Estatísticas parciais: visibilidades seletivas e ilegibilidades nos censos do século XIX
DOI:
https://doi.org/10.22409/antropolitica2025.v57.i3.a62806Palabras clave:
Antropologia do Estado, Arquivos e documentos, Burocracia, Estatísticas demográficas, Censos.Resumen
A proposta deste artigo é pensar como desaparecimentos estratégicos e visibilidades seletivas se tornaram parte da gestão de dados censitários no Brasil de fins do século XIX e início do século XX. Ao acompanhar registros marginais em fichas censitárias, categorias ambíguas, cortes orçamentários e instituições precárias, o texto investiga os processos de produção de ilegibilidades nos primeiros censos nacionais, de 1872 a 1920. Este trabalho é resultado de uma etnografia com documentos e arquivos em torno dos censos imperiais, realizada a partir de consultas aos acervos do Arquivo Nacional, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e do Senado Federal. Os resultados da pesquisa ressoam debates que vêm pensando como a imprecisão, a ineficiência, a ambiguidade e os erros constituem uma modalidade de gestão dos dados, fazendo parte da própria formulação de modelos estatísticos. Sugere também que essas formas de visibilidade seletiva e ilegibilidades funcionam como mecanismos de arbitragem sobre acessos e direitos, produzindo efeitos na gestão de populações e territórios. Ao deslocar o olhar para as zonas de ilegibilidade e suas condições materiais de produção, o artigo propõe uma reflexão sobre as formas com que o Estado vê e deixa de ver sua população ao fazer uso de dados estatísticos muitas vezes equivocados.
Descargas
Referencias
ANDERSON, Benedict. Censo, mapa, museu. In: ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia da Letras, 2008. p. 226-256.
APPADURAI, Arjun. Number in the Colonial Imagination. In: APPADURAI, Arjun (org.). Modernity at Large: cultural dimensions of globalization. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1996. p. 114-139.
ARIZA, Marília. Crianças/ventre livre. In: SCHWARCZ, Lilia; GOMES, Flávio (org.). Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
AVILES, Luis. The art of public policy statisticians: the case of the Puerto Rico pension reform report. Caribbean Studies, San Juan, v. 44, p. 47-68, 2016. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/44364462. Acesso em: 24 fev. 2025.
BEIER, José Rogerio. Artefatos de poder: Daniel Pedro Müller, a Assembleia Legislativa e a construção territorial da província de São Paulo (1835-1849). 2015. Dissertação (Mestrado em História Social) – Programa de Pós-graduação em História Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
BEMERGUY, Telma. (Novas) fronteiras e ideários coloniais de longa duração: uma análise a partir da disputa pela reconfiguração territorial da Amazônia brasileira. Antropolítica, Revista Contemporânea de Antropologia, Niterói, n. 46, 2019. Disponível em: https://periodicos.uff.br/antropolitica/article/view/41932. Acesso em: 24 fev. 2025.
BESSON, Jean-Louis. A ilusão das estatísticas. São Paulo: Editora UNESP, 1995.
BISSIGO, Diego. A “eloquente e irrecusável linguagem dos algarismos”: a estatística no Brasil imperial e a produção do recenseamento de 1872. 2014. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2014a.
BISSIGO, Diego. Das listas de família ao recenseamento do Império: a produção da “legibilidade” da população no censo de 1872. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL BRASIL NO SÉCULO XIX, 1., 2014b, Florianópolis. Anais […]. Florianópolis, 2014b.
BODIN, Jean. Les Six Livres de la République. 1576, vol. 6.
BOTELHO, Tarcísio. População e nação no Brasil do século XIX. 1998. Tese (Doutorado em História Econômica) – Programa de Pós-graduação em História, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.
BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado: Cursos no Collège de France (1989-92). São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
BRASIL. Anais do Império: Livro V. 1850. Rio de Janeiro: [s. n.], 1850/[20--?]. Disponível em: https://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/asp/ip_anaisimperio.asp. Acesso em: 18 fev. 2025.
