Prorrogação de Prazo - Chamada para o Dossiê "Novos olhares antropológicos sobre comida"

2022-06-20

Comida e cultura estão intrinsecamente relacionadas, uma vez que, contextos de produção e consumo são essenciais marcadores de saberes e sabores compartilhados.No entanto, para que a alimentação seja possível, não bastam apenas o desenvolvimento e a transmissão de saberes e conhecimentos da sociedade humana ao longo de gerações.Faz-se necessária, também, a interação cotidiana e prolongada com vitalidades de outra ordem, como animais, plantas, microrganismos e cogumelos (TSING, 2012). A manipulação de elementos primordiais como o fogo, a água, terra e ar, assim como as possibilidades de ação abertas pelos objetos e aparatos técnicos do fazer culinário, também não são itens de segunda categoria. Dessa maneira, a realização de preparos culinários ocupa um lugar muito particular nas relações entre o ser humano e seu entorno, tanto natural, quanto social, biótico e abiótico.

Nesses contextos, natureza e cultura são transformadas pelo conjunto de ações ou modos de fazer, apresentadas em um agrupamentode práticas combinatórias de ações conduzidas na relação entre saberes corporificados, objetos e escolhas técnicas específicas (LEMONNIER, 2006; CRESSWELL, 2010). A relação e operação com os modos de fazer e do saber fazer, pautados pela observação e experimentação, garantiram, ao longo do tempo, a criação e manutenção de múltiplos arranjos biossociais (INGOLD; PÁLSSON, 2013), voltados para a produção de condições ambientais mais ou menos favoráveis para o florescimento de determinadas formas de vida e a manutenção de tipos específicos de práticas. Com efeito, as técnicas de fazer os outros seresfazeremcoisas (FERRET, 2014), relativizam o protagonismo da agência humana na produção alimentar, oferecendo novas perspectivas de compreensão e análise da comida como fenômeno que vai além dos divisores clássicos como natureza/cultura, humano/não-humano, sociedade/ambiente. 

No campo de domínios entre e para além da natureza e cultura, estão contidosprocessos de tradução, negociação e transformação complexos e instáveis,pelos quais o alimento se torna comida. As tensões classificatórias que delimitam domínios naturais e culturais reverberam diretamente na maneira como narramos e lidamos com o mundo, nos modos pelos quais explicamos a vivacidade de outros seres e suas performances presentes naquilo que cozinhamos e comemos.Insetos, fungos, bactérias. Bichos e plantas. Caminhos dedegradação, fermentação, maturação e conservação.Em suma, a colaboraçãoentre humanos e outros seres em processos desejados e intencionais de transformação, assim como a negociação criativa de seus efeitos surpreendentes ou inesperados, delineia um campo de possibilidades a ser explorado, em diálogo com a literatura clássica e contemporânea sobre alimentação e cultura em antropologia.

Dado o cenário exposto, interessam a essa propostacontribuições que explorem práticas de produção, elaboração, fabricação e manutenção de saberes que envolvem a comida em um sentido ampliado, levando em conta a composição de mundos com outras formas de vida(HARAWAY, 2006) e a emergência de conjuntos técnicos (SIMONDON, 2020) relacionados a essas composições. Temas e discussões que conglomerem ou apresentem pesquisas teóricas e empíricas sobre sociedades tradicionais, contemporâneas, pautadas em afetos, memórias, na transmissão de conhecimento e em encontros entre ecologias de seres a partir de perspectivas globalizantes ou localizadas. Interessam ainda, cenários e percepções que atentem para narrativas que ultrapassam a fronteira de produzir, transformar e comer matéria inerte, em que sejam apontados entrelaçamentos criativos entre humanos e não-humanos, assim como seus conflitos e tensões com as políticas padronização sanitária e biossegurança. Por fim, são bem-vindas contribuições que explorem a comida e os processos de produção de alimentos como feituras cosmopolíticas (STENGERS, 2018) e cosmotécnicas (HUI, 2020), na interface entre saberes agroalimentares tradicionais, saberes científicos e formas contemporâneas de resistência (CARNEIRO DA CUNHA, 2020).

Referências

CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Ubu, 2020.

CRESWELL, Robert. Techniques et culture: les bases d’un programme de travail. Techniques & Culture,2010.p.54-55 e 20-45

FERRET, Carole. Towards an anthropology of action: from pastoral techniques to modes of action. Journal of Material Culture, v. 19, n. 3, p. 279-302, 2014.

HARAWAY, Donna. O manifesto das espécies companheiras – cachorros, pessoas e alteridades significativas. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.

HUI, Yuk. Tecnodiversidade. São Paulo: Ubu, 2020.

INGOLD, Tim; PÁLSSON, Gísli (ed.) Biosocial becomings: integrating social and biological anthropology. Cambridge: Cambridge University Press, 2013.

LEMONNIER, Pierre. Technological choices: transformation in material culture since the Neolithic. London: Routledge, 2006.

TSING, Anna. Unruly edges: mushrooms as companion species. Environmental humanities, n.1, p. 141-154, 2012.

SIMONDON, Gilbert. Do modo de existência dos objetos técnicos. São Paulo: Contraponto, 2020.

O dossiê será composto de 6 artigos mais a apresentação. Assim, considerando os critérios de avaliação imposto às revistas científicas, serão selecionados 3 artigos de doutorandos, os demais artigos devem ter autoria de, ao menos, um doutor. Todos os artigos submetidos serão submetidos à avaliação às cegas de pareceristas externos, atendendo à política da revista. Para dar conta da diversidade de abordagens teóricas e metodológicas dos diferentes campos empíricos e problemáticas a serem debatidos, serão aceitos, preferencialmente, artigos das áreas de Antropologia e Ciências Sociais, observados os parâmetros de exogenia em relação à UFF.

Organizadores: Renata Menasche (UFPel e UFRGS), Janine HelfstLeicht Collaço (FCS e UFG), Caetano Sordi (UFSC) e Nicole Weber Benemann (UFPel).

Prazo estendido: 10/10/2022.

OBS: indicar nos comentários aos editores que a submissão é para o Dossiê “Novos olhares antropológicos sobre comida”.

As contribuições podem ser enviadas até 10 de outubro de 2022 pelo sistema eletrônico da revista: https://periodicos.uff.br/antropolitica/about/submissions#onlineSubmissions

As normas para submissão dos textos são as mesmas válidas para artigos e encontram-se disponíveis em: https://periodicos.uff.br/antropolitica/about/submissions#onlineSubmissions