V.20, nº 43, 2022 (setembro-dezembro) ISSN: 1808-799 X


Editorial


DITADURA NUNCA MAIS! FASCISMO JAMAIS!1


No meio jornalístico, - o que não é diferente quando se trata de um periódico científico -, os leitores/as e autores/as esperam que um Editorial expresse, na sua essência, a postura política daqueles que veiculam as informações e/ou socializam resultados de pesquisa sobre diversas áreas do conhecimento. No horizonte de um “jornalismo integral”, na concepção de Gramsci (2006), a linha editorial da Revista Trabalho Necessário é clara: “nas sociedades cindidas em classes sociais antagônicas, a produção do conhecimento está sempre vinculada a uma determinada concepção da realidade”2. As ciências não são neutras, constituindo-se como parte integrante de projetos societários em disputa, o que requer de nós o embate político teórico e prático, entendido como trabalho necessário para superação da sociedade capitalista. Esta disputa esteve fortemente presente na atual campanha eleitoral para presidente do Brasil.

Foi por menos de dois pontos percentuais que Luiz Inácio Lula da Silva venceu Jair Bolsonaro no dia 30 de outubro de 2022. O resultado do segundo turno das eleições levou caminhoneiros adeptos ao projeto neofascista da extrema-direita a interditar rodovias no país, e pedir intervenção militar.

Em seu pronunciamento, Lula reafirmou compromissos da campanha eleitoral, sendo o mais urgente, acabar com a fome de 32 milhões de brasileiros. “A roda da economia vai voltar a girar, com geração de empregos, valorização dos salários e renegociação das dívidas das famílias que perderam seu poder de compra”. Ressaltou que, além de comida, o povo quer “liberdade religiosa''. Quer livros em vez de armas. Quer ir ao teatro, ver cinema, ter acesso a todos os bens culturais, porque a cultura alimenta nossa alma”. Disse ainda o presidente eleito que,

1 Editorial recebido em 06/11/2022. Aprovado pelos editores em 07/11/2022. Publicado em 10/11/2022. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v20i43.56434.

2 https://periodicos.uff.br/trabalhonecessario/about.


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ao invés de perpetuar as desigualdades, o crescimento econômico deve ser repartido entre toda a população.

Afirmando não existir “dois brasis” e que “a constituição rege a nossa convivência coletiva”, ressaltou que “este pais precisa se reencontrar consigo mesmo”, enfrentando “sem tréguas o racismo e o preconceito”. Diante de milhares de pessoas que foram comemorar na Avenida Paulista e em outros cantos do país e do mundo, também assegurou ser “possível gerar riqueza sem destruir”. Falou em “pacificação ambiental”, em “desmatamento zero”, sugerindo a criação de um “ministério dos povos originários”, o que levou o Ministro do Meio Ambiente da Noruega a se posicionar sobre a retomada da ajuda ao governo brasileiro para combater o desmatamento na Amazônia, ajuda esta que foi interrompida em 2019 no governo Bolsonaro. Para Lula,


Uma árvore em pé vale mais do que toneladas de madeira extraídas ilegalmente por aqueles que pensam apenas no lucro fácil, à custa da deterioração da vida na Terra. Um rio de águas límpidas vale muito mais do que todo o ouro extraído à custa do mercúrio que mata a fauna e coloca em risco a vida humana.

Quando uma criança indígena morre assassinada pela ganância dos predadores do meio ambiente, uma parte da humanidade morre junto com ela. O Brasil está pronto para retomar o seu protagonismo na luta contra a crise climática, protegendo todos os nossos biomas, sobretudo a Floresta Amazônica.


O novo presidente assegurou que “as grandes decisões não serão tomadas em sigilo”. Mas, frente a um Congresso Nacional deveras conservador, seria ingenuidade acreditar que, para poder governar e combater o fascismo, não seria necessário fazer concessões aos homens de negócio. E é aí onde mora o perigo! Como diz E.P. Thompson (1981), as experiências de classe não são apenas para ser vividas, mas para ser percebidas e modificadas; assim, frente ao neoextrativismo e agronegócio, como frear a produção destrutiva do capital e as políticas econômicas genocidas que avançam sobre os territórios dos povos e comunidades tradicionais? Em que medida a classe trabalhadora do campo e da cidade será capaz de se manter mobilizada para fazer valer suas reivindicações? Que novas estratégias de luta poderão nos levar à construção da hegemonia do trabalho sobre o capital?