BRASIL. Diretoria Geral de Estatística. Synopse do recenseamento de 31 de dezembro de 1890. Rio de Janeiro: Typ Officina da Estatística, 1890.
BRASIL. Diretoria Geral de Estatística. Synopse do recenseamento de 31 de dezembro de 1900. Rio de Janeiro: Typ. da Estatística, 1905.
CAMARGO, Alexandre de Paiva. O censo de 1872 e a utopia estatística do Brasil Imperial. História Unisinos, São Leopoldo, v. 22, n. 3, p. 414-428, 2018. Disponível em: https://revistas.unisinos.br/index.php/historia/article/view/htu.2018.223.07. Acesso em: 24 fev. 2025.
CAMARGO, Alexandre de Paiva. Dimensões da nação: uma análise do discurso estatístico da Diretoria Geral de Estatística (1872-1930). Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 30, n. 87, 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/QSQ3tFL3NDNBBWqJCTHBzDk/?lang=pt. Acesso em: 24 fev. 2025.
CAMARGO, Alexandre de Paiva. Sociologia das estatísticas: possibilidades de um novo campo de investigação. História, Ciência, Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 903-925, 2009.
CARVALHO, Flavio Rey. Um iluminismo português? A reforma da Universidade de Coimbra de 1772. 2007. Dissertação (Mestrado em História) –Programa de Pós-graduação em História, Universidade de Brasília, Brasília, 2007.
CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
CORD, Marcelo Mac; SOUZA, Robério. Trabalhadores livres e escravos. In: SCHWARCZ, Lilia; GOMES, Flávio (org.). Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
CRUZ, Thais Gonçalves. Pode o favelado produzir dados científicos? In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 46., Rio de Janeiro, 2022. Anais […].Rio de Janeiro, 2022.
DAS, Veena. Life and words. Berkeley: University of California Press, 2007.
DAY, Sophie; LURY, Celia. Number ecologies: numbers and numbering practices. Distinktion - Journal of Social Theory, [s. l.], v. 15, n. 2, p. 123-154, 2014. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/1600910X.2014.923011. Acesso em: 24 fev. 2025.
DESROSIÈRES, Alain. The politics of large numbers: a history of statistical reasoning. Cambridge: Harvard University Press, 1998.
DINIZ, Leandro. Contar é preciso: as resistências ao recenseamento na Paraíba oitocentista. Encontro Estadual de História – ANPUH-PB, João Pessoa, v. 17, n. 1, 2016. Disponível em: https://www.ufpb.br/evento/index.php/xviieeh/xviieeh/paper/view/3281/2708. Acesso em: 10 jul 2024.
DOMINGUES, Francisco Contente. Ilustração e Catolicismo: Teodoro de Almeida. Lisboa: Colibri, 1994.
EL-BADRY, Mahmoud. Failure of Enumerators to Make Entries of Zero: Errors in Recording Childless Cases in Population Censuses. Journal of the American Statistical Association, [s. l.], v. 56, n. 296, p. 909-924, 1961.
FERREIRA, Leticia; LOWENKRON, Laura. Perspectivas antropológicas sobre documentos: diálogos etnográficos na trilha dos papéis policiais. In: FERREIRA, Leticia; LOWENKRON, Laura (org.). Etnografia de documentos: pesquisas antropológicas entre papéis, carimbos e burocracias. Rio de Janeiro: E-paper, 2020. p. 17-52.
FOUCAULT, Michel. Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
FREIRE, Lucas; CASTRO, Rosana. Apresentação do dossiê: “Entre ‘precariedades’, ‘crises’ e o ‘colapso’: perspectivas antropológicas sobre o ‘desmonte’ do SUS”. Anuário Antropológico, [s. l.], v. 47, n. 2, 2022. Disponível em: https://journals.openedition.org/aa/9695. Acesso em: 15 jul. 2025.
