A produção de biografias judiciárias em autos de processos penais: uma análise dos laudos psiquiátricos do caso Maura Lopes Cançado
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https://doi.org/10.22409/conflu17i3.p442Mots-clés:
antropologia, biografia judiciária, laudos psiquiátricosRésumé
ResumoEste trabalho propõe discutir a produção de biografias judiciárias em documentações como a de autos de processos penais de crimes contra vida. Parto do pressuposto que as narrativas inscritas nesse tipo de documentação podem ser lidas como uma espécie de narrativa biográfica, pois produzem biografias judiciárias de acusados e de vítimas a partir das “falas” de provas, de laudos, de depoimentos, de documentos, etc, inscritos nos autos. Nesse trabalho, privilegio os laudos psiquiátricos inscritos nos autos processuais do caso Maura Lopes Cançado, além de trechos de uma autobiografia escrita pela ré, entre 1959 e 1960, e publicada com o título de Hospício é Deus (1965), e entrevistas com familiares e amigos de Maura, por mim recolhidas durante uma pesquisa de campo. Minha intenção é, através de uma análise que parte da sobreposição dessas narrativas – laudo, autobiografia e entrevistas – mostrar, de forma conclusiva, que os laudos psiquiátricos constroem uma biografia judiciária de Maura. Ao sobrepor essas narrativas, comparando-as, percebi que uma mesma história ou os mesmos eventos que marcam sua vida ganham diferentes sentidos dependendo de quem os narra, como e para quê. Eventos da vida de Maura, compreendidos como inovadores em determinadas narrativas, ganharam na documentação jurídica sentidos restritos à necessidade de compreender o crime. Na narrativa judiciária a polissemia de sentidos que cerca a existência dos sujeitos será capturada pela necessidade de uma biografia coerente, capaz de condensar a intenção de inocência ou culpa, de responsabilidade ou irresponsabilidade, numa espécie de “ilusão biográfica”, como nos diz Pierre Bourdieu (Razões Práticas, 2004). Os laudos, investidos do status de “verdade jurídica” – ou “extrajurídica”, de acordo com Michel Foucault (Vigiar e Punir, 1975) – almejam ser a última palavra possível sobre Maura. Nesse sentido, a construção da biografia judiciária nos laudos (e no restante da documentação dos autos) é teleológica à medida que interpreta cada evento do passado como se tivesse uma única finalidade, a saber, a de explicar o crime. Nessa lógica, enquanto artefatos, os laudos produzem sujeitos, reafirmando relações de poder. Assim, lembro do que nos diz Edward Bruner (The Anthropology of Experience, 1986:144): “Narratives are not only structures of meaning but structures of power as well”.
Palavras-chave: antropologia, biografia judiciária, laudos psiquiátricos
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