASIL, 2010, p. 18; ** BRASIL, S/D; *** BRASIL, 2013, p. 03)
Acessibilidade: Tabela composta de três colunas e quatro linhas. A primeira linha, de cima para baixo, é
composta por três espaços em cor diferenciada, com os itens: Programas; Criação/Implementação e
Propostas. As demais linhas apresentam o texto de cada item; A primeira coluna, à esquerda tem coloração
diferente, possui, em cada linha de cima para baixo o nome de um programa de financiamento de
políticas do campo obedecendo os itens das linhas explicitados anteriormente.
Segundo Santos e Silva (2016) inicialmente a pressão pela implantação de uma
Educação do Campo nos moldes contra hegemônicos foi o resultado da luta do MST no
final dos anos de 1990. Em 1997, ocorreu o I Encontro Nacional de Educadores Pela
Reforma Agrária (ENERA), que traçou linhas de ação que desaguaram na criação do
PRONERA. Para Santos e Silva (2016, p. 138):
O principal objetivo do PRONERA se constitui como mecanismo em
favor da democratização da educação para os trabalhadores/as da
reforma agrária, respeitando as particularidades dos sujeitos sociais e,
paralelamente, contribuindo para a permanência dos agricultores no
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EDUCAÇÃO DO CAMPO E SEU PAPEL TRANSFORMADOR
campo, tendo o desenvolvimento sustentável como principal resultado
desse processo.
O PRONERA transitou pelo Ministério Extraordinário da Política Fundiária, que o
homologou através da Portaria 10/98, em 16 de abril de 1998 (BRASIL, 2008), sendo
incorporado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Mas foi
somente no ano de 2004 que o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva formalizou
suas estruturas na forma de um “Manual de Operações” (SANTOS; SILVA, 2016, p. 138).
Enquanto o PRONERA tem como meta o fortalecimento da educação para o
trabalhador do campo da reforma agrária, o PROCAMPO tem a intenção de viabilizar
uma estrutura estável de formação pública para futuros educadores do campo.
Se, até hoje, temos um desconhecimento de boa parte da classe trabalhadora
da Educação sobre as diversificadas formas de educação específica, a existência de
cursos de graduação em Licenciatura em Educação do Campo sofre segue o mesmo
destino. Na UFRRJ, podemos afirmar a partir de nossa observação como docente da
LEC-UFRRJ que o curso não é sequer compreendido por boa parte das chefias
institucionais. Ainda que o embrião da LEC-UFRRJ tenha surgido a partir da experiência
do PRONERA, o curso regular atual é o resultado da política do PROCAMPO.
O PROCAMPO foi criado em 2007 através da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade - SECAD.28 Ele tem a intenção de promover
cursos de LEC nas universidades públicas, contando com a representação tanto dos
especialistas acadêmicos como dos movimentos sociais do campo. A implantação das
LECs se iniciou nas seguintes universidades: (UFMG), Universidade Federal da Bahia
(UFBA), Universidade Federal de Sergipe (UFS) e na Universidade Federal de Brasília
(UnB) (SANTOS, SILVA, 2016). Existem hoje 42 cursos de LEC no país,29 contando com a
formação de professores em diferentes áreas.
29 Dados presentes na página da LEC-UFRRJ:
https://institutos.ufrrj.br/ie/licenciatura-em-educacao-do-campo/
28 Atualmente, à sigla “SECAD” resgatou-se uma letra, o “I”, que representa a expressão “Inclusão”,
retirada no período do governo Bolsonaro (2019-2022): “SECADI”. Para a SECADI, Cf.
http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-continuada-alfabetizacao-diversidade-e-inclusao/progr
amas-e-acoes acessado em 01 de abril de 2023.
Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40, p. 59-78 ISSN 1807-6211 72
Ronald Apolinario de Lira
Por fim, o PRONACAMPO se propõe a manter a qualidade da Educação do
Campo, seja no âmbito das escolas do campo, seja nos cursos universitários que
promovem ensino, pesquisa e extensão dessa modalidade. Santos e Silva apontam as
especificidade do alcance do PRONACAMPO: O programa está estruturado sob quatro
eixos: Gestão e Práticas Pedagógicas, Formação de Professores, Educação de Jovens e
Adultos, Educação Profissional e Tecnológica e Eixo Infraestrutura Física e Tecnológica”
(SANTOS, SILVA, 2016 P. 141). Esse programa foi criado no governo da presidenta Dilma
Rousseff em 2012, sendo posteriormente efetivado através do Decreto 7.352 por
meio da Portaria 86, de de fevereiro de 2013.
A LEC-UFRRJ
A experiência da LEC-UFRRJ teve início no ano de 2010 a partir de um projeto
piloto, abordado anteriormente, possibilitado pelo edital 23/2009 do PRONERA
(LEC-PRONERA) para uma experiência de quatro anos de formação dos futuros
educadores do campo (2010-2013). Com o financiamento do PRONERA, a LEC formou
52 profissionais a partir das ferramentas e práticas próprias da Educação do Campo.
Foi apenas em 2014 que um novo curso regular de LEC foi consolidado na
UFRRJ, com abertura de vestibular próprio para ampla concorrência. Esse formato de
curso, compreendendo a duração de quatro anos, formando professores destinados
aos últimos anos do Ensino Fundamental e ao Ensino Médio das escolas do campo nas
áreas de Ciências Humanas e Sociais, além de conteúdos teóricos e práticos de
agroecologia que está sendo oferecido a os dias de hoje.
Como vimos, uma das ferramentas mais importantes para a efetiva Educação
do Campo comprometida com os sujeitos a quem ela se destina é a Pedagogia da
Alternância, modalidade que, desde o curso da LEC-PRONERA, é utilizado como
modalidade de ensino (CASTRO, OLIVEIRA; BICALHO, 2014). Ainda que a prática da
Alternância tenha se modificado com o passar dos anos, ela continua sendo um pilar
identitário de atuação da LEC-UFRRJ.
Diferentemente dos demais cursos de graduação da UFRRJ, a LEC-UFRRJ possui
um vestibular próprio para a entrada de novos estudantes. Uma ferramenta avaliativa
essencial para a chegada de novos discentes se através de um memorial, pensado
Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40, p. 59-78 ISSN 1807-6211 73
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SABERES: CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA DA
EDUCAÇÃO DO CAMPO E SEU PAPEL TRANSFORMADOR
na necessidade de alcançar aqueles cuja história esteja ligada, de alguma forma, às
populações que são os sujeitos-alvo das políticas públicas de Educação do Campo.
Muitas dificuldades foram e são enfrentadas na constante construção e
reconstrução da LEC-UFRRJ. A busca de estar sempre próximo aos movimentos sociais
e das populações do campo; a constância da busca de entendimento institucional para
a garantia da manutenção dos alunos camponeses e de comunidades distantes, como é
o caso dos alunos quilombolas de Angra dos Reis. A cada dia o curso enfrenta novos
desafios, da falta de investimento da universidade à precarização do serviço público e,
em específico, a dificuldade de ser o único curso em regime de alternância da UFRRJ,
demandando difíceis negociações com diferentes departamentos que compõem a sua
oferta docente.
Por fim, um último ponto traz dois desafios que se agigantam cada vez mais
atualmente: 1) a pauperização das populações tradicionais por motivos
macroeconômicos e questões políticas pontuais e 2) a transformação acarretada nos
territórios cada vez mais sub-urbanizados sofrendo a descaracterização do processo de
produção rural.
A LEC-UFRRJ se encontra num território historicamente rural, o município de
Seropédica, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Esse município e grande parte
dos que se avizinham (Nova Iguaçu, Queimados, Japeri, entre eles)30 compõem o que
conhecemos como “Baixada Fluminense”, território um dia rural, mas que hoje é
composto por retalhos de urbanidade desorganizada, falta de serviços públicos e um
campesinato isolado em diferentes pontos dos municípios. Um outro marco sensível é
a crescente violência em toda a região.
Mesmo que os povos do campo na Baixada tenham histórico campesino, que
a distribuição humana da região compunha um importante reduto agrícola do estado
(LIRA, 2020), hoje, esse hibridismo de identidades rurais e urbanas não consegue
garantir políticas públicas efetivas para a Educação do Campo, como a implementação
plena de escolas do campo que trabalhem no regime de alternância, por exemplo. Isso
não significa que não exista a luta de movimentos sociais do campo na região, muito
pelo contrário, as vitórias conseguidas para que existam escolas do campo em Nova
30 Para uma definição mais profunda do conceito de “Baixada Fluminense”, Cf. LIRA, 2019.
Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40, p. 59-78 ISSN 1807-6211 74
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Iguaçu ainda que não plenamente caracterizadas dentro de suas ferramentas
fundamentais não se deu por vontade política municipal, mas pela representação de
movimentos como a CPT e sindicatos de agricultores da região (BICALHO, MACEDO;
RODRIGUES, 2021).
Hoje, no município de Nova Iguaçu, existem doze escolas consideradas como
sendo escolas do campo. Elas se encontram não apenas em espaços agrícolas, mas
também em áreas próximas que atendem essas populações, como é o caso da Escola
Municipal Jardim Montevideo, no bairro de Tinguá. Ainda que esteja cercada por
terrenos cultivados, ela se encontra a menos de um quilômetro de uma estrada federal
e de bairros residenciais urbanizados. Essas escolas municipais oferecem os anos
iniciais do Ensino Fundamental, mas nenhuma delas trabalha em regime de
alternância.
O desafio do hibridismo das populações locais que pretendem se matricular no
curso da LEC-UFRRJ também deve ser assunto a ser debatido no futuro, pois, a cada
dia, a Educação do Campo oferecida na periferia do estado do Rio de Janeiro se
aproxima mais e mais das práticas da Educação Popular, alcançando as classes mais
desassistidas e excluídas do protagonismo político e social em suas comunidades, que,
na Baixada, estão tanto no meio urbano como no rural.
Considerações finais
A prática dos movimentos sociais exercendo pressão popular organizada sobre
o sistema político tem se mostrado uma ferramenta muito valiosa na garantia de
políticas públicas para as populações do campo, entre elas o direito a uma educação
que represente os ideais, as mentalidades e as visões de mundo próprias dos povos do
campo.
Mesmo em tempos “líquidos” (BAUMAN, 1998, 2000), onde os discursos tidos
por alguns autores como grandes narrativas” tenham sido decretadas como
encerradas (LYOTARD, 2019), os movimentos sociais não morreram; eles despontam
para novos voos na defesa de direitos adquiridos e na busca de novos. A existência de
uma Educação do Campo com currículos próprios, destoantes daqueles produzidos
para formar trabalhadores para o mercado, é uma prova de que ainda é possível
Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40, p. 59-78 ISSN 1807-6211 75
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SABERES: CONSIDERAÇÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA DA
EDUCAÇÃO DO CAMPO E SEU PAPEL TRANSFORMADOR
esperar por novos ares, onde a educação tenha o papel emancipador e garantidor de
cidadania para os educandos e as sociedades onde estes estão inseridos.
A Educação do campo traz a proposta de partilhar também os saberes tidos
como “não-científicos”, por isso mesmo desprezados pela academia pautada por um
cartesianismo formalista. Os saberes tradicionais, somados às tecnologias do
conhecimento moderno podem seguir lado a lado, sem a necessidade de anulação da
sua verdade em prol de uma meta-verdade que lança o contraditório para o abismo da
inexistência epistemológica.
Uma ecologia de saberes é a real promessa nas propostas da Educação do
Campo, resistente, insistente e prenhe de possibilidades e promessas para a
humanização do ato de educar.
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[Início da descrição de imagem] Pulsações Contemporâneas [Fim da descrição de
imagem].
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NO CAMINHO ENTRE O REFEITÓRIO E A SALA DE AULA TEM LÍNGUA
PORTUGUESA E MUITA PROSA AFINADA31
ON THE PATH BETWEEN THE REFECTORY AND THE CLASSROOM HAS
PORTUGUESE LANGUAGE AND A LOT OF TUNED PROSE
Kelfany Antonio Pereira32
Maria Inmaculada Chao Cabanas 33
RESUMO
O artigo analisou as respostas recolhidas nas pesquisas de Botelho (2014), por meio de
questionário de múltipla escolha, junto a docentes e discentes da EJA no Ensino Médio,
na cidade de Parintins (AM), somando um total de 73 respostas de alunos e 2 de
professores. Foram revisitados os dados coletados em com o objetivo de analisar as
Representações Sociais instituídas pela atividade educativa e admitidas na educação
escolar. Utilizou-se a técnica de análise dos esquemas argumentativos de Perelman e
Olbrechts-Tyteca sobre a Teoria da Argumentação. Foi possível chegar à compreensão
de que a representação social dominante sobre a Língua Portuguesa ensinada na
EJA-EM está fortemente limitada à gramática normativa. Não são trabalhados aspectos
considerados importantes no uso social da língua.
Palavras-Chave: Educação de Jovens e Adultos. Língua Portuguesa. Representações Sociais.
ABSTRACT
The article analyzed the answers collected in Botelho's research (2014), through a
multiple-choice questionnaire, with teachers and students of EJA in High School, in the
city of Parintins (AM), adding a total of 73 answers of students and 2 of teachers. The
data collected in were revisited in order to analyze the Social Representations
established by the educational activity and admitted in school education. The
technique of analysis of the argumentative schemes of Perelman and Olbrechts-Tyteca
on the Theory was used It was possible to understand that the dominant social
representation of the Portuguese language taught in EJA-EM is strongly limited to
normative grammar.Aspects considered important in the social use of the language are
not worked on.
Keys words: Youth and Adult Education. Portuguese language. Social Representations.
