Angola, o 27 de maio e os complôs memórias à luz de conspirações
DOI:
https://doi.org/10.22409/antropolitica2025.v57.i1.a65644Palabras clave:
Angola, Teoria da conspiração, Inimigos, História e memórias.Resumen
Este ensaio é resultado de reflexões que margeiam notas de cadernos de campo e de rodapés e abordam o contexto histórico e político do 27 de maio de 1977 em Angola, quando houve uma tentativa de golpe de Estado liderada por um ex-guerrilheiro nomeado ministro no governo do Movimento Popular de Libertação de Angola no pós-independência, Nito Alves. A relevância do trabalho reside em buscar por dinâmicas de conspiração e construção de inimigos, propondo uma análise que ultrapasse a suspeição e deslegitimação, e as perceba como evidências de disputas entre narrativas que buscam desestabilizar memórias políticas coletivas construídas como históricas. Tomando documentos como campo etnográfico, a pesquisa debruçou-se sobre materiais etnográficos, que incluem discursos oficiais publicados, reportagens da época, propagandas e publicações jornalísticas e (auto)biográficas de sobreviventes e familiares. Foram considerados documentos do período do pós-independência e mais recentes, quando houve um ressurgimento do tema, de meados de 2007 aos dias atuais. Meu objetivo é discutir de que maneira podemos pensar em temas liminares que emergem como conspirações e complôs de uma perspectiva antropológica sobre acusações e produção da história, tomando como fato etnográfico disputas discursivas que serviram para consolidar o poder do Movimento Popular de Libertação de Angola, especialmente na legitimação de sua liderança e repressão. Os resultados apontam que a produção de um inimigo interno, com o uso estratégico de acusações como fracionismo, foi essencial para sustentar o domínio do Movimento Popular de Libertação de Angola e construir uma narrativa oficial que alinhou identidade nacional e partido-Estado. Nas considerações finais, reflito sobre o impacto do 27 de maio na memória angolana, destacando tensões entre o esquecimento desejado pelo Movimento Popular de Libertação de Angola em contraposição às demandas por reconhecimento das vítimas. O estudo contribui para entender como eventos históricos podem ser instrumentalizados para consolidar poderes políticos e refletir sobre a imbricação entre memória, história e poder.
Descargas
Referencias
ALMEIDA, Rafael Antunes. Notas para uma reflexão sobre as “teorias da conspiração”. Ponto Urbe, São Paulo, n. 23. p. 1-8, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.4000/pontourbe.5615. Acesso em: 17 maio 2025.
BAPTISTA, Alves Bernardo. [Nito Alves]. MPLA - a revolução traída: treze teses em minha defesa. Luanda: Elivulu, 2021.
BARKUN, Michael. A culture of conspiracy: apocalyptic visions in contemporary America. Berkley: University of California Press, 2003.
BENDER, Gerald. Angola under the Portuguese: the myth and the reality. Berkeley: University of California Press, 1978.
BITTENCOURT, Marcelo. Dos jornais às armas: trajectórias da contestação angolana. Lisboa: Vega, 1999.
CARREIRA, Iko. O pensamento estratégico de Agostinho Neto. Lisboa: Dom Quixote, 1996.
CUNHA, Olívia Maria Gomes da. Tempo imperfeito: uma etnografia do arquivo. Mana, Rio de Janeiro, n. 10, v. 2, p. 287-322, 2004.
DERRIDA, Jacques. Limited Inc. Evanston: Northwestern University Press, 1988.
DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
DULLEY, Iracema. A historiografia sobre a ‘conversão’ nas colônias portuguesas na África e a trajetória de Jesse Chiula Chipenda. África, São Paulo, n. 35, p. 57-86, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2526-303X.v0i35p57-86. Acesso em: 17 maio 2025.
DULLEY, Iracema; SAMPAIO, Luisa Tui. Accusation and Legitimacy in the Civil War in Angola. Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology, Florianópolis, v. 17, p. 1-20, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1809-43412020v17a355. Acesso em: 17 maio 2025.
EVANS-PRITCHARD, Edward Evan. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
FERREIRA, Letícia; LOWENKRON, Laura. Encontros etnográficos com papéis e outros registros burocráticos: possibilidades analíticas e desafios metodológicos. In: FERREIRA, Letícia; LOWENKRON, Laura (org.). Pesquisas antropológicas entre papéis, carimbos e burocracias. Rio de Janeiro: E-papers, 2020. p. 5-16.
