FUSÃO, MAGISTRATURA & MEMÓRIA
DOI:
https://doi.org/10.22409/conflu13i1.p162Palabras clave:
Fusão, Magistratura, Memória.Resumen
O processo “nascimento” desse Judiciário foi dos mais complexos, pois os tribunais de Justiça dos antigos estados do Rio e da Guanabara não foram fundidos, como ocorreu com os departamentos e serviços administrativos, as casas legislativas etc., mas extintos e substituídos por uma nova Corte. Os respectivos quadros de magistrados e funcionários foram reestruturados em um “golpe de força” típico dos regimes de governo autoritários e discricionários. A chamada Ditadura Militar (1964/89) simplesmente os alijou de seus direitos constitucionais e prerrogativas funcionais. O mesmo se pode afirmar dos chamados “serventuários da Justiça”, cujos planos de carreira, remuneração, realidades profissionais etc., eram diferentes e específicos. Os serviços judiciais e administrativos foram alterados sem maior planejamento. A Fusão desafiou magistrados e funcionários, enquanto membros de uma estrutura burocrática, a lidar com o exercício da dominação política e tornou evidentes os limites da sua equidistância em relação ao poder. Mais do que isso, a disputa entre os aparelhos de Estado não subtraiu o embate interno travado pelos grupos que foram reunidos e deixou marcas indeléveis na memória coletiva – na história - da instituição. Conhecer estas cicatrizes é recuperar o processo de hegemonia de determinado grupo na constituição desse poder estatal. Por isso interessou, particularmente como estudo de caso, a memória da Fusão na magistratura fluminense. Esta observação demonstrou que ela serviu, ao reforçar e fundamentar o sentido de pertencimento, para definir o que é peculiar a este grupo agora. A lembrança ligou o que a Fusão separou. Entrevistas com membros do Poder Judiciário revelaram que, na construção das memórias acerca da Fusão, ocorreu todo um trabalho de enquadramento e de manutenção da lembrança de certos eventos, momentos e figuras, em detrimento do que foi vivido pelo próprio grupo. Um exercício a manter sua unidade e continuidade ao longo do tempo. O Tribunal de Justiça do novo Estado, com seus laços profissionais e pessoais – em outras palavras: de classe -, estabelecendo as fronteiras de “pertencimento” entre seus membros, delimitou a memória da fusão a ser lembrada. O próprio esprit de corps instruiu o que lembrar. A existência de limites bem definidos, fixados no controle das funções administrativas, das instâncias disciplinadoras, da ética dos comportamentos etc., a partir das quais se tornou possível formar um conjunto específico de relações sociais, ditou o que lembrar ou esquecer – ao menos em público... Formas particulares da memória sobre a Fusão foram - e continuam a ser - elaboradas em determinados setores da vida social, em grupos e instituições, com a pretensão de tecer a rede de uma história única, universal. Este processo tem se desdobrado, muitas vezes, através de mecanismos que se confundem com a própria disputa de poder, de hegemonia, dentro e entre os aparelhos que compõem o Estado. O trabalho apresentado nesta oportunidade resume parte do estudo realizado sobre o funcionamento do Poder Judiciário nascido da fusão dos estados da Guanabara e Rio de Janeiro, em 1975.Descargas
Citas
ABREU, Antônio I. C. O judiciário fluminense: período republicano. Rio de Janeiro: edição
do próprio autor, 2007.
ALBERTI, Verena. Ouvir contar: textos em história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV,
ALMEIDA, Amaro M. Valeu à pena: memórias. Niterói: Ed. Cromos, 1993.
ALVES, Antônio José L. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral & Visual
do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 20 de jul. 2000. Entrevista n.º 60.
BOSI, Ecleá. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 10.ª ed. São Paulo: Cia. das
Letras, 2003.
CARVALHO NETO, Luiz A. C. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral &
Visual do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 08 de ago.2002. Entrevista n.º
CHARTIER, Roger. História cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.
