Organização: Izabel de Fátima Cruz Melo (UNEB), Mariana Souto (UnB) e Reinaldo Cardenuto (UFF). 

Data limite de envio dos textos: 15 de maio de 2023.

                                                                                                 “O seu Brasil acabou e o meu nunca existiu!”
                                                                                                  Grace Passô, no filme República

País (de)formado pelo autoritarismo, o Brasil vive seus dias atuais sob a explicitação contundente das fraturas que atravessam historicamente o seu projeto de estado-nação. Nos últimos anos, sobretudo no período do governo Bolsonaro (2019-2022), a extrema direita agiu explicitamente no sentido de extinguir inúmeras conquistas democráticas alcançadas através das lutas e articulações dos movimentos sociais durante e após o final da ditadura militar (1985). Rasgando diariamente a Constituição, corroendo as instituições públicas e impondo a violência como instrumento político, os extremistas estimularam o sentimento de ódio como método para a manutenção do poder. Sob a regência sórdida de Jair Bolsonaro, representante de um projeto de aprofundamento do neoliberalismo neopentecostal miliciano, assistimos atônitos a inúmeras tentativas de desmonte do pacto democrático institucional, cujo princípio básico é a possibilidade de convívio entre uma pluralidade de vozes, com seus deveres e direitos atrelados aos limites da cidadania comum. Mesmo reconhecendo que o país nunca tenha realmente alcançado o ideal democrático no percurso de sua história, convivendo com contradições tão terríveis quanto fundadoras, considerando a dívida impagável da colonização e seus desdobramentos, o fato é que recentemente estivemos à beira de um novo ciclo ditatorial, estimulado por ações de perseguição, censura e aniquilamento. Ao invés de estimular debates e disputas políticas entre múltiplos agentes históricos, movimento necessário para a construção de pactos sociais mais justos, o governo Bolsonaro reforçou a hegemonia do sistema financeiro, do agronegócio predatório, da branquitude, das diversas formas de racismo, do machismo, do cristianismo na sua faceta mais reacionária e da cisheteronormatividade.

No início de 2023, as consequências do fundamentalismo de direita ainda nos cercam. Diante da nova vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva, com suas perspectivas de retomada do projeto democrático de desenvolvimento social, as forças do extremismo reagem com desmedida violência. O ódio materializa-se, na sua pior face, ante o vislumbre de um novo pacto democrático, pautado por disputas que pretendem priorizar reparações históricas, que consolidem o efetivo reconhecimento do protagonismo social e político das classes populares, das mulheres, dos indígenas, negros e LGBTQIAP+.

Se no Brasil e em diversos países do globo, seja no mundo contemporâneo ou em outros momentos dos séculos XX e XXI, foram ameaçados pilares da democracia como o debate público, os direitos civis, a convivência entre diferentes, o direito ao bem viver, as liberdades de manifestação e divergência, interessa-nos pensar no papel do cinema e do audiovisual diante desses contextos. Seja na reflexão crítica, no questionamento, na tematização da memória pelo trabalho de arquivo, nas estratégias de contra-informação e insurgência, são múltiplas as possibilidades da relação entre as imagens e sons e a política.

Neste cenário histórico no qual tensionam-se projetos radicalmente distintos de país, em que as expectativas se voltam para o sobrepujar da recente barbárie, o periódico A barca – Revista do Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual (PPGCine-UFF) convida pesquisadores a escreverem sobre as múltiplas relações existentes entre o campo do audiovisual e a democracia, seja em contexto nacional ou internacional. Esperando contribuir com reflexões críticas em um momento tão grave da história do Brasil, mas ampliando o interesse para outros contextos e épocas, a revista pretende, em seu número de estreia, realizar um dossiê no qual sugerem-se estudos e pesquisas nos seguintes tópicos:

- As representações, reflexões e experiências estéticas elaboradas pelo campo do audiovisual, no decorrer de sua história, em torno de questões que envolvem a democracia em múltiplos contextos. Análise dos embates e pensamentos que envolvem o sistema democrático (ou mesmo as ditaduras), seja a partir de suas contradições, de seus ideais e/ou dos riscos autoritários que procuram suprimi-lo enquanto modelo de vida social.

- Formas de enlace entre estética e política; entre o audiovisual (seja documentário ou ficção) e relações sociais, de classe, raça e gênero. As reconfigurações do lugar de quem faz os filmes. As relações de alteridade entre os que filmam e os que são filmados.

- O papel dos movimentos sociais nos embates que atravessam o sistema democrático. As representações políticas, estéticas e culturais construídas em torno dos movimentos, assim como a produção audiovisual por eles realizada enquanto projeto artístico e/ou de engajamento.

- A importância das mostras, festivais, cineclubes e cinematecas, que guardadas as suas singularidades foram e são fundamentais para a preservação, circulação e difusão de filmes e articulação de debates que organizam o campo cinematográfico como um dos espaços possíveis de invenção e resistência.

- A centralidade das políticas públicas para garantir o estímulo e a existência de produções audiovisuais contra-hegemônicas viabilizando a possibilidade de novas imagens, perspectivas e interpretações, levando em consideração as dinâmicas de gênero, raça, classe e sexualidades. 

As normas de publicação da revista A barca podem ser encontradas em Submissões

Quaisquer dúvidas, escrever para abarcarevista@gmail.com