O ethos dos territórios periféricos do mundo colonial: um pensar a partir dos corpos, do poder e da subjetivação
DOI:
https://doi.org/10.22409/antropolitica2025.v57.i1.a59566Palavras-chave:
Ethos, Humano/Humanidade, Reconhecimento, Corpo, Colonialidade.Resumo
Partindo de uma abordagem transdisciplinar, este ensaio filosófico versa sobre os processos de subjetivação configurados nos territórios periféricos do mundo colonial. Propõe-se uma leitura compreensiva sobre o legado moral das relações coloniais-escravistas, no que se refere à constituição do ethos ainda vigente nesses territórios. Está pautado nas contribuições de pensadores associados a campos como os da Teoria do Reconhecimento, da Análise do Discurso, da Analítica do Biopoder e dos Estudos Coloniais e Decoloniais, para descrever e conceitualizar formas normativas histórica e politicamente constituídas por meio das quais o pleno reconhecimento da humanidade — enunciada conforme os parâmetros normativos europeus — foi e segue sendo negado aos corpos que habitam as periferias do mundo colonial. Afirma que o perfil ético e valorativo configurado nas periferias do mundo colonial é atualizado, desde o nascimento da Era Moderna, pela instituição de discursos e práticas reiteradas que operam reduzir o status moral de incontáveis corpos, remetendo-os à condição de não pessoas. Assim, lança mão da noção de corpos periféricos para descrever um modo de subjetivação que pode recair sobre incontáveis corporalidades e vivências marcadas pela experiência da violência colonial. Trata-se de imaginar uma categoria de inteligibilidade ético-política que inscreve todos os corpos historicamente marcados pelo domínio moderno-colonial, mesmo que esses já não habitem os territórios periféricos do mundo. De tal modo,a constituição do ethos dos territórios coloniais passa a ser lido enquanto um processo coletivo de produção dos sujeitos sociais acionados por dispositivos caracteristicamente modernos de subjetivação, como os dispositivos da raça, da classe, da capacidade e do gênero, que reproduzem e atualizam incessantemente as configurações de um biopoder colonial.
Downloads
Referências
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2004.
AKOTIRENE, Carla. O que é Interseccionalidade. Coordenação: Djamila Ribeiro. Belo Horizonte: Letramento, 2018.
ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
BENTO, Berenice. Necrobiopoder: quem pode habitar o Estado-nação? Cadernos Pagu, São Paulo, n. 53, e185305, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cpa/a/MjN8GzVSCpWtxn7kypK3PVJ/?lang=pt. Acesso em: 2 jun. 2019.
BELLO-URREGO, Alejandra. del. Entre la Zona del Ser y del No-ser: la economía moderna de la crueldad. Tabula Rasa, Bogotá, n. 33, p. 335-355, 2020. Disponível em: http://www.scielo.org.co/scielo.php?pid=S1794-24892020000100335&script=sci_abstract&tlng=es. Acesso em: 12 jun. 2022.
BUTLER, Judith. Vida Precária: os poderes do luto e da violência. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.
BUTLER, Judith. A Vida Psíquica do Poder: Teorias da sujeição. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
BUTLER, Judith. Quadros de Guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.
BUTLER, Judith; SPIVAK, Gayatri. Quem Canta o Estado-nação? Brasília: Editora UnB, 2018.
CÂNDIDO, Artur Mamed. Bioética, Poder e Subjetivação: Por uma Bioética crítica aos modos históricos de enunciação dos sujeitos morais. 2021. Tese (Doutorado em Bioética) – Programa de Pós-Graduação em Bioética, Universidade de Brasília, Brasília, 2021. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/42146. Acesso em: 14 dez. 2024.
CARNEIRO, Aparecida Sueli. A Construção do Outro como Não-ser como Fundamento do Ser. 2005. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
CASTRO, Susana de. Feminismo Decolonial. Princípios: Revista de Filosofia (UFRN), Natal, v. 27, n. 52, p. 213-220, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/principios/article/view/19785. Acesso em: 22 ago. 2022.
CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. [1974].
DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação: Na idade da globalização e da exclusão. Petrópolis: Vozes, 2000.
ENGELHARDT, Tristam. Fundamentos da Bioética. 5. ed. São Paulo: Loyola, 1996.
ESPOSITO, Roberto. The Dispositif of the Person. Law, Culture and the Humanities, [s. l.], v. 8, n. 1, p. 17-30, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1177/1743872111403104. Acesso em: 22 ago. 2022.
FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: Editora UFBA, 2008.
FEDERICI, Silvia. Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes. 1987. [1975].
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade: A vontade de saber. São Paulo: Edições Graal. v. 1. 2010. [1976].
FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Sociedade. Curso no Collège de France, (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 2005.
FOUCAULT, Michel. Nascimento da Biopolítica. Curso no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008.
FOUCAULT, Michel. Segurança, Território, População: curso dado no Collège de France (1977-1978). São Paulo: Martins Fontes, 2008
FOUCAULT, Michel. Sobre a História da Sexualidade. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2000. [1979] p. 243-227.
FOUCAULT, Michel. O Sujeito e o Poder. In: DREYFUS, Hubert.; RABINOW, Paul. Michel Foucault uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. p. 231-249.
