O bebê fraturado: um caso de sequestro de crianças pelo Estado e o lugar do trabalho da equipe técnica interprofissional do judiciário

Autores

DOI:

https://doi.org/10.22409/antropolitica2025.v57.i1.a64166

Palavras-chave:

Sequestro, Estado, Racismo.

Resumo

Este trabalho pretende ser um relato de experiência como psicóloga na equipe interprofissional da Vara da infância e Juventude do Tribunal de Justiça em um município da região metropolitana do Estado de São Paulo. A partir da leitura crítica do processo judicial apoiada em referências teóricas como Foucault e Mascaro, bem como na produção científica crítica do campo da psicologia jurídica, do direito e da antropologia da infância, foi pensado o papel da equipe interprofissional na intervenção e produção de relatório no Judiciário. Para tanto, tratou-se de trazer à reflexão as intervenções e produção de relatório psicológico em um processo judicial de pedido de medida protetiva de acolhimento institucional. Assim, no âmbito do judiciário, foi solicitado por decisão judicial o pedido de estudo psicossocial acerca dos genitores da bebê Catarina, com dois meses, que havia sido retirada de sua família. Diversos pesquisadores têm denunciado a ilegalidade e violência subjacente de tais práticas de retirada arbitrária de crianças de suas famílias biológicas sob o pretexto de lhes garantir proteção integral. Tais processos vêm sendo nomeados criticamente como sequestro, separação precoce ou retirada compulsória de crianças pelo Estado. Nesse sentido, o artigo pretendeu reconstruir o percurso da produção da verdade médico-jurídica produzida pela parceria entre Ministério Público, poder judiciário e instituição da saúde. Evidenciou-se como a produção da verdade médico-jurídica tampouco se apoiou em pressupostos empíricos e científicos da clínica médica, sendo informada por representações, estereótipos e formas de tratamento historicamente praticadas socialmente com as famílias das classes trabalhadoras e racializadas. O artigo procurou apontar para como as concepções, imaginações e afetos naturalizados sobre as famílias das classes trabalhadoras e racializadas se materializam por meio de formas coercitivas de tratamento em diversas instituições estatais.

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Biografia do Autor

Gabriela Balaguer, Tribunal de Justiça de São Paulo

Psicóloga judiciária no Tribunal de Justiça de São Paulo. Doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

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Publicado

2025-04-01

Como Citar

Balaguer, G. (2025). O bebê fraturado: um caso de sequestro de crianças pelo Estado e o lugar do trabalho da equipe técnica interprofissional do judiciário. Antropolítica - Revista Contemporânea De Antropologia, 57(1). https://doi.org/10.22409/antropolitica2025.v57.i1.a64166

Edição

Seção

Dossiê Temático