No que diz respeito às lutas pela educação pública voltada para as necessidades da classe trabalhadora, o resultado das eleições presidenciais foi um


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passo fundamental, e que possibilita a abertura de um amplo leque de demandas. Sem querer esgotar a agenda progressista e democrática da educação, ressaltamos algumas questões incontornáveis e de caráter estrutural: revogação do Teto de Gastos, rediscussão do Novo Ensino Médio e da BNCC, bem como da BNC-Formação. Por último, devemos organizar o combate a todo entulho reacionário e fascista na educação pública, representado pelas escolas cívico-militares e pela influência de fundamentalistas religiosos no governo federal. Para tanto, faz-se necessário reafirmar o caráter democrático, plural e popular da escola pública. Afinal, conforme nos lembra Adorno (2011), o objetivo crucial da educação após a barbárie fascista deve ser impedir que ela se repita.

Vivemos um processo crescente de mercantilização e sucateamento da saúde, da cultura, da educação e dos demais espaços/tempos das relações sociais. Ainda em relação à educação, como costuma dizer Gaudêncio Frigotto - um dos criadores e membros do conselho editorial desta Revista -, ao invés de preparar para o mercado de trabalho, a escola pública gratuita e laica, bem como os processos educativos em geral deveriam contribuir para o entendimento da lógica perversa da sociedade produtora de mercadorias, que mercantiliza tanto a força de trabalho como as demais forças da natureza.

Odeio os indiferentes, assim dizia o filósofo Antonio Gramsci, em La Città Futura, em 11 de fevereiro de 1917, referindo-se aqueles homens e mulheres cujas lamúrias nos provocam tédio. Por representar “abulia, parasitismo, covardia e, portanto, não ser vida”, a indiferença à política é um “peso morto na História”. Ao ganhar o status de fatalidade, a indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas atua”. Assim, por não estar “à janela a olhar enquanto um pequeno grupo se sacrifica” (s/d, p. 88), importante registar que nossa Revista refuta o ‘negacionismo científico’, o qual contribui para a produção de pós-verdades, asseguradas, dentre outras coisas, por fake news que assolam as redes sociais (e antissociais). Em última instância, o negacionismo configura-se como concepção de mundo e, ao mesmo tempo, como estratégia para fugir das verdades que são desconfortáveis para os grupos sociais que, hoje, se apresentam (e/ou se confundem) com a extrema direita no Brasil, e que caminha rumo à construção da hegemonia cultural do fascismo, em detrimento da democracia socialista e, inclusive da democracia liberal-burguesa.


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Gramsci foi preso na Itália no dia 08 de novembro de 1926, vindo a morrer no dia 27 de abril de 1937, o que significa dizer que, dos 46 anos vividos, passou quase onze anos nos cárceres fascistas. No Brasil, nas eleições presidenciais de 2022, criamos a frente pela democracia, pela vida e contra a utilização da máquina administrativa em nome da ganância do capital. Depois de bradar ‘ditadura nunca mais’ e correr o risco de acelerar o processo de instalação de ditadura fascista, é preciso seguir lutando! Mesmo com a vitória de Lula, o fascismo continua batendo à nossa porta.

É no contexto das eleições presidenciais e dos 30 anos da Eco-92, ocorrida no Rio de Janeiro, que a Revista Trabalho Necessário apresenta aos leitores e leitoras a TN 43 (setembro a dezembro/2022). O número temático sobre Trabalho, natureza e educação ambiental crítica foi organizado pelo Prof. Dr. Alexandre Maia do Bomfim (GPTEEA-IFRJ), com quem tivemos o prazer de viver uma rica experiência de construção coletiva. A coletânea de textos se constitui como grande contribuição para que possamos analisar as relações seres humanos e natureza mediadas pelo trabalho, bem como as lutas de classe, formas de resistência e processos educativos que apresentam perspectivas antagônicas à produção destrutiva do capital.

Desejamos a todos uma boa leitura e muita disposição para a luta!


Lia Tiriba, Jacqueline Botelho e Regis Argüelles da Costa (Editores) Sandra Morais e Mahalia Aquino (Editores Adjuntos)


Referências


ADORNO, T. Educação e emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 2011.


GRAMSCI, A. Indiferentes. In: CAVALCANTI, Pedro Uchoa; PICCONE, Paolo.

Convite à leitura de Gramsci. Rio de Janeiro: Edições Achiamé, s/d, p 86-88.


GRAMSCI, A. Jornalismo. In Os intelectuais. O princípio educativo. Jornalismo. 4ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 195-214


LULA DA SILVA, L. I. Pronunciamento em 30 de outubro de 2022.


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