Chamada para o Dossiê "Carisma religioso no Oriente Médio e no norte da África (MENA) e em suas diásporas: autoridade, sucessão e devoção"

2023-10-24

Max Weber (1978[1921], 215-242) define "carisma" como uma certa qualidade pessoal que é considerada extraordinária ou  sobrenatural pelos outros, um poder exemplar ou mesmo divino que conferiria ao indivíduo um estatuto de "líder". Por um lado, a legitimidade de uma autoridade carismática resultaria do livre reconhecimento por parte dos seus seguidores ou discípulos. Estes, por sua vez, devem acreditar que é seu dever reconhecer a genuinidade da autoridade e devotar-se ao líder. Por outro lado, a razão de ser desta legitimidade está na evidência da "graça divina divina", que deve refletir a santidade, o heroísmo ou o carácter exemplar do líder e os padrões normativos, bem como a ordem, por ele prescritos. Tal evidência pode ser expressa nos sucessos pessoais e na prosperidade dos seguidores/discípulos. Por outras palavras, o reconhecimento da autoridade carismática do líder exige provas da sua qualificação carismática. Se o líder não for bem sucedido ou não for capaz de provar os seus poderes extraordinários ou, mais importante ainda, se a sua liderança não beneficiar os seus seguidores, sua autoridade carismática pode malograr. Além disso, de acordo com Weber, como a autoridade carismática e as relações sociais envolvidas são estritamente pessoais e emocionalmente carregadas, a comunidade carismática enfrenta o "problema da sucessão" com o desaparecimento do líder. De acordo com o modelo de Weber, a autoridade carismática seria a antítese direta da autoridade racional/burocrática e da autoridade tradicional, portanto, alheia às estruturas da rotina quotidiana. Para garantir a sobrevivência da comunidade, a autoridade carismática teria uma tendência para a "rotinização" e acabaria por se tornar tradicional ou racionalizada, ou uma combinação de ambas. Por sua vez, a comunidade carismática, que poderia ser um grupo organizado com base apenas numa forma de relação comunitária emocional, sem hierarquia, sem sistema de regras formais e sem racionalidade, acabaria por desaparecer como tal, ao "rotinizar-se" numa instituição. No entanto, Eisenstadt (1968) sugere que "carisma" e "rotina organizada" não devem ser tomadas como realidades opostas, uma vez que se entrelaçam em situações concretas. Além disso, ao contrário das afirmações de Weber, etnografias têm mostrado que a autoridade carismática, bem como as relações carismáticas, perduram como fenômenos comuns em muitos contextos sociais e religiosos (Lindholm 1993; Pinto 2013). A dominação carismática e a dominação burocrática podem coexistir em diferentes níveis e com maior ou menor intensidade numa variedade de instituições, sejam elas religiosas, seculares ou estatais (Shils 1965). Para além disso, etnografias realizadas em contextos religiosos no Oriente Médio e no Norte de África (MENA), bem como nas suas diásporas, têm encontrado diferentes configurações de comunidades, movimentos e relações carismáticas que produzem diversas formas de manifestação emocional e experiência religiosa (Chagas 2013; Dumovich 2018; Pinto 2016).

Convidamos artigos com abordagens etnográficas sobre autoridades e/ou comunidades carismáticas em contextos religiosos no MENA e nas suas comunidades diaspóricas que refinem a nossa compreensão da variedade de formas de comprometimento e pertencimento religioso, bem como da ligação emocional a um líder, comunidade ou movimento religioso, a fim de estabelecer um diálogo produtivo entre as várias perspectivas e contextos etnográficos.

Referências

CHAGAS, Gisele .F. Female Sufis in Syria: Charismatic Authority and Bureaucratic Structure. In: Lindholm, C. (eds) The Anthropology of Religious Charisma. Contemporary Anthropology of Religion. New York: Palgrave Macmillan, 2013.

DUMOVICH, Liza. ‘House of Light’: representations of Turkish Islam and the construction of moral subjects in the Hizmet community in Brazil. PhD dissertation. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2018.

EISENSTADT, S. N. Introduction. In: Weber, Max. On Charisma and Institution Building. Selected writings. Chicago: University of Chicago Press, 1968.

LINDHOLM, Charles. Charisma. Oxford: Blackwell, 1993.

PINTO, Paulo. Knowledge and Miracles: Modes of Charisma in Syrian Sufism. In: Lindholm, C. (eds) The Anthropology of Religious Charisma. Contemporary Anthropology of Religion. New York: Palgrave Macmillan, 2013.

PINTO, Paulo. Mystical bodies/unruly bodies: Experience, empowerment and subjectification in Syrian Sufism. Social Compass, Vol. 63, No. 2,pp. 197-212, 2016.

SHILS, Edward. Charisma, Order, and Status. American Sociological Review, Vol. 30, No. 2, pp. 199-213, 1965.

WEBER, Max. Economy and Society. Berkeley: University of California Press, 1978[1921].

Considerando os critérios de avaliação imposto às revistas científicas, poderão ser selecionados 50% artigos de doutorandos, os demais artigos devem ter autoria de, ao menos, um doutor. Todos os artigos submetidos serão submetidos à avaliação às cegas de pareceristas externos, atendendo à política da revista. Para dar conta da diversidade de abordagens teóricas e metodológicas dos diferentes campos empíricos e problemáticas a serem debatidos, serão aceitos, preferencialmente, artigos das áreas de Antropologia e Ciências Sociais, observados os parâmetros de exogenia em relação à UFF.

Organizadores: Gisele Fonseca Chagas (UFF) e Liza Dumovich (KU Leuven)

Prazo estendido: 23/02/2024.

OBS: Como temos mais de uma chamada aberta, faz-se obrigatório indicar no campo ‘Comentários aos editores’ que a submissão é para o Dossiê “Carisma religioso”.

As contribuições podem ser enviadas até 23 de fevereiro de 2024 pelo sistema eletrônico da revista: https://periodicos.uff.br/antropolitica/about/submissions#onlineSubmissions

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