Apresentação
DOI:
https://doi.org/10.0000/hoplos.v3i4.38192Resumo
Em 1º de janeiro de 2003, durante a sessão de posse no Congresso Nacional, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que as relações internacionais de seu governo seriam orientadas para “a construção de uma América do Sul politicamente estável, próspera e unida, com base em ideais democráticos e de justiça social”. Em seguida, acrescentou que se comprometeria a fazer “florescer uma verdadeira identidade do Mercosul e da América do Sul”.
Ao elevar a América do Sul à condição de prioridade da agenda de política externa, Lula consolidou um processo que se encontrava em andamento desde a redemocratização dos países da região. É verdade que a ideia de América do Sul e a respectiva restrição geográfica da vizinhança remontam à chancelaria do Barão do Rio Branco. Mas a conversão daquele espaço em um conceito operacional capaz de resultar em medidas concretas de cooperação e de integração é um fenômeno inquestionavelmente mais recente.
No embalo da redemocratização, a superação da rivalidade entre o Brasil e a Argentina abriu as portas para a multiplicação de experiências de abrangência regional. Nesse contexto, a década de 1990 foi promissora. Duas iniciativas de relevo foram justamente a criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (Abacc). Outras propostas, por sua vez, malograram. Foi o caso da Área de Livre Comércio Sul-Americana (Alcsa), idealizada por Itamar Franco para rivalizar com o avanço do projeto norte-americano da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
Ainda assim, a ideia de congregar a América do Sul continuou viva. No ano 2000, Fernando Henrique Cardoso lançou a Reunião de Presidentes da América do Sul, em Brasília. Pela primeira vez na história das relações interamericanas, uma reunião de cúpula esteve voltada apenas para as nações do subcontinente sul-americano. Até então, todos os encontros do gênero assumiam um perfil ora latino-americano - incorporando países de foram da América do Sul -, ora pan-americano. Em seguida, houve o lançamento da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (Iirsa), com o objetivo de superar a deficiência da integração física no subcontinente.
Embora sutis para muitos observadores, essas mudanças refletiam uma nova interpretação sobre as potencialidades da região. Enquanto a América do Sul ocupava um espaço cada vez mais destacado na diplomacia brasileira, a América Latina foi progressivamente deslocada para um plano secundário. Basta lembrar que foi nessa época que o México desfalcou a “família” latino-americana, ao fazer sua opção pelo Norte, aderindo ao NAFTA. Sendo assim, a agenda latino-americana não deixou de ter sua relevância, mas agora precisaria concorrer com uma nova referência regional mais tangível aos interesses do país.
Ao perpassar a gestão de tantos presidentes com convicções e orientações ideológicas distintas, a América do Sul esteve sempre entre as prioridades do país. Enquanto ocupava o Palácio do Planalto, Fernando Henrique Cardoso afirmou que “O Mercosul para nós é um destino, enquanto que a Alca é apenas uma opção”. Em outras palavras, a América do Sul e seus organismos regionais passaram a ser contemplados como política de Estado.
Contudo, é inequívoco que a região vivencia, hoje, o seu pior momento. O desmonte de projetos consolidados e em construção já é uma realidade terrivelmente. Até os mais otimistas se assustam diante dos danos produzidos, cuja correção levará anos para reverter. Debater o papel que a América do Sul deve ocupar no processo de desenvolvimento do país é uma urgência. Por essa razão, a iniciativa da equipe editorial da Revista Hoplos deve ser saudada com entusiasmo. Agrupando cinco artigos que abordam aspectos históricos, diplomáticos e estratégicos, a presente edição recoloca a América do Sul no lugar de onde ela nunca deveria ter saído. Afinal, como dizia Vamireh Chacon: “o Brasil e os hispano-americanos vão continuar onde estão, vizinhos imediatos. Não adianta se ignorarem, ou hostilizarem-se”.
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