GUPTA, Akhil. Red Tape: Bureaucracy, Structural Violence, and Poverty in India. Londres: Duke University Press Books, 2012.
HACKING, Ian. The taming of chance. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.
HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, Campinas, v. 5, p. 7-41, 1995.
HARTMAN, Saidiya. Vênus em dois atos. Revista ECO-Pós, [s. l.], v. 23, n. 3, p. 12-33, 2020. Disponível em: https://revistaecopos.eco.ufrj.br/eco_pos/article/view/27640. Acesso em: 15 jul. 2025.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Recenseamento do Brasil em 1872. Rio de Janeiro: Typ. G. Leuzinger, 1874.
JERVEN, Morten. Poor numbers: how we are misled by African development statistics and what to do about it. Ithaca: Cornell University Press, 2013.
KULA, Witold. Measures and men. Princeton: Princeton Legacy Library, 1990.
LAMPLAND, Martha. False numbers as formalizing practices. Social Studies of Science, [s. l.], v. 40, n. 3, p. 377-404, 2010. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0306312709359963?icid=int.sj-abstract.citing-articles.48. Acesso em: 24 fev. 2025.
LAWSON, Brendan; LOVATT, Matthew. Towards a rhetorical understanding of statistics in politics: Quantifying the National Health Service ‘Winter Crisis’. European Journal of Communication, [s. l.], v. 36, n. 2, p. 110-124, 2021. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0267323120966842. Acesso em: 24 fev. 2025.
LOURENÇO, Eduardo. Nós e a Europa: ou as duas razões. 4. ed. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1994.
LOVEMAN, Mara. Blinded Like a State: the Revolt against Civil Registration in Nineteenth-Century Brazil. Comparative Studies in Society and History, [s. l.], v. 49, n. 1, 2007.
LOVEMAN, Mara. Race to progress: census taking and nation making in Brazil (1870–1920). Hispanic American Historical Review, [s. l.], v. 89, n. 3, 2009.
MARTIN, Olivier. Da estatística política à sociologia estatística: desenvolvimento e transformações da análise estatística da sociedade (séculos XVII-XIX). Revista Brasileira de História, [s. l.], v. 21, n. 41, p. 13-34, 2001.
MAMIGONIAN, Beatriz Gallotti. Africanos livres. In: SCHWARCZ, Lilia; GOMES, Flávio (org.). Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
MORAES, Barbara. Os levantes contra os registros de 1852. Temas do Brasil Oitocentista, Arquivo Nacional, 31 de março de 2025. Disponível em: https://www.gov.br/arquivonacional/pt-br/sites_eventos/sites-tematicos-1/brasil-oitocentista/temas-oitocentistas/os-levantes-contra-os-registros-de-1852. Acesso em: 14 jul. 2025.
MORAES, Barbara. Estatísticas parciais: a produção de dados censitários no Brasil Imperial. 2023. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2023.
MOTTA, Eugênia. Resistência aos números: a favela como realidade (in)quantificável. Mana, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, 2019a. Disponível em: https://www.scielo.br/j/mana/a/PB6w3JDbcgDR8cYLbPXwLmP/. Acesso em: 24 fev. 2025.
MOTTA, Eugênia. Quantifier les favelas : normalité et subnormalité dans le recensement national brésilien. Statistique et Société, Paris, v. 7, p. 9-15, 2019b. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/staso_2269-0271_2019_num_7_1_1090. Acesso em: 24 fev. 2025.
MULLER, Daniel. Ensaio d’un quadro estatístico da província de São Paulo. São Paulo: Typographia de Costa Silveira, 1838.
OLIVEIRA FILHO, João Pacheco de. Mensurando alteridades, estabelecendo direitos: práticas e saberes governamentais na criação de fronteiras étnicas. Dados, Rio de Janeiro, v. 55, n. 4, 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/dados/a/tRJwGn7RT4j9Njhmwcv6RwG/?lang=pt. Acesso em: 24 fev. 2025.