33 Dra. Maria Inmaculada Chao Cabanas. Universidade Estácio de Sá. PPGE UNESA/Rio de Janeiro/RJ.
E-mail:maria.cabanas@yduqs.com.br. Telefone:(21)999614-6432. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-0368-8416.
32 Kelfany Antonio Pereira. Universidade Estácio de PPGE-UNESA/Rio de Janeiro/RJ. E-mail:
Kelfany_pereira@yahoo.com.br. Telefone:(21)98786-4736. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8781-2727.
31 Parte do texto foi apresentado em eventos acadêmicos. Agência de fomento: Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40, p.80-90 ISSN 1807-6211 80
NO CAMINHO ENTRE O REFEITÓRIO E A SALA DE AULA TEM
LÍNGUA PORTUGUESA E MUITA PROSA AFINADA
Introdução
A pesquisa aqui proposta procurou reunir falas, para analisar o que dizem os
alunos e professores a respeito do ensino de Língua Portuguesa (LP) na Educação de
Jovens e Adultos (EJA). Essas falas foram reunidas através de uma revisão de literatura
possibilitando, também, o diálogo com obras teóricas e críticas que permitem um
paralelo com a Teoria das Representações Sociais (TRS), a Análise Retórica, a LP e o
contexto da EJA no Brasil, confrontando o papel certificador dado a este segmento de
ensino com o papel social que este deveria exercer frente ao aluno adulto.
O suporte teórico-metodológico desta pesquisa é capaz de revelar o sentido
da LP para os alunos e professores da EJA diante do ensino da LP como uma disciplina
escolar. Para chegar ao discurso dos alunos sobre o que vem a ser a LP, foram tomadas
como base a dissertação de Botelho (2014) e as pesquisas de Oliveira (2018). para
analisar a fala dos professores foram considerados como objetos de análise as falas
reunidas na dissertação de Botelho (2014), nas pesquisas Oliveira (2018) e na pesquisa
de Ribeiro (2019). Esses discursos foram escolhidos por demonstrarem com clareza o
olhar dos alunos e professores da EJA diante do ensino dos métodos e práticas da LP,
levando a estereotipar o ensino que a escola oferece para esta disciplina.
Deste modo, através da técnica retórica (dissociação de noção), podemos
avaliar a eficácia do discurso e se as técnicas utilizadas pelo orador foram eficazes ou
não, pela adesão do auditório para que sejam instituídas as premissas dos silogismos
(inferências) que constituem os argumentos das representações, em geral, e sociais,
em particular.
Afinal, o que é Representação Social?
O termo RS foi cunhado por Moscovici, no ano 1960 do século XX, segundo
(2004). Para o autor, neste fenômeno, não separação entre o individual e o social,
pois ao apropriar-se de um objeto, as pessoas não o reproduzem, mas o
reconstroem, devolvendo-o ao ambiente, integrando-o em sua rede de relações
significativas no grupo social ao qual pertencem. Diante disso somos conduzidos a
refletir sobre que significados são atribuídos à LP para o grupo de professores e alunos
da EJA?
Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40, p.80-90 ISSN 1807-6211 81
Kelfany Antonio Pereira
Maria Inmaculada Chao Cabanas
Depois de Moscovici, numerosos estudos de campo e de laboratório foram
consagrados ao fenômeno da TRS. Entre vários estudiosos importantes, podem ser
citados Jodelet (2001) e Abric (1998), que consagraram as pesquisas em RS ao longo do
tempo. Esses dois estudiosos, em especial, foram fundamentais aos estudos da TRS,
pois permitiram a melhor compreensão da sua base, a importância do seu papel na
comunicação e na gênese dos comportamentos sociais.
O conceito de RS designa uma forma específica de conhecimento, o saber do
senso comum, cujos conteúdos manifestam a operação de processos generativos e
funcionais socialmente marcados. Mais amplamente, designa uma forma de
pensamento social.
Neste viés, falar em RS implica considerá-las enquanto emergentes na
dimensão simbólica da vida social, pois servem para agir sobre o mundo e sobre os
outros. Nascem no cotidiano, nas interações que estabelecemos, seja na família, no
trabalho, na escola, nas relações com a saúde, entre outras dimensões da vida social,
ou seja, onde quer que exista uma realidade a ser apropriada e partilhada.
Assim, a formação de RS, agrega duas principais características: em primeiro
lugar, a premissa de que as RS têm o objetivo de transformar o não-familiar em familiar
e, em segundo lugar, a de que é uma modalidade, segundo Moscovici (1984), que tem
por função direcionar o comportamento e a comunicação.
Metodologia
Ao pensarmos no discurso de alunos e professores como objeto de
investigação para chegarmos a o que vem a ser a Representação Social de LP, é
importante trazermos para o nosso trabalho uma abordagem discursiva para que seja
feita esta análise. Assim, utilizaremos das estratégias investigativas baseadas na Análise
Retórica, pois estas irão nos permitir ir além da questão social dos falares ou da
instrumentação de poder que a língua pode revelar.
Assim, uma palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido
ideológico ou vivencial. É exatamente desta maneira que compreendemos as palavras
e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou
concernentes à vida. Tudo isso nos leva a refletir sobre qual a importância de
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verificarmos a concepção de LP que está sendo veiculada na EJA e como essa
concepção tem se manifestado no discurso de alunos e professores. Para angariarmos
subsídios visando responder a estas e outras problematizações feitas por nós ao
longo desta pesquisa vamos nos debruçar sobre as diretrizes da Análise Retórica.
A retórica, ao ser incorporada nos modos dos discursos informativos ou
expositivos, a partir do século XIX, se renova, mas ainda é importante lembrar que o
objetivo principal da Retórica Clássica, conforme nos esclarece Fonseca (2017), era
convencer ou persuadir uma dada plateia a pensar ou a agir de certa maneira.
Incorporando novos e essenciais elementos teóricos e metodológicos ao
campo de estudo da análise retórica, temos Chaïm Perelman (2005), filósofo e jurista
belga, retomando em suas obras a Dialética e a Retórica de Aristóteles e opondo-se se
à ideia de evidência que fundamenta a lógica cartesiana e que séculos vinha (e
ainda vem) influenciando a teoria do conhecimento. Perelman e Tyteca (1993) dão
elementos fundamentais em sua obra, nos capacitando a observar com uma apurada
técnica de análise que tal oposição é fundamentada no princípio de que reduzir a
natureza do conhecimento apenas ao nível lógico é empobrecê-lo, dada sua
complexidade. Essa necessidade do autor de expor a complexidade da natureza do
conhecimento colocando-o além do nível lógico é mais uma razão que o levou a se
aproximar da Retórica.
Para seguirmos esclarecendo os conceitos referentes à Análise Retórica,
traremos para nosso diálogo Castro (2016). A autora nos esclarece que é possível
verificar que a análise retórica vem expor o implícito que algumas vezes será o não
anunciado, mas presente nos discursos que nele se sustentarem o que torna factível
explicitar o implícito e o orador, ao construir o seu texto, deve atentar para a
constituição da linguagem e seus efeitos.
Neste cenário, constatamos que, na verdade, nada está oculto, do contrário
seria impossível tanto o acordo quanto o desacordo entre o orador e o auditório.
Agora, se torna possível situar os discursos a serem analisados.
O que dizem os alunos da EJA?
Para chegarmos a este material que nos permite analisar o discurso dos alunos
da EJA sobre a LP, serão utilizados os discursos levantados por Botelho (2014),
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Kelfany Antonio Pereira
Maria Inmaculada Chao Cabanas
considerando a riqueza dos levantamentos realizados pela autora nas entrevistas
realizadas com base em um questionário.
Os discursos foram coletados por Botelho em uma escola da rede estadual de
Ensino Médio na modalidade EJA na cidade de Parintins, na qual foram aplicados 73
questionários com duas turmas. As fases são designadas 1afase: turma A e 2afase:
turma B. A turma A da 1afase, continha 33 alunos divididos em duas turmas. na
turma B, ocorreu a fase, contendo apenas 40 alunos, divididos em duas turmas, que
responderam aos 12 questionários que possuíam 10 perguntas, sendo elas abertas e
de múltipla escolha, totalizando 73 alunos entrevistados.
Na primeira questão, Botelho (2014) pergunta se os alunos gostam ou não da
disciplina. Neste item, 65 alunos responderam que sim; gostam da disciplina Língua
Portuguesa, pois é uma disciplina que es no dia a dia deles e que também ajuda a
desenvolver a escrita, leitura e interpretação de textos. Contudo, o item também
recebeu respostas negativas. Somente 08 alunos disseram que não gostam da
disciplina, porque a consideram um tanto difícil e não conseguem aprender.
Em relação à questão sobre as dificuldades dos alunos em aprender a LP,
foram tomadas como base respostas de 73 entrevistados. Destes, 30 responderam que
sim, dificuldades quanto à gramática, interpretação e produção de textos, pela falta
de atenção nas aulas e alguns pela idade e o tempo que passaram afastados da sala de
aula. Neste item, também houve respostas negativas. Quanto às respostas negativas,
43 alunos responderam que não tem dificuldades, pois a professora tem ótimo
domínio dos assuntos tornando mais fácil a compreensão. Além disso, alguns dos
entrevistados descrevem que, dependendo do interesse deles e outros, acham ótimo a
disciplina.
As respostas dos entrevistados inferem que a minoria dos entrevistados possui
dificuldades com relação à LP, potencializadas por esse longo período longe do âmbito
escolar. Os alunos são inquiridos sobre quais atividades o professor (a) realiza nas aulas
para minimizar as dificuldades. Dadas as opções, 29 dos entrevistados responderam
seminário, outros 16 responderam debate, 23 alunos responderam dinâmica, 5 alunos
marcaram a opção “outros” e 13 descreveram as seguintes atividades: exercícios,
gêneros textuais, filmes, redação, produção de textos divertidos, pesquisas e leituras.
Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40, p.80-90 ISSN 1807-6211 84
NO CAMINHO ENTRE O REFEITÓRIO E A SALA DE AULA TEM
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No questionário utilizado na coleta de discursos realizados por Botelho (2014),
72 alunos responderam que o professor leva em consideração o conhecimento de
mundo deles, relatando que os assuntos são introduzidos de acordo com o que
conhecem, sempre dando exemplos de situações vivenciadas no cotidiano.
Ao nos debruçarmos sobre os discursos coletados, também através de
questionário, por Oliveira (2018) podemos interpretar que, para a maioria dos alunos
da EJA, que participaram da pesquisa, os conteúdos gramaticais aprendidos em LP
servem em seu trabalho e/ou na sua vida diária para “falar melhor, escrever sem
erros”, e para quando vão “preencher um formulário ou curriculum”. Com esses
discursos, podemos observar que, para esses alunos, o domínio da norma culta é
confundido como o aprendizado de uma prática que lhes dará acesso a funções de
grande prestígio, além de ascensão a lugares de maior visibilidade e mérito social.
O que dizem os professores da EJA?
Para chegarmos a este material que nos permite analisar o discurso dos
professores da EJA sobre a LP, tomaremos como base os discursos levantados por
Ribeiro (2019), considerando a riqueza dos levantamentos realizados nas entrevistas
feitas com base em um questionário.
Foram realizadas entrevistas com duas professoras das mesmas turmas em
que foi aplicado o questionário com os alunos da EJA citados no capítulo anterior.
Foram feitas 10 perguntas direcionadas a essas docentes procurando esclarecer,
analisar e buscar qual a importância, quais os métodos e estratégias utilizadas, qual a
contribuição do trabalho em sala de aula e quais os desafios do professor de Língua
Portuguesa na modalidade EJA.
Podemos inferir que as professoras entrevistadas realizam, primeiramente, o
nivelamento dos alunos, pois, atualmente, as turmas da EJA são diversificadas tanto
jovens como senhores e senhoras. Além disso, trabalham de maneira diversificada com
recursos didáticos (gincana, atividades lúdicas) para que os alunos dessa modalidade
tenham melhor compreensão dos conteúdos de Língua Portuguesa.
Em relação às práticas docentes, as respostas das professoras enunciam que
utilizam metodologias específicas, além de adaptação de conteúdos programáticos,
adaptando atividades dos livros de acordo com o nível dos alunos, de forma que eles
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Kelfany Antonio Pereira
Maria Inmaculada Chao Cabanas
produzam e participem efetivamente das aulas adquirindo melhor conhecimento e
possibilitando a eles a oportunidade de compreender e obter conhecimentos, além de
adquirir novos conceitos diante do ensino da LP, o que favorece sua interação no
contexto social no qual estão inseridos.
Quanto à formação, as professoras participantes das entrevistas possuem a
formação exigida para exercer o cargo de professora de LP. Uma delas, inclusive, tem
dupla formação, pois é formada em Letras com habilitação em Língua Portuguesa e
formada em Letras com habilitação em Língua Inglesa; a outra, é especialista em Letras
com habilitação em Língua Portuguesa. No entanto, nenhuma delas relatou ter uma
formação específica para atuar na EJA.
Observamos que, para as professoras analisadas, um dos maiores desafios
está relacionado ao cansaço dos alunos, pois muitos são chefes de famílias e
trabalham. Outro ponto desafiador diz respeito à frequência dos alunos, pois estes
passam o dia trabalhando e alguns alunos faltam muito, uns vão durante alguns dias
depois não vão mais em outros dias, tudo isso dificulta a evolução do trabalho
desenvolvido, tornando o ensino da disciplina fragmentado. Além disso, ainda o
relato, por parte das professoras, sobre os alunos que não sabem ler e não possuem
uma bagagem de vivências que possibilitem a ales uma interpretação da realidade
instituída em seu entorno. Tudo isso tornando difícil a compreensão dos assuntos de
Língua Portuguesa, pois a disciplina necessita de leitura para realizar interpretação de
questões e até mesmo para criar textos.
