A desinformação como um campo contestado: desafios teórico-metodológicos e a ética da pesquisa com o “outro desconfortável”
DOI:
https://doi.org/10.22409/antropolitica2025.v57.i1.a64170Palavras-chave:
Desinformação, Saúde, Ciência, Campo contestado, Antropologia sombria.Resumo
Este artigo trabalha a desinformação científica em saúde como um campo contestado a partir de um estudo sobre os usos e os sentidos atribuídos à ciência e ao jornalismo por usuários do Telegram. Realizamos nossa pesquisa em três canais sobre covid-19 no aplicativo e observamos que o debate sobre a vacinação contra a doença era permeado pelo compartilhamento de valores cristãos, conservadores e neoliberais, especialmente aqueles relacionados à liberdade, ao liberalismo econômico, à moral e à família. Diante disso, apresentamos os desafios teóricos, metodológicos e éticos de realizar pesquisa com um “outro desconfortável” que adere a valores e narrativas que questionam a eficácia das vacinas contra a covid-19, colocando à prova proteção sanitária da população e dos indivíduos, além de apresentarem crenças, normas e valores que entram em oposição com as nossas visões de mundo. Esses interlocutores, cujas crenças entram em conflito com nossas visões de mundo, nos levaram a explorar a “antropologia sombria” para compreender o impacto do neoliberalismo e as dinâmicas emocionais e morais envolvidas na pesquisa com grupos que promovem desinformação, refletindo sobre a ética da observação anônima, a dificuldade de acesso a interlocutores desconfiados e os impactos emocionais do trabalho de campo em ambientes hostis. Além disso, concluímos que é necessário problematizar a neutralidade acadêmica diante de grupos que promovem desinformação e discursos extremistas.
Downloads
Referências
ARETXAGA, Begoña. States of Terror. Reno: Center for Basque Studies/University of Nevada, 2003.
BRAMA, Leonardo. As diversas milícias do Rio de Janeiro entre expansões práticas e semânticas. Rio de Janeiro: Autografia, 2022.
CAMPELO, Marcelo. Inserção de dados falsos em sistemas de informações – Art. 313-A. Migalhas, [s. l.], 22 maio 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/386905/insercao-de-dados-falsos-em-sistemas-de-informacoes--art-313-a. Acesso em: 21 ago. 2023.
CESARINO, Letícia. Identidade e representação no bolsonarismo: corpo digital do rei, bivalência conservadorismo-neoliberalismo e pessoa fractal. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 62, n. 3, p. 530-557, 2019. Disponível em: https://revistas.usp.br/ra/article/view/165232. Acesso em: 12 mar. 2025.
CESARINO, Letícia. Pós-verdade e a crise do sistema de peritos: uma explicação cibernética. Ilha, Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 73-96, 2021. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ilha/article/view/75630. Acesso em: 12 mar. 2025.
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
DEVEREUX, George. De la ansiedad al método en las ciências del comportamiento. Madrid: Siglo Veintiuno, 1967.
DUARTE, Luiz Fernando Dias. Cronologia da luta pela regulação específica para as Ciências Humanas e Sociais da avaliação da ética em pesquisa no Brasil. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 12, n. 1, p. 267-286, 2017. Disponível em: https://revistas.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/view/9771. Acesso em: 12 mar. 2025.
FASSIN, Didier. The Ethical Turn in Anthropology: Promises and Uncertainties. HAU: Journal of Ethnographic Theory, Cambridge, v. 4, n. 1, p. 429-435, 2008. Disponível em: https://www.haujournal.org/index.php/hau/article/view/hau4.1.025. Acesso em: 12 mar. 2025.
FASSIN, Didier. Troubled Waters: At the Confluence of Ethics and Politics. In: LAMBEK, Michael; DAS, Veena; FASSIN, Didier; KEANE, Webb. (ed.). Four Lectures on Ethics: Anthropological Perspectives. Chicago: Hau Books, 2015. p. 175-210.
FAUST, Lene; PFEIFER, Simone. Dark ethnography? Encountering the ‘Uncomfortable” Other in Anthropological Research: Introduction to this Special Section. Zeitschrift für Ethnologie Journal of Social and Cultural Anthropology, [s. l.], v. 146, p. 81-90, 2021. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/357536463_Dark_Ethnography_Encountering_the_’Uncomfortable’_Other_in_Anthropological_Research_Introduction_to_this_Special_Section. Acesso em: 12 mar. 2025.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. São Paulo: Graal, 2013.
FRAGOSO, Sueli; RECUERO, Raquel; AMARAL, Adriana. Métodos de pesquisa para internet. Porto Alegre: Sulina, 2011.
