Ressurgência multiespécie: carroceiros e cavalos na cidade do século XXI
DOI:
https://doi.org/10.22409/antropolitica2025.v57.i1.a62456Palavras-chave:
Etnografia multiespécie, Relações humano-animais, Carroceiros.Resumo
Desde o início dos anos 2000, movimentos em defesa dos animais têm pressionado pela proibição do uso de carroças em Belo Horizonte, associando esses veículos ao atraso cultural e à crueldade com animais. Partindo do trabalho etnográfico conduzido com carroceiros da região de Venda Nova, pretendo mostrar como a chave da exploração usada pelo movimento animalista parece insuficiente para compreender a complexidade das relações estabelecidas por meio do trabalho de carroça. Argumento que, em meio a uma ampla rede multiespécie, humanos e cavalos constroem um modo de vida singular na cidade, em territórios que despontam como zonas de ressurgência em meio à perturbação (Tsing, 2019). O artigo recupera a atuação histórica desses agentes humanos e não humanos em Belo Horizonte, mostrando como as preocupações com o bem-estar animal se manifestavam nas políticas municipais por meio do Projeto Carroceiros e por parte dos próprios carroceiros. A partir daí, analiso as estratégias do movimento animal abolicionista para se contrapor a essas práticas e pressionar pelo fim da tração animal. Mostro que, ao lançar mão da retórica do progresso – assim como suas vertentes classistas e racistas – os ativistas atualizam discursos e práticas que, desde o final do século XIX, procuram expulsar carroceiros, carroças e animais de trabalho das cidades brasileiras.
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