Prorrogação de Prazo - Chamada para o Dossiê "Antropologia das instituições e das práticas de poder: etnografia, política e bases sociais do conhecimento"
Embora a antropologia possua uma longa tradição de estudos das formas de organização social (um suposto constituinte da disciplina: todas as sociedades humanas são organizadas, e não apenas as industriais ou ocidentais), foi apenas a partir do famoso “experimento Hawthorne”, levado a cabo por Elton Mayo e sua equipe em uma indústria em Chicago no final dos anos vinte e início dos anos trinta do século XX que uma antropologia das instituições (ou das organizações, como preferem os anglo-saxões) começou a tomar forma.
Desde então, e para além das variações nas denominações, o crescimento de uma antropologia das instituições nas últimas décadas deve ser entendido como uma das consequências do giro reflexivo a que a antropologia se viu submetida desde o final da Segunda Guerra Mundial. Com a intensificação da globalização e a expansão do capitalismo industrial e pós-industrial, a partir das últimas duas décadas do século XX a antropologia voltou-se cada vez mais para o entendimento das sociedades complexas e suas instituições.
Na pesquisa com as organizações e instituições modernas, os antropólogos têm se encontrado com uma gama de outros pesquisadores e abordagens: administradores, engenheiros de produção, cientistas políticos, sociólogos, psicólogos, pesquisadores da saúde coletiva e assistentes sociais, entre outros, são maioria. Na medida em que os antropólogos têm ocupado posições fora da universidade e em órgãos do governo, em organizações não-governamentais, como consultores dos mais diversos tipos, etc. suas possibilidades de acesso e pesquisa sobre instituições tem crescido e diversificado o entendimento daquelas. Trata-se, portanto, de um vasto campo de investigação marcado pela interdisciplinaridade e pela complexidade contemporânea dos seus universos de pesquisa dispersos espacial e temporalmente.
Os problemas tradicionais derivados da inserção do antropólogo no seu ambiente de estudo e análise tornam-se mais agudos quando nos voltamos para as instituições, uma vez que estas possuem, numa definição operacional inicial: o objetivo do aumento da produtividade (de mercado e/ou política); regras formais internas, a partir de uma hierarquia funcional; separam as relações organizacionais das demais; disciplinam os “de dentro”, erigindo barreiras ao acesso dos “de fora” (Teixeira; Castilho, 2020: 23-24). Como fazer etnografia nesse tipo de configuração espaço-temporal? Quais estratégias deve utilizar o antropólogo para obter seus dados e desenvolver sua pesquisa? Os diferentes tipos de ‘acesso’ às organizações (aberto, encoberto, interno, externo, etc.), por exemplo, implicam em estratégias de pesquisa distintas, que merecem mais reflexão e refinamento metodológico. A reflexão sobre os desafios etnográficos que o universo das instituições apresenta aos antropólogos/as é um dos convites que os organizadores deste dossiê fazem aos possíveis interessados em submeter propostas de trabalho.
Outro eixo proposto consiste em focalizar as bases sociais de conhecimento e os processos de institucionalização, o que permitiria ao antropólogo partir de seus conhecimentos disciplinares para estabelecer diálogos amplos e transversais. Mayo estabeleceu como um imperativo de sua pesquisa a observação e entrevista em primeira mão das operárias que procurava entender. Ao fazê-lo encontrou uma ‘cooperação espontânea’ que lhe permitiu criar os fundamentos de sua teoria das relações humanas na indústria. (Bendix; Fisher, 2007: 11-12). Isso recolocou a questão da ‘cultura’, agora nas fronteiras organizacionais. Os problemas derivados dos ‘valores’, das regras de convivência, de uma base comum para a produção de conhecimentos, mas também dos conflitos e contradições, passaram a ser cada vez mais uma preocupação de todos aqueles pesquisadores voltados ao estudo das instituições, e não só dos antropólogos. Em uma outra perspectiva dos processos de institucionalização, Mary Douglas (1998) enfatizou a indissociabilidade entre as bases cognitivas e morais da produção do conhecimento em instituições, o que também recolocou a questão da livre escolha e da utilização, por parte dos indivíduos que participam daquelas, de argumentos ‘racionais’. Que elementos devemos ter em conta quando buscamos compreender como se dá a consolidação de uma instituição e/ou do campo maior em que se insere? Existiriam elementos comuns aos processos de institucionalização para além de suas diferenças empíricas (de local, de temporalidade, das redes de atores em suas afinidades e conflitos, entre outras)?
