Ontologia do clássico numa arte “impura”, o cinema
DOI:
https://doi.org/10.22409/poiesis.811.45-60Palavras-chave:
cinema, clássico, crítica de arteResumo
Este artigo tem como objetivo principal apresentar uma pesquisa em andamento sobre obras e autores que, em alguma medida, tratam da questão do clássico, em especial os estudos dedicados especificamente ao cinema. A partir de um amplo levantamento bibliográfico, são analisados os critérios utilizados na avaliação do “clássico”, sobretudo nas obras cinematográficas. O texto também considera o papel desempenhado pela crítica especializada na classificação das obras.Downloads
Referências
Notas
(1) Num ensaio fascinante, o cineasta e ex-crítico Paul Schrader (Mishima, Cat People, Blue Collar) descreveu na revista Film Comment (set./out. 2006) o fracasso da sua aventura ao formular um cânone de clássicos.
(2) A política das “listas dos dez maiores filmes de todos os tempos” foi adotada em 1952 pela influente publicação britânica Sight & Sound. Desde então, a cada década, a revista consulta os “guardiães do templo” (críticos, historiadores, arquivistas) para atualizar seu “cânone” informal.
(3) O cinema é, em essência, uma arte ao mesmo tempo figurativa e rítmica na qual se fundem, para encontrar um sentido e um emprego novo, outros meios de expressão, como a pintura (através da composição das imagens), o teatro (através do ator e da cenografia), a música (através da cadência), a literatura dramática e romanesca (através da palavra). Esta definição, digamos, “ontológica” é de um notável estudioso italiano, cineasta, historiador e crítico, Francesco Pasinetti, “Il film che no si potravino rifare”, in Sequenze, 1946.
(4) Judith Schlanger começa suas reflexões com um conhecido verso de Horácio (est vetus atque probus centum qui perfecit annos), que ensina: “o que atravessou uma centena de anos é velho e sério”. Segundo o poeta latino, o Tempo e a História é que definirão o valor da obra de arte. Ver Poétique n. 88, nov. 1991, p. 487.
(5) Sobre a ontologia do cinema, mencionaria, en passant, os trabalhos dos italianos Galvano della Volpe, Umberto Barbaro, Luigi Chiarini, Emilio Garroni; dos franceses André Bazin, Edgar Morin, Christian Metz e Jean Mitry; dos norte-americanos Vachel Lindsay, Gilbert Seldes e Stanley Caldwell.
(6) Ver Literatura européia e Idade Média Latina. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1996. p. 258.
(7) Ver a sugestiva introdução a Por que ler os clássicos (São Paulo: Companhia das Letras, 1995). p .9-24.
(8) Entre as exegeses contemporâneas sobre o clássico, uma satisfatoriamente operatória é a de Hans-Georg Gadamer em Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. (Vozes, 1997).
(9) George Steiner, Linguagem e silêncio. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
(10) In: As idéias estéticas de Marx. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.
(11) Ver “Estrutura: realidade humana e conceito metodológico”, na coletânea A controvérsia estruturalista. Cultrix, 1976. Goldmann desenvolve esta questão nos livros Le Dieu cache e Pour une sociologie du roman.
(12) Este entendimento da grande obra, enunciado por Franklin de Oliveira com relação a poetas e romancistas, vale para as mais diferentes manifestações artísticas. V. Literatura e civilização. Rio de Janeiro: Difel, 1978.
(13) Essa caracterização da obra-prima é, na verdade, de Norman Holland e foi adotada por Culler em seu ensaio On Descontruction: Theory and Criticism After Structuralism (Cornell University, 1982).
(14) Entre os booklists de melhores filmes, há exceções: Essential Cinema: On the Necessity of Film Canons (Jonathan Rosenbaum, Johns Hopkins University Press, 2004); as coletâneas de Serge Daney (La Maison cinéma et le monde.1.Le temps des Cahiers, 1962-1981, P.O.L., 2001) e François Truffaut (Les films de ma vie, Flammarion, 1975, e Le plaisir des yeux. Cahiers du Cinéma, 1987); The Dream Life: Movies, Media, and the Mythology of the Sixties (J. Hoberman, The New Press, 2003); os heteróclitos Cinéma 1.L´image – mouvement e Cinéma 2.L´image-temps (Gilles Deleuze, Éditions de Minuit, 1983-1985); Cinémanie (Gérard Legrand, Stock, 1979). Há outros títulos de críticos estrangeiros e brasileiros, como Um filme por dia. Crítica de choque, 1946-1973 (Moniz Viana, Companhia das Letras, 2003) e Um filme é um filme. O cinema de vanguarda dos anos 60 (José Lino Grünewald, Companhia das Letras, 2001).
