Além das “anedotas”: antropologia e alteridades etnográficas na prestação de serviços para uma pesquisa em saúde em Angola

Autores

DOI:

https://doi.org/10.22409/antropolitica2025.v57.i1.a64606

Palavras-chave:

Antropologia, Cooperação Internacional, HIV/AIDS, Angola, Etnografia.

Resumo

Este artigo relata experiências que tive como pesquisadora brasileira em formação em Antropologia durante trabalho de campo em Angola, no início dos anos 2010, e reflete sobre os desafios da pesquisa etnográfica em contextos de cooperação internacional. Apresento o cenário político à época para as relações Brasil-continente africano, que permitiram a inserção em campo como prestadora de serviços para pesquisa epidemiológica sobre HIV/aids, financiada por uma agência internacional e executada por uma equipe brasileira. A pesquisa se desenrolou na província do Cunene, região fronteiriça com a Namíbia, marcada por intensa mobilidade de pessoas entre os países e estigmatização de mulheres que viveram mais tempo na Namíbia, estas frequentemente associadas à prostituição e à disseminação do HIV. Relato as dificuldades em conciliar as demandas dos financiadores por “populações-alvo” e “variáveis específicas” com a complexidade da realidade social observada, que desafiava as categorias preestabelecidas e evidenciava a vulnerabilidade generalizada à epidemia. Destaco tensões entre diferentes atores envolvidos na cooperação internacional, evidenciando a hierarquização dos saberes e certa desvalorização de dados qualitativos e da perspectiva antropológica, considerada “anedótica” pelos financiadores. Questiono a imposição de agendas externas e a reificação de estereótipos em detrimento da compreensão das dinâmicas sociais locais. Por fim, reflito sobre atravessamentos presentes no decorrer da pesquisa como gênero, raça e nacionalidade, e como estes influenciaram as interações em campo. Concluo enfatizando a importância da antropologia na produção de conhecimento crítico e situado, capaz de questionar assimetrias de poder e contribuir para dirimir processos de injustiça e silenciamentos.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Camila Alves Machado Sampaio, Universidade Federal do Maranhão

Docente do Departamento de Sociologia e Antropologia e do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão. Doutora em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Referências

AGOSTINI, Rafael; ROCHA, Fátima; MELO, Eduardo; MAKSUD, Ivia. A resposta brasileira à epidemia de HIV/AIDS em tempos de crise. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 24, n. 12, p. 4599-4604, dez. 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/8kskKTq9StVQYtMxrwrb4KL/. Acesso em: 11 mar. 2025.

ALMEIDA, Celia; CAMPOS, Rodrigo; BUSS, Paulo; FERREIRA, José Roberto. A concepção brasileira de “cooperação Sul-Sul estruturante em saúde”. Revista Eletrônica de Comunicação Informação e Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 25-35, 2010. Disponível em: https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/696. Acesso em: 11 mar.2025

CESARINO, Letícia. Anthropology of development and the challenge of South-South cooperation. Vibrant – Virtual Brazilian Anthropology, Brasília, DF, v. 9, n. 1, jan./jun. 2012a. Disponível em: https://www.scielo.br/j/vb/a/F58rxnMwdDPHVSphNHwQDfP/?lang=en. Acesso em: 11 mar. 2025.

CESARINO, Letícia. Brazilian postcoloniality and south-south cooperation: a view from anthropology. Portuguese Cultural Studies, [s. l.], v. 4, p. 85-113, 2012b. Disponível em: https://doi.org/10.7275/R5XS5S99. Acesso em: Acesso em 11 mar. 2025

FACCHINI, Regina; PINHEIRO, Thiago Félix; CALAZANS, Gabriela Junqueira. Prevenção de HIV/aids, produção de diferenças e processos de mudança social. Sexualidad, Salud y Sociedad, Rio de Janeiro, n. 29, p. 253-262, 2018. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.scielo.br/j/sess/a/GsnWvhC4PmtzcxjWxMf5Nqk/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 11 mar. 2025.

HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, Campinas, n. 5, p. 7-41, 2009. Disponível em: https://shorturl.at/4Y16l. Acesso em: 4 mar. 2024.

HODGES, Tony. Angola: do afro-estalinismo ao capitalismo selvagem. Cascais: Princípia, 2002.

HUNTER, Mark. The Materiality of Everyday Sex: thinking beyond “prostitution”. African Studies, Abingdon, v. 61, n. 1, p. 99-120, 2002.

KAUFMAN, Carol; STAVROU, Stavros E. “Bus fare please”: the economics of sex and gifts among young people in urban South Africa. Culture, Health, Sexuality, Abingdon, v. 6, n. 5, p. 377-391, 2004.

LATOUR, Bruno; BANNAGGIA, Gabriel. Não é a questão: Bruno Latour. Revista de Antropologia da UFSCar, São Carlos, v. 7, n. 2, p. 73-77, 2015. Disponível em: https://shorturl.at/rCBsk. Acesso em: 15 ago. 2024.

