A “Uma vala comum de flores defuntas”: visões e revoluções do 25 de Abril em Fado Alexandrino e o Manual dos Inquisidores, de António Lobo Antunes

Autores

  • Felipe Cammaert CLLC, Universidade de Aveiro

DOI:

https://doi.org/10.22409/abriluff.v16i32.61908

Palavras-chave:

25 de Abril, António Lobo Antunes, carnavalização da História, hipérbole

Resumo

O episódio da Revolução dos Cravos percorre a obra de António Lobo Antunes do princípio ao fim, e constitui um dos exemplos mais significativos do recurso narrativo à “carnavalização da História” (Bakhtin). A representação ficcional deste acontecimento está marcada pela perturbação nas hierarquias sociais no universo diegético, assim como pela focalização narrativa na esfera íntima das personagens, entre outros fenómenos. Em Fado Alexandrino (1983), paralelamente à descrição pormenorizada da revolta popular de 1974 pelo soldado ex-combatente da guerra colonial, o romance apresenta uma visão apocalíptica do último dia do Estado Novo. De forma semelhante, em O Manual dos Inquisidores (1996), a Revolução dos Cravos é mormente tratada numa perspectiva íntima, em que a queda do regime se materializa na destruição do universo doméstico da quinta do ministro em Palmela. Nestes dois romances sobre o Portugal pós-salazarista, Lobo Antunes constrói uma imagem multiforme daquele “tempo da ruptura das rupturas” (como chamou Eduardo Lourenço o 25 de Abril), no intuito de salientar as várias revoluções que trouxe a Revolução dos Cravos ao nível individual e colectivo. Pelo recurso à hipérbole e pela desmitificação da História, Lobo Antunes quer apontar para a relativização do discurso oficial sobre este acontecimento.

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Biografia do Autor

Felipe Cammaert, CLLC, Universidade de Aveiro

é Investigador do Centro de Línguas, Literaturas e Culturas da Universidade de Aveiro (CLLC/DLC, UA). É Doutor em Estudos Românicos e Literatura Comparada pela Universidade Paris-Nanterre, com uma tese sobre as representações da memória na literatura, publicada sob o título L’écriture de la mémoire dans l’oeuvre d’António Lobo Antunes et de Claude Simon (Paris, L’Harmattan). Foi investigador em pós-doutoramento no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e na Biblioteca Nacional da Colômbia, entre outros. Tem sido docente nas Universidades de Lisboa e Aveiro (Portugal), Picardie (França) e Los Andes (Colômbia). É tradutor literário do francês e do português de autores contemporâneos para a América Latina. Publicou recentemente, além de outros artigos científicos, o volume Passados Reapropriados: Pós-memória e Literatura (Afrontamento, 2022). OrcID: https://orcid.org/0000-0001-6918-7473.

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Publicado

2024-05-04

Como Citar

Cammaert, F. (2024). A “Uma vala comum de flores defuntas”: visões e revoluções do 25 de Abril em Fado Alexandrino e o Manual dos Inquisidores, de António Lobo Antunes. Abril – NEPA / UFF, 16(32), 123-138. https://doi.org/10.22409/abriluff.v16i32.61908

Edição

Seção

Dossiê 25 de Abril