Mães destituídas da maternidade: biopolítica, (in)justiça reprodutiva e novos saberes sobre a pobreza

Autores

DOI:

https://doi.org/10.22409/antropolitica2025.v57.i1.a64041

Palavras-chave:

Maternidade, Justiça reprodutiva, Destituição, Adoção, Biopolítica.

Resumo

Este artigo trata de maternidades que foram destituídas pelo sistema de justiça, por terem sido consideradas negligentes, incapazes, vulneráveis, por não corresponderem às prescrições biopolíticas e ao ideal normativo de maternidade. Interpretamos a aplicação desse mecanismo jurídico como efeito de um conjunto de estratégias de poder e saber postos em ação na arena reprodutiva sobre sujeitos determinados, reforçando as desigualdades de gênero, raça, classe e território. Para tanto, empreendemos primeiramente uma análise junto a textos de lei e pesquisas históricas acerca da gestão e institucionalização da menoridade, na primeira metade do século XX, mostrando como esse projeto disciplinador da infância pobre e racializada se operava através do controle moral exercido sobre suas famílias. Em perspectiva contemporânea, apresentamos um levantamento quantitativo realizado junto às ações de destituição em uma Vara da Infância e da Juventude da região leste da capital paulista, entre os anos de 2018 e 2021, revelando a totalidade de mães entre as pessoas destituídas, e a prevalência de mulheres negras, chefes de família monoparentais, em situação de extrema pobreza material e sem acesso à justiça. Buscou-se interpretar esse quadro de despossessão e violação sucessivas promovidas contra os sujeitos que maternam a partir do conceito da governança reprodutiva e do paradigma da justiça reprodutiva, a fim de ampliar o debate sobre direitos reprodutivos, adoção e maternidade, para incluir em seu horizonte as denúncias e demandas por equidade e justiça social de grupos atravessados por opressões interseccionais.

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Biografia do Autor

Alessandra Teixeira, Universidade Federal do ABC

Professora Adjunta da Universidade Federal do ABC. Doutora e Mestra em Sociologia pela Universidade de São Paulo. Bolsista Produtividade Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Ana Carolina Pate Cardoso Uchôa, Universidade Federal do ABC

Assistente social judiciária do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Mestra em ciências humanas e sociais pela Universidade Federal do ABC.

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Publicado

2025-04-01

Como Citar

Teixeira, A., & Uchôa, A. C. P. C. (2025). Mães destituídas da maternidade: biopolítica, (in)justiça reprodutiva e novos saberes sobre a pobreza. Antropolítica - Revista Contemporânea De Antropologia, 57(1). https://doi.org/10.22409/antropolitica2025.v57.i1.a64041

Edição

Seção

Dossiê Temático