Esclarecendo a dissociação de noção
Ao elegerem a variante padrão como privilegiada, o discurso dos alunos
analisados por Oliveira (2018) sustenta um preconceito linguístico, pois explicitam suas
crenças acerca de uma superioridade social ao comparar a competência linguística
entre falantes. Mas de onde vem esse preconceito linguístico que limita a caminhada
dos alunos da EJA diante da LP?
Após análise desta dissociação, podemos inferir que o ensino da Língua
Portuguesa na EJA é reduzido ao ensino da língua escrita, ficando limitado à gramática
normativa. Tudo isso, justifica o preconceito que pode estar subjacente às práticas
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NO CAMINHO ENTRE O REFEITÓRIO E A SALA DE AULA TEM
LÍNGUA PORTUGUESA E MUITA PROSA AFINADA
docentes em sala de aula, em que as reflexões sobre a língua são norteadas pela
gramática normativa e pela rigidez culta, desvalorizando as diferentes variedades
sociais da língua em seu uso, de fato.
Deste modo, notamos que os alunos da EJA assumem uma identidade de não
falantes de português, diferenciam-se dos outros que têm poder intelectual maior,
justamente por saberem um português mais aproximado do aceitável no consenso
social. Observa-se, então, uma dissociação da noção de língua portuguesa.
Tal dissociação, conforme Mateus (2018) nos esclarece, é um tipo de
argumento que consiste em separar ou dissociar noções em pares hierarquizados,
quebrando a unidade e destacando as diferentes noções que um conceito envolve.
Assim, A dissociação separa e modifica profundamente as realidades que distingue,
como podemos observar diante do ensino da Língua Portuguesa na EJA.
Resultados e discussões
Ao analisarmos os discursos de alunos e professores sobre LP no cenário da
EJA, é possível justificar uma intertextualidade entre os documentos que orientam as
práticas pedagógicas desta disciplina nesta modalidade, confirmando que a proposta é
adotar uma postura mais linguística e não uma normatização do tradicionalismo que
ainda podemos observar dentro das instituições de ensino.
Os documentos orientam a prática pedagógica da LP baseada em
fundamentos linguísticos, sem ater-se ao objetivo de formação para o trabalho,
estando muito mais voltada para práticas sociais diversas, mas insistindo também no
fato de que o desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos não deve ser
restrito ao ensino apenas da Língua Portuguesa.
Com todos esses pontos que dificultam a trajetória do aluno da EJA diante da
LP, é possível perceber que eles são capazes de reconhecer os avanços no atendimento
de suas necessidades, mesmo reproduzindo em seus discursos uma ideologia de que a
escola será transformadora e recuperará todo o tempo considerado por eles como
perdido. Para eles, aprender LP significa tomar posse de um bem que os ajudará a
conquistar o que aspiram socialmente.
Percebemos que, em seus discursos, os alunos não relatam ter vivenciado
situações de preconceito linguístico, mas eles mesmos demonstram seu próprio
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preconceito diante do julgamento de valor dado à oralidade. Para eles, falta a noção do
valor das variedades linguísticas dentro do seu meio social, ainda que isso faça parte do
conteúdo proposto nos documentos oficiais elaborados pelo MEC, não é uma temática
abordada com profundidade diante dos alunos. Assim como, saber escutar, saber falar,
saber ler e saber escrever de acordo com os padrões da variedade culta e da
diversidade contextual devem receber igual atenção, pois este é, não somente um dos
desejos dos alunos da EJA, mas o preconizado especificamente no documento que rege
essa modalidade.
Finalmente, após análise e interpretação dos estudos reunidos ao longo da
elaboração desta pesquisa, se torna possível chegar à representação social do nosso
objeto de estudo: o ensino da Língua Portuguesa na EJA é reduzido ao ensino da língua
escrita, ficando limitado à gramática normativa.
Considerações finais
É fundamental reconhecer que embora haja uma expansão da EJA no país,
ainda não existe uma devida preocupação dos órgãos governamentais no que diz
respeito à formação e à capacitação dos educadores da EJA para ministrar o
componente curricular Língua Portuguesa. Apesar disso, os professores desta
modalidade de ensino não têm ainda uma formação específica, tendo apenas a
formação inicial adquirida em curso de licenciatura. Isso acarreta fragilidades na prática
cotidiana destes profissionais, que acabam por desenvolverem um trabalho sem uma
base consistente de conhecimento apropriado para as especificidades da modalidade
EJA.
O reflexo desta problemática, pode ser visto na insatisfação dos educandos, e
consequentemente no alto índice de evasão. Claro que esta situação não está
dissociada de uma política de atendimento ao aluno da EJA, inclusive de escolas mais
próximas ao trabalho ou a residência dos estudantes, oferta de matrículas e condições
mínimas e estrutura para atendê-los.
Nesse contexto, o ensino da língua escrita, bem como, metodologias
adequadas que favoreçam o letramento do aluno jovem adulto precisam ser
ressignificadas. As aulas de Língua Portuguesa devem oferecer aos alunos,
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NO CAMINHO ENTRE O REFEITÓRIO E A SALA DE AULA TEM
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diversificados eventos de fala como, por exemplo, os gêneros textuais, ou seja, o uso
de propagandas, revistas, jornais, folhetins, bilhetes, receitas, enfim. É fundamental e
essencial a ser repassado aos estudantes podendo trabalhar assuntos interessantes de
acordo à idade e série a ser ensinada, facilitando e promovendo o desenvolvimento da
linguagem oral.
Assim, mesmo tendo um conceito prévio sobre a Língua Portuguesa, tendo em
vista toda a bagagem social que norteia sua definição, é primordial destacar que cada
indivíduo possui suas próprias experiências, estando incluídas também as
extraescolares, que vão modificando e acomodando novas informações e conduzindo
as ações, o que deixa nítido que não somos receptores passivos das representações ao
nosso redor.
Pode ser, que dessa maneira, a educação proponha estratégias que defendam
atitudes comprometidas com um projeto democraticamente elaborado, que atenda a
um modelo flexível de indivíduo e de sociedade, para sua atuação responsável, crítica,
democrática e solidária.
Referências
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Data do envio: 08/06/2022
Data do aceite: 06/09/2023.
Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40, p.80-90 ISSN 1807-6211 90
A GORDOFOBIA EM QUESTÃO: DOS ESTIGMAS À REDUÇÃO DE DANOS
NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS EM BIOCIÊNCIAS E SAÚDE34
FATPHOBIA IN QUESTION: FROM STIGMAS TO HARM REDUCTION IN
EDUCATIONAL PRACTICES IN BIOCIENCES AND HEALTH
João Paulo Cunha Parada35
Francisco José Figueiredo Coelho36
Resumo
A gordofobia é uma discriminação presente em todos os ambientes. Resultante de
diversos fatores, também filiada aos esforços de uma indústria cultural preocupada em
disseminar a superioridade do corpo não gordo, ampliando os estigmas do corpo gordo
e promovendo ações de bullying. Está presente em nossa sociedade alguns anos,
porém, pouco discutido, principalmente nas escolas. Assim, o objetivo desse trabalho é
discutir a importância do tema gordofobia nas aulas de Ciências e Biologia a partir dos
pressupostos teóricos da Redução de Danos. Este artigo articula referenciais do campo
do ensino-aprendizagem para pensar em um debate mais acolhedor e emancipatório,
com o intuito de repensar os estigmas acerca do corpo gordo e potencialidades e
desafios do debate nas escolas.
Palavras-chaves: Corpo gordo. Estigma. Gordofobia. Redução de danos.
Abstract
Fatphobia constitutes a form of discrimination present in all environments. It arises
from diverse factors and is also linked to the endeavors of a cultural industry concerned
with disseminating the superiority of the non-fat body, thereby amplifying the stigmas
surrounding larger bodies and promoting instances of bullying. It has existed in our
society for a number of years; however, it has been discussed only minimally, especially
within educational settings. Therefore, the objective of this work is to discuss the
importance of the topic of fatphobia in Science and Biology classes based on the
theoretical foundations of Harm Reduction. This article integrates references from the
field of teaching and learning to foster a more inclusive and empowering discourse,
with the intention of reconsidering biases regarding larger body sizes and the
potentialities and challenges of such discourse within schools.
Keys words: Fat body. Stigma. Fatphobia. Harm Reduction.
36 Programa de Pós-graduação em Ensino em Biociências e Saúde (PPGEBS/IOC/Fiocruz). E-mail:
ensinodeciencias.ead@gmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-1522-2995.
35 Programa de Pós-graduação em Ensino em Biociências e Saúde (PPGEBS/IOC/Fiocruz). E-mail:
joaopauloparadapos@gmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0763-2161.
34 Agência de fomento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES)
Código de Financiamento 001.
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A GORDOFOBIA EM QUESTÃO: DOS ESTIGMAS À REDUÇÃO
DE DANOS NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS EM BIOCIÊNCIAS E
SAÚDE
Introdução
É notório que a escola é um espaço de construção de diferentes saberes. As
disciplinas de Ciências e Biologia, por exemplo, se colocam como componentes
curriculares importantes para permitir cenários de aprendizagem que facilitem a
compreensão dos fenômenos biológicos favoráveis na manutenção da qualidade de
vida das populações. Nessa ótica, vivemos um período histórico cuja compreensão dos
fenômenos sociais nunca se fez tão necessária.
Para Coelho e Monteiro (2019), é necessário pensar as Ciências Biológicas
articulando com os saberes e debates de ordem social, com o intuito de melhorar a
convivência humana, desconstruindo falácias, fakenews e prejulgamentos em torno de
falsos mitos, especialmente acerca das relações com o/s corpo/s.
Na amplitude de debates sobre o/s corpo/s, é possível notar uma variedade
deles. Alguns, vistos como referência de beleza e saúde. Outros, são estigmatizados e
marginalizados. Existe uma diversidade de corpos, não apenas biológica, mas cultural
da sociedade brasileira. E isso pode ser notado dentro e fora das escolas com toda uma
representatividade que pode e precisa ser acolhida.
Alguns movimentos sociais antirracistas e da comunidade LGBTQIAP+, iniciadas
ou não com ações ativistas, têm contribuído para alastrar o debate sobre o respeito e a
diversidade humana. Isso tem permitido que o Estado repense e conduza novas
políticas públicas educacionais e sociais que reduzam as desigualdades sociais. Mas, e
como fica o corpo gordo nesse contexto? E diante de um momento histórico cujos
padrões de saúde e bem-estar são impostos por uma indústria cultural que -
esteticamente - segrega os corpos não padronizados? Como a escola pode atuar no
sentido de tornar o debate emergente e desconstruir o estigma atrelado ao corpo
gordo?
Historicamente, Fleck e Dillmann (2021) reconhecem que o ato de comer e as
relações o corpo gordo nem sempre foram da forma que se apresenta. Segundo os
autores, diversos significados foram atribuídos ao longo da história, variando em
função do tempo, espaço e das experiências culturais das sociedades que existiram. A
Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40, p.91-105 ISSN 1807-6211 92
João Paulo Cunha Parada Francisco
José Figueiredo Coelho
gula, por exemplo, assumiu diferentes conotações, próximas e/ou distantes se
considerarmos os discursos médicos e religiosos.
Assim como, no período medieval, o corpo possuía diferentes reconhecimento
e interpretações. Para Souza e Gonçalves (2021b), o corpo denunciava que o indivíduo
exercia atividades na área da agricultura. no âmbito religioso, existia uma
desaprovação do culto ao corpo na forma de afeição, considerado como algo profano.
E, dessa forma, a robustez ou a magreza de um corpo também foram
moduladas. Nesse caminho, Coelho, Santos e Silva (2022) e Souza e Gonçalves (2021b),
reconhecem que o corpo gordo foi exaltado, sendo símbolo de fartura e riqueza
financeira, e que ao longo da história começou a ser estigmatizado.
De forma geral, tanto para esses autores quanto para Fleck e Dillman (2021),
especificamente no século XIX, o êxodo rural trouxe uma urgência para repensar o ato
do comer, da gula e de como o corpo gordo se estabelecia nas interações sociais e que
de alguma forma auxiliam a compreender a repulsa que esse corpo passou a
assumir.
Diante dos trabalhos de Fleck e Dillmann (2021), Souza e Gonçalves (2021b),
Coelho, Santos e Silva (2022), Parada e colaboradores (2023), têm oferecido reflexões
que nos auxiliam a entender toda a conjuntura depreciativa que o corpo gordo foi/é
submetido. Segundo eles, o processo de estigmatização do corpo gordo foi
intensificado pelo desenvolvimento da indústria cultural que, no intuito de estimular o
consumo alimentar, intensificou também a visão hegemônica do corpo magro superior
ao gordo. Escalonando mecanismos de padronização do corpo magro ou atlético como
corpo ideal, bonito e saudável e amplificou o estigma do corpo gordo como doente,
feio e filiado ao ato de comer sem controle (SOUZA; GONÇALVES, 2021a; PARADA,
COELHO; SILVA, 2023). Na visão de Souza e Gonçalves (2021b) essa indústria cultural
padroniza os corpos em função do capital, posicionamento próximo ao sinalizado por
Coelho, Santos e Silva (2022).
Com tais aportes, obtemos elementos iniciais que contextualizam a evolução do
conceito do corpo gordo e como o mesmo é segregado, a partir de uma perspectiva
sociohistóricocultural. Isso nos auxilia a pensar no desafio que os debates sobre o
corpo gordo, diversidade e qualidade de vida assumem nas práticas educativas,
sobretudo considerando que a gordofobia apresenta impactos de ordem física,
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A GORDOFOBIA EM QUESTÃO: DOS ESTIGMAS À REDUÇÃO
DE DANOS NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS EM BIOCIÊNCIAS E
SAÚDE
psíquica e social na aprendizagem e na vida dos estudantes, como também apontam
Jimenez-Jimenez e Santos (2021).
