Chamada - Dossiê A Aula como Ato Ético, Estético e Político

Observamos, nos últimos anos, um enrijecimento e um encurtamento cada vez mais asfixiante do sentido da aula, a ponto de ser confundida com a transmissão e demonstração de conceitos abstraídos de suas relações epistêmicas vivas, e passados como objetos em processos simultâneos, onde o que parece existir como valor é a capacidade de reter, na memória, estes conceitos e/ou relações mecânicas no mais das vezes entre eles. Sempre pesando sobre essas práticas o manto obscuro da propedêutica, através do qual espera-se que a falta de sentido encontre alento em algum futuro mais elaborado, ao final das sequências didáticas que nada mais seriam, portanto, que passos graduais e analíticos, com os quais se almejaria a reconstrução de algum grande todo, algum prêmio ao final do processo. A aula, enquanto unidade deste processo, fica muitas vezes reduzida a uma porção informativa que deve ser gradualmente acumulada. Majoritariamente restrita a uma espaço-temporalidade específica – salas de aula com ergonomia de 1m2 por estudante, dispostas cartesianamente diante de uma frontalidade, fonte de valor, onde se encontra o professor e os materiais instrucionais para apresentação e demonstração dos “conteúdos” (quadro de giz, quadro branco, telas para famigeradas apresentações de slides, monitores televisivos etc.), tudo isso em pequenas porções de 40 ou 50 minutos que fracionam um dia de trabalho pretensamente educativo.

Dinamicamente, a aula passou a tratar-se do registro, por parte dos estudantes, para posterior estudo e sistematização, visando exames, da porção analítica escolhida cientificamente para aquelas frações da escala da disciplina em voga. O professor encarregado da disciplina tem mobilidade lateral na frente do grupo, variando seus movimentos de acordo com a sua personalidade docente, enquanto entra e sai do espaço sala-de-aula, preenchendo outras frações disciplinares para outros grupos. Os exames, validação final da eficácia dos processos, funcionam como justificadores das dinâmicas, e possuem como validadores externos os exames mais ampliados, como os de aferição do rendimento dos grupos, ou aqueles de acesso a níveis mais elevados de ensino ou de acesso ao mercado de trabalho (concursos públicos).

A aula a nosso ver, entretanto, é de outra natureza, e nunca esteve a serviço das estruturas mecânicas e alienadoras do sistema capitalista. É o espaçotempo formativo essencial da cultura, acontecimento vivo na história desta, em que os sujeitos exercem ativamente sua existência-evento, ou seja, inserem-se ativa e criticamente nos movimentos de compreensão, incorporação, recusa, dúvida, experimentação, recriação e renovação de toda a arquitetônica viva e humana que é a cultura e seus valores, todos expressos em signos ideológicos. Aula é superfície tensa e vivencial, arena ideológica em que o mundo se gesta a si próprio, no protagonismo pluridiscursivo e dialógico de que é feita a cultura e as culturas humanas.

Ao longo de nossa vida, percebemos como alguns educadores colocam em crítica a noção de aula, tensionando os espaçostempos homologados, recriando possibilidades outras de entendimento e fruição desta importante categoria ética, estética e epistemológica: aula. Esta coletânea é uma tentativa de, mantendo a singularidade e as perspectivas diversas de compreensão e (principalmente) prática dessa crítica, reunir e refletir sobre essas experiências, tendo como eixo unificador a compreensão da aula como um ato responsável, da aula como acontecimento (Geraldi, 2010) político-ideológico, como ponto nuclear da formação humana, que pode e deve ser tomado como categoria filosófica central das discussões do campo educativo, ao menos na área em que temos interesse, que é o da filosofia crítica e política.

Gostaríamos de convidar a todos, todas e todes que praticam a aula como ato responsável, crítico, dinâmico e que transborda a linearidade confinatória dos currículos, das edificações e dos calendários, que compartilhem neste dossiê suas experiências, buscando construir um corpus crítico de práticas e reflexões, para que possamos, na plenitude do tempo, reinstaurar forças ideológicas vivas presentes na linguagem, tornando o termo aula um acontecimento filosófico aberto, vivo, inconcluído e capaz de gestar novas relações educativas nas sociedades contemporâneas. Este é um dossiê sobre práticas de aulas, um dossiê que seja, ele mesmo, uma aula, ou seja, um espaçotempo aberto em que se possa respirar, em que se possa tomar fôlego e soprar, nas práticas degeneradas e esclerosadas da atualidade, ares dialógicos, inspirados e ativamente renovadores, aqueles ares necessários à preparação do mundo para as revoluções desejadas.

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A seleção será baseada na adequação à temática da chamada, bem como em critérios de originalidade, atualidade, relevância científica, consistência teórica e empírica e aprofundamento analítico.  Os manuscritos selecionados previamente pelos organizadores do dossiê serão remetidos à avaliação duplo-cega por pares.

As submissões para o dossiê devem observar as normas de publicação da revista, disponíveis em:  https://periodicos.uff.br/revista_estudos_politicos/DA

Ficha Técnica

Site da REP:  https://periodicos.uff.br/revista_estudos_politicos/index

Contato: revistaestudospoliticos@gmail.com

Organizadores do Dossiê

Pilar Campos Pimenta Velloso

Marisol Barenco de Mello

Daniel Gaivota

Jader Moreira Lopes

Maria das Graças Gonçalves

Cronograma para submissões*

(submissões de resumos e textos completos sempre pelo site da REP)

Prazo para submissão dos textos completos: 30/10/2024

Resultado: 31/11/2024

Lançamento do dossiê: 31/01/2025.