Desfazer/refazer a condição pós-conceitual
DOI:
https://doi.org/10.22409/poiesis.1727.55-71Keywords:
in situ, anarquitetural, diagramáticoAbstract
Este artigo visa mostrar como os trabalhos de Daniel Buren e de Gordon Matta-Clark uma desconstrução ao mesmo tempo dos limites da autonomia da arte e da arquitetura. Mas se, por um lado, a crítica da autonomia da arte, que incorpora o nível exclusivo/inclusivo da crítica da arte conceitual - feita pelo “trabalho in situ” de Daniel Buren -, acaba por provocar uma situação de não- -arquitetura na medida em que ele trabalha sob e sobre a arquitetura; por outro, a radicalização desta situação só se dará efetivamente nas operações feitas por Matta-Clark quando este ataca os fundamentos mesmos da arquitetura em nome de uma “anarquitetura”. Comunicação apresentada na Jornada de estudos La condition postconceptuelle — De l’art contemporain que aconteceu na Universidade Paris 8, no dia 9 de maio de 2014.Downloads
References
Notas
BUREN, Daniel, Au sujet de… Entretien avec Jérôme Sans, Paris: Flammarion, 1998, p. 176-177 (as citações anteriores são retiradas
destas páginas).
Daniel Buren, Repères (1970), BUREN, Daniel. Les Écrits 1965-2012, vol. 1 : 1965-1995. Sous la direction de Marc Sanchez. Paris :
Flamarion : 2012, p. 144 ; p. 150. (A partir de agora esta obra virá abreviada como DB1).
Daniel Buren, Entretien avec Bernard Marcadé (1986), DB1, p. 1146. Buren opõe a esses Franceses “estrangeiros [que], ao contrário,
veem no trabalho de Matisse elementos que dependem da ideia, do pensamento” (grifo nosso). Permitindo-nos acrescentar que nosso
Pensamento-Matisse, vinte anos mais tarde, é exceção que confirma esta “regra” (cf. E. Alliez, J.-Cl. Bonne, La Pensée-Matisse,
Paris, Le Passage, 2005).
Daniel Buren, Mise en garde (1969), DB1, p. 82.
Ibid., p. 84. Impossível aqui de não assinalar a convergência com o pensamento deleuziano tal como se formula em Différence et
répétition, publicado em 1968.
Ver a formulação particularmente sintética que Buren propõe em uma entrevista de 1991: “A questão muito inteligente e interessante
da dita arte conceitual […], é recolocar o objeto em questão. […] A única diferença em relação a mim, é que penso que este
questionamento deve ser feito pelo viés do objeto, e certamente não através de seu desaparecimento”, cf. Buren par la bande (1991),
DB1, p. 1734.
O que é devidamente evidenciado no texto para o catálogo da exposição, cf. Daniel Buren, À propos de…, DB1, p. 354-55 (com foto
de Daniel Buren, Mot à Mot, Paris, Centre Pompidou, Éditions Xavier Barral, Éditions de la Martinière, 2002, C 96 / Couleur).
Daniel Buren, Au sujet de…, op. cit., p. 175. Este procedimento alfabético será rapidamente generalizado por Buren.
Cf. Daniel Buren, Au sujet de…, op. cit., p. 180: “Há razão para se desconfiar dos ‘danos’ da cor, a começar pelos efeitos retinianos
contra os quais Duchamp já nos advertia!” E também acrescentanda por toda a prática de Matisse, acresentariamos nós.
Ibid., p. 175.
aniel Buren, Repères (1970), DB1, p. 149. Com o que podemos apenas concordar plenamente, cf. Éric Alliez, Jean-Claude Bonne,
La Pensée-Matisse, in : Le Passage, Paris, p. 27 sq.
N.T. Aqui Alliez propõe um jogo de palavras impossível de reprodução em português: par la bande = en contrebande.
Daniel Buren, Au sujet de…, op. cit., p. 179. Para a crítica do “conceito” da arte conceitual colocando “no nível do objeto, o conceito
propriamente dito” e reduzindo-o consequentemente a um “conceito-objeto”, cf. Id., Mise en garde, DB1, p. 77. Significativemente
intitulado “En regard” e datado 1979/1980, a última versão de “Advertência” explicita que esta “visaria muito particularmente tudo o
que se faria coma nova mercadoria sob a etiqueta de ‘Arte conceital’” com a “multiplicação de objetos de valor medíocre”, etc. (Id., En
regard, DB1, p. 729-730). “A fetichização mesma estaria na raiz da Arte conceitual”, retoma ainda Buren em sua Entrevista com Michel
Parmentier e Anne Baldessari, cf. Daniel Buren, Michel Parmentier, “Propos délibérés” in Art édition, Lyon, 1991, p. 106. Daí que ele
teria sido “acadêmico desde a origem”, cf. Id., Fonction d’une exposition (1973), DB1, p. 344.