Diante do que trazemos a aqui - reconhecendo as influências da indústria
cultural na padronização estética que inferioriza o corpo gordo e o reforça como
sinônimo de não ser/estar saudável - convém atentar para os discursos reducionistas
que ainda circulam no espaço escolar. Estes, pautados nas diretrizes de proibição, por
vezes desconsideram o sujeito integral e biopsicossocial (COELHO; MONTEIRO, 2019) e
centralizam as discussões sobre o corpo quase que de forma higienista, reduzindo o
conceito de saúde aos aspectos meramente físicos e resultantes de uma
alimentação. Esse tipo de argumentação é ingênua e alimenta a gordofobia, por vezes
disfarçada como prevenção ou ações de cuidado com o corpo (JIMENEZ-JIMENEZ;
SANTOS, 2021), que, em alguns casos, usa nos discursos sobre o corpo gordo estudos
(por vezes enviesados) da obesidade como justificativa para as estigmatizações.
Diante de tais perturbações, o objetivo desse trabalho é discutir, no viés do
ensino-aprendizagem, a importância do tema gordofobia nas aulas de Ciências e
Biologia a partir dos pressupostos teóricos da Redução de Danos (RD). Apesar de que o
seu uso e origem - ser no campo da saúde médica para reduzir danos causados pelo
consumo excessivo de drogas, algumas pesquisas têm articulado as suas ações para o
campo pedagógico, como a Educação sobre Drogas (COELHO; MONTEIRO, 2020) e o
consumo excessivo de alimentos processados (PARADA, COELHO; SILVA, 2023).
Assim, como a essência da RD é focada na saúde e bem-estar biopsicossocial,
sem utilizar de métodos e discursos de repressão, consideramos a sua ão pedagógica
como um dos caminhos para discutir a gordofobia como prevenção de danos causados
à saúde emocional, mental e social, como também biológica. Sem, no entanto, usar
discursos de coibição verbal ou física a aqueles que acometem a gordofobia que em
alguns casos a realizam de forma estrutural.
Logo, o constructo aqui apresentado articula referenciais teóricos do campo do
ensino para pensar o debate do temário em um alinhamento mais acolhedor,
emancipatório e antissegregador, com o intuito de repensar os estigmas acerca do
corpo gordo e potencialidades e desafios do debate em sala de aula.
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João Paulo Cunha Parada Francisco
José Figueiredo Coelho
Estigmas do corpo gordo
Embora os seres humanos sejam diversos fisicamente, as influências midiáticas
e a própria organização social das escolas e das sociedades favorecem os processos de
padronização, um dos propósitos da indústria cultural, impondo à sociedade um
padrão único e passível de ser modulado para estimular o consumo. As diferenças - em
algum aspecto corporal de uma sociedade, povo ou comunidade - sempre foram (e
ainda são) alvo para exclusão e desvalorização para aqueles que não se encaixam nos
padrões adequados/ aceitáveis. A título de exemplo, sinais corporais eram feitos na
Grécia para identificar algo extraordinário ou status moral de um indivíduo que deveria
ser evitado, como um escravo, criminoso ou traidor (GOFFMAN, 2008).
Erving Goffman (2008) sinaliza que quando o atributo de um indivíduo não
corresponde ao estereótipo aceitável para os demais, este estigma (atributo) é
depreciado. Na ótica do autor, existem diferentes níveis de estigmatização social: a
abominação do corpo (diversas deformidades físicas), culpas de caráter individual
(vontade fraca, crenças falsas, vício etc.) e os estigmas tribais de raça, nação e religião.
A gordofobia, assim compreendemos, deprecia tanto o corpo gordo (por seu excesso
de massa) quanto rotula o sujeito por escolher ter este corpo físico. Em ambos os
casos, culpabiliza o sujeito e descarta todos os determinantes sociais que influenciam
no surgimento do corpo gordo, amparando-se no discurso neoliberal de que a culpa de
ser gordo é, meramente, daquele que é fraco e incapaz de emagrecer.
Ao mesmo tempo que os discursos neoliberais culpabilizam o indivíduo e
buscam tirar cada vez mais o poder do Estado, o corpo gordo é visto como degenerado.
O ser gordo é aquele que incomoda, é indisciplinado com sua alimentação e que não é
adequado para participar de eventos sociais específicos para não gordos. O gordo
vivencia esses comportamentos gordofóbicos desde a sua infância, como uma forma
de punição alimentar, conforme menciona Carpanetti (2022). A criança magra pode
repetir à vontade, significando que é saudável ou come de tudo”, mas a criança gorda
não pode querer repetir a refeição ou deixá-la repetir porque pode transparecer
um descontrole (CARPANETTI, 2022). Para a autora, o inverso pode acontecer quando a
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DE DANOS NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS EM BIOCIÊNCIAS E
SAÚDE
criança por exemplo tem o paladar seletivo, criando-se então uma cogitação de
qual seria a causa ou motivo do seu fenótipo gordo.
Surge então uma dicotomia que classifica, julga, segrega a sociedade em grupos
gordos e não gordos. A rotulação do corpo gordo emerge como algo que não deve ser
reproduzido, quase que um pecado e isso gera, inclusive, dificuldades para conversar
sobre o assunto nas famílias e na escola. Embora nem sempre seja reconhecido como
tabu, o próprio uso do termo gordo/a” costuma ser suavizado pelas expressões
gordinho/a”, como se o uso do termo fosse depreciativo e devesse ser evitado. A
busca dessa sua suavização revela em si a perpetuação dos estigmas do corpo gordo
que, em certo momento, dificultam a abordagem do assunto em seu âmbito educativo.
As descobertas científicas do século XX sobre os perigos da alimentação e
do ato de comer em demasia reforçaram os estigmas filiados ao corpo gordo, tendo em
vista que a gordura corporal passou a ser rejeitada e associada a sinônimo de doença,
fora dos padrões de beleza e falta de autocontrole. Assim, o corpo
magro/malhado/sarado ganhou o título de saudável e belo, que são conquistados pela
prática de exercício físico e alimentação saudável. Essa dimensão é sinalizada no
trabalho de Parada, Coelho e Silva (2023) ao reconhecer como o mercado de alimentos
foi impactado pela indústria cultural através das propagandas dos meios de
comunicação em massa, que influenciam também outros tipos de cultura de consumo,
como os de alimentos processados e fitness.
Em paralelo com essas revelações científicas sobre os alimentos processados, e
em concordância com os aportes de Parada, Coelho e Silva (2023) sobre o impacto das
propagandas da indústria cultural em relação ao consumo, na década de 90 surge a
divulgação e o consumo massivo de medicamentos para emagrecimento, as dietas e
procedimentos cirúrgicos, reforçando uma repulsa ao corpo gordo, conforme apontam
as descobertas de Souza e Gonçalves (2021b) em sua pesquisa.
Como também, de ressaltar a conformidade dessas autoras com Coelho,
Santos e Silva (2022), em relação ao enfoque dado nos diferentes contextos e
momentos históricos ao corpo magro/ atlético e o gordo. De acordo com Souza e
Gonçalves (2021b), nos séculos XVII e XIX, os alimentos, antes considerados como
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José Figueiredo Coelho
fonte de energia ao corpo, passaram a ser retirados ou reduzidos da dieta com o
objetivo de perder peso. Na idade média, o corpo gordo significava poder e ascensão
financeira. A apreciação do corpo marcado pelas curvaturas definidas dos corpos
atléticos, dando indícios de boa saúde e fertilidade eram observadas na Grécia Antiga,
se assemelhando aos tempos atuais. Nessa conjuntura histórica, é observado, um certo
duelo entre os corpos magros/ atléticos com o corpo gordo (SOUZA; GONÇALVES,
2021b).
Convém lembrar que o corpo gordo não surge apenas de uma relação direta
entre o comer, pois esta ação proporciona prazer, bem-estar e está vinculado a
diferentes questões sociais e não apenas à gestão física do consumo. Quer dizer, não se
trata apenas de uma questão de querer ou não comer, mas de determinantes sociais
que estimulam, tensionam e justificam a existência do corpo gordo. Logo, não se trata
apenas de escolhas individuais, amparadas por discursos reducionistas e proibicionistas
(PARADA; COELHO; SILVA, 2023).
A própria cultura fitness é influenciada pela indústria cultural e aporta caminhos
segregadores. É cultural no século XXI se alimentar de uma comida zero carboidrato e
ter um corpo com uma porcentagem mínima de gordura, e como consequência, é
culturalizado rejeitar carboidratos e um corpo gordo. Por isso enfatizamos nesse artigo
as dimensões desse reconhecimento cultural do ato de comer e os estigmas que a ele
foram impostos.
A mídia dita um padrão corporal que deve ser seguido, excluindo aqueles que
têm corpos gordos por não serem atraentes. Embora ao longo das décadas tenham
surgido personagens gordos como o Zé Colmeia, o Fred Flintstone, Homer Simpson,
Shrek etc. Em sua maioria, quando apresentados, costumam ser animalizados
(personagem animal) e carregando comicidade específica. o predomínio do corpo
magro ou atlético com os músculos demarcados nos uniformes nos gêneros
cinematográficos da Disney,Marvel eDC Comics (contemporâneos), reproduzindo o
padrão de beleza e vitalidade não gorda que mencionamos antes. Enquanto o gordo é
às vezes o personagem cômico que vivencia um drama pessoal que justifica a sua
fisionomia. Nos gêneros de super-herói não fogem dessa “regra”, o Thor personagem
da Marvel Studio foi apresentado comicamente com um fenótipo gordo em
decorrência de uma depressão. Logo depois, seu corpo readquiriu a aparência habitual
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DE DANOS NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS EM BIOCIÊNCIAS E
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(escultural) quando retornou para as suas atividades de super-herói (após sair da
depressão). Ou seja, o corpo gordo quando não é associado a doença, é exemplificado
como consequência de uma doença, preguiça ou descuido pela mídia.
Do que discutimos antes, historicamente isso nos ajuda a compreender os
motivos do corpo gordo ser visto como algo fora do padrão e anormal, possuindo seus
respingos nas práticas sociais, sobretudo no espaço escolar. Desde as propagandas de
alimentos ou vestimentas ausentes de protagonistas com sobrepeso ou gordas/os
aos bullyings digitais e presenciais, cabe pensar mecanismos de inclusão para tais
debates nas escolas, reconhecendo o corpo gordo enquanto corpo cidadão e não
objetificado.
Corpo gordo e a gordofobia nos espaços educativos: perspectiva e iniciativas
pedagógicas
Como visto, a partir do dimensionamento histórico oferecido pela seção
anterior, é inevitável não perceber a instauração de uma problemática higienista em
nosso mundo contemporâneo, marcada pelo mito do corpo gordo como um corpo
pouco preocupado com a saúde e com a estética. Isto, de alguma forma, reproduz uma
cultura do corpo gordo como um corpo inferior, como também identificado por Souza e
Gonçalves (2021a).
Diante do contexto anterior, os mesmos autores ressaltam que a gordofobia é
caracterizada em “ações de discriminação de exclusão social e até mesmo de violência,
tendo como pivô o peso do indivíduo” (SOUZA; GONÇALVES, 2021a, p. 6). Nessa lógica,
entendemos que as ações dessa discriminação está presente ao estigmatizar que são
indivíduos com hábito de comerem demais, sedentários, preguiçosos, fracassados por
não conseguirem emagrecer. Todavia os estigmatizadores esquecem que todas essas
características” estão presentes em todos, independente do biotipo.
Jimenez-Jimenez e Santos (2021) apontam que esses tipos de comportamentos
acontecem em todos os lugares e ambientes, e é algo estrutural, que está presente em
todos, independentemente de ser ou não gordo, ou seja, em algum momento as
pessoas foram ou podem ser gordofóbicas. Nessa percepção, cabe considerar o
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João Paulo Cunha Parada Francisco
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entendimento de Ervin Goffman (2008) acerca das discriminações e suas perpetuações
estigmatizantes que produzem - dentro ou fora da escola sequelas de ordem física
(violência contra o corpo gordo), mental e social (bullying).
Atentando-se para um entendimento mais socioantropológico em relação à
gordofobia, é importante reconhecer que a escola tem um papel importante nos
debates contra a segregação. Contudo, convém reconhecer que a escola é um dos
espaços educativos e não deve ser o único espaço a pensar tais questões. Em relação à
gordofobia, reconhecemos que ela pode favorecer frustrações, reduções de
autoestima, motivação para frequentar a instituição e aprender e, nos casos mais
intensos, favorecer inclusive situações de depressão e suicídio. E, embora o trabalho de
saúde mental seja uma responsabilidade dos profissionais qualificados, é possível que
a escola se torne sensível para mobilizar espaços de discussão e sensibilidade que
auxilie na identificação de casos notáveis e, que por vezes, passam despercebidos.
Quer dizer, é possível que a escola assuma um papel redutor de riscos e danos na
medida que explore o debate, reconheça a igualdade dos corpos e estimule reflexões e
formas de pensar e agir centradas no respeito e compreensão da diversidade.
Compreendendo que a escola é um espaço em potência para “promover
medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência,
especialmente a intimidação sistemática (bullying)”37 (BRASIL, 1996), a RD nos parece
um dos caminhos que possibilita reduzir os danos tanto de quem sofre da gordofobia,
como de quem pratica, uma vez que são indivíduos que possuem uma dependência em
reproduzir atos, ações e falas discriminatórias.