LEGAL ASSISTANCE CENTRE. “Whose Body is it?”: Commercial Sex Work and the Law in Namibia. Windhoek: LAC, 2002.

MAUSS, Marcel. As técnicas do corpo. In: MAUSS, Marcel. Sociologia & antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. p. 399-422.

MORA, Claudia; FRANCH, Monica; MAKSUD, Ivia; RIOS, Luís Felipe. HIV/aids: sexualidades, subjetividades e políticas. Sexualidad, Salud y Sociedad, Rio de Janeiro, n. 30, p. 141-152, set. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sess/a/nnbnQFV9v5fCTTbYMpCCm4P/. Acesso em: 11 mar. 2025.

NAMIBIA. Ministry of Education. Evaluation of My Future is My Choice: Peer education life skills programme in Namibia. Windhoek: HIV and AIDS Management Unit, 2008a.

NAMIBIA. Ministry of Health and Social Services. Report on the 2008 National HIV Sentinel Survey. Windhoek: Ministry of Health and Social Services, 2008b.

PARKER, Richard. Sexuality, Culture, and Power in HIV/AIDS Research. Annuary Review of Anthropology, San Mateo, v. 30, n. 163-179, 2001.

PARSITAU, Damaris. ‘Keep Holy Distance and Abstain till He Comes’: Interrogating a Pentecostal Church Discourses and Engagements with HIV/AIDS and the Youth in Kenya, Africa Today, Bloomington, v. 56, n. 1, p. 44-64, 2009.

PINHO, Adriana et al. Relatório técnico final do Estudo de vigilância Comportamental e Sorológica para VIH e sífilis em Mulheres Jovens envolvidas em Sexo Transacional na Fronteira entre Angola-Namíbia. [S. l.: s. n.], 2010.

PINHO, Adriana. Trocas afetivo-sexuais e econômicas e AIDS na fronteira entre Angola e Namíbia. 2012. Tese (Doutorado em Epidemiologia em Saúde Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2012.

POPULATION SERVICES INTERNATIONAL. “Milking the Cow”. Young Women´s Constructions of Identity, Gender, Power and Risk in Transactional and Cross-Generational Sexual Relationships: Maputo: First Report, 2005.

RENNKAMP, Britta “‘Desenvolvimento em primeiro lugar’ no G20 e nos BRICS? Reflexões sobre a política externa do Brasil e a Sociedade Civil”, In: BARTELT, Danilo (org.). Um campeão visto de perto: uma análise do modelo de desenvolvimento brasileiro. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2012. p. 160-175.

REYES, Marcelo. O Atlântico Sul: seu passado recente, cooperação e perspectivas de potenciais conflitos. In: GONÇALVES, Jonuel (org.). Atlântico Sul XXI. África Austral e América do Sul na virada do milênio. São Paulo: Editora Unesp, 2009. p. 17-41. .

RIBEIRO, Claudio. As relações político-comerciais Brasil-África (1985-2006). 2007. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

RIZEK, Cibele. Práticas culturais e ações sociais: novas formas de gestão da pobreza. Cadernos PPG-AU/FAUFBA, Salvador, v. 1, p. 127-142, 2011. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/ppgau/article/view/60353. Acesso em: 11 mar. 2025.

SAMPAIO, Camila Alves Machado. A Igreja Universal do Reino de Deus na Reconstrução Nacional de Angola. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, p. 123-146, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0100-85872020v40n2cap06. Acesso em: 2 fev. 2025.

SAMPAIO, Camila Alves Machado. Através e apesar da “Reconstrução Nacional” em Angola: circunstâncias e arranjos nos limites da vida. 2014. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

SAMPAIO, Camila Alves Machado. Lembranças do pós-guerra no sul de Angola: vivências e reconstrução da vida cotidiana. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 60, n. 3, p. 257-283, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2017.141652. Acesso em: 2 fev. 2025.

SANTANA, Ivo de. O despertar empresarial brasileiro para o mercado africano nas décadas de 1970 a 1990. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, jun. 2003.

SANTANA, Ivo de. Relações Econômicas Brasil-África: a Odebrecht e a experiência angolana. A Economia em Revista, Maringá, v. 12, p. 25-46, 2004.

SWIDLER Ann; WATKINS, Susan. Ties of Dependence: AIDS and Transacional Sex in Rural Malawi. [S. l.]: California Center for Population Research On-Line Working Paper Series, 2006.

Downloads

Publicado

2025-04-01

Como Citar

Sampaio, C. A. M. (2025). Além das “anedotas”: antropologia e alteridades etnográficas na prestação de serviços para uma pesquisa em saúde em Angola. Antropolítica - Revista Contemporânea De Antropologia, 57(1). https://doi.org/10.22409/antropolitica2025.v57.i1.a64606

Edição

Seção

Dossiê Temático