(15) Peter Wollen, além do ensaio sobre os motivos por que alguns filmes sobrevivem e outros desaparecem (Sight & Sound, maio 1993, v. 3., n. 5), aborda o problema em “The Canon”, incluído em Paris Hollywood: Writings on Film (Londres: Verso, 2002. p. 216-232).
(16) Em Altas literaturas (Companhia das Letras, 1998), Leyla Perrone-Moisés investiga as preferências de um grupo de escritores-críticos (Pound, Eliot, Borges, Octavio Paz, Calvino, Michel Butor, Haroldo de Campos e Philippe Sollers e repertoria uma pluralidade de concepções sobre a obra de arte, clássicos e paradigmas.
(17) Marie-Claire Ropars-Wuilleumier compôs uma lista de quinze filmes cujos fragmentos rememorados comporiam um filme “impossível”: o Dragão da maldade contra o santo guerreiro, Blow Up, O deserto vermelho, A dama de Xangai, La Femme du Gange, L’Homme-Atlantique, L’Hypothèse du tableau volé, India Song, Soberba, Muriel, Outubro, Passion, Pickpocket, Prénom Carmen, La Ville des Pirates.
(18) Stephen Heath, “On Screen, in Frame: Film and Ideology”, capítulo 1 de uma coletânea de ensaios instigantes sobre a ontologia da sétima arte, Questions of Cinema, Macmillan, 1981.
(19) Cf. I. C. Jarvie, Philosophy of the Film. Epistemology, Ontology, Aesthetics. Routledge & Kogan Paul, 1987.
(20) Ver o capítulo “People Look At People” da coletânea Films and Feelings. Londres: Faber and Faber, 1967.
(21) In: Film in the Aura of Art. Princeton: Princeton University Press, 1984. p. 193.
(22) Com a verve que o celebrizou, François Truffaut ironizava a incultura cinematográfica da nova geração de críticos nas décadas de 1950-1970: “Qualquer um pode se tornar crítico de cinema; não se pedirá ao candidato o décimo dos conhecimentos que se exige de um crítico literário, musical ou de pintura. Um diretor hoje deve aceitar a idéia de que seu trabalho será eventualmente julgado por alguém que talvez nunca tenha visto um filme de Murnau”. Ver “A quoi rêvent les critiques?”, Le plaisir des yeux. Paris: Cahiers du cinema, 1987.
(23) Ver “Expressione del pensiero nell´opera cinematografica”, Cinema Nuovo, jan.fev. 1969, n. 197.
(24) Ver “Acabar com as obras-primas”, em O teatro e seu duplo: São Paulo: Martins Fontes, 1993.
(25) Essa prova do tempo mereceu de Karl Marx uma citadíssima reflexão sobre a epopéia grega como arte capaz de proporcionar prazer artístico, exercer um fascínio permanente e se sobrepor ao momento histórico. A reflexão, na “Introdução à Crítica da Economia Política” (Contribuição para a Crítica da Economia Política), aparece na coletânea Sobre Arte e Literatura (Lisboa: Estampa, 1971, p.60-63).
(26) Porta-voz da “teoria do autor”, Andrew Sarris ficou famoso com o livro The American Cinema (Dutton, 1968). Foi crítico do Village Voice e agora ensina na Columbia University. “What Makes A Movie Classic?” é prefácio do Classic Movie Companion, Robert Moses (ed.). Nova York: Hyperion, 1999. p. ix-xii
(27) “Quels films emporter sur l’île déserte?” Penser le cinéma. Suzanne Liandrat-Guigues e Jean-Louis Leutrat. Paris: Klincksieck Études, 2001. p. 187
(28) Cesare Segre, “Il canone e la culturologia”. In: Ritorno alla critica . Turim: Einaudi, 2001.
(29) Cf. Guido Aristarco, Il cinema fascista: il prima e il dopo. Bari: Dedalo, 1996.
(30) Jacques Derrida. “O filósofo não é um pop star”. Entrevista a Norma Couri, Jornal do Brasil, 29/4/1991.
(31) Resposta a questionário sobre a missão do crítico. Littérature, politique, idéologie. Éditions Sociales, 1973.
(32) Depoimento sobre julgamento de valor, em Feux croisés sur la critique. Éditions du Cerf, 1999.
(33) “La critique traditionnelle face au développement des médias”. Marcel Martin, La révue du cinema–Image et son–Écran, n. 371, abr. 1982. p. 65-70.
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