Alguns responsáveis negligenciam quando seus filhos relatam as suas
experiências de bullying em relação a gordofobia, e estes replicam a concepção que é
coisas de criança”. De forma semelhante, esse tipo de pensamento acontece com os
profissionais de educação, que em alguns casos culpa a própria vítima
(JIMENEZ-JIMENEZ; SANTOS, 2021). O fato é que muitos não intervém em casos de
gordofobia, e quando faz, simplesmente falam “não importância ao colega”, o que
permite que as autoras reconheçam a fragilidade e os desafios para levar o debate para
a escola, pontuando a dinâmica de naturalização de “um tratamento estigmatizador
37 Artigo 12, inciso IX, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40, p.91-105 ISSN 1807-6211 99
A GORDOFOBIA EM QUESTÃO: DOS ESTIGMAS À REDUÇÃO
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desde a infância com crianças, tendo continuidade na adolescência e fase adulta com
pessoas gordas. (JIMENEZ-JIMENEZ; SANTOS, 2021, p. 6).
Na busca do reconhecimento da diversidade dos corpos e da redução de riscos
e danos dessas práticas vexatórias e segregatórias com os estudantes gordos, algumas
iniciativas têm surgido em diferentes escolas do Estado do Rio de Janeiro, como o
PEPCiências (Projeto de Educação Popular em Ciências) e a Jornada M&S (Mentes e
Saúde), parcerias extensionistas entre as escolas públicas e Instituições de Pesquisa
(UERJ, UFRJ, Fiocruz etc.). Ações extensionistas deste porte dialogam não apenas com
os estudantes, mas também com os docentes e demais membros das unidades
escolares, fomentando rodas de debate presenciais e/ou remotas sobre diferentes
questões contemporâneas que envolvam o temário drogas, vulnerabilidades, corpos e
sexualidade a partir de uma ótica centrada da RD, como comentamos na seção
anterior.
Parte dessas iniciativas nas escolas promovem debates ou se baseiam em ões
que visam reduzir os riscos e os danos de ações deletérias diante do tema. Uma dessas
ações é o projeto lute como uma gorda38, com o propósito de pensar o corpo gordo e
refletir na origem e desdobramentos que as práticas vexatórias assumem para além
das universidade e da escola. Assim, surgiu o livro paradidático39 (para todas as idades)
lute como uma gordinha, com a finalidade de informar e exemplificar as atitudes,
ações e consequências da gordofobia na infância com os exemplos do cotidiano escolar
das estigmatizações do corpo gordo de uma menina negra (Figura 1)
(JIMENEZ-JIMENEZ; REIS; GOMES, 2022).
39 Livro disponível em: https://aic.org.br/saberes-compartilhados/lute-como-uma-gordinha/
38 Disponível em: https://lutecomoumagorda.net/sobre/
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João Paulo Cunha Parada Francisco
José Figueiredo Coelho
Figura 1 Capa do livro Lute como uma gordinha
Fonte: JIMENEZ-JIMENEZ; REIS; GOMES, 2022
Outra ação de extensão que surgiu do projeto Lute como uma gorda é a
PESQUISA GORDA - Grupo de Estudos Transdisciplinares das Corporalidades Gordes no
Brasil. Pontualmente a ação tem o propósito de desenvolver, incentivar e tornar
acessível os estudos sobre a temática da gordofobia, como e para também, promover a
divulgação científica.
Atualmente, o debate acerca das segregações nas escolas têm se alastrado, não
apenas nas ações mencionadas, mas com iniciativas esparsas em vários municípios do
país. Contudo, notamos três condições importantes a sinalizar acerca da inserção dos
movimentos antigordofobia nas escolas. A primeira é acerca da frequência desses
eventos. Por vezes se tornam ações estanques e que não se renovam, deixando de
propiciar momentos constantes de escuta e conversa com os jovens.
Um segundo ponto é a dinâmica específica apenas com os escolares, que deixa
de incluir os pais e responsáveis ou a comunidade escolar como um todo. Convém
lembrar que parte das ações de agressão e violência física e emocional com o corpo
gordo não se inicia na escola.
Um terceiro ponto é acerca da perspectiva pedagógica que se adota nessas
ações, que assumem o debate da gordofobia com viés criminal e caminho intimidador,
ou seja, algumas atitudes por parte dos docentes é criminalizar o ato advertindo quem
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praticou, o que pode dar esperança aos agredidos, mas não necessariamente inibe o
agressor. Por isso, partir da RD, enquanto caminho educativo nos parece mais tangível,
como apontado nos trabalhos de Coelho e Monteiro (2020) e Parada, Coelho e Silva
(2023).
Em outros termos, ao invés de adotar uma postura de advertência, o caminho
do diálogo pedagógico sobre os atos impensados e estigmatizados que algumas vezes
pode ser estrutural da gordofobia com os agressores, sem excluir os agredidos, pode
ser um caminho promissor baseado em uma educação emancipatória, buscando
favorecer que os jovens vejam o corpo alheio como um corpo vivo, humano e capaz de
sentir e se expressar. Por tal motivo, acreditamos que pensar na RD enquanto
referencial teórico e pedagógico pode favorecer visões de mundo menos
segregadoras e reduzir a circulação de pensamentos agressivos e violentos em torno de
temas considerados tabus.
Acreditamos existir uma linha ténue que difere o corpo gordo da obesidade de
acordo com o índice de massa corpórea (IMC). Não podemos ser negacionistas com os
estudos da fisiologia da obesidade, que é ocasionada pelo desequilíbrio energético
entre calorias consumidas e gastas, fatores genéticos, ambientais, comportamentais e
socioculturais (HERNANDES; VALENTINI, 2010).
O fato é que parece frágil pensar em levar o tema gordofobia, assumindo
referenciais meramente biológicos sem conexão com outros entendimentos sociais.
Por isso, uma perspectiva importante dos pressupostos da RD é a não generalização e o
entendimento das subjetividades da pessoa gorda. O discurso alastrado e incisivo de
que as pessoas gordas e obesas são as que desenvolverão doenças crônicas
não-transmissíveis (DCNT) (OMS, 2021) deve ser relativizado e cuidadoso. De fato, as
pessoas obesas podem ser mais suscetíveis, mas não podemos descartar que todos os
indivíduos estão isentos, uma vez que podem apresentar algum déficit ou excesso
nutricional, ou por fatores mencionados, o que podem aumentar mais os estigmas e
falácias ao invés de educar e orientar para a qualidade de vida.
Embora tenhamos trazidos nesse artigo alguns exemplos de ações que
potencializam o debate da gordofobia na escola, reconhecemos a escassez de projetos
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e trabalhos nas salas de aula. Dessa maneira, elucidamos sobre a necessidade de
articular o tema nas aulas de Ciências e Biologia com o intuito da promoção e
sensibilização coletiva e individual dos cuidados da saúde integral, ou seja, no âmbito
biológico, mental, emocional e social, e o respeito ao aspecto cultural do indivíduo
gordo e não gordo, ao mesmo tempo possibilitará (re)pensar na discriminação que
existe no discurso gordofóbico.
Considerações Finais
O constructo apresentado teve a intenção de dialogar com algumas produções
científicas a fim de pensar desafios sobre a discussão sobre a gordofobia nas escolas,
especialmente no campo do ensino das Biociências e Saúde. A gordofobia quando é
trabalhada na escola, assim pensamos, pode se converter em uma experiência de troca
de saberes, buscando sensibilizar os estudantes e a comunidade escolar para um
entendimento mais social do corpo, seja ele possuir qualquer forma ou cor. O respeito
às diversidades é o caminho fundamental.
Nessa perspectiva, acreditamos que a discussão da antigordofobia apoiada na
RD pode ser um caminho para criar um diálogo emancipatório, participativo,
informativo e acolhedor aos estudantes no intuito de estimular o debate sobre as
corporeidades e o respeito aos corpos múltiplos. Nessa dinâmica, sensibilizar os
estudantes para o reconhecimento e existência dos estigmas sociais, dos
comportamentos estereotipados e de toda a dinâmica de violência (culturalmente
estabelecida) que envolve o corpo gordo e outros corpos segregados parece corroborar
com uma educação mais emancipatória e redutora de desigualdades que surgem na
escola.
É importante que os debates sobre o corpo gordo e a gordofobia abram espaço
para o reposicionamento social e para a reflexão coletiva sobre as diferentes agressões
que ocorrem antes, durante e depois da vida escolar. Nesse aspecto, reconhecemos a
importância de vincular a RD com o Ensino em Biociências e Saúde por estarem
envolvidas em práticas que tem o foco na promoção da saúde e no bem-estar integral
do indivíduo, como também no aspecto cultural, pois são áreas que compreende o
indivíduo como um ser integral, e não somente biológico. Em vista disso, pensamos em
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DE DANOS NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS EM BIOCIÊNCIAS E
SAÚDE
uma pedagogia para as disciplinas de Ciências e Biologia que possibilite estimular
debates antissegregatórios e participativos dos alunos sobre a igualdade dos corpos,
respeito e entendimento que um indivíduo é formado pelo contexto
biopsicossociocultural.
Cabe ressaltar, que não tivemos a intenção de romantizar (suavizar) a obesidade
com os aportes sobre a gordofobia. Entendemos que a obesidade é um assunto que
merece atenção no setor da saúde médica biológica da mesma forma que a
desnutrição. Trata-se de um assunto que é discutido e comprovado por embasamentos
das pesquisas científicas na área da fisiologia humana. Desqualificar essas pesquisas é
ir de encontro ao negacionismo científico.
Agradecimento
Agradecemos ao Grupo de Pesquisa Educação e Drogas (GPED) da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), especialmente a Prof Dra. Georgianna Silva dos
Santos que realizou a revisão do artigo.
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Data do envio: 26/06/2023
Data do aceite: 13/09/2023.
Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40, p.91-105 ISSN 1807-6211 105
TÉCNICOS EM ASSUNTOS EDUCACIONAIS: DIRETRIZES PARA ATUAÇÃO
NOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
TECHNICIANS IN EDUCATIONAL SUBJECTS: GUIDELINES FOR WORK AT
THE FEDERAL INSTITUTES OF EDUCATION, SCIENCE AND TECHNOLOGY
tia Felix da Silva40
Ana Paula Furtado Soares Pontes41
Resumo
O estudo analisa diretrizes para atuação do técnico em assuntos educacionais (TAE) de
três Institutos Federais (IFs), diferenciando-o do cargo de pedagogo. A pesquisa,
exploratória e descritiva, seguiu a abordagem qualitativa com levantamento
bibliográfico e documental. Os achados apontam aproximações e distanciamentos
entre as resoluções dos IFs e destas com o que prevê o Ofício Circular 015/2005 do
Ministério da Educação (MEC), destacando especificidades do cargo em relação a
campos, a eixos de atuação e a atribuições. Concluímos que o debate pode contribuir
para o desenvolvimento profissional e identitário dos TAEs, a partir do olhar sobre
esses sujeitos com formações e trajetórias tão diversas, bem como para a sua
integração efetiva no campo da atuação técnico-pedagógica.
Palavras-chaves: Técnico em assuntos educacionais. Diretrizes de atuação. Atribuições
do cargo.
Abstract
The study analyzes guidelines for the performance of the technician in educational
matters (TAE) of three Federal Institutes (IFs), differentiating him from the position of
pedagogue. The research, exploratory and descriptive, followed the qualitative
approach with bibliographic and documentary survey. The findings indicate
approximations and distances between the resolutions of the IFs and these with what
is provided for in Circular Letter of the Ministry of Education (MEC), highlighting the
specificities of the position in relation to fields, axes of action and attributions. We
conclude that the debate can contribute to the professional and identity development
of the TAEs, from the perspective on these subjects with such diverse backgrounds and
trajectories, as well as to their effective integration in the field of technical-pedagogical
action.
Keys words: Technician in educational subjects; Guidelines for action; Duties of the
position.
41 (Orientadora) Docente do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Gestão e Avaliação da
Educação Superior (PPGAES/UFPB). Líder do Grupo de Pesquisa Trabalho, formação e educação superior.
E-mail: anaufpb@gmail.com. Telefone: (83)996137978. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8992-9091.
40Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Gestão e Avaliação da Educação
Superior (PPGAES/UFPB). Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho, formação e educação superior.
Bibliotecária Documentalista do IFPB. E-mail: ks.5253jp@gmail.com. Telefone: (83) 986190803. ORCID:
https://orcid.org/0009-0006-1874-0439
Revista Aleph, Niterói, Julho, 2023, nº40, p. 106-127 ISSN 1807-6211 106
TÉCNICOS EM ASSUNTOS EDUCACIONAIS: DIRETRIZES PARA
ATUAÇÃO NOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E
TECNOLOGIA
Introdução
No Brasil, as Instituições Públicas de Ensino Superior se destacam como espaços
de ensino, de pesquisa e de extensão, contribuindo para a criação e a divulgação do
conhecimento nas mais diversas áreas. Configuram-se como alicerce para formação
profissional, ofertando cursos de graduação e/ou de pós-graduação.
O ano de 2008 foi marcado por mudanças significativas no contexto da
educação profissional, com impactos na educação superior, a partir da promulgação da
Lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008, que instituiu a Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica (EPT) e criou os Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia, dando sequência a um processo de expansão dessas instituições
num ritmo sem precedentes.
Para se ter uma ideia da expansão e interiorização dessas instituições federais
de EPT, identificamos, em 2018, mais de 500 novas unidades construídas, ou seja, mais
do que o previsto no início das 3 fases de expansão, que era um total de 400 novas
Unidades de Institutos Federais.
