Descolonizando o global: perspectivas africanas da literatura-mundo
DOI:
https://doi.org/10.22409/gragoata.v30i67.68047.ptPalavras-chave:
literaturas africanas, literatura-mundo, redes globais, espaços transnacionais, descolonização do cânone e do conhecimentoResumo
Este artigo propõe uma reflexão crítica sobre o lugar das literaturas africanas no campo contemporâneo da chamada literatura-mundo, tal como formulada pelo Institute for World Literature (IWL/Harvard University), com base nas contribuições teóricas de David Damrosch. A análise parte do pressuposto de que a literatura africana contemporânea participa de um duplo movimento: por um lado, reafirma filiações históricas, culturais e linguísticas marcadas pelas lutas de afirmação nacional; por outro, estabelece um diálogo crítico com o sistema literário mundial, ainda operando sob lógicas hierárquicas herdadas da colonialidade.
Tendo como ponto de partida a ideia do “perigo de uma história única” (Chimamanda Adichie), que denuncia os estereótipos e reivindica a reinscrição de vozes africanas em gramáticas transnacionais, o artigo articula uma reflexão teórica sustentada em autores como Dipesh Chakrabarty (Provincializing Europe, 2000), que propõe uma descolonização do pensamento capaz de tornar visíveis outras histórias e epistemologias sem subordiná-las ao modelo ocidental de modernidade; Ngũgĩ wa Thiong’o, cuja noção de “globalética” (Globalectics, 2012) defende a descolonização do imaginário e da linguagem como condição para uma globalização autêntica; e Felwine Sarr, que em Afrotopia (2016) propõe uma modernidade africana fundada em epistemes locais e imaginários de futuro. Em conjunto, essas abordagens apontam para a urgência de reconfigurar os termos de pertencimento global.
A partir dessas premissas, defende-se que os diversos corpos literários africanos devem ser compreendidos não como periferias, mas como centros discursivos capazes de reorientar os modos de pensar o literário, o tempo histórico e o universal. Questiona-se, assim, o modelo de literatura-mundo enquanto sistema de inclusão acrítica e propõe-se uma concepção de globalidade fundada na diversidade radical de cosmovisões e vozes. Conclui-se que o reposicionamento das literaturas africanas não se realiza por meio da assimilação aos parâmetros do centro, mas pela capacidade de formular outras centralidades – enraizadas, plurais e insurgentes. O gesto de “fazer mundo” (world-making) a partir de África é simultaneamente literário, político e epistémico, e impõe a necessidade de repensar as categorias da crítica literária global.
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