O processo de patrimonialização da Coleção Perseverança como patrimônio de memória sensível

Autores

DOI:

https://doi.org/10.22409/antropolitica2025.v57.i1.a65645

Palavras-chave:

Coleção Perseverança, Patrimonialização, Valoração, Memória sensível.

Resumo

O presente artigo parte de uma prática etnográfica desenvolvida junto à instrução de tombamento federal da Coleção Perseverança, composta por mais de 200 objetos roubados de terreiros alagoanos no violento episódio de perseguição religiosa conhecido como Quebra de Xangô, ocorrido em Maceió no ano de 1912. O objetivo compreende explorar o processo de atribuição de valores aos objetos a partir de interlocuções com religiosas(os) de Matriz Africana, as quais foram viabilizadas por meio de um Grupo de Trabalho constituído pela unidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Alagoas. Como referencial teórico, além das discussões conceituais relativas ao campo do patrimônio, mobilizo as noções de silenciamento do passado e de regimes de valor das coisas. Inicialmente, apresento um breve panorama dos ataques de 1912 em Maceió e abordo as distintas formas de silenciamento que perpassam o Quebra de Xangô como processo histórico. Em seguida, caracterizo a interlocução desenvolvida na instrução de tombamento e argumento acerca de um processo de patrimonialização mais amplo da Coleção Perseverança levado a cabo pelo Povo de Santo de Alagoas. Finalmente, problematizo os tensionamentos implicados pela valoração dos objetos como patrimônio de memória sensível. Como substrato etnográfico, mobilizo principalmente discussões e entrevistas realizadas com religiosas(os) de Matriz Africana no âmbito da instrução de tombamento. A análise aponta para a forma pela qual a memória sensível e subterrânea, que emerge como valor da Coleção Perseverança, contesta os silenciamentos produzidos em torno do Quebra de Xangô, bem como da repressão pós-Quebra, e denota um regime de valor que tensiona a objetificação científico-museal, levantando questionamentos sobre o lugar do sagrado nos museus.

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Biografia do Autor

  • Maicon Fernando Marcante, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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Publicado

2025-08-03

Edição

Seção

Dossiê Temático

Como Citar

O processo de patrimonialização da Coleção Perseverança como patrimônio de memória sensível. (2025). Antropolítica - Revista Contemporânea De Antropologia, 57(1). https://doi.org/10.22409/antropolitica2025.v57.i1.a65645