Os Institutos Federais são instituições de educação superior, básica e
profissional, pluricurriculares e multicampiespecializadas na Educação Profissional e
Tecnológica (EPT), ofertada em diferentes modalidades, além de cursos de Graduação,
Pós-Graduação e projetos de pesquisa e extensão. Segundo Pontes (2012, p. 93), a
criação dos Institutos se deu
[...] a partir do aproveitamento do potencial instalado nos Centros
Federais de Educação Tecnológica (CEFETs), Escolas Técnicas Federais,
Escolas Agrotécnicas Federais e Escolas vinculadas às Universidades
Federais, que aderiram ao modelo de Instituto Federal em resposta à
Chamada Pública MEC/SETEC 002/2007, enviando propostas
conjuntas em cada Unidade da Federação (PONTES, 2012, p.93).
É no âmbito dessa nova institucionalidade que trazemos a discussão sobre as
atribuições dos técnicos em assuntos educacionais (TAEs), cargo específico das
Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). O objetivo deste estudo foi analisar as
diretrizes para atuação desses servidores de alguns Institutos Federais de Educação,
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Ciência e Tecnologia que criaram atos normativos para esse fim, com atenção
específica para o cargo que ocupam. Nesse sentido, o Plano de Cargo e Carreira (PCC),
da categoria dos técnicos em assuntos educacionais, foi criado pela Lei 5.645, de 10
de dezembro de 1970, que estabeleceu diretrizes com classificações de cargos do
Serviço Civil da União e das autarquias federais. O TAE se enquadra no nível de
classificação E.
A pesquisa seguiu uma abordagem qualitativa, sendo desenvolvida por meio
de um estudo exploratório, tomando como fonte documentos normativos para atuação
dos técnicos em assuntos educacionais (TAEs) no âmbito da equipe pedagógica dos
institutos. O levantamento em sites dos IFs permitiu-nos identificar 3 instituições que
desenvolveram resoluções ou documentos orientadores, evidenciando as suas
atribuições e o seu campo de atuação, quais sejam: Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), de Sergipe (IFS), de Roraima (IFRR).
A atuação dos Técnicos em Assunto Educacionais
Atualmente, o ingresso no cargo de técnicos em assuntos educacionais exige
do candidato à vaga disponibilizada em concurso público formação em curso de
licenciatura em Pedagogia ou em licenciaturas diversas reconhecidas pelo MEC.
Conforme o Ofício Circular 015/2005/CGGP/SAA/SE/MEC, os técnicos em
assuntos educacionais, são responsáveis pela coordenação "[...] das atividades de
ensino, planejamento e orientação, supervisionando e avaliando essas atividades, para
assegurar a regularidade do desenvolvimento do processo educativo, bem como
prestar assessoria nas atividades de ensino, pesquisa e extensão” (BRASIL, 2005).
No que tange ao pedagogo, o referido Ofício Circular assim descreve o cargo:
Implementar a execução, avaliar e coordenar a (re) construção do
projeto pedagógico de escolas de educação infantil, de ensino médio
ou ensino profissionalizante com a equipe escolar; viabilizar o
trabalho pedagógico coletivo e facilitar o processo comunicativo da
comunidade escolar e de associações a ela vinculadas. Assessorar nas
atividades de ensino, pesquisa e extensão (BRASIL, 2005, n.p).
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Ao compararmos os cargos, identificamos que o pedagogo é descrito a partir
de ações de natureza mais sistêmica junto à equipe escolar: implementar, avaliar,
coordenar, fazendo-se menção ao seu papel articulador e de assessoria. o TAE atua
no nível da coordenação, da orientação e da avaliação de atividades diretamente
relacionadas ao processo educativo (ensino, planejamento orientação) e na assessoria
do ensino, da pesquisa e da extensão, o que nos permite inferir que tal assessoramento
se volte para o processo em si, agindo mais próximos aos sujeitos envolvidos
(professores), do que no nível sistêmico (política institucional nas respectivas áreas).
Alguns teóricos conseguem identificar certas dificuldades desses profissionais
para desenvolverem as atribuições inerentes ao cargo. Segundo Lewandowiski (2018),
até para os próprios técnicos em assuntos educacionais, bem como, para os gestores e
integrantes da comunidade acadêmica, existe uma falta de clareza sobre as atribuições
do cargo. Corroborando com essa percepção, Sanseverino e Gomes Júnior (2014)
entendem que a ausência de definições sobre as atribuições e a falta de conhecimento
das funções dificultam a atuação desses profissionais.
Apesar de terem suas atribuições pré-definidas por leis e decretos que
assinalam para atividades de natureza pedagógica e processos educativos, a maioria
dos TAEs desempenham atividades predominantemente administrativas nas
instituições públicas de ensino superior, sinalizando para o desvio de função.
Um dos entraves para que os técnicos em assuntos educacionais desenvolvam
suas atribuições sem que haja o desvio de suas funções está diretamente ligado ao seu
pequeno número nas instituições que, como IF, tem ampliado e diversificado o
investimento no campo do ensino, da pesquisa e da extensão, conforme definido pela
Lei 11.982/2008, demandando mais profissionais das áreas diversas.
Outro entrave está relacionado à peculiaridade da formação inicial em
especial para os TAEs formados em licenciaturas diversas à da Pedagogia, as quais
contemplam uma carga horária de formação pedagógica menos densa. Esses
servidores, ao ingressarem em uma Instituição de EPT, depararam-se com demandas
de natureza técnico-pedagógica diversas e com a multiplicidade das ações a
desenvolver no âmbito do apoio ao ensino (da educação básica à pós-graduação),
articulado à pesquisa e à extensão. Tal contexto exige que os técnicos em assuntos
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educacionais contem com suporte institucional em termos de formação continuada,
parcerias e trabalho coletivo sistemático, visando à constante atualização e à
apropriação da especificidade de uma instituição de EPT, diversa do foco de sua
formação voltada apenas para a educação básica.
Assim, é possível inferir que atos normativos que tracem diretrizes para
atuação dos TAEs, ainda mais quando elaborados de forma participativa, podem
contribuir, em alguma medida, para que esses profissionais passem a atuar de forma
mais alinhada às atribuições do cargo, desenvolvendo atividades de natureza
pedagógica e afastando-se do desvio de função.
Outrossim, lançar o olhar sobre a especificidade do cargo a partir da escuta
dos sujeitos possibilita às instituições conhecerem esses profissionais e suas demandas
formativas, para, assim, passarem a investir em iniciativas de formação continuada
consistentes em consonância com o perfil do cargo e a necessidade da instituição.
Nesse sentido, a atenção e o apoio ao TAE podem contribuir no processo de
construção identitária do cargo, compreendendo identidade profissional como um
movimento em que o sujeito “[...] se constrói a partir da significação social da
profissão, da revisão constante dos significados sociais da profissão e da revisão das
tradições” (PIMENTA, 2000, p. 19).
Nessa perspectiva, nosso estudo identificou alguns institutos federais que
instituíram diretrizes para atuação dos técnicos em assuntos educacionais. Sobre essas
instituições que iremos nos debruçar na sequência.
Resolução do Instituto Federal do Pará (IFPA)
O Presidente do Conselho Superior do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Pará (IFPA) instituiu a Resolução 157/2016-CONSUP, de 15 de
setembro de 2016, aprovando as atribuições dos servidores técnico-administrativos
dos cargos de pedagogo e técnico em assuntos educacionais, fazendo distinções que
precisam ser consideradas.
As atribuições dos TAEs podem ser agrupadas por categorias: a)
orientação/assessoria a instâncias diversas do Instituto; b) Participação em instâncias
colegiadas do IFPA; c) Participações diversas; d) Acompanhamento/análise e/ou
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elaboração de pareceres e/ou documentos diversos; e) Planejamento Educacional; f)
Apoio Pedagógico e Formação Continuada de Professores; g) Apoio e Orientação aos
Discentes; h) logística dos cursos. Cabe ressaltar que tal categorização servirá de
parâmetro para compreendermos o nível e o tipo de prevalência das atribuições de
cada cargo, partindo do entendimento de que tais categorias não são estanques, sendo
muitas delas transversais ou articuladas entre si no cotidiano do trabalho desses
profissionais.
De forma sintética, identifica-se que a referida resolução define um total de 32
atribuições para o TAE e 30 para o pedagogo, sendo algumas delas comuns a ambos os
cargos. Porém, a despeito de uma quantidade similar de atribuições, discrepâncias
que precisam ser discutidas. Por ora, cabe observar que diferença na complexidade
das atribuições de pedagogo e TAE, conforme discutiremos na sequência.
Ao considerarmos a categoria orientar/assessorar a instâncias diversas do
IFPA, 5 atribuições comuns para TAES e pedagogos. Destas, 4 estão relacionadas à
assessoria de instâncias envolvidas no desenvolvimento de determinadas políticas:
Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (NAPNE),
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB), Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e
Indígenas (NEABI), Núcleo Docente Estruturante (NDE), Comissão Multidisciplinar e
Colegiado de Curso. Além delas, 1 bem específica: assessoria à Direção de Ensino,
no planejamento da acolhida de alunos ingressantes na instituição, que se mostrou por
demais delimitada, não sendo identificadas outras atribuições em nível de
assessoramento dessa Diretoria por parte desses profissionais conjuntamente.
Diferentemente, a atribuição de "assessorar o Setor de Gestão de Pessoas no
planejamento da acolhida de servidores ingressantes na instituição" ficou restrita ao
cargo de pedagogo, o que nos permite inferir que, de certa forma, a sua formação
inicial (Pedagogia) possa ter interferido nessa definição, pois o TAE pode ter concluído
licenciaturas diversas (Letras, Matemática, Biologia, Geografia etc.), formações
historicamente marcadas pelos conteúdos culturais-cognitivos, em detrimento dos
pedagógico-didáticos, relevados a uma menor importância (SAVIANI, 2009). Para uma
aproximação do conteúdo da formação do pedagogo e sua abrangência, destacamos o
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que apontam as Diretrizes Curriculares CNE/CP nº1, de 15 de maio de 2006, sob risco
de revogação42:
Art. Nos termos do projeto pedagógico da instituição, a
integralização de estudos será efetivada por meio de:
I - disciplinas, seminários e atividades de natureza
predominantemente teórica que farão a introdução e o
aprofundamento de estudos, entre outros, sobre teorias
educacionais, situando processos de aprender e ensinar
historicamente e em diferentes realidades socioculturais e
institucionais que proporcionem fundamentos para a prática
pedagógica, a orientação e apoio a estudantes, gestão e avaliação de
projetos educacionais, de instituições e de políticas públicas de
Educação;
II - práticas de docência e gestão educacional que ensejem aos
licenciados a observação e acompanhamento, a participação no
planejamento, na execução e na avaliação de aprendizagens, do
ensino ou de projetos pedagógicos, tanto em escolas como em outros
ambientes educativos (BRASIL, 2006).
Nessa perspectiva, merece atenção ainda o fato de que as demais atribuições
relacionadas à ão de assessorar sob a responsabilidade exclusiva do pedagogo se
referem a âmbitos de atuação mais sistêmicas, envolvendo ações mais abrangentes:
"assessorar os processos de avaliação institucional, autoavaliação e de avaliação de
cursos referente à dimensão pedagógica" e "Organizar, orientar e assessorar o tripé
ensino, pesquisa e extensão", sendo essa última definida para o TAE da seguinte forma:
Assessorar nas atividades de ensino, pesquisa e extensão".
Diante tal distinção, é possível compreender que o pedagogo possui o papel
articulador das ações na perspectiva da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão, em nível de política institucional, por isso sistêmica, em contraposição à
assessoria prestada pelo TAE, que tenderia a ser direcionada à atividade em si, seja ela
ensino, pesquisa ou extensão. Assim, ao que sinaliza o texto, TAE atuaria na ponta,
junto ou próximo ao professor-pesquisador.
42 Sem pretendermos aprofundar a discussão, dado o foco da nossa pesquisa, cabe ressaltar que o risco
de revogação da referida Resolução está relacionado à discutível e à controversa Resolução CNE/CP
nº2/2019, que instituiu a Base Nacional Comum para formação inicial de todos os professores de
educação básica e a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica
(BNC-Formação). Em meio à resistência de entidades acadêmicas e universidades públicas brasileiras à
essa Resolução e à defesa da Resolução anterior - CNE/CP 2, de de julho de 2015, o Conselho Pleno
do CNE, em outubro de 2022, expandiu o prazo limite de 3 (três) para 5 (cinco) anos para que as
Instituições de Educação Superior, que implementaram a Resolução de 2015, procedam as adequações
de seus currículos de licenciaturas às competências profissionais previstas na nova Resolução, o que gera
expectativas de ampliação do debate e novos embates.
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Outra atribuição de "assessorar as ões das políticas de Assistência
Estudantil" do pedagogo é também reconfigurada para o TAE, aparecendo como
"participar nas ações das políticas de Assistência Estudantil", o que denota um espaço
de maior protagonismo para o pedagogo nesse âmbito, sendo mais restrita à esfera de
atuação do técnico em assuntos educacionais.
Tal destaque também se faz perceber nas atribuições relacionadas à
participação em instâncias colegiadas, sendo previsto apenas que o pedagogo participe
de Colegiados de Curso e "como membro nato da comissão de construção e
atualização do Projeto Político-Pedagógico do Campus".
Da mesma forma, em termos de participações diversas, o pedagogo tem como
atribuições exclusivas participar de "reuniões junto à Direção de Ensino e Coordenação
de Curso, no tocante às ações pedagógicas"; "auditorias do ensino, quando
demandado"; "planejamento e organização do calendário acadêmico em conjunto com
a Direção de Ensino do Campus ou setor equivalente, bem como acompanhar e emitir
parecer quanto ao seu cumprimento de acordo com a legislação vigente" e da
"organização do planejamento pedagógico em conjunto com a gestão do ensino,
pesquisa e extensão”.