FIGUEIREDO, Leonor. O Fim da Extrema-Esquerda em Angola - Como o MPLA dizimou os Comités Amílcar Cabral e a OCA (1974-1980). Lisboa: Guerra e Paz, 2017.
FRANCISCO, Miguel. Nuvem negra: o drama do 27 de maio de 1977. Lisboa: Clássica Editora, 2007.
GEORGE, Edward. The Cuban Intervention in Angola: From Che Guevara to Cuito Cuanavale. Londres: Routledge, 2005.
GIRARD, René. O bode expiatório. São Paulo: Paulus, 2004.
HELLINGER, Daniel. Paranoia, conspiracy, and hegemony in American politics. In: WEST, Harry; SANDERS, Todd (ed.). Transparency and Conspiracy: ethnographies of suspicion in the New World Order. Durhan: Duke University Press, 2003. p. 204-232.
HUGHES, Geoffrey; MEHTTA, Megnaa; BRESCIANI, Chiara; COOK, James. Introduction. Ugly Emotions and the Politics of Accusation. The Cambridge Journal of Anthropology, [s. l.], v. 37, n. 2, p.1-20, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.3167/cja.2019.370202. Acesso em: 17 maio 2025.
KORYBKO, Andrew. Guerras híbridas. Das revoluções coloridas aos golpes. São Paulo: Expressão Popular, 2018.
LEIRIA, Luís. Perfil: José Eduardo dos Santos, o déspota discreto. Esquerda.net, 2013. Disponível em: https://www.esquerda.net/dossier/perfil-jose-eduardo-dos-santos-o-despota-d iscreto/65491. Acesso em: 18 abr. 2023.
LEIRNER, Piero. A formação do Estado numa perspectiva antropológica. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 32. p. 194-200, 2003.
LEIRNER, Piero. O Brasil no espectro de uma guerra híbrida. São Paulo: Alameda, 2020.
LÉVI-STRAUSS. Claude. Introdução à obra de Marcel Mauss. In: MAUSS, Marcel Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 11-46.
MARQUES, Inácio Luiz Guimarães. Memórias de um golpe: o 27 de maio de 1977 em Angola. 2012 Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012.
MATEUS, Dalila Cabrita; MATEUS, Álvaro. Purga em Angola: o 27 de Maio de 1977. Lisboa: Edições Asa, 2007.
MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Sobre o sacrifício. São Paulo: Cosac & Naify, 2005.
MBEMBE, Achille. The Power of the Archive and its Limits. In: HAMILTON, Carolyn; HARRIS, Verne; TAYLOR, Jane; PICKOVER, Michele; REID, Graeme; SALEH, Razia (org.). Refiguring the archive. London: Kluwer Academic Publishers, 2002. p. 19-26.
MBEMBE, Achille. Necropolítica. Arte e Ensaios, Rio de Janeiro, n. 32, p. 123-151, 2016. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993. Acesso em: 17 maio 2025.
MELLO, Marcelo Moura. Visões do campo sobre o arquivo (e vice-versa). In: FERIANI, Daniela; CUNHA, Flávia; DULLEY, Iracema (org.). Etnografia, etnografias: ensaios sobre a diversidade do fazer antropológico. São Paulo: Annablume, 2011. p. 189-200.
MENEZES, Hugo Azancot de. Percursos da luta de libertação nacional. Viagem ao interior do MPLA. Memórias pessoais. Lisboa: Nova Vega, 2017.
MESSIANT, Christine. L’Angola colonial, histoire et société. Les prémisses du mouvement nationaliste. Basel: P. Schlettwein Publishing, 2006.
MESSIANT, Christine. L’Angola postcolonial. vol. I e II. Paris: Karthala, 2008.
MILHAZES, José. Golpe Nito Alves e outros momentos da história de Angola vistos do Kremlin. Lisboa: Alêtheia, 2013.
MILHAZES, José. Angola, o princípio do fim da União Soviética. Lisboa: Nova Vega, 2014.
MORRIS, Rosalind. Allegories and algorithms of the purge: thinking with James Siegel, once again. Indonesia, [s. l.], n. 118, p. 41-66, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1353/ind.2024.a945025. Acesso em: 17 maio 2025.
MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA. Angola: a tentativa de golpe de Estado de 27 de Maio de 1977. (Informação do Bureau Político do MPLA, 12 de Julho de 1977). Lisboa: Edições Avante!, 1977.
