“Defeito de fabricação”: o que uma campanha publicitária nos anos 1980 nos diz sobre maternidade e racismo no Brasil?
DOI:
https://doi.org/10.22409/antropolitica2025.v57.i1.a64148Palavras-chave:
Maternidade, Racismo, Dispositivo de Racialidade, Imagens de Controle, Hierarquias Reprodutivas.Resumo
O presente artigo tem como objetivo apresentar e discutir os conceitos de dispositivo de racialidade, imagens de controle e hierarquias reprodutivas, a partir do caso da campanha publicitária divulgada em 1986 pelo Centro de Pesquisa e Assistência em Reprodução Humana (CPARH), na cidade de Salvador, na Bahia, e, assim, contribuir para o debate em torno da maneira como o racismo opera sobre as maternidades negras, pobres e periféricas no Brasil. Quanto à metodologia, o artigo busca articular dois caminhos metodológicos: o campo de estudos sobre a sociologia do racismo, que toma o racismo não somente como premissa, mas também como objeto de pesquisa em casos concretos, analisando a forma como ele opera; e a perspectiva de análise do feminismo descolonial, para compreender como os sistemas de opressão colonialista, capitalista, racial e de sexo/gênero estão articulados e desumanizam mulheres negras. Concluímos que os sistemas de opressão atuam por meio de mecanismos como o dispositivo de racialidade, imputando interdições às mulheres negras; pelas imagens de controle, gerando estereótipos e desumanização dos seus corpos; e pelas hierarquias reprodutivas, que geram maternidades subalternizadas. Além de gerar a subalternização de pessoas negras, concluímos também que o contrato racial e o pacto narcísico da branquitude conferem privilégios às pessoas brancas e dão sustentação aos mecanismos de opressão racista. As consequências disso são as violações sistemáticas aos direitos humanos das mulheres negras.
Downloads
Referências
À TARDE. Salvador, p. 14. 7 maio 1986. Acervo da Biblioteca Pública do Estado da Bahia (BPB).
À TARDE. Salvador, p. 9, 20 maio 1986. Acervo da Biblioteca Pública do Estado da Bahia (BPB).
BENTO, Cida. O pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório volume II. Brasília: CNV, 2014. p. 203-241. Disponível em: https://cnv.memoriasreveladas.gov.br/. Acesso em: 8 fev. 2025.
BRASIL. Congresso Nacional. Relatório n. 2, de 1993: relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito destinada a examinar a incidência de esterilização em massa nas mulheres no Brasil. Presidente: Benedita da Silva. Relator: Senador Carlos Patrocínio. Brasília, 1993.
CARNEIRO, Sueli. Dispositivo de racialidade: a construção do outro como não ser como fundamento do ser. Rio de Janeiro: Zahar, 2023.
COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Boitempo, 2019.
DAMASCO, Mariana Santos. Feminismo negro: raça, identidade e saúde reprodutiva no Brasil (1975-1996). 2009. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2009.
DAMASCO, Mariana Santos; MAIO, Marcos Chor; MONTEIRO, Simone. Feminismo negro: raça, identidade e saúde reprodutiva no Brasil (1975-1993). Estudos Feministas, Florianópolis, v. 20, n. 1, p. 133-151, jan./abr. 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/NLv5Bs6zRGHhzCZ8859x9dS/abstract/?lang=pt. Acesso em: 13 mar. 2025.
FEDERICI, Silvia. Além da pele: repensar, refazer e reivindicar o corpo no capitalismo contemporâneo. Tradução de Jamille Pinheiro Dias. São Paulo: Elefante, 2023.
FOUCAULT, Michel. Aula de 17 de março de 1976. In: FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 285-315.
GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Organização de Flavia Rios e Marcia Lima. Rio de Janeiro: Zahar, 2020. p. 75-93.
GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Raças e racismos, junções e disjunções. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, São Paulo, v. 36, n. 2, p. 37-59, 2024. Disponível em: https://revistas.usp.br/ts/article/view/221936. Acesso em: 13 mar. 2025.
GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Racismo e antirracismo no Brasil. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2009.
GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo; CAMPOS, Luiz Augusto; GATO, Matheus. Introdução: por uma sociologia do racismo. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, São Paulo, v. 36, n. 2, p. 5-12, 2024. Disponível em: https://revistas.usp.br/ts/article/view/226504. Acesso em: 13 mar. 2025.
LARA, Bruna de. As laqueaduras de emergência dispararam no Brasil – e ninguém sabe por que. Intercept Brasil, [s. l.], 18 jul. 2018. Disponível em: https://www.intercept.com.br/2018/07/18/laqueaduras-emergencia-dispararam/. Acesso em: 3 mar. 2025.
LÔBO, Jade Alcântara. “Defeito de fabricação”: maternidades negras em Ilhéus/BA. 2020. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2020.
LOPES, Fernanda. Justiça reprodutiva: um caminho para justiça social e equidade racial e de gênero. Organicom, São Paulo, ano 19, n. 40, p. 216-227, set./dez. 2022. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/organicom/article/view/205773. Acesso em: 13 mar. 2025.
LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, 2014. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/36755. Acesso em: 13 mar. 2025.
MANICA, Daniela Tonelli. Contracepção, natureza e cultura: embates e sentidos na etnografia de uma trajetória. 2009. Tese (Doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.
MATTAR, Laura Davis; DINIZ, Carmen Simone Grilo. Hierarquias reprodutivas: maternidade e desigualdades no exercício de direitos humanos pelas mulheres. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 16, n. 40, p. 107-120, 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/XqxCrSPzLQSytJjsFQMdwjb/abstract/?lang=pt. Acesso em: 13 mar. 2025.
MBEMBE, Achille. Necropolítica. Arte & Ensaios: Revista do PPGAV/EBA/UFRJ, Rio de Janeiro, n. 32, p. 122-151, dez. 2016. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993. Acesso em: 13 mar. 2025.
MEDEIROS, Monique Ximenes Lopes de . Conflitos de Estado nas comissões parlamentares de inquérito sobre “planejamento familiar”: esterilização, soberania nacional, nordeste e corpos femininos. Antropolítica, Revista Contemporânea de Antropologia, Niterói, v. 55, n. 2, maio/ago. 2023. Disponível em: https://periodicos.uff.br/antropolitica/article/view/56440. Acesso em: 5 fev. 2025.
MILLS, Charles. O contrato racial: edição comemorativa de 25 anos. Rio de Janeiro: Zahar, 2023.
MUNANGA, Kabenguele. Nosso racismo é um crime perfeito: entrevista com Kabengele Munanga. Fundação Perseu Abramo, [s. l.], 8 set. 2010. Disponível em: https://fpabramo.org.br/2010/09/08/nosso-racismo-e-um-crime-perfeito-entrevista-com-kabengele-munanga/. Acesso em: 18 out. 2023.
NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. São Paulo: Perspectivas, 2016.
PEREIRA, Amilcar Araujo. O mundo negro: relações raciais e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2013.
SANTOS, Ynaê Lopes dos. Racismo brasileiro: uma história da formação do país. São Paulo: Todavia, 2022.
TENHA UM ESCRAVO em casa. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1 jun. 1986. Disponível em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=030015_10&Pesq=1%20de%20junho%201986&pagfis=169546. Acesso em: 3 mar. 2025.
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2025 Manuela Nascimento

Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
O conteúdo da revista Antropolítica, em sua totalidade, está licenciado sob uma Licença Creative Commons de atribuição CC-BY (http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt).
De acordo com a licença os seguintes direitos são concedidos:
- Compartilhar – copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato;
- Adaptar – remixar, transformar, e criar a partir do material para qualquer fim, mesmo que comercial;
- O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.
De acordo com os termos seguintes:
- Atribuição – Você deve informar o crédito adequado, fornecer um link para a licença e indicar se alterações foram feitas. Você deve fazê-lo em qualquer maneira razoável, mas de modo algo que sugira que o licenciante o apoia ou aprova seu uso;
- Sem restrições adicionais — Você não pode aplicar termos jurídicos ou medidas de caráter tecnológico que restrinjam legalmente outros de fazerem algo que a licença permita.