Quanto ao TAE, a participação na organização do planejamento pedagógico é
também sua atribuição, mas apenas "em conjunto com a Direção de Ensino", deixando
as esferas da pesquisa e da extensão de fora, o que contraria a perspectiva da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, mais relacionada ao papel do
pedagogo, conforme ressaltado anteriormente.
As atribuições relativas ao acompanhamento, à análise e/ou à elaboração de
pareceres e/ou documentos diversos exclusivas do pedagogo foram mais sistêmicas:
"acompanhar a implantação de políticas públicas educacionais no âmbito do IFPA";
"analisar e emitir parecer técnico-pedagógico acerca da implantação das políticas
públicas de ensino e sobre o desenvolvimento do processo didático no tripé ensino,
pesquisa e extensão" e "acompanhar, avaliar e realizar estudos a partir dos relatórios
de desempenho acadêmico de discentes e docentes, extraídos do Sistema Integrado de
Gestão de Atividades Acadêmicas".
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as atribuições relativas a essa categoria que são exclusivas do TAE
referem-se a "analisar e acompanhar o processo didático no tripé ensino, pesquisa e
extensão" e "contribuir e/ou elaborar projetos, relatórios, pareceres e documentos
específicos na área educacional". Tais atribuições denotam uma generalização com
foco na colaboração junto aos professores e/ou elaboração propriamente dita de
documentos necessários ao processo de ensino, pesquisa e extensão. Articulando as
duas atribuições, compreendemos que suas funções vão desde a análise e o
acompanhamento dos processos de natureza pedagógica à elaboração de documentos
da área com os professores ou sobre os processos por eles desenvolvidos.
Quanto às atribuições comuns ao pedagogo e ao TAE, identificamos três:
"analisar e emitir parecer técnico-pedagógico sobre Projeto Pedagógico de Cursos
ofertados pelo IFPA em todos os níveis e modalidades de ensino, bem como por
programas educacionais, projetos e convênios"; "analisar e divulgar os dados
estatísticos em sua área de atuação (na área educacional)" e "elaborar, organizar e
zelar por documentos e relatórios em sua área de atuação". Tais atribuições resultam
dessa nova institucionalidade, que, a partir de 2008, como Instituto Federal, é
prevista a ampliação e diversificação do seu investimento no campo do ensino, da
pesquisa e da extensão, demandando um trabalho diferenciado por parte dos
profissionais da equipe pedagógica.
Na categoria planejamento educacional, identificamos duas atribuições que
são apresentadas de forma diferenciada para o TAE e o pedagogo. Referem-se às
reuniões com os pais ou os responsáveis e com os representantes de turma, cabendo
ao pedagogo planejar e participar. ao TAE, cabia apenas participar.
Nesse âmbito, encontramos apenas uma atribuição que é comum aos dois
cargos: "planejar ações pedagógicas considerando os relatórios e dados levantados
pela gestão do ensino e pela Comissão Própria de Avaliação (CPA) do campus [...]".
Trata-se de uma atribuição com elevado nível de complexidade, dada a necessidade de
se analisar relatórios e dados relativos aos cursos do campus em questão para, assim,
planejar ações voltadas à superação dos pontos críticos levantados. Ao mesmo tempo,
considerando o volume de informações geradas a respeito dos diversos cursos
existentes no IFPA, é previsível a necessidade de TAE e pedagogo compartilharem tal
atribuição.
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No que se refere às atribuições exclusivas do TAE, identificamos 3: "planejar e
desenvolver pesquisas referentes a aspectos pedagógicos e ao acompanhamento dos
índices de retenção e evasão na educação, em âmbito institucional"; "propor ações
para a integração entre a família, a escola e a comunidade no âmbito do ensino,
pesquisa e extensão" e "planejar, desenvolver e coordenar cursos e eventos de
capacitação". Tais ações são igualmente complexas, implicando o domínio de temáticas
distintas, que extrapolam as contempladas em sua formação inicial, o que pressupõe a
necessidade de investimento em formação continuada.
Outrossim, é importante destacar que mesmo a Pedagogia quando trata de
temas como evasão, planejamento de cursos, relação escola e família, o faz de forma
contextualizada, com foco na educação básica. Dessa forma, não é considerada a
complexidade de uma instituição como o IF, com um universo tão amplo de áreas de
atuação em termos de ensino, de pesquisa e de extensão. Tais referências nos
remetem ao entendimento de que a formação continuada para pedagogos e TAEs seja
fundamental, bem como a parceria e a prática partilhada entre eles.
Ao considerarmos o apoio pedagógico e a formação continuada de
professores, as atribuições exclusivas do pedagogo foram "orientar coordenações de
curso e corpo docente quanto ao processo de ensino-aprendizagem [...]",
especificando as dimensões considerar; "orientar professores de forma a adequar o
seu trabalho aos objetivos da instituição e aos fins da educação" e "participar na
elaboração e orientar o uso adequado de materiais didático-pedagógico". Tais
atribuições do pedagogo têm uma dupla inserção no campo da formação, com a
orientação dos professores e coordenadores do curso para que o trabalho pedagógico
atenda aos objetivos institucionais em consonância com a política educacional do país,
assim como do material didático, o qual poderá ser elaborado com sua participação,
além de ele orientar o docente sobre sua utilização.
Tais atribuições se relacionam à formação e ao apoio pedagógico aos
docentes, que ganham especial destaque se considerarmos que muitos professores dos
Institutos Federais são bacharéis de formação, além de licenciados em áreas diversas
que, apesar de seus cursos contemplarem uma carga horária destinada à formação
pedagógica, eles necessitam de formação continuada para se "adaptarem" ao perfil de
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cursos de uma instituição de educação profissional, bem diferente da realidade das
escolas de educação básica, vez que muitos deles passaram ou se prepararam para
nela atuar.
Diferentemente, a atribuição que assume uma perspectiva de formação
continuada é a de "promover ações formativas para o aperfeiçoamento da prática
pedagógica, de forma a contribuir para formação continuada de docente [...]", sendo
esta de responsabilidade compartilhada entre pedagogo e TAE. Assim, inferimos que as
duas atribuições exclusivas do pedagogo, as quais nos referimos anteriormente
possuem um caráter mais orientador e norteador da proposta pedagógica do IF e do
seu alinhamento à política educacional institucional e nacional, sendo a formação
continuada propriamente dita de responsabilidade da equipe pedagógica como um
todo: pedagogos e TAEs.
Em contrapartida, verificamos que a maior parte das ações de formação é
atribuída ao TAE, quais sejam: "acompanhar e orientar os docentes no planejamento,
na execução e na avaliação do processo ensino-aprendizagem"; "coordenar e
incentivar a prática de estudos que contribuam para a apropriação de conhecimentos
dos docentes [...]; "orientar os docentes quanto ao processo ensino-aprendizagem, em
conjunto com os coordenadores de curso/área e os demais profissionais da equipe
Pedagógica" e "orientar a aplicação da legislação educacional vigente". Observa-se,
assim, que as ações mais sistemáticas e próximas ao docente ficam a cargo do TAE,
remetendo à ideia de que, nesse âmbito, o pedagogo atua mais em nível sistêmico.
De forma similar, quanto à categoria "apoio e orientação aos discentes", das 6
atribuições existentes, apenas 1 delas fica a cargo do pedagogo: "orientar e
acompanhar o corpo discente quanto ao processo de ensino-aprendizagem, de acordo
com os regulamentos do IFPA, juntamente com os demais profissionais da Equipe
Pedagógica." As 5 restantes são de responsabilidade do TAE, envolvendo ações
relacionadas à identificação de estudantes com dificuldades de aprendizagem e
encaminhamentos para fins de recuperação; casos de estudantes com problema de
assiduidade [...]; atendimento e encaminhamentos necessários a estudantes com
problemas de ensino-aprendizagem e frequência; orientação sobre estratégias de
aprendizagem e técnicas de estudos para estudantes e identificar discentes com algum
tipo de deficiência que necessitem de atendimento especializado, sendo uma ou outra
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dessas ações definidas em parceria com docentes ou instâncias pertinentes (assistência
estudantil, equipe pedagógica, coordenação de curso). Nesse sentido, não obstante a
Resolução do IFPA definir que dessas 5, 3 ões sejam previstas de ocorrer junto a
outros profissionais, cabe ao TAE desenvolvê-las, sendo dele tais atribuições.
Por fim, na categoria logística dos cursos, identificamos duas 2 atribuições,
ambas de responsabilidade exclusiva do TAE, sendo redigidas de forma a suscitar
contradição: "organizar a logística dos cursos e atividades relacionadas com a
secretaria escolar" e "contribuir na organização e logística dos cursos e atividades
relacionadas à secretaria acadêmica". Entretanto, são atribuições que se
complementam, dando a entender que cabe ao TAE não apenas contribuir, mas
organizar os cursos e sua logística, bem como as atividades relacionadas à secretaria
escolar, ações que se aproximam muito de atividades de natureza administrativa.
Daí, compreendemos que as atribuições do TAE podem se dar no nível
sistêmico - da política institucional, quando assim convém, mas, em especial, detêm-se
sobre o nível de implementação das políticas educacionais do Instituto, devendo esse
profissional atuar mais diretamente junto aos diversos sujeitos envolvidos na
materialidade dessas ões (ensino, pesquisa e extensão) e em seus beneficiários os
estudantes.
Quanto à identificação do envolvimento do pedagogo em atribuições de
natureza mais complexas e em nível sistêmico, com responsabilidades mais amplas que
o TAE, pressupomos que isto se devido ao fato de o curso de Pedagogia ser a
graduação que forma os especialistas em educação, segundo o define a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Lei 9.394/1996, em seu Art.64:
A formação de profissionais de educação para administração,
planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a
educação básica, será feita em cursos de graduação em pedagogia ou
em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino,
garantida, nesta formação, a base comum nacional (BRASIL, 1996,
n.p.).
Outrossim, ao considerarmos que o IFPA foi criado em 2008, passando à
condição de instituição de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e
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multicampi, os desafios se ampliaram. A instituição passa a investir em diferentes
modalidades de ensino, além de realizar pesquisas aplicadas, desenvolver atividades
de extensão e ministrar diversos cursos superiores de graduação e pós-graduação. Tal
contexto requer profissionais que possuam formação adequada e comprometimento
para o desenvolvimento de ações inovadoras no campo da observação, da análise, do
estudo, da diagnose, da pesquisa, do planejamento, da implementação e da avaliação
de processos educativos, seguindo princípios, concepções e critérios pertinentes a
diferentes áreas do conhecimento, sendo temáticas em maior ou menor grau
contempladas no curso de Pedagogia, conforme assinala a Resolução CNE/CP 1, de
15 de maio de 2006, que assim define o perfil profissional do egresso:
Art. O egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a:
[...] IV - trabalhar, em espaços escolares e não-escolares, na
promoção da aprendizagem de sujeitos em diferentes fases do
desenvolvimento humano, em diversos níveis e modalidades do
processo educativo;
[...] VIII - promover e facilitar relações de cooperação entre a
instituição educativa, a família e a comunidade;
[...] XI - desenvolver trabalho em equipe, estabelecendo diálogo entre
a área educacional e as demais áreas do conhecimento;
XII - participar da gestão das instituições contribuindo para
elaboração, implementação, coordenação, acompanhamento e
avaliação do projeto pedagógico;
XIII - participar da gestão das instituições planejando, executando,
acompanhando e avaliando projetos e programas educacionais, em
ambientes escolares e não-escolares;
XIV - realizar pesquisas que proporcionem conhecimentos, entre
outros: sobre alunos e alunas e a realidade sociocultural em que estes
desenvolvem suas experiências não escolares; sobre processos de
ensinar e de aprender, em diferentes meios ambiental-ecológicos;
sobre propostas curriculares; e sobre organização do trabalho
educativo e práticas pedagógicas;
XV - utilizar, com propriedade, instrumentos próprios para construção
de conhecimentos pedagógicos e científicos;
XVI - estudar, aplicar criticamente as diretrizes curriculares e outras
determinações legais que lhe caiba implantar, executar, avaliar e
encaminhar o resultado de sua avaliação às instâncias competentes
(BRASIL, 2006, n.p.).
Em face do exposto, por fim cabe ressaltar que a Resolução do IFPA, ao
estabelecer as atribuições do TAE, distinguindo-as do pedagogo, busca considerar o
que estabelece o Ofício Circular nº015/2005/CGGP/SAA/SE/MEC, que descreve as
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atividades típicas dos cargos, relacionando-o à execução de trabalhos de natureza
pedagógica, a saber: prestar assistência e orientação educacional, sob supervisão e
orientação, em auxílio à supervisão, administração e inspeção das atividades de ensino,
pesquisa e extensão. Diferentemente do cargo de pedagogo, que possui a seguinte
descrição sumária:
Implementar a execução, avaliar e coordenar a (re) construção do
projeto pedagógico de escolas de educação infantil, de ensino médio
ou ensino profissionalizante com a equipe escolar; viabilizar o
trabalho pedagógico coletivo e facilitar o processo comunicativo da
comunidade escolar e de associações a ela vinculadas. Assessorar nas
atividades de ensino, pesquisa e extensão (BRASIL, 2005, s/p).
Pelo exposto, verifica-se que o cargo de pedagogo possui uma descrição mais
abrangente e de maior complexidade, compatível com o que prevê a Resolução do
curso de Pedagogia, em comparação com o TAE, que presta assistência no mesmo
âmbito de atuação, mas sob supervisão e orientação, o que denota um menor nível de
autonomia.