FUHRMANN, Larissa-Diana; PFEIFER, Simone. Challenges in Digital Ethnography: research ethics relating to the securitisation of Islam. Journal of Muslims in Europe, [s. l.], n. 9, p. 175-195, 2020. Disponível em: https://www.prif.org/publikationen/publikationssuche/publikation/challenges-in-digital-ethnography-research-ethics-relating-to-the-securitization-of-islam. Acesso em: 12 mar. 2025.
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 1991.
HARDING, Susan. Representing fundamentalism: the problem of the repugnant cultural other. Social Research, Baltimore, v. 58, n. 2, p. 373-393, 1991.
MCGREGOR, Sue. Neoliberalism and health care. International Journal of Consumer Studies, Hoboken, v. 25, p. 82-89, 2008. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/229761005_Neoliberalism_and_Health_Care. Acesso em: 12 mar. 2025.
MONARI, Ana Carolina; ARAÚJO, Kizi; SOUZA, Mateus; SACRAMENTO, Igor. Disputas narrativas e legitimação: análise dos argumentos de Bolsonaro sobre vacinação contra Covid-19 no Twitter. Liinc em Revista, [s. l.], v. 17, e5707, 2021. Disponível em: https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5707. Acesso em: 12 mar. 2025.
MOTA, Fábio. Do indivíduo blasé aos sujeitos cismados: reflexões antropológicas sobre as políticas de reconhecimento na contemporaneidade. Antropolítica, Revista Contemporânea de Antropologia, Niterói, v. 44, p. 124-148, 2018. Disponível em: https://periodicos.uff.br/antropolitica/article/view/41959. Acesso em: 12 mar. 2025.
MOTA, Fábio; KANT DE LIMA, Roberto. Pega na mentira: notas antropológicas sobre tempos inquietantes. Reciis – Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde, [s. l.], v. 16, n. 2, p. 227-246, 2022. Disponível em: https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/3271. Acesso em: 12 mar. 2025.
MOTA, Fábio; PELAEZ, Daniela. “Entre travessas e travessias”: uma análise antropológica sobre a cisma e o lugar-comum. Terceiro Milênio: Revista Crítica de Sociologia e Política, Campos dos Goytacazes, v. 17, n. 2, p. 216-227, 2021. Disponível em: https://revistaterceiromilenio.uenf.br/index.php/rtm/article/view/214. Acesso em: 12 mar. 2025.
NASCIMENTO, Leonardo CESARINO, Letícia; FONSECA, Paulo (coord.). Democracia digital: análise dos ecossistemas de desinformação no Telegram durante o processo eleitoral brasileiro de 2022 – vol. 1. São Paulo: InternetLab, 2022.
OLIVEIRA, Luís Roberto Cardoso de. Ética, pesquisa e política indigenista. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 151, p. 135-146, 2002.
OLIVEIRA, Thaiane. Desinformação científica em tempos de crise epistêmica: circulação de teorias da conspiração nas plataformas de mídias sociais. Fronteiras – Estudos Midiáticos, São Leopoldo, v. 22, n. 1, p. 21-35, 2020. Disponível em: https://revistas.unisinos.br/index.php/fronteiras/article/view/fem.2020.221.03. Acesso em: 12 mar. 2025.
OLIVEIRA, Thaiane; LEITÃO, Ana Carollina. Beyond disinformation: disputes on meaning over information from an emotion-based framework. International Review of Information Ethics, [s. l.], v. 32, p. 1-10, 2022. Disponível em: https://informationethics.ca/index.php/irie/article/view/486. Acesso em: 12 mar. 2025.
ORTNER, Sherry. A antropologia sombria e seus outros: teoria desde os anos oitenta. Tradução e revisão Jainara Oliveira & Chiara Albino. Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia, Salvador, v. 4, n. 11, p. 27-50, jul. 2020. Disponível em: https://www.academia.edu/43435250/ORTNER_Sherry_B_A_antropologia_sombria_e_seus_outros_Teoria_desde_os_anos_oitenta. Acesso em: 12 mar. 2025.
PEIRANO, Marilia. A antropologia como ciência social no Brasil. Etnográfica, Lisboa, v. 4, p. 219-232, 2000.
PINHEIRO-MACHADO, Rosane; SCALCO, Lucia. Humanising fascists? Nuance as an anthropological responsibility. Social Anthropology, [s. l.], v. 29, n. 2, p. 329-372, 2021. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/351452931_Humanising_fascists_Nuance_as_an_anthropological_responsibility. Acesso em: 12 mar. 2025.
