O excesso no matar e a dor em excesso: dilemas etnográficos a partir de uma narrativa de violência, morte e luto

Autores

DOI:

https://doi.org/10.22409/antropolitica2025.v57.i1.a64377

Palavras-chave:

Violência, Etnografia, Linchamento, Subjetividade.

Resumo

O objetivo deste artigo é refletir sobre os dilemas etnográficos envolvidos em narrativas de dor, morte e violência. A partir de um caso de linchamento público de Gabriel, um jovem negro morador de favela, acompanhado durante a pesquisa de campo, proponho refletir sobre alguns dilemas levantados por pesquisas que trabalham com violência. Assim, a proposta deste artigo é de âmbito ético e metodológico, já que toma como base os desafios encontrados na feitura e escrita da etnografia, em momentos nos quais somos confrontadas com a violência, com o excesso, com o terror e a morte. O ponto de partida da argumentação é a narrativa de Auxiliadora, mãe de Gabriel, que conta sobre as sucessivas mortes – físicas e simbólicas – pelas quais ele passa. Na medida em que se trata de contextos marcados pela sobreposição de violências, como capturar e expressar experiências invisíveis, escondidas e que acessam dores e memórias, tornando-as inteligíveis no texto etnográfico? Como dar sentido antropológico aos silêncios e a outras linguagens utilizadas pelos sujeitos desta pesquisa, a fim de entender o caráter cotidiano e ordinário destas violências? Como expressar – para além do vocabulário do trauma – vivências de sofrimento, horrores, nas quais toda palavra parece insuficiente? Quais os mecanismos que constroem o corpo negro periférico como o inimigo a ser eliminado? Neste sentido, tomando como ponto de partida minha própria inserção em campo, busco discutir questões como vulnerabilidade, invisibilidade, metodologia de pesquisa e a própria construção do texto etnográfico, especialmente em momentos que parecem inenarráveis e nos quais meus próprios sentimentos se infiltram na etnografia.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Carolina Parreiras, Universidade de São Paulo

Pesquisadora do departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo e coordenadora do Laboratório Etnográfico de Estudos Tecnológicos e Digitais. Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas.

Referências

BUTLER, Judith. Precarious Life. The powers of mourning and violence. London: Verso, 2005.

BUTLER, Judith. Rethinking vulnerability and resistance. In: BUTLER, Judith; GAMBETTI, Zeynep; SABSAY, Leticia (ed.). Vulnerability in resistance. Durham: Duke University Press, 2015. p. 12-27.

DAS, Veena. Affliction. Health, disease, poverty. New York: Fordham University Press, 2015.

DAS, Veena. Anthropological knowledge and collective violence: the riots in Delhi. Anthropology Today, [s. l.], v. 1, n. 3, 1985.

DAS, Veena. Language and body: transactions in the construction of pain. In: DAS, Veena; KLEINMAN, Arthur; LOCK, Margaret. Social Suffering. Berkeley: University of California Press, 1997. p. 67-91.

DAS, Veena. Life and Words. Violence and the descent into the ordinary. Berkeley: University of California Press, 2008.

DAS, Veena. O ato de testemunhar: violência. Gênero e subjetividade. Cadernos Pagu, Campinas, n. 37, jul./dez. 2011. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8645006. Acesso em: 11 mar. 2025.

DAS, Veena; POOLE, Deborah. El Estado y sus márgenes. Etnografias comparadas. Cuadernos de Antropologia Social, [s. l.], n. 27, p. 19-52, 2008.

EFREM FILHO, Roberto. A reinvindicação da violência: gênero, sexualidade e a constituição da vítima. Cadernos Pagu, Campinas, v. 50, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cpa/a/yqB44RTrVnJ86584ccHk8qp/abstract/?lang=pt. Acesso em: 11 mar. 2025.

ENG, David; KAZANJIAN, David. Loss. The politics of mourning. Berkeley: University of California Press, 2003.

