A moradia popular nas favelas: o regime de ordens ajustadas em um “condomínio do PAC” no Rio de Janeiro
DOI:
https://doi.org/10.22409/antropolitica2025.v57.i3.a67055Palavras-chave:
Condomínio, Moradia, Favela, Ordem, Complexo do Alemão.Resumo
Da observação de um conflito entre moradores de um conjunto residencial recém-construído e moradores da favela vizinha localizada no bairro do Complexo do Alemão no Rio de Janeiro, este artigo analisa desdobramentos cotidianos decorrentes da implementação de um programa do governo federal voltado para a urbanização de favelas na localidade, no período 2008-2012. Sob a perspectiva etnográfica, em diálogo com os estudos da sociologia urbana sobre moradia popular e a vida social nas favelas, a pesquisa revelou uma tendência macroestrutural de permanente conflito prático-narrativo sobre significados do “morar na favela”. Tal disputa decorre do desejo de consolidação, ora de uma “ordem condominial” baseada em um padrão de moradia idealizado nos “condomínios fechados” de classe média, ora de uma “ordem comunitária” entendida pela permanência de práticas da/na favela que se materializam na organização e nos usos diferenciados dos espaços de uso comum no conjunto residencial. A partir das trajetórias pessoais e das narrativas de alguns moradores, observam-se ambiguidades inerentes à própria experiência dos sujeitos no cotidiano da nova moradia, fazendo com que estes transitem permanentemente entre as duas ordens, a desejada e a praticada. Por fim, o artigo aponta para a necessidade de se pensarem as consequências das políticas públicas de integração urbana, destinadas às favelas, que atuam sob padrões urbanísticos historicamente formulados “de fora para dentro” e materializados por meio de políticas governamentais fragmentadas e fortemente hierarquizadas que não atendem às reais necessidades dos moradores de favela.
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