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É inquestionável para os Estudos Estratégicos a maneira impactante com que a tecnologia e suas, cada vez mais, aceleradas transformações têm redefinido os conflitos militares do nosso tempo. As duas grandes guerras mundiais que marcaram o século XX são, sob diversas análises, uma clara demonstração de como a capacidade científica desenvolvida pelos seres humanos foi decisiva para possibilitar a destruição da vida humana de maneiras mais eficientes e em proporções, ainda, maiores até chegar ao paroxismo da bomba atômica, capaz de destruir toda a vida neste planeta. Como consequência, seguindo as novas possibilidades abertas pela ciência aplicada (tecnologia), a maneira de se fazer a guerra foi mudando desde a sua organização básica em blocos concentrados e lineares de infantaria, na época das guerras napoleônicas, até a estruturação em frentes múltiplas, crescentemente irregulares, atuando junto a uma infantaria dispersa em pequenos grupos especializados apoiados pelo poder aéreo, carros de combate e o fogo concentrado da artilharia pesada, conforme vimos no final do século XX.

Entretanto, foi somente na década de 2000, com a popularização dos computadores pessoais e da internet transformando, completamente, a maneira como a sociedade e mundo se organizavam em todos os níveis das esferas sociais, que o fenômeno da guerra efetivamente migrou de um modelo mais rígido, clausewitziano, baseado em estratégias convencionais diretamente apoiadas no poder bélico estatal e em batalhas campais, para um modelo de flexibilidade crescente, apoiado no que passou a se chamar de "guerra híbrida", ou seja, um teatro de operações amplo, abrangendo simultaneamente todos os domínios de ação, onde a tecnologia permitiu tanto aos atores estatais quanto aos menos poderosos, não estatais, uma efetividade em ataques diversificados até então desconhecida. Como exemplo, basta lembrar que a insurgência terrorista, outrora associada a ações de efeito localizado e limitado, em 11 de setembro de 2001, rasgou uma profunda ferida na cidade que é o coração do país mais poderoso do mundo em termos econômicos e militares, deflagrando imediatamente a reação de âmbito global chamada de "guerra ao terror" que, sequencialmente, levou à invasão do Afeganistão naquele mesmo ano e do Iraque em 2003.

O início do século XXI demarcou o momento em que a atuação das redes terroristas, simultaneamente em meio virtual e real, e dos aviões de ataque remotamente controlados, chamados drones, mudaram sobremaneira a maneira de se fazer e pensar as guerras. E com o uso cada vez mais intenso da tecnologia digital para fins militares, as redes de computadores acabaram por se tornar um domínio próprio visando a realização de operações específicas de inteligência (espionagem e monitoração), apoio a campanhas terrestres (invasão russa da Geórgia em 2008) e até a destruição direta de alvos inimigos (o Stuxnet e as centrífugas iranianas). Também, a ampla adoção da navegação militar por sistemas de satélites (GPS), consolidada durante a Guerra do Golfo em 1990-91, aumentou enormemente a precisão dos equipamentos militares, tanto para os veículos, navios e aviões quanto para as bombas e mísseis, inaugurando, desta forma, a era dos "ataques cirúrgicos" onde pilotos confortavelmente situados a centenas, às vezes milhares de quilômetros do teatro de operações, são capazes de atingir alvos com a dimensão de uma única pessoa no meio de uma cidade grande situada em qualquer lugar do planeta. Uma categoria de ataque que se tornou comum com a conjugação de drones e mísseis teleguiados para assassinar líderes militares e de facções terroristas no Afeganistão, Iraque e em todo o Oriente Médio.

Embora a essência da guerra, conforme afirma Clausewitz em sua obra seminal, tenha se mantido a mesma (a obtenção de objetivos políticos), os meios, atores e teatros de operação diversificaram-se bastante, continuando a se transformar intensamente nestes últimos anos com a acelerada adoção de recursos de avançados de microprocessamento e inteligência artificial nos armamentos. Isso pode ser notado no recente ataque ucraniano sobre as bases militares no interior da Rússia, quando foram destruídos dezenas de aviões bombardeiros de altíssimo valor tático, além de econômico. A partir do emprego de um grande número de pequenos drones caseiros adaptados, avaliados em poucas centenas de dólares cada, foram abatidos estes alvos de elevado valor comercial para a indústria de Defesa.

As características das guerras atuais, agregando elementos de guerra convencional (tropas, tanques, caças, bombardeiros...) com táticas irregulares (guerrilha, sabotagem, terrorismo, insurgências, assassinatos...), a participação de atores não estatais (por exemplo: o grupo Wagner na Ucrânia e os Houtis, Hamas e Hezbollah no Oriente Médio...), combates urbanos de alta intensidade (conforme tem acontecido na Síria, Gaza, Iraque, Irã...), drones (de diversos tipos e capacidades), ataques cibernéticos (do mais variados tipos que vão desde a monitoração remota até o comprometimento de infraestruturas) junto ao uso cada vez mais amplo de desinformação difusa e de alto impacto nas redes sociais da internet, trouxeram complexidade e interdisciplinaridade inéditas aos estudos dos conflitos. Em consequência, os textos selecionados para este dossiê temático, da décima sexta edição da Revista Hoplos, são dedicados a pensar a guerra e seus meios nos contextos mais relevantes para a realidade hodierna.