GROSFOGUEL, Ramón. El Concepto de Racismo en Michel Foucault y Frantz Fanon: ¿teorizar desde la zona del ser o desde la zona del no-ser? Tabula Rasa, Bogotá, v. 16, p. 79-102, 2012. Disponível em: https://www.revistatabularasa.org/numero16/el-concepto-de-racismo-en-michel-foucault-y-frantz-fanon-teorizar-desde-la-zona-del-ser-o-desde-la-zona-del-no-ser/. Acesso em: 13 set. 2022.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. 7. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
HOLANDA, Marianna. Quem são os humanos dos direitos?: sobre a criminalização do infanticídio indígena. 2008. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Universidade de Brasília, Brasília, 2008.
HOLANDA, Marianna Assunção Figueiredo. Por uma ética da (In)Dignação: repensando o humano, a dignidade e o pluralismo nos movimentos de lutas por direitos. 2015. Tese (Doutorado em Bioética) – Programa de Pós-Graduação em Bioética, Universidade de Brasília, Brasília, 2015.
HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2009.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
LUGONES, Maria. Rumo a um Feminismo Descolonial. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, 2014. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/36755/28577. Acesso em: 31 jul. 2020.
MALDONADO-TORRES, Nelson. La Descolonización y el Giro Des-colonial. Tabula Rasa, Bogotá, DC, n. 9, p. 61-62. 2008. Disponível em: https://www.revistatabularasa.org/numero09/la-descolonizacion-y-el-giro-decolonial/. Acesso em: 20 dez. 2021.
MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. Lisboa: Antígona, 2014.
MBEMBE, Achille. Necropolítica. Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, n. 32, p. 122-151, 2016. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993. Acesso em: 25 jun. 2018.
MBEMBE, Achille. A era do humanismo está terminando. Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo, 24 de janeiro de 2017. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/186-noticias-2017/564255-achille-mbembe-a-era-do-humanismo-esta-terminando. Acesso em: 25 jun. 2018.
MIGNOLO, Walter. Colonialidade: o lado mais escuro da Modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 32 n. 94, e329402, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/nKwQNPrx5Zr3yrMjh7tCZVk/abstract/?lang=pt. Acesso em: 04 dez. 2020.
MOMBAÇA, Jota. Rumo a uma distribuição desobediente de gênero e anticolonial da violência! Cadernos de Imaginação Política, [s. l.], p. 1-20, 2016. Disponível em: https://issuu.com/amilcarpacker/docs/rumo_a_uma_redistribuic__a__o_da_vi. Acesso em: 04 dez. 2020.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. “Nações Unidas”, 217 (III) A, 1948, Paris, art. 1, http://www.un.org/en/universal-declaration-human-rights/. Acesso em: 02 dez. 2024.
PESSANHA, Eliseu. Necropolítica e Epistemicídio: as faces ontológicas da morte no contexto do racismo. 2018. Dissertação (Mestrado em Metafísica) – Programa de Pós-Graduação em Metafísica, Universidade de Brasília, Brasília, 2018.
QUIJANO, Anibal. Colonialidad y Modernidad-racionalidad. In: BONILLO, Heraclio (comp.). Los conquistados. Bogotá: Tercer Mundo:Flacso, 1992. p. 11-21.
RABINOW Paul; ROSE, Nikolas. O Conceito de Biopoder Hoje. Revista Política & Trabalho, João Pessoa, v. 24, n. 24, p. 27-57, 2006.
REVEL, Judith. Michel Foucault: conceitos essenciais. São Carlos: Claraluz, 2005.
SAFATLE, Vladimir: Para além da Necropolítica. Pandemia Crítica, São Paulo, n. 1, 2020. Disponível em: https://n-1edicoes.org/pandemia-critica-146-para-alem-da-necropolitica/. Acesso em: 15 out. 2020.
SÁNCHEZ-ANTONIO, Juan. Tanato-política, Esclavitud, Capitalismo Colonial y Racismo Epistémico en la Invasión Genocida de América. Tabula Rasa, Bogotá, v. 35, p. 157-180, 2020. Disponível em: https://www.revistatabularasa.org/numero35/tanato-politica-esclavitud-capitalismo-colonial-y-racismo-epistemico-en-la-invasion-genocida-de-america/. Acesso em: 20 dez. 2020.
SEGATO, Rita. Las estructuras Elementales de la Violencia. Buenos Aires: Prometeo: Universidad Nacional de Quilmes, 2003.
SEGATO, Rita. Antropologia e Direitos Humanos: alteridade e ética no movimento de expansão dos direitos universais. Mana, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p. 207-236, 2006.
SEGATO, Rita. Gênero e Colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial. E-cadernos CES, [s. l.], n. 18, 2012. Disponível em: http://journals.openedition.org/eces/1533; DOI: https://doi.org/10.4000/eces.1533. Acesso em: 14 dez. 2024.
SÈVE, Lucien. Para uma Crítica da Razão Bioética. Lisboa: Instituto Piaget, 1994.
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2024 Artur Mamed Cândido, Marianna Holanda
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
O conteúdo da revista Antropolítica, em sua totalidade, está licenciado sob uma Licença Creative Commons de atribuição CC-BY (http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt).
De acordo com a licença os seguintes direitos são concedidos:
- Compartilhar – copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato;
- Adaptar – remixar, transformar, e criar a partir do material para qualquer fim, mesmo que comercial;
- O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.
De acordo com os termos seguintes:
- Atribuição – Você deve informar o crédito adequado, fornecer um link para a licença e indicar se alterações foram feitas. Você deve fazê-lo em qualquer maneira razoável, mas de modo algo que sugira que o licenciante o apoia ou aprova seu uso;
- Sem restrições adicionais — Você não pode aplicar termos jurídicos ou medidas de caráter tecnológico que restrinjam legalmente outros de fazerem algo que a licença permita.