NASCIMENTO, Washington Santos. Gentes do mato: os novos assimilados em Luanda (1926-1961). 2013. Tese (Doutorado em História Social) – Programa de Pós-graduação em História Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
OLIVEIRA, Ariel Rolim. Angola em guerras: Jonas Savimbi e as linguagens da nação. 2013. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013.
OLIVEIRA, Ariel Rolim. Dissensões do universal: itinerários da imaginação popular em Angola. 2017. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.
PACHECO, Carlos. MPLA: um nascimento polémico (as falsificações da história). Lisboa: Vega, 1997.
PAREDES, Margarida Isabel Botelho Falcão. Mulheres na luta armada em Angola: memória, cultura e emancipação. 2014. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Instituto Universitário de Lisboa, Lisboa, 2014.
PAWSON, Lara. In the name of the People: Angola’s forgotten massacre. Londres: IB Tauris, 2014.
PINTO, Nalayne. A construção do inimigo: considerações sobre a legislação penal brasileira. Especiaria - Cadernos de Ciências Humanas, Ilhéus ,v. 12, n. 22-23, p. 49-66, 2010. Disponível em: https://periodicos.uesc.br/index.php/especiaria/article/view/711/0 https://periodicos.uesc.br/index.php/especiaria/article/view/711/0. Acesso em: 17 maio 2025.
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992.
PORTELLA, Cristina; LEIRIA, Luis. Cuba e União Soviética em Angola: 1977. Revista Outubro, [s. l.], n. 32, p. 181-210, 2019. Disponível em: https://outubrorevista.com.br/wp-content/uploads/2019/09/08_Portella-e-Leiria-2.pdf. Acesso em: 17 maio 2025.
REIS, José. Angola - O 27 de Maio, memórias de um sobrevivente. Lisboa: Nova Vega, 2017.
REIS, José. Angola - O 27 de Maio. A história por contar. Lisboa: Nova Vega, 2018.
SANDERS. Todd; WEST, Harry.Power revealed and concealed in the New World Order. In: WEST, Harry; SANDERS, Todd (ed.). Transparency and Conspiracy: ethnographies of suspicion in the New World Order. Durhan: Duke University Press, 2003. p. 1-37.
SANTANDER, Marcela. Nito Alves, o herói inimigo: acusação e diferenciação em Angola pós-independência. 2024. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2024.
SCHUBERT, Jon. Working the system: a political ethnography of the new Angola. Ithaca: Cornell University Press, 2017.
STOLER, Ann Laura. Colonial archives and the arts of governance. Archival Science, [s. l.], n. 2. p. 87-109, 2002.
STOLER, Ann Laura. Along the archival grain: epistemic anxieties and colonial common sense. Princeton: Princeton University Press, 2010.
TALI, Jean-Michel Mabeko. Dissidências e poder de estado - o MPLA perante si próprio (1962-1977): ensaio de história política. vol. I e II. Luanda: Nzila, 2001.
TALI, Jean-Michel Mabeko. Rótulos atribuídos, rótulos assumidos - Memórias e identidades políticas em Angola. Lisboa: Guerra e Paz, 2023.
TANCREDI, Letícia Di Maio. Estados Unidos, China e Rússia: do triângulo amoroso ao casamento estável. Hoplos, Niterói, v. 2, n. 1, p. 9-28, 2018.
THOMAZ, Omar Ribeiro. O bom povo português. Mana, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1. p.55-87, 2001.
WHEELER, Douglas; PÉLISSIER, René. História de Angola. Lisboa: Tinta da China, 2009.
Descargas
Publicado
Número
Sección
Licencia
Derechos de autor 2025 Marcela Santander

Esta obra está bajo una licencia internacional Creative Commons Atribución 4.0.
O conteúdo da revista Antropolítica, em sua totalidade, está licenciado sob uma Licença Creative Commons de atribuição CC-BY (http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt).
De acordo com a licença os seguintes direitos são concedidos:
- Compartilhar – copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato;
- Adaptar – remixar, transformar, e criar a partir do material para qualquer fim, mesmo que comercial;
- O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.
De acordo com os termos seguintes:
- Atribuição – Você deve informar o crédito adequado, fornecer um link para a licença e indicar se alterações foram feitas. Você deve fazê-lo em qualquer maneira razoável, mas de modo algo que sugira que o licenciante o apoia ou aprova seu uso;
- Sem restrições adicionais — Você não pode aplicar termos jurídicos ou medidas de caráter tecnológico que restrinjam legalmente outros de fazerem algo que a licença permita.