FARIAS, Juliana. Da capa de revista ao laudo cadavérico: pesquisando casos de violência institucional em favelas cariocas. In: BIRMAN, Patrícia; LEITE, Márcia Pereira; MACHADO, Carly; CARNEIRO, Sandra de Sá (ed.). Dispositivos urbanos e trama dos viventes: ordens e resistências. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015. p. 419-449.

GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, São Paulo, p. 223-244, 1984.

KILOMBA, Grada. Memórias da plantação. Episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.

LAUGIER, Sandra. The ethics of care as a politics of the ordinary. New Literary History, vol. 46, n. 2, 2015, p. 217-240.

LOBATO, Ana Laura. Regimes de inteligibilidade sobre linchamentos no Brasil contemporâneo. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2025.

MATTAR, Viviane. Emergências sanitárias: fome, violências e resistências entre moradoras de uma favela do Rio de Janeiro no contexto pandêmico. 2023. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2023.

MBEMBE, Achille. Necropolitics. In: CAMPBELL, Timothy; SITZE, Adam (ed.). Biopolitics. A reader. Durham: Duke University Press, 2013. p. 161-192.

MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. São Paulo: n-1 edições, 2020.

NASCIMENTO, Beatriz. Uma história feita por mãos negras. São Paulo: Zahar, 2021.

NAVIA, Angela Facundo. A incomensurabilidade do horror: classificação e distinção nas experiências de desterro e exílio. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 67, 2024. Disponível em: https://revistas.usp.br/ra/article/view/218721. Acesso em: 11 mar. 2025.

PARREIRAS, Carolina. Menor and novinha: a reflection on the meanings, nominations and narratives of adolescence in Rio de Janeiro favelas. In: HENNING, Carlos Eduardo; DEBERT, Guita Grin; SIMÕES, Julio Assis (ed.). Gender, Sexuality and Life Course. Research and Dialogues over Contemporary Social Transformations. Wilmington: Vernon Press, 2025. p. 95-115.

PARREIRAS, Carolina. Etnografia e uso de plaformas digitais. Aprendendo com o WhatsApp. Novos Debates, Brasília, vol. 10, n. 1, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.48006/2358-0097/V10N1.E101011 . Acesso em 11 mar. 2025.

PARREIRAS, Carolina. Vulnerabilidades, dilemas e dores: fragmentos de uma pesquisadora das/nas violências. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 27, n. 1, p. 274–294, 2018. Disponível em: https://revistas.usp.br/cadernosdecampo/article/view/142127. Acesso em: 25 fev. 2025.

PARREIRAS, Carolina. Vulnerabilities and the dilemmas of writing: gender-based violence in the field. LOVA, Special Issue – Harassment in the field, n. 42, p. 62 - 90, 2021. Disponível em: https://lovanetwork.org/wp-content/uploads/2024/01/LOVA-Journal-42-LR-Vulnerabilities-and-the-dilemmas-of-writing.pdf. Acesso em: 28 fev. 2025.

TAUSSIG, Michael. Xamanismo, colonialismo e o homem selvagem. São Paulo: Paz e Terra, 1993.

TRONTO, Joan. Moral boundaries. A political argument for na ethic of care. New York: Routledge, 1993.

VIANNA, Adriana de Resende Barreto; FARIAS, Juliana. A guerra das mães: dor e política em situações de violência institucional. Cadernos Pagu, Campinas, v. 37, 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cpa/a/pWRzSNMsG4zD8LRqXhBVksk/?lang=en. Acesso em: 11 mar. 2025.

VIANNA, Adriana; NAVIA, Angela Facundo; EFREM FILHO, Roberto. Dossiê Terror e Intimidade: perspectivas etnográficas e desafios conceituais. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 67, 2024. Disponível em: https://revistas.usp.br/ra/article/view/192535. Acesso em: 11 mar. 2025.

Downloads

Publicado

2025-04-01

Como Citar

Parreiras, C. (2025). O excesso no matar e a dor em excesso: dilemas etnográficos a partir de uma narrativa de violência, morte e luto. Antropolítica - Revista Contemporânea De Antropologia, 57(1). https://doi.org/10.22409/antropolitica2025.v57.i1.a64377

Edição

Seção

Dossiê Temático