Chamada para o Dossiê "Teoria, história e ensino da Antropologia"

2022-03-03

Sob as rubricas de História da Antropologia e de Teoria Antropológica reunia-se, pelo menos até o final da década de 1990, boa parte da produção bibliográfica dos antropólogos que, no Brasil, buscavam refletir sobre diversos aspectos da configuração da disciplina no país. Elas permitiam, notadamente, designar importantes linhas de pesquisas nos programas de pós-graduação e agrupar projetos que versavam tanto sobre as matrizes do pensamento antropológico quanto sobre os aspectos organizacionais da Antropologia. Desse modo, uma considerável produção bibliográfica chegou a ocupar um lugar de destaque em diversos balanços do campo intelectual das Ciências Sociais no Brasil e, mais prosaicamente, até hoje é comum incluir nos editais de seleção de docentes do ensino superior a expressão genérica de “teoria antropológica” como “área do concurso”.

Este dossiê retoma as rubricas de História da Antropologia e de Teoria Antropológica para analisar seus fluxos e refluxos na agenda de pesquisa da disciplina no Brasil, assim como identificar suas reverberações contemporâneas. Nesse exercício, introduzimos um elemento novo ou, pelo menos, o tornamos objeto de análise explícita, posto que ele tem estado presente desde os primórdios da disciplina, ainda que sempre subordinado analiticamente: trata-se do ensino da antropologia (cfr. Vega Sanabria e Duarte, 2020). Como observara Duarte, “há toda uma bibliografia sobre as condições do ensino da disciplina. [...] Essa literatura de avaliação sobre as condições presentes no exercício da atividade antropológica complementa um considerável esforço de interpretação geral do sentido da Antropologia desenvolvida no contexto brasileiro...” (Duarte, 2010, p. 17). Ainda que o interesse no ensino remonte às primeiras tentativas de institucionalização da Antropologia no Brasil – com destaque para a fundação da Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia na década de 1940 e da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) na década seguinte – foi nos anos 2000 que essa discussão ganhou novo fôlego, desdobrando-se, por exemplo, na criação da Comissão de ensino da ABA, posteriormente convertida em Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia (Oliveira, 2021). Na busca por essa interpretação geral da Antropologia feita no Brasil, este dossiê assenta-se na ideia de que a teoria, a história e o ensino da disciplina estão imbricados e são indissociáveis.

Algumas transformações recentes da Antropologia no país impactam diretamente essa discussão. A mais evidente talvez consista no aumento do número de cursos de graduação e de pós-graduação e, atrelado a esse fato, o surgimento de demandas de novos modelos formativos, atualização do cânone disciplinar, diversidade epistemológica e, em geral, maior representatividade social. Paradoxalmente, em meio a essas transformações e demandas, parece  persistir a configuração de um campo disciplinar hierárquico, segmentado e endógamo, caracterizado pelo predomínio dos programas mais antigos na configuração dos currículos, das agendas de pesquisa, das redes de colaboração e dos recursos disponíveis; na formação, no recrutamento e na circulação de docentes, assim como nos estilos do fazer antropológico daqueles que passam a atuar nos programas mais novos (cfr. os trabalhos reunidos por Simião & Feldman-Bianco, 2018). Nesse quadro, constatam-se, igualmente, os crescentes ataques às Ciências Humanas e Sociais e às universidades púbicas. Tais ataques não apenas desqualificam a relevância dessas áreas, mas têm efeito concreto nas chances de financiamento de pesquisas e de ensino.