PORSCH, Thais. Médicos negacionistas vendem “reversão” e “detox vacinal” pelo WhatsApp. UOL, [s. l.], 27 mar. 2023. Disponível em: https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2023/03/27/medicos-negacionistas-vendem-detox-e-reversao-vacinal-pelo-whatapp.htm. Acesso em: 22 ago. 2023.
RIBEIRO, Gustavo Lins. Prefácio. In: VÍCTORA, Ceres; OLIVEN, Ruben. George; MACIEL, Maria Eunice; ORO, Ari Pedro. (org.). Antropologia e ética – o debate atual no Brasil. Niterói: EDUFF, 2004. p. 9-12.
ROBBINS, Joel. Beyond the Suffering Subject: Toward an Anthropology of the Good’. The Journal of the Royal Anthropological Institute, Hoboken, v. 19, n. 3, p. 447-462, 2013. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/264472949_Beyond_the_Suffering_Subject_Toward_an_Anthropology_of_the_Good. Acesso em: 12 mar. 2025.
SACRAMENTO, Igor; FALCÃO, Hully; MONARI, Ana Carolina. Entrando no campo da desinformação: emoções conflitantes e os limites da relativização. Saúde e Sociedade, v. 32, n. 4, e230456pt, 2023. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/KPnyhc4Hmk5CvcXb7j9frTS/abstract/?lang=pt. Acesso em: 12 mar. 2025.
SACRAMENTO; Igor; SANTOS, Allan; ABIB, Roberto. A doença como política de verdade: Bolsonaro, covid-19 e o testemunho. In: OLIVEIRA, Thaiane Moreira; GONÇALVES, Reynaldo Aragon; KANT DE LIMA, Roberto. Ciência em conflitos: negacionismo, desinformação e crise democrática. Rio de Janeiro: Autografia, 2022. p. 157-195.
SACRAMENTO, Igor; PAIVA, Raquel. Fake news, WhatsApp e a vacinação contra febre amarela no Brasil. Matrizes, São Paulo, v. 14, p. 79-106, 2020. Disponível em: https://revistas.usp.br/matrizes/article/view/160081. Acesso em: 12 mar. 2025.
SANTOS, Priscila Tavares dos. A CPI da Funai e do Incra e os ataques aos direitos constitucionais de povos tradicionais. Antropolítica, Revista Contemporânea de Antropologia, Niterói, v. 54, 2022. Disponível em: https://periodicos.uff.br/antropolitica/article/view/47928. Acesso em: 12 mar. 2025.
SEMENZIN, Silvia; BAINOTTI, Lucia. The Use of Telegram for Non-Consensual Dissemination of Intimate Images: Gendered Affordances and the Construction of Masculinities. Social Media + Society, Thousand Oaks, p. 1-12, 2020. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/348056523_The_Use_of_Telegram_for_Non-Consensual_Dissemination_of_Intimate_Images_Gendered_Affordances_and_the_Construction_of_Masculinities. Acesso em: 12 mar. 2025.
SHOSHAN, Nitzan. Más allá de la empatía: la escritura etnográfica de lo desagradable. Nueva Antropología, Ciudad de México, v. 83, p. 147-162, 2015. Disponível em: https://www.scielo.org.mx/scielo.php?pid=S0185-06362015000200008&script=sci_abstract. Acesso em: 12 mar. 2025.
STRATHERN, Marilyn. Negative Strategies in Melanesia. In: FARDON, Richard (ed.). Localizing Strategies: Regional Traditions of Ethnographic Writing. Edinburgh: Scottish Academic Press; Washington: Smithsonian Institution Press: 1990. p. 204-216.
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2025 Ana Carolina Monari, Hully Guedes Falcão, Igor Sacramento

Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
O conteúdo da revista Antropolítica, em sua totalidade, está licenciado sob uma Licença Creative Commons de atribuição CC-BY (http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt).
De acordo com a licença os seguintes direitos são concedidos:
- Compartilhar – copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato;
- Adaptar – remixar, transformar, e criar a partir do material para qualquer fim, mesmo que comercial;
- O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.
De acordo com os termos seguintes:
- Atribuição – Você deve informar o crédito adequado, fornecer um link para a licença e indicar se alterações foram feitas. Você deve fazê-lo em qualquer maneira razoável, mas de modo algo que sugira que o licenciante o apoia ou aprova seu uso;
- Sem restrições adicionais — Você não pode aplicar termos jurídicos ou medidas de caráter tecnológico que restrinjam legalmente outros de fazerem algo que a licença permita.