Outrossim, numa associação teórica incomum, mas consistente e efetiva, o artigo "Hezbollah, a guerra e a guerrilha: reflexões a partir de Clausewitz e Mao Tsé-Tung" busca entender a atuação do braço armado do Hezbollah a partir do pensamento destes dois grandes estrategistas para identificar a atualidade e os limites de suas abordagens perante o caráter irregular das guerras mais recentes. Ainda, buscando explorar as convergências e divergências entre a guerra atual e o sempre presente pensamento clausewitziano, duas pesquisas desta edição analisam conflitos de alta relevância teórica e política no contexto em que vivemos.

O artigo "A Trindade Clausewitziana e os Desafios do Sahel" utiliza a teoria consagrada do general prussiano para lançar luz sobre a beligerância específica da região do Sahel na África subsaariana, considerando o entrelaçamento de interesses econômicos, geopolíticos e de segurança com a instabilidade política constante e a fragilidade das instituições locais. Já o trabalho "Da Guerra (Revolucionária): a influência de Clausewitz nas estratégias e táticas da revolução" procura compreender o movimento Naxalita na Índia e os princípios que orientam a guerra revolucionária a partir da influência das ideias de Clausewitz sobre suas estratégias e táticas. A percepção de que a guerra revolucionária se aproxima do conceito de "guerra absoluta" é um dos grandes insights desta pesquisa.

Ademais, desenvolvendo sobre a complexidade das relações culturais e étnicas que envolvem os conflitos associados aos processos históricos de colonização territorial, o artigo "Estado-Nação e Homogeneização de povos" busca analisar, criticamente, o conceito de Estado-nação e sua relação com a formação do exército angolano, evidenciando a incongruência desta realidade: sua natureza utópica com base em preceitos de homogeneização dos povos originários de um mesmo território.

Em prosseguimento, retornando a análise das relações mais diretas entre tecnologia e a guerra contemporânea, os trabalhos "Clausewitz negligenciou a tecnologia?" e "Waltz online with nukes" se aprofundam na questão de como as transformações tecnológicas criaram não apenas novas maneiras de se fazer a guerra, mas, efetivamente, criaram novos modelos de guerra que demandam estudos cada vez mais específicos. Além destes, no artigo “Os afetos e as guerras: uma contribuição sobre o apego de militares à estética tecnológica das armas a partir de Alliez e Lazzarato, Kaldor e Chamayou”, o autor aborda a persuasão tecnológica sobre os militares a partir de novos sistemas de armas, como os drones, além das dinâmicas afetivas geradas em operações militares, como a partir do porta-aviões USS Abraham Lincoln, da marinha dos Estados Unidos da América, diante das suas atualizações tecnológicas.

 Já o artigo "'O Arsenal Barroco': armamento e guerra na perspectiva de Florestan Fernandes" nos surpreende ao fazer uma análise da maneira com que a mudança tecnológica impacta as funções sociais e hierárquicas das forças armadas a partir de um ponto de vista inusitado: o trabalho de Florestan Fernandes sobre a guerra na sociedade tupinambá. A percepção de que o conflito bélico, mais do que uma prática militar, desempenha um papel estruturante na organização social e política, estabelecendo laços de coesão e reafirmando identidades coletivas, é utilizada como ponto de partida para tentar compreender a guerra híbrida e os desafios impostos pelas novas tecnologias às estruturas hierárquicas tradicionais. 

Enfim, explorando um aspecto de grande importância para os estudos de guerra psicológica aplicados ao mundo digital, o artigo "A Guerra no Século XXI: a construção da identidade do terrorista como o 'outro' na guerra ao terror" vai ao âmago de uma das questões mais presentes nestes nossos dias: a manipulação de opinião através de redes sociais. A autora busca entender a desumanização do terrorista, um dos principais elementos do imaginário associado à "guerra ao terror" como uma maneira de o Estado legitimar o uso de práticas e tecnologias de violência, constituindo, assim, um exercício de necropolítica, segundo a visão de Achille Mbembe.

Portanto, é com grande satisfação que agradecemos aos nossos autores e autoras, Afonso Brito Bandeira, Daniel Rei Coronato, Fabiana Fernandes Firmo, Guilherme Theodoro Gusson, Lais Cavallin Rodrigues, Liz Yumi Barreto Tamezava, Karime Ahmad Borraschi Cheaito, Náira Gondar Marchesi, Nicole Grell Macias Dalmiglio, e Paulo Bittencourt, pelo interesse e disposição em compartilhar as suas pesquisas e publicar os seus artigos na Hoplos. Dedicamos e oferecemos aos nossos leitores esta seleção de trabalhos do Dossiê Temático “Pensar e Fazer a Guerra: a Contemporaneidade dos Clássicos”, que visa estimular reflexões qualificadas sobre o tema, fomentando novos questionamentos para profícuos debates acadêmicos.

Desejamos a todos uma ótima leitura!

O Comitê Editorial.

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Publicado

2025-07-03

Número

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Editorial

Cómo citar

Editorial. (2025). Hoplos - Revista De Estudos Estratégicos E Relações Internacionais, 9(16), 5-8. https://periodicos.uff.br/hoplos/article/view/68435