POOVEY, Mary. A History of the Modern Fact: Problems of Knowledge in the Sciences of Wealth and Society. Chicago: University of Chicago Press, 1998.
PORTER, Theodore. Trust in numbers: the Pursuit of Objectivity in Science and Public Life. Princeton: Princeton University Press, 1995.
PORTER, Theodore. The Rise of Statistical Thinking: 1820-1900. New Jersey: Princeton University Press, 1986.
PORTER, Theodore. The Mathematics of Society: Variation and Error in Quetelet’s Statistics. The British Journal for the History of Science, London, v. 18, n. 1, 1985.
PRATT, Marie Louise. Os olhos do Império: relatos de viagem e transculturação. São Paulo: Edusc, 1999.
QUENTAL, Antero de. Causas da decadência dos povos peninsulares nos últimos três séculos. Lisboa: Editorial Nova Ática, 2005.
SAAVEDRA, Renata. População, recenseamento e conflito no Brasil Imperial: o caso da Guerra dos Marimbondos. 2011. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.
SANTOS, Antonio Cesar de Almeida. Aritmética Política e a Administração do Estado Português na Segunda Metade do Século XVIII. In: JORNADA SETECENTISTA, 7., 2007, Curitiba. Jornada […]. Curitiba, 2007.
SENADO DO IMPÉRIO. Anais do Senado do Império do Brazil - Anno de 1826. Tomo 1, Ro de Janeiro, 1877.
SCHEPER-HUGES, Nancy. Demography without Numbers. In: KERTZER, Dadvid; FRICKE, Tom (ed.). Anthropological Demography: Towards a New Synthesis. Chicago: University of Chicago Press, 1997. p. 201-222.
SCOTT, James. Seeing like a State: how certain schemes to improve the human condition have failed. New Haven: Yale University Press, 1998.
SENRA, Nelson. História das estatísticas brasileiras. v. 1. Estatísticas desejadas (1822-1889). Rio de Janeiro: IBGE, 2006.
STARR, Paul; ALONSO, William. The politics of number. New York: Sage, 1987.
TELLES, Lorena Féres da Silva. Amas de leite. In: SCHWARCZ, Lilia; GOMES, Flavio (org.). Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
THÉVENOT, Laurent. Cifras que falam: medida estatística e juízo comum. In: BESSON, Jean-Louis (org.). A ilusão das estatísticas. São Paulo: Editora Unesp, 1995. p. 149-161.
ZALOOM, Caitlin. Ambiguous numbers: Trading technologies and interpretation in financial markets. American Ethnologist, [s. l.], v. 30, n. 2, p. 258-272, 2003.
Descargas
Publicado
Número
Sección
Licencia
Derechos de autor 2025 Barbara Gonçalves Moraes

Esta obra está bajo una licencia internacional Creative Commons Atribución 4.0.
O conteúdo da revista Antropolítica, em sua totalidade, está licenciado sob uma Licença Creative Commons de atribuição CC-BY (http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt).
De acordo com a licença os seguintes direitos são concedidos:
- Compartilhar – copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato;
- Adaptar – remixar, transformar, e criar a partir do material para qualquer fim, mesmo que comercial;
- O licenciante não pode revogar estes direitos desde que você respeite os termos da licença.
De acordo com os termos seguintes:
- Atribuição – Você deve informar o crédito adequado, fornecer um link para a licença e indicar se alterações foram feitas. Você deve fazê-lo em qualquer maneira razoável, mas de modo algo que sugira que o licenciante o apoia ou aprova seu uso;
- Sem restrições adicionais — Você não pode aplicar termos jurídicos ou medidas de caráter tecnológico que restrinjam legalmente outros de fazerem algo que a licença permita.