A terceira e última dimensão sugerida é aquela que diz respeito às práticas governamentais, às ‘políticas públicas’, aos documentos e às legislações. Partimos de uma abordagem que privilegia o olhar sobre o cotidiano das instituições, buscando compreender práticas e performances em variados contextos burocrático-administrativos, considerando a materialidade destes itinerários como parte integrante do tipo de conhecimento ali produzido (documentos e legislações). Para tanto, inspiramo-nos nos trabalhos seminais sobre a relação entre dizer e fazer ou de como dizer é fazer (AUSTIN, 1990) e também na concepção igualmente reconhecida na qual o estado não existiria a priori (ABRAMS, 1988), mas antes se constitui por processos e contextos a serem investigados. Assim, nossa compreensão das práticas de poder, de gestão e de administração pública converge para o problema da produção e legitimação das práticas de conhecimento, das disputas de sentido e do jogo de linguagem que realiza ações políticas, produz relações de poder, e confere condições de possibilidade para seu exercício.
Este Dossiê pretende focalizar algumas das principais questões – empíricas e teóricas – que os antropólogos se defrontam ao procurar construir uma antropologia das instituições e das práticas de poder, sem por isso excluir as contribuições de autores de áreas conexas interessados no tema. Estimulamos os potenciais autores a se concentrarem em três dimensões principais: 1) as questões relacionadas à etnografia nos variados contextos institucionais, suas potencialidades e limites; 2) os processos de institucionalização e as bases compartilhadas de conhecimento e 3) as práticas governamentais, o processo sócio-histórico e cotidiano de construção das ‘políticas públicas’, a dimensão documental dos itinerários burocráticos experimentada pelos interlocutores. A ambição é, sobretudo, avançar na compreensão dos desafios desse fazer antropológico específico, considerando a pluralidade de campos temáticos, recortes empíricos e teóricos que a antropologia foi capaz de produzir ao longo de sua construção disciplinar – incluindo os diálogos com as demais ciências humanas.
Bibliografia:
ABRAMS, Philip. Notes on the difficulty of studying the State. Journal of Historical Sociology, v., n. 1, p. 58-89, March, 1988.
AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer: palavras e ações. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1990.
BENDIX, R.; FISHER, Lloyd H. The Perspectives of Elton Mayo. In: JIMENEZ, Alberto Corsin (ed.). The Anthropology of Organisations. Routledge: New York, 2007 [1949]. p. 11-18.
DOUGLAS, M. Como as instituições pensam. São Paulo: EdUSP, 1988.
TEIXEIRA, C.; CASTILHO, S. IPEA – etnografia de uma instituição: entre pessoas e documentos. Brasília: ABA/AFIPEA, 2020.
O dossiê será composto de 6 artigos mais a apresentação. Assim, considerando os critérios de avaliação imposto às revistas científicas, serão selecionados 3 artigos de doutorandos, os demais artigos devem ter autoria de, ao menos, um doutor. Todos os artigos submetidos serão submetidos à avaliação às cegas de pareceristas externos, atendendo à política da revista. Para dar conta da diversidade de abordagens teóricas e metodológicas dos diferentes campos empíricos e problemáticas a serem debatidos, serão aceitos, preferencialmente, artigos das áreas de Antropologia e Ciências Sociais, observados os parâmetros de exogenia em relação à UFF.
Organizadores: Carla Costa Teixeira (UnB), Cristina Dias da Silva (UFJF) e Sérgio Ricardo Rodrigues Castilho (UFF).
Prazo estendido: 10/10/2022.
OBS: indicar nos comentários aos editores que a submissão é para o Dossiê “Antropologia das instituições e das práticas de poder: etnografia, política e bases sociais do conhecimento”.
As contribuições podem ser enviadas até 10 de outubro de 2022 pelo sistema eletrônico da revista: https://periodicos.uff.br/antropolitica/about/submissions#onlineSubmissions
As normas para submissão dos textos são as mesmas válidas para artigos e encontram-se disponíveis em: https://periodicos.uff.br/antropolitica/about/submissions#onlineSubmissions