De pescadores a beneficiários: (re)configurações dos mecanismos e categorias de identificação das populações extrativistas em Reservas Extrativistas Marinhas
DOI:
https://doi.org/10.22409/antropolitica2025.v57.i1.a65635Palavras-chave:
reservas extrativistas, conflitos socioambientais, população tradiconal, antropologia do direito, pescadores artesanaisResumo
O artigo propõe uma reflexão sobre os critérios utilizados para a definição dos pescadores artesanais que se enquadram como “população beneficiária” para fins das ações de gestão de Reservas Extrativistas Marinhas, a partir das experiências observadas em duas áreas assim decretadas no Estado do Rio de Janeiro, em Arraial do Cabo e na praia de Itaipu, em Niterói. A primeira foi criada de forma pioneira em 1997, em âmbito federal, sendo atualmente administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Vinte anos depois de sua criação, foi publicada uma portaria na qual foram estabelecidas três categorias de “população beneficiária”, que expressam a atualização de conflitos entre os usos da área protegida, especialmente com o crescimento do turismo. Em Itaipu, na região oceânica do Município de Niterói, a Reserva Extrativista Marinha foi decretada em 2013 pelo governo estadual após longo processo de discussão iniciado na esfera federal. A população beneficiária foi reconhecida dez anos depois de sua criação, através do estabelecimento de critérios objetivos e listagem nominal publicada pelo Instituto Estadual do meio ambiente. Os dados foram coletados a partir de trabalho de campo, bem como através de pesquisa bibliográfica, incluindo instrumentos normativos e trabalhos acadêmicos de cunho etnográfico publicados. A partir dos conflitos observados em cada contexto, procuro compreender de que maneira tais definições impactam na gestão realizada pelos órgãos governamentais, considerando os direitos e interesses afetados, a fim de contribuir para a discussão acerca dos processos de implementação das Reservas Extrativistas, entendidas enquanto uma política pública criada pelos Povos da Floresta.
Downloads
Referências
ALLEGRETTI, Mary Helena. A construção social de política ambientais: Chico Mendes e o movimento dos seringueiros. 2002. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável – Gestão e Política Ambiental) – Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília, 2002.
ALMEIDA, Mauro; ALLEGRETTI, Mary Helena; POSTIGO, Agusto. O legado de Chico Mendes: êxitos e entraves das Reservas Extrativistas. Desenvolvimento e Meio Ambiente, Curitiba, v. 48, p. 25-55, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.5380/dma.v48i0.60499. Acesso em: 24 maio 2025.
ARAÚJO, Daisy Damasceno. Olhares acerca do processo de construção do artigo 68 (ADCT/CF-1988) e seus desdobramentos na atualidade. In: REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 31. 2018, Brasília. Anais [...]. Brasília: UnB, 2018. Disponível em: https://www.evento.abant.org.br/rba/31RBA/doc/atividade-000190. Acesso em: 13 dez. 2024.
BRASIL. [Constituição de 1988] Constituição da República Federativa do Brasil. Organizado por Cláudio Brandão de Oliveira. Rio de Janeiro: Roma Victor, 2002.
BRASIL. Decreto nº 98.897/1990, de 30 de janeiro de 1990. Dispõe sobre as reservas extrativistas e dá outras providências. Brasília, DF, 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d98897.htm. Acesso em: 28 out. 2024.
BRASIL. Decreto de 3 de janeiro de 1997. Dispõe sobre a criação da Reserva Extrativista Marinha do Arraial do Cabo, no Município de Arraial do Cabo, Estado do Rio de Janeiro, e dá outras providências. Brasília, DF, 1997. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dnn/anterior%20a%202000/1997/dnn5025.htm. Acesso em: 24 maio 2025.
BRASIL. Decreto nº 4340, de 22 de agosto de 2002. Regulamenta artigos da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, e dá outras providências. Brasília, DF, 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4340.htm. Acesso em: 28 out. 2024.
BRASIL. Decreto nº 5051, de 19 de abril de 2004. Promulga a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. Brasília, DF, 2004. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5051.htm. Acesso em: 4 nov. 2024.
BRASIL. Decreto nº 6040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm. Acesso em: 24 maio 2025.
BRASIL. Lei nº 9985, de 18 DE JULHO DE 2000. [Sistema Nacional de Unidades de Conservação]. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9985.htm. Acesso em: 28 out. 2024.
BRITTO, Rosyan Campos de Caldas. Modernidade e Tradição: construção da identidade social dos pescadores de Arraial do Cabo. Niterói: EdUFF, 1999.
CALANDRINO, Tatiana Maranhão. Significados da pactuação entre órgãos públicos ambientais e populações tradicionais. 2012. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas e Sociais) – Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012.
DIAS NETO, José Colaço. Quanto custa ser pescador artesanal? Etnografia, relato e comparação entre dois povoados pesqueiros no Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro: Garamond, 2015.
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS. Portaria nº 118, de 31 de outubro de 1994. Normas administrativas para criação, regularização e consolidação das reservas extrativistas. Brasília, DF, 1994. Disponível em: https://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/legislacao/IBAMA/PT0118-090902.PDF. Acesso em: 4 nov. 2024.
INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE. Instrução Normativa nº 35, de 27 de dezembro de 2013. Disciplina, no âmbito do Instituto Chico Mendes, as diretrizes e procedimentos administrativos para a elaboração e homologação do perfil da família beneficiária em. Reservas Extrativistas, Reservas de Desenvolvimento Sustentável e Florestas Nacionais, com populações tradicionais. Disponível em: https://www.gov.br/icmbio/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/legislacao/instrucoes-normativas/arquivos/in_35.pdf. Acesso em: 22 jun. 2025.
INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE. Portaria nº 5, de 3 de janeiro de 2017. Estabelece critérios e procedimentos para cadastramento e concessão de autorizações precárias para prestação de serviço de turismo náutico na Resex marinha de Arraial do Cabo. Disponível em: https://www.gov.br/icmbio/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/legislacao/portarias/portarias-2017/portaria_05_de_3_de_janeiro_de_2017.pdf. Acesso em: 22 jun. 2025.
INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE. Portaria nº 895, de 23 de setembro de 2020. Aprova o Acordo de Gestão da Reserva Extrativista Marinha do Arraial do Cabo, no Município de Arraial do Cabo, Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.gov.br/icmbio/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/legislacao/portarias/portarias-2020/portaria_895_23set2020.pdf. Acesso em: 22 jun. 2025.
KANT DE LIMA, Roberto; PEREIRA, Luciana. Pescadores de Itaipu - meio ambiente, conflito e ritual no litoral do estado do Rio de Janeiro. Niterói: EdUFF, 1997.
LIMA, Paulo Victor de Sousa; NASCIMENTO, Jessica Silva França; LEIVA, Francisco Javier Araos. Maretório e os povos tradicionais extrativistas costeiros e marinhos do Litoral do Pará, Brasil. Ilha - Revista de Antropologia, Santa Catarina, v. 26, n. 2, p. 67-91, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.5007/2175-8034.2024.e96380. Acesso em: 24 maio 2025.
LITTLE, Paul. Territórios Sociais e Povos Tradicionais no Brasil: Por uma Antropologia da Territorialidade. Série Antropologia, Brasília, 2002.
LOBÃO, Ronaldo Joaquim da Silveira. Reservas Extrativistas Marinhas: Uma Reforma Agrária no mar? Uma discussão sobre o processo de consolidação da reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo/RJ. 2000. Dissertação (Mestrado em Antropologia e Ciência Política) – Programa de Pós-graduação em Antropologia e Ciência Política, Universidade Federal Fluminense, 2000.
LOBÃO, Ronaldo Joaquim da Silveira. Cosmologias Políticas do Neocolonialismo: como uma política pública pode se transformar em uma política do ressentimento. Niterói: EdUFF, 2010.
LOBÃO, Ronaldo Joaquim da Silveira. Economia Política do Ressentimento: um resultado de políticas públicas que se tornam políticas de governo? In: OLIVEIRA, Valter Lucio; RIBEIRO, Ana Maria Motta; LOBÃO, Ronaldo (org.). O Brasil que arde e a boiada que passa – instituições, conflitos e relações de poder. Rio de Janeiro: Autografia, 2021. p. 209-239.
MENEZES, Allãn Sinclair Haynes de. A Reserva Extrativista Marinha de Itaipu: A reificação de uma identidade ligada ao mar. 2014. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Direito) – Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2014.
MIBIELLI, Bruno Leipner. Ser “Pescador Profissional Artesanal Tradicional de Itaipu”: e as redes de relações de uma trajetória. 2014. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas e Sociais) – Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2014.
NADER, Laura. Para cima, Antropólogos: perspectivas ganhas em estudar os de cima. Antropolítica, Revista Contemporânea de Antropologia, n. 49, p. 328–356, 2020. Disponível em: https://periodicos.uff.br/antropolitica/article/view/44427/30133. Acesso em: 24 maio 2025.
RIO DE JANEIRO (Estado). Decreto Estadual n° 44.417, de 30 de setembro de 2013. Cria a Reserva Extrativista Marinha de Itaipu no Município de Niterói e dá outras providências. Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: https://leisestaduais.com.br/rj/decreto-n-44417-2013-rio-de-janeiro-cria-a-reserva-extrativista-marinha-de-itaipu-no-municipio-de-niteroi-e-da-outras-providencias. Acesso em: 4 nov. 2025.
SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e Novos Direitos: proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Fundação Peirópolis, 2005.
Downloads
Publicado
Edição
Secção
Licença
Direitos de Autor (c) 2025 Tatiana Calandrino Maranhão

Este trabalho encontra-se publicado com a Licença Internacional Creative Commons Atribuição 4.0.
O conteúdo da revista Antropolítica, em sua totalidade, está licenciado sob uma Licença Creative Commons de atribuição CC-BY (http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt).
De acordo com a licença os seguintes direitos são concedidos:
- Compartilhar – copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato;
- Adaptar – remixar, transformar, e criar a partir do material para qualquer fim, mesmo que comercial;
- O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.
De acordo com os termos seguintes:
- Atribuição – Você deve informar o crédito adequado, fornecer um link para a licença e indicar se alterações foram feitas. Você deve fazê-lo em qualquer maneira razoável, mas de modo algo que sugira que o licenciante o apoia ou aprova seu uso;
- Sem restrições adicionais — Você não pode aplicar termos jurídicos ou medidas de caráter tecnológico que restrinjam legalmente outros de fazerem algo que a licença permita.