v. 10 n. 22 (2023): Ensaios de Geografia
CAPA
Píer da Praia da Bica, Jardim Guanabara – Ilha do Governador, Rio de Janeiro, 18 de novembro de 2022.
Sempre que inicio uma sessão de fotos, ao chegar no espaço que evoca um afeto, dou o meu clique determinante. “Quero falar disso hoje”. Limitar, mesmo que seja virtualmente, o local onde vou habitar e investigar durante esses olhares, sempre se mostrou necessário, mesmo sem saber onde vou chegar ao final da sessão.
Esse píer se localiza na Praia da Bica, que fica no Jardim Guanabara, ao Sul da Ilha do Governador, região administrativa da cidade do Rio de Janeiro. No meio do quadro, a única pessoa presente no plano parece ir em direção a água, como se fosse uma extensão da terra. Mas não do centro do píer, houve uma escolha ao se deslocar para o canto. E depois, como pude presenciar mais tarde, de se sentar ali para contemplar.
Deixar na perspectiva a altura do homem proporcional à extensão de água em sua frente parece produzir uma real possibilidade sobre esse caminho que poderia vir a ser seguido pela baía. Todavia, a impossibilidade do alcançar da paisagem da cidade Rio de Janeiro se faz mais presente do que antes quando se chega no extremo. Agora, mais do que nunca, você é convidado a olhar. Extensão de água, o vazio próximo ao píer, as similaridades estruturais estéticas do píer e da Ponte Rio-Niterói ao fundo, a densificação de embarcações na medida em que se aproxima do centro da cidade, os contrastes vão emergindo conforme o olhar vai percorrendo a imagem.
Esse dia não foi diferente. Porém, tenho a sorte de esse lugar estar a 50 metros da minha casa e evocar um afeto que, após 3 anos morando fora do país, de fato não é muito difícil de se alcançar. Ainda assim, esse foi o primeiro clique que ditou o rumo de uma sessão que me disse muito sobre a cidade, nossa relação com ela através dos anos, e o momento de parar e olhar para o que importa.
O píer na época sequer estava reformado. Ainda assim, apesar da visível fragilidade esculpida pelo tempo nas tábuas retorcidas, nos pilares de contenção quebrados e na ausência das cordas que um dia estiveram presentes ali, a paisagem da cidade do Rio de Janeiro não é contida. Ela chama pelo olhar, convidando a um breve trajeto até a borda, trazendo um enorme contraste com a calmaria da baía.
No momento, decidi escrever a partir do píer, agora já reformado, mas ainda assim parece frágil, em paralelo com a ponte. Há um vento leve e contínuo. A paisagem do Rio de Janeiro à frente já não está tão limpa quanto no dia desta foto. No entanto, parece que esse meio suspenso na água entre a terra e o mar, com o som das ruas do Jardim Guanabara atrás de mim, os ônibus passando, a poda de árvores, produz um isolamento momentâneo que o urbano geralmente não permite.
Assim como suponho sobre o senhor da imagem, parece que venho aqui não procurando tempo, nem mesmo silêncio, mas espaço para pensar. Hoje, com profundidades de campo tão curtas, saltando de uma tela para outra, sinto, mais do que nunca, necessidade dessa pausa para avistar o que está mais distante. E num simples trajeto até a borda do píer, por mais que o corpo fique, quem embarca é a mente.
Sony A7iii - 85mm 1.8
Gabriel Puente
Fotógrafo
@puentegabriel