COELHO, Mauro G. A fusão e o Poder Judiciário. Em: Revista de Jurisprudência do
TJERJ. 2.ª Fase. Rio de Janeiro: Ano XXVI, 1977, n.º 41, pp. 1-10.
COSTA, Álvaro José F. M. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral & Visual
do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 05 de nov. 1998. Entrevista n.º 34.
DIÃO, Nilson C. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral & Visual do Poder
Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 03 de jun. 2002. Entrevista n.º 77.
EVANGELISTA, Hélio A. A fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1998. (Série Monografias Premiadas,
.
FREIRE, Américo. Evento político e representação parlamentar: a fusão e os senadores da
Guanabara e do Rio de Janeiro. Em: ______; SARMENTO, Carlos E. & MOTTA, Marly S.
(Coord.). Um estado em questão: os 25 anos do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed. FGV,
GLANZ, Samy. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral & Visual do Poder
Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 21 de nov. 2002. Entrevista n.º 90.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000a, vol. 2.
_____. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000b, vol. 3.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Nova Centauro, 2006.
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. 1914-1991. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.
LE GOFF, Jacques. História e memória. 4.ª ed. São Paulo: Ed. UNICAMP, 1996.
LIMA, Floriano P. F. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral & Visual do Poder
Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 22 de set. 1998. Entrevista n.º 25.
MARX, K. & ENGELS, F. A ideologia alemã. 10.ª ed. São Paulo: Ed. Hucitec, 1996.
MOTTA, Marly S. Fusão: desafios. Em: FREIRE, Américo; SARMENTO, C. E. & ______
(Coord.). Um estado em questão: os 25 anos do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001.
PASSOS, José Joaquim F. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral & Visual do
Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 25 de out. 2004. Entrevista n.º 115.
POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Em: Revista Estudos Históricos. Rio de
Janeiro: s/ed., 1992, vol. 5, n.º 10, p. 200-212.
_____. Memória, esquecimento, silêncio. Em: Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro: s/ed.,
, vol. 2, n.º 3, p. 3-15.
PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana, 29 de junho de 1944):
mito, política, luto e senso comum. Em: AMADO, J. & FERREIRA, M. M. Usos e abusos da
história oral. 5.ª ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2002, pp. 103-130.
_____. A filosofia e os fatos. Narração, interpretação e significado nas memórias e nas fontes
orais. Em: Tempo. Rio de Janeiro, Vol. 1, n.º 2, dez. 1996, p. 59-72.
REIS, Daniel A. Ditadura e sociedade: as reconstruções da memória. Em: ______; RIDENTI,
Marcelo & MOTTA, Rodrigo P. S. (orgs.). O golpe e a ditadura militar: quarenta anos depois
(1964-2004). São Paulo: Edusc, 2004, p. 29-52.
RIBEIRO, Adolphino A. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral & Visual do
Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 03 de set. 1998. Entrevista n.º 19.
RIO DE JANEIRO (Estado). Estruturas básicas do Estado do Rio de Janeiro e Lei da Fusão
com o estado da Guanabara. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1975.
SILVA, Luiz C. B. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral & Visual do Poder
Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 14 de jun. 2000. Entrevista n.º 56.
STEELE FILHO, Luiz H. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral & Visual do
Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 20 de ago. 1998. Entrevista n.º 12.
##submission.downloads##
Publicado
Cómo citar
Número
Sección
Licencia
Os autores mantêm os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution que permite o compartilhamento do trabalho com reconhecimento da autoria e publicação inicial nesta revista. Têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não-exclusiva da versão do trabalho publicada nesta revista (ex.: publicar em repositório institucional ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial nesta revista. Possuem permissão e são estimulados a publicar e distribuir seu trabalho online (ex.: em repositórios institucionais ou na sua página pessoal) a qualquer ponto antes ou durante o processo editorial, já que isso pode gerar alterações produtivas, bem como aumentar o impacto e a citação do trabalho publicado.