Os trabalhos a serem incluídos neste dossiê podem contemplar temas relacionados à configuração do campo da Antropologia no Brasil relativos a:

  1. a) A história das instituições de ensino e pesquisa, assim como as biografias e trajetórias intelectuais de coletivos e indivíduos na Antropologia;
  2. b) Os processos de apagamento e silenciamento, assim como de recriação do cânone antropológico pela recuperação de autores, conceitos, ideias, obras, eventos, instituições e práticas intelectuais na disciplina;
  3. c) Os processos de institucionalização da Antropologia enquanto disciplina acadêmica e campo de atuação profissional, com especial ênfase no contexto da construção do Estado nacional brasileiro;
  4. d) A formação de antropólogos e antropólogas, assim como o ensino e a aprendizagem da disciplina em distintos níveis e modalidades educacionais; em particular, em virtude das transformações de práticas pedagógicas surgidas, por exemplo, no contexto da Covid-19, mas também de discussões mais antigas sobre as exigências de inserção no “mercado de trabalho”;
  5. e) O Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, as políticas educacionais e a relativa expansão e interiorização do ensino superior nas últimas décadas em relação às ações afirmativas e a inclusão social;
  6. f) As dinâmicas sociais das instituições, dos grupos de pesquisa e dos indivíduos, em virtude de redes de cooperação, da inserção internacional da Antropologia feita no Brasil e de sua relação com as chamadas “antropologias mundiais”.
  7. g) Os desafios postos para a Antropologia pelos ataques às Ciências Humanas e Sociais, pelas ameaças à autonomia universitária e pelos cortes de investimento de pesquisas nesta área;

Esperamos que a reunião desses trabalhos ofereça elementos empíricos e analíticos que permitam compreender as formas contemporâneas do fazer teórico na antropologia, à luz dos processos de historicização da disciplina e das tensões que experimentam seus modelos formativos e de pesquisa, assim como as possibilidades do seu exercício profissional. Abre-se, de modo mais amplo, uma oportunidade renovada para refletirmos sobre os desafios e as perspectivas da Antropologia, da universidade pública e das ciências sociais nas especiais circunstâncias que experimentamos no Brasil de hoje.

Os artigos devem ter autoria de, ao menos, um doutor, e serão submetidos à avaliação às cegas de pareceristas externos, atendendo à política da revista. Para dar conta da diversidade de abordagens teóricas e metodológicas dos diferentes campos empíricos e problemáticas a serem debatidos, serão aceitos, preferencialmente, artigos das áreas de Antropologia e Ciências Sociais, observados os parâmetros de exogenia em relação à UFF.

Organizadores: Amurabi Oliveira (UFSC) e Guillermo Vega Sanabria (UFBA).

Prazo estendido: 19/06/2022.

OBS: indicar nos comentários aos editores que a submissão é para o Dossiê “Teoria, história e ensino da Antropologia”.

As contribuições podem ser enviadas até 19 de junho de 2022 pelo sistema eletrônico da revista: https://periodicos.uff.br/antropolitica/about/submissions#onlineSubmissions

As normas para submissão dos textos são as mesmas válidas para artigos e encontram-se disponíveis em: https://periodicos.uff.br/antropolitica/about/submissions#onlineSubmissions

Referências citadas:

DUARTE, L.F.D. O campo atual da Antropologia no Brasil. In: Carlos Benedito C. Martins; Luiz Fernando Dias Duarte. (Org.). Horizontes das ciências sociais no Brasil: antropologia. São Paulo: ANPOCS, 2010.

OLIVEIRA, A. Uma análise da antropologia da educação nas Reuniões Brasileiras de Antropologia (2000-2020). Educação e Pesquisa, 47, p. 1-15, 2021.

SIMIÃO, D.S.; FELDMAN-BIANCO, B. (orgs.). O campo da antropologia no Brasil: retrospectiva, alcances e desafios. Rio de Janeiro: ABA, 2018.

VEGA SANABRIA, G.; DUARTE, L.F.D. O ensino de Antropologia e a formação de antropólogos no Brasil hoje: de tema primordial a campo (possível) de pesquisa (antropológica). In: Igor José de Renó Machado; Soraya Fleischer; Deyse Lucy Oliveira Montardo; Julie Cavignac. (Org.). Ciências sociais hoje: Antropologia. 1ª. ed. São Paulo: BIB/Anpocs, 2020, v. 1, p. 160-190