Resolução/Recomendação do Instituto Federal de Sergipe (IFS)
O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe (IFS) instituiu
a Recomendação CD/ IFS 37, de 28 de março de 2022, documento referência para
atuação dos técnicos em assuntos educacionais. Esse documento de caráter
recomendatório foi elaborado pelo grupo de trabalho composto pelos TAEs do
Instituto, instituído por meio da Portaria 3582, de 23 de novembro de 2018, que
criou a Comissão de Elaboração das Diretrizes Institucionais para a atuação desses
servidores. Seu objetivo é orientar a atuação do TAE como especialista em educação,
de forma a evitar "sua subutilização em atividades meramente administrativas" e,
assim, não permitir o desvio de função.
No texto, são apresentadas referências sobre o documento "Considerações
sobre a situação dos técnicos em assuntos educacionais", de 1979, elaborado pelo
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Núcleo de Recursos Humanos do MEC, que apontava distorções em relação ao cargo à
época. Outro aspecto destacado foi se identificar que o TAE não possuía identidade no
trabalho, o que gerava desmotivação desses servidores, além de registrar desvios de
função e a ênfase na realização de atividades administrativas, em detrimento de
atividades de cunho pedagógico.
Diante desse cenário, ainda não superado, o documento do IFS se propõe a
configurar o cargo como especialista em educação, incorporando o TAE no IFS como
membro qualificador do processo ensino-aprendizagem, em conformidade com a
descrição sumária do cargo apresentada no Ofício Circular
015/2005/CGGP/SAA/SE/MEC. Considerando tal princípio, que servirá de referência
para a atuação desse servidor, a Resolução apresenta uma série de atividades possíveis
de serem desenvolvidas, a depender do setor em que o mesmo venha a atuar.
Nesse âmbito, são indicadas áreas de atuação que correspondem ao campo
de atuação dos TAEs, com seus respectivos setores, com atribuições definidas que
servem de referência para sua atuação, em observância ao que prevê o Regimento
Interno e o Plano de ão específicos de cada setor:
a) Gestão de Ensino - Diretoria de Ensino (DEN)/Gerência de Ensino
(GEN)/Gerência de Ensino Técnico (GET)/Gerência de Graduação e Pós-Graduação
(GGRAP);
b) Gestão do Ensino: Assessoria Pedagógica (ASPED); Diretoria de Educação
Profissional e Superior (DEPS-PROEN); Diretoria de Educação a Distância (DEAD-PROEN)
/ Coordenadoria de Ensino a Distância (CEAD);
c) Assistência Estudantil: Diretoria de Assuntos Estudantis (DIAE-PROEN) /
Coordenadoria de Assuntos Estudantis (CAE/COAE).
Semelhante ao TAE, o documento referência para atuação dos pedagogos no
âmbito do IFS também faz a ressalva de que as atividades descritas dependerão do
setor/órgão de lotação ou função que o pedagogo venha a assumir, bem como pelo
quantitativo de pedagogos existentes em cada campus e Reitoria. Entretanto,
diferentemente da Recomendação CD/ IFS 37, de 28 de março de 2022, que trata do
TAE, o referido documento não possui indicação de instância de aprovação, nem data
de aprovação.
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Não obstante, segundo Santos et al. (2019), o documento orientador para a
atuação do pedagogo teve sua construção iniciada em meados do ano de 2011, sendo
a minuta construída discutida com o ingresso de novos pedagogos na Instituição a
partir de 2014, com apoio da Pró-Reitoria de Ensino. As autoras destacam que, em
2017, ocorreu o evento “I Encontro de Pedagogos e Técnicos em Assuntos Educacionais
- TAES do IFS, que proporcionou a discussão sobre a atuação desses profissionais,
parceiros em suas funções. Em seguida, uma comissão própria foi constituída para
consolidação do documento que tratou da atuação do pedagogo, sendo
posteriormente aprovado.
Ao considerarmos seu conteúdo, o documento indica referências para a
atuação do pedagogo no IFS, ancorando-se, dentre outros documentos legais, nas
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do curso de licenciatura em Pedagogia. Assim,
coerente com as DCN e em consonância com o perfil profissional do egresso, sua
atuação se organiza em 3 eixos:
I- Atuação Pedagógica Técnica e Normativa (orientação nos processos relativos
à legislação educacional - planejamento, acompanhamento e/ou avaliação de práticas,
documentos e/ou sistemas relacionados ao ensino e à aprendizagem);
II- Atuação Pedagógica junto ao Corpo Docente (visa ao aprimoramento das
ações de planejamento, pesquisa e acompanhamento de práticas educativas, seguindo
uma perspectiva de educação comprometida com a formação técnica, humanística e
científica);
III- Atuação Pedagógica junto ao Corpo Discente (acompanhamento do
processo de ensino/aprendizagem, visando à permanência e ao êxito dos discentes),
considerando a lotação do pedagogo em setores dos campi ou da Reitoria.
Em face do exposto, compreendemos que a Resolução que trata das
recomendações referentes à atuação dos técnicos em assuntos educacionais se
converteu em um documento referendado pelo Colégio de Dirigentes do IFS, o que nos
remete à possível organização dos servidores e à compreensão de que esta demanda
foi relevante e reconhecida como necessária.
Resolução do Instituto Federal de Roraima (IFRR)
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O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima (IFRR),
instituiu a Resolução 463/2019-CONSUP, em 29 de julho de 2019, que regulamenta
as atribuições das equipes que compõem o ensino da Reitoria e do campus. Nossa
atenção recaiu sobre a equipe Técnico-Pedagógica, constituída por pedagogos e
técnicos em assuntos educacionais, responsáveis pela "articulação dos vários
segmentos da comunidade acadêmica no âmbito institucional de forma a viabilizar o
desenvolvimento da Proposta Político-Pedagógica, por meio do desdobramento das
ações previstas no Plano Anual do âmbito institucional".
A Resolução 463/2019, dentre seus fundamentos legais, ampara-se na
Resolução 01, de 15 de maio de 2006, que institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais dos Cursos de Pedagogia, fazendo distinção entre os cargos, que resulta na
identificação de suas respectivas atribuições, conforme apresentado a seguir:
a) Pedagogo:
- Profissional do magistério que atua na organização e na gestão do ensino;
- É um dos responsáveis por viabilizar o trabalho pedagógico coletivo e facilitar
o processo comunicativo da comunidade acadêmica e de associações a ela vinculadas.
- Implementa a execução, avalia e coordena a (re)construção do projeto
pedagógico de escolas com a equipe acadêmica.
- Viabiliza o trabalho pedagógico coletivo e facilita o processo comunicativo
da comunidade acadêmica e de associações a ela vinculadas.
b) Técnico em assuntos educacionais
- Profissional do magistério que atua na organização e na gestão do ensino;
- É um dos responsáveis por assegurar a regularidade do processo educativo.
- Coordena as atividades de ensino, de planejamento e de orientação,
supervisionando e avaliando estas atividades, para o desenvolvimento do processo
educativo.
As atribuições assumidas pelos TAEs e pedagogos, em observância à descrição
do cargo, variam a depender de onde estão lotados. Na Equipe Técnico-Pedagógica da
Reitoria, a equipe assume atribuições próprias desse nível de atuação sistêmica, sendo
sistematizadas em 11 ações: assessoramento aos campi, às Pró-Reitorias (políticas
institucionais do IFRR- políticas de ensino, pesquisa e extensão nas unidades de ensino)
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e aos demais setores, no que se refere à aplicação e à interpretação da legislação
educacional, de políticas e ações para o acesso, ações de planejamento, orientação,
acompanhamento e avaliação de atividades e ações próprias do processo educativo, a
permanência e o êxito dos estudantes; viabilização e acompanhamento da formação
continuada nos campi; análise e emissão de parecer (Projeto Pedagógico de Cursos,
propostas de calendário acadêmico dos campi); participação na elaboração de editais
de seleção; acompanhamento da atualização da documentação relativa aos cursos
ofertados; condução dos processos de concepção, implementação e cumprimento de
legislações e das políticas educacionais; participação de reuniões de estudos e
planejamento do trabalho pedagógico.
Ao ser lotado nos campi, as atribuições da Equipe Técnico-Pedagógica se
ampliam, chegando a totalizar 28, e se diversificam, com foco em ações mais
diretamente voltadas à implementação da política educacional do instituto em todas
suas esferas (ensino, pesquisa e extensão).
As ações de nível mais complexo se referem ao assessoramento pedagógico,
às coordenações, aos docentes, aos estudantes e aos envolvidos em vários âmbitos
(Diretoria/Departamento de Ensino e Coordenação de Curso; Conselho de Classe e
Colegiado de Curso; NDE, NAPNE). Entretanto, são numerosos e diversos os tipos de
ações requeridas aos TAEs e pedagogos lotados nos campi: acompanhamento (corpo
docente; projetos voltados à permanência e ao êxito de estudantes; cumprimento do
calendário acadêmico; processo ensino e aprendizagem; desenvolvimento curricular e
metodológico do Projeto Pedagógico de Curso; atividades acadêmicas externas);
articulação de processos colaborativos de trabalho (planejamento e coordenação de
reuniões pedagógicas; estudos; atividades didático-pedagógicas; integração e
envolvimento do corpo docente nas atividades propostas pelo IFRR); mediação de
conflitos entre docentes e estudantes; elaboração/produção (recursos didáticos;
pareceres de natureza pedagógica; projetos de ensino; pesquisa e extensão; estudos
e/ou trabalhos técnicos); colaboração (planejamento de ações para reduzir os índices
de evasão e retenção; planejamento do trabalho da equipe técnico-pedagógica;
concepção, implementação e avaliação de programas de pós-graduação); participação
(bancas de seleção de professores efetivos e substitutos; reuniões de estudos;
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comissões de Projetos Pedagógicos de Cursos e de Colegiados dos Cursos Superiores,
além de programas de treinamento, inerentes à função); planejamento (políticas e
diretrizes para ingresso e seleção de docentes, estudantes e servidores
técnico-administrativos); orientação/atendimento (professores, família e estudantes).
A Resolução 463/2016 CONSUP do IFS apresenta atribuições da Equipe
Pedagógica que são pertinentes ao que prevê o Ofício Circular
015/2005/CGGP/SAA/SE/MEC e é ancorada nas Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNs) do curso de Pedagogia. Os membros dessa Equipe serão chamados a atuar em
nível sistêmico ou mais focalizado na implementação das políticas de ensino, de
pesquisa e de extensão, junto aos envolvidos com tais ações, quando lotados na
Reitoria ou campi, respectivamente.
Nesses temos, é de supor que o TAE ou o pedagogo irá atuar segundo às
atribuições da sua unidade de lotação, em observância à descrição de seu cargo.
Entretanto, a considerar sua formação como Pedagogo ou licenciado em área diversas,
ele poderá se engajar no desenvolvimento de ações definidas como de
responsabilidade do seu setor de lotação, podendo, assim, vir a atuar de forma
sistêmica e/ou localizada, independentemente de seu cargo, mas a considerar seu
domínio técnico-pedagógico, construído ao longo de sua trajetória de formação e de
experiências profissionais.
Considerações Finais
A discussão sobre a regulamentação das atribuições do cargo de TAE, por meio
de resoluções, recomendações ou diretrizes no âmbito dos Institutos Federais nos
possibilitou constatar que as atividades dos TAEs atendem à descrição sumária do
cargo de Técnico em Assunto Educacionais, que é apresentada conforme o Ofício
Circular 015/2005/CGGP/SAA/SE/MEC, como responsáveis pela coordenação das
atividades de natureza pedagógica (ensino, planejamento e orientação), por assessorar
as atividades de ensino, pesquisa e extensão, além de supervisionar e avaliar essas
atividades. o pedagogo desenvolve ações de natureza mais sistêmica, com destaque
ao seu papel articulador e de assessoria.
Contudo, a depender das instituições e dos setores em que estejam lotados,
verificamos que, nos documentos normativos das atribuições dos TAEs dos IFs
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consultados, as prerrogativas podem ser mais sistêmicas ou mais localizadas, mais
extensas ou mais restritas, previstas com algumas distinções em relação ao cargo do
pedagogo, ou serem comuns ou partilhadas com esses profissionais.
Consideramos que a ausência de atenção sobre as atribuições dos TAEs pode
gerar o seu envolvimento em atividades de cunho mais administrativo, em detrimento
do seu engajamento em ações de natureza eminentemente pedagógica. Outro aspecto
a destacar é que a indicação de atribuições ao TAE próprias do cargo de pedagogo, que
tem o curso de Pedagogia como formação, pode gerar dificuldades no exercício
profissional daquele servidor com formação em licenciaturas diversas, o que
demandaria formação complementar para que o mesmo pudesse cumprir melhor a
integralidade das ações a ele atribuídas.
Outrossim, caso a atuação do TAE seja pertinente à descrição sumária e às
atribuições exclusivas do cargo de pedagogo, isso poderia ser qualificado como desvio
de função ou gerar conflitos que podem comprometer os objetivos institucionais e
causar insatisfação por parte desses servidores.
A complexidade do trabalho pedagógico dos IFs, sob a responsabilidade de
equipes pedagógicas que atuam em diferentes níveis (Reitoria e campi) e setores
identificados com nomenclaturas diversas, deixa clara sua importância nessas
instituições educativas pluricurriculares e multicampi, que desenvolvem ões de
ensino, de pesquisa e de extensão.
Tal cenário demanda aprofundamento e discussões que venham a ampliar o
debate e contribuir para o desenvolvimento profissional e identitário do TAE e sua
valorização como membro da equipe técnico-pedagógica dos institutos, com
demandas formativas próprias que precisam ser atendidas institucionalmente.
Por fim, compreendemos que o debate precisa ser ampliado, sendo as
normativas apresentadas um importante elemento para discussão. Cabe, ainda, lançar
o olhar sobre esses sujeitos com formações e trajetórias tão diversas, que necessitam
de apoio institucional e sua integração efetiva no campo da atuação
técnico-pedagógica, de forma a superar casos de desvio de função.
Referências
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