v. 2 n. 2 (2021): Novas DCNs da Educação Física: perspectivas de unidade da formação ou avanço da fragmentação?

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Editorial

Objetivar o estudo das Diretrizes Curriculares para a formação em Educação Física/DCNs no Brasil pressupõe considerar o contexto social em que essa formação se insere. A partir desse contexto social - e produto dele -, podemos constatar, no percurso histórico das formulações curriculares para a Educação Física, a expressão da disputa entre os interesses distintos e irreconciliáveis das classes sociais. Esses interesses se materializam na particularidade das Diretrizes, basicamente, na polarização da disputa entre os que defendem uma formação ampliada, e que ofereça, de forma generalista, à formação dos professores os conhecimentos referentes ao corpo, produzidos e acumulados pela humanidade socio historicamente, e, no outro polo, os defensores de uma formação fragmentada em duas, a licenciatura e o bacharelado, demandada pelo mercado do trabalho, e a partir da qual são emanados os rearranjos dos conhecimentos referentes ao corpo, delimitando à uma ou a outra área determinados conhecimentos.

A disputa entorno de distintos interesses sociais na formação de professores e professoras de Educação Física perpassa toda a história da formação nessa área, desde as primeiras escolas, militares – as quais delegaram à Educação Física a função de formadora de indivíduos fortes, saudáveis, educados sob os princípios e moral da ordem social hegemônica -, passando por longas décadas de ensino sob os pressupostos técnicos e instrumentais, com raízes na biologia, no positivismo, contribuindo, assim, com a manutenção do status quo.

A primeira polarização entre a formação ampliada e fragmentada se deu em 1987, por meio do Parecer nº 215 e da Resolução 03, do Conselho Federal de Educação, que estabeleceu a formação em licenciatura e bacharelado. Apesar da fragmentação estabelecida poucos foram os cursos de bacharelado criados e a maioria das instituições construiu seus currículos sob a licenciatura plena, de aporte formativo generalista, habilitando docentes a exercerem sua profissão nos diversos espaços sociais de ensino da cultura corporal. Mas, sempre que trazido à baila mudanças no projeto de formação de professores de Educação Física, esses polos são adensados e compostos pela participação de outros colegas, professores e estudantes.

Vale destacar que, em 1998, adentrou a esse campo de disputa, partícipe da equipe fragmentária, e sob auspícios mercadológicos, o Conselho Federal de Educação Física, que, junto ao Ministério dos Esportes, CONDISEF, representantes do Ministério de Educação e outros, após uma série de audiências públicas para discussão e deliberação do temário, sob a justificativa do “consenso possível”, aprovaram a Resolução 07/2004, reforçando a fragmentação entre licenciatura e bacharelado, e que, na prática impossibilitou a formação plena, em curso.

Em 2015 foram retomadas as discussões, a partir dos fundamentos da necessidade de formação ampliada, com indicativo de abertura de audiências para o debate entorno do tema; processo estancado e paralisado, em especial em decorrência do agravamento da crise do capital  e das políticas de tentativa de conciliação de classes terem deixado de ser interessantes à recuperação das taxas de lucros e, portanto, o desferimento do golpe em 2016. E, e em seguida, a adesão à onda conservadora mundial, com o governo federal em curso na época encaminhando modificações na educação – adequando-a, milimetricamente, às necessidades do capital. Na particularidade das Diretrizes para a formação em Educação Física essas alterações se expressaram na forma surpreendente de anúncio do Parecer 548/2018, na não abertura para discussões no conjunto dos docentes e estudantes, apenas com o CONFEF, e aprovação aligeirada da Resolução 06/2018, que reforça a fragmentação e dispõe sobre uma compreensão de formação para o mercado.

Ainda que impossibilitados de participar do processo, diversas ações de lutas e resistências ganham espaço e se organizam em nível nacional. Ações que têm sido implementadas por entidades sindicais, científicas, acadêmicas, estudantis, entre outras, e se levantam contra o projeto dominante que avança com o propósito de forjar um novo perfil docente, moldado pelo ideário liberal de profissionalização do professor sob as exigências do mercado.

Considerando a responsabilidade das Universidades em contribuir com essa discussão, com esse breve histórico, a Revista Fluminense de Educação Física justifica porque acolheu para essa Edição manuscritos que objetivaram o tema das Diretrizes. Assim, os leitores e leitoras encontrarão alguns artigos, resumo de dissertação e entrevista que, por meio de diferentes recortes e matrizes teórico-metodológicas, contendo variadas formas de apreensão desse objeto da realidade social, revelam esforços de pesquisadores/as em auxiliarem a comunidade acadêmica na compreensão do hoje a partir de um processo e, com isso, problematizar o futuro das Diretrizes Curriculares para a formação em Educação Física.

Boa leitura!

 

 

Créditos da capa:

* Arte:  Micheli Ghiggi

* Fotos: 

Foto 1 - Audiência Pública CNE 08 de outubro de 2019.

Fonte: "Todos Pela Educação"- disponível em: https://www.todospelaeducacao.org.br/_uploads/_posts/377.png

Foto 2 - Carta com reivindicações do comitê nacional contra as DCNs da Educação Física ao CNE.

Fonte: Arquivo de fotografias da Secretaria Nacional do Comitê Nacional Contra as Atuais DCNs para a EF.


Foto 3 - Ocupação do CNE pelo MEEF em 2004.

Fonte: Arquivo do Movimento Estudantil da Educação Física.

Publicado: 2021-12-15