“Daniel Buren toma suas cores sem as escolher » era o título do primeiro artigo publicado sobre seu trabalho. Datado de 1965 e
assinado por Sarane Alexandrian, ele abre Les Écrits (DB1, p. 15-16) sob o signo do arbitrário e da exclusão do gosto, permitindo utilizar
de maneira mais objetiva as cores sem eliminar as relações que elas podemter entre si.
Observar, ainda sobre esse último ponto, o estatuto à parte dos grandes papéis recortados de Matisse.
Daniel Buren, “Certificat d’acquisition n°…”, DB1, p. 91-95.
Daniel Buren, Avertissement, reproduizada em fac-simile em Id., Mot à Mot, op. cit., A 50 / Avertissement.
Cf. Maria Eichorn, “On the Avertissement: Interview with Daniel Buren”, in John C. Welchman (éd.), Institutional Critique and After,
Zurich, SoCCAS – JPR Ringier, 2006, p. 98. O que levou Buren a definitivamente preferir a Advertência ao Certificado, que poderia
ainda conceitualmente substituir a obra e sua fisicalidade. Deve-se saber que Rolf Wedewer, em sua Introdução para o catálogo da
exposição Konzeption/Conception (1969), definiria muito precisamente a arte conceitual pela substituição da obra (de arte) pelo projeto (descrição, croquis) dotando a obra “de importância secundária” que pode nem ser realizada, cf. Rolf Wedewer, “Introduction to Konzeption/Conception”, in: Alexander Libero and Blake Stimson, Conceptual Art: A Critical Anthology, Cambridge – Londres, MIT Press, 1999, p. 142-143. (A advertência é, ainda hoje, utilizada por Buren “por ocasião de qualquer transação.”)
Ibid., DB1, p. 156-157. Nesta passagem, Buren cita Matisse ao lado de Mondrian, Pollock, Newman, Stella…, a saber, estes que
souberam alargar a “fissura” cezaniana.
N.Y. O termo é étalonage que por sua vez reenvia à obra de Duchamp 3 stoppages étalon.
Seguindo um gesto cujo princípio e a destinação arquitetônica poderão denominar os Ten Large Color Panels (250 x 950 cm) de
Gerhard Richter (1966-1971/2).
Daniel Buren, “Entrevista com Anne Baldessari” (1986), DB1, p. 1200.
Daniel Buren, Au sujet de…,op. cit., p. 178.
Daniel Buren, “Anatomie” (1976), DB1, p. 500.
Daniel Buren, “Sur Matisse” (1993), DB1, p. 1853.
“Estes pápeis, sobretudo aqueles de grandes dimensões, o Museu transforma-os de papelão (esboços) em telas (pinturas)”, e isso
“sob uma espessura tripla de plexi”, cf. Daniel Buren, Michel Parmentier, Propos délibérés, op. cit., p. 101. Os pápeis recortados foram assim “desnaturalizados pelos museus de arte moderna” (Daniel Buren, “Entrevista com Anne Baldessari”, DB1, p. 1202).
Daniel Buren, “Fonction du Musée” (1970), DB1, p. 162.
Daniel Buren, “Limites critiques” (1970), DB1, p. 171.
Cf. Daniel Buren, “Fonction du Musée”, DB1, p. 162.
Daniel Buren, “Fonction de l’atelier” (1971), DB1, p. 185-194
Bernard Blistène, “Daniel Buren, l’artiste, l’architecte et le géomètre” in: Annick Boisnard, Daniel Buren, Cabanes éclatées.
Catalogue raisonné thématique, vol. 2, Le Bourget, éditions 11/28/48, 2000, p. 7.
Cf. Daniel Buren: “A arte é exclusivamente política. Impõe-se então a análise dos limites formais e culturais e não um ou outro no
interior dos quais a arte existe e se debate.” (Id., “Limites critiques”, 1970, DB1, p. 180).
Ver a entrevista com Donald Wall, “Gordon Matta-Clark’s Building Dissections”, Arts Magazine, May 1976, republicada em Gordon
Matta-Clark. Works and Collected Writtings, ed. Gloria Moure, catálogo de exposição, Barcelona, Ediciones Poligrafa – Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Madrid, 2006, p. 61; trad. fr. de Raphaëlle Brin, in Gordon Matta-Clark, Entretiens, Paris, Éditions Lutanie, 2011, p. 73.
Na mesma entrevista: “Minha escolha de trabalhar com o meio ambinete urbano de modo geral e as estruturas dos edifícios
modificou todo meu sistema de referencia et me afastou da nobre temática dos grandes espaços naturais vazios que, para os artistas
da Land Art são as telas brancas sobre as quais se pode desenhar.” A entrevista prossegue: “Eu escolhi, ao contrário, não me isolar
das condições sociais existentes, e de trabalhar diretamente com elas (to deal directly with social conditions).” (WCW, p. 61 / E, p. 73).
Gordon Matta-Clark, “Completion through removal”, Catalogue entry, semdata, WCW, p. 89.
Gordon Matta-Clark, “The earliest cutout works”, sem data, WCW, p. 136.
Entrevista com Liza Bear, “Gordon Matta-Clark: Splitting the Humphrey Street Building”, Avalanche, December 1974, republicada
em WCW, p. 166 / E, p. 10.
De acordo com o testemunho de Tina Girouard sobre o Anarchitecture group formado por Matta-Clark ao lado de Suzanne Haris e Tina Girouard, e que estava aberto a outros participantes (Laurie Anderson, Caroline Gooden, Jeffrey Lew, Richard Nonas…). Cf.
Gordon Matta-Clark: A Retrospective, catálogo de exposição, Museum of Contemporary Art, Chicago, 1985, p. 121. Pode-se ler em
uma nota de cabeçalho “anarchitecturale”: “Solutions are the weakest forms at work” (WCW, p. 383). 39 Entrevista com Liza Bear, ibid. (WCW, p. 166 / E, p. 11). Matta-Clark apresenta assim o “programa” do coletivo Anarchitecture.
Em sua transformação anarquitetônica, o Non-site não é mais a galeria (onde se expõe o que aconteceu sobre o lugar de intervenção,
como em Smithson) mais um espaço de discussão e de proposições coletivas, ou seja, um espaço-tempo de problematização.
Gordon Matta-Clark, “Cutting through for surprise”, Notebook 1261, ca. 1970, WCW, p. 122.
Entrevista com Liza Bear, ibid. (WCW, p. 166 / E, p. 11). O exemplo proposto é do lugar onde você pode parar para amarrar seu
sapato. Para este humor tão duchampiano, trata-se de ridicularizar, ao mesmo tempo, as “ideias” de funcionalismo e de formalismo,
ou seja o caráter principal da arquitetura moderna desde Le Corbusier.
Marianne Brouwer, “Laying Bare”, in Gordon Matta-Clark, éd. Corinne Diserens, catálogo de exposição, IVAM (Valence) — Musée
Cantini (Marseille) — Serpentine Gallery (Londres), 1993, p. 363 (nós seguimos a edição francesa, Musées de Marseille). O que
aconteceu a Lawrence Wiener, que realmente caiu (sem gravidade) durante sua visita no último edifício investido por Matta-Clark,
Circus: Caribbean Orange (1978), alguns meses antes da morte precoce do artista, de um câncer do pâncreas, com trinta e cinco anos.
Ann-Sargent Wooster, “Gordon Matta-Clark”, Art News vol. 75, n° 8, October 1976, p. 124 (a epressão é dada como sendo do
Matta-Clark: “in his own words”), citado par Briony Fer, “Graphic Strategies from Matta to Matta-Clark”, op. cit., p. 42.
Briony Fer, ibid. Nós utilizamos aqui sua expressão em um sentido muito mais “desterritorializado” do que o que ela prega, determinado
pelo que ela denomina ainda “the precarious phenomenological experience of the Cibachromes” (p. 141).
De acordo com a expressão de Matta-Clark em sua entrevista com Judith Russi Kirshner (fevereiro 1978), WCW, p. 318 / E, p.
(“Bom para jogar fora”).
Ibid. WCW, p. 319: “even with the people who have escaped the so-called ‘sculpture habit’ by going into some sort of landscape,
or extra-gallery, extra-museum type of territorial situation” (E, p. 115).
WCW, p. 333 / E, p. 142 (grifo nosso).
WCW, p. 332 / E, p. 140. Daí a “clara distinção entre photo-works e fotografias documentais”.
Cf. Gordon Matta-Clark, ed. Corinne Diserens, op. cit., fig. 171, p. 124-125; sobre a vista aérea do negativo da direita, figura uma
escala ao lado de um homem (Circus, 1978, Cibachrome, 24,8 x 101,6 cm).
Gordon Matta-Clark: A Retrospective, fig. 107, p. 115.
“Todo mundo diz que os circus descem para o sul no invreno, não é mesmo? Então, é um circo de inverno.” WCW, p. 328 / E, p. 130.
Gordon Matta-Clark, Carta para Valkanas, citada par Thomas